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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CULTURA E ARTE- ICA


GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

FILOSOFIA E LITERATURA — PROFª MARIA APARECIDA

BRENNA DA SILVA MATIAS E OSCAR DE QUEIROZ

ANÁLISE DA TRAGÉDIA: IFIGÊNIA EM ÁULIS

MAIO DE 2018 — FORTALEZA


ANÁLISE GERAL DA OBRA
Por Oscar de Queiroz

Eurípedes apresenta nesta obra uma distinção marcante comparada com a tragé-
dia Agamémnon, de Ésquilo. A tragédia anterior dá ênfase ao período mais arcaico da
Grécia: a selvageria própria daquele tempo, quando a justiça era feita sob a lei das Erí-
nias: sangue pago com sangue, característica principal que acompanha toda a trilogia.
Em Agamémnon, Ifigênia esperneia como uma cabra quando é carregada para o altar de
sacrifício, rogando pragas aos algozes. Clitemnestra mata o próprio marido para vingar
a morte da filha. A temática da vingança, da guerra e da maldição era central na trilogia
de Ésquilo. Entretanto, há em Eurípedes uma nova roupagem. Percebemos uma evolu-
ção espiritual das personagens, tal como ocorre na própria Grécia. A peça aprofunda-se
nos aspectos próprios da natureza humana: suas angústias, medos, incertezas, paixões,
luxúrias, assim como o lógos, são elementos que alimentam a tragédia de Eurípedes.
Durante toda a peça, estes aspectos são protagonizados pelas personagens. Aga-
mémnon é orgulhoso e prefere sacrificar a própria filha para poupar sua imagem de rei
guerreiro. Clitemnestra, mesmo defendendo a vida da filha, é egoísta em seus argumen-
tos. A ideia de perder o que é seu é pior do que o sacrifício de Ifigênia. O sofrimento
dos dois é marcante no decorrer da peça.
Aquiles representa com muita intensidade o espírito adolescente do ser humano.
Aquiles, o melhor guerreiro da Grécia, exibe-se na beira da praia quando chega com seu
exército e, mesmo se colocando como guardião de Ifigênia, o faz não por honra, mas
por egoísmo, visto que o matrimônio havia sido prometido a ele. Ifigênia é ingênua e,
quando descobre que será sacrificada, cai aos prantos sobre os pés do pai e pede miseri-
córdia pela sua vida, atitude muito distinta da personagem de Ésquilo.
Porém, há uma evolução drástica da personagem. Com uma postura muito mais
própria da época, diferentemente da peça anterior, Ifigênia reflete sobre sua situação. E
com isso, sabe exatamente qual é a melhor atitude a se fazer. Ela não mais esperneia,
trovejando impropérios aos quatro ventos, mas ergue-se e caminha como uma verdadei-
ra heroína ao altar. Sabe ela que o seu sacrifício é de suma importância para a toda a
Grécia, o destino da vitória e da vida dos gregos está em suas mãos e ela carrega isto
como um dever pátrio: sacrificar sua vida pela vida de seus concidadãos e reafirmar a
supremacia grega para com os bárbaros troianos.
No que tange o caráter político da peça, é nítida a importância que Eurípedes dá
a este aspecto. Não mais uma tragédia que ilustra as maldições e os jogos divinos com
os humanos, mas uma tragédia que ilustra o fatal que é próprio do ser humano e a rela-
ção dos indivíduos numa polis. Ifigênia é a protagonista e representa a evolução espiri-
tual da Grécia helenística: o caminho do logos para o desvencilhar da selvageria huma-
na e à ascensão ao regime da polis.

SOBRE A QUESTÃO DO SACRIFÍCIO


Por Brenna da Silva Matias

Todo o enredo da peça se passa pelo ordenamento do sacrifício de uma virgem


para que as naus pudessem avançar e os gregos tivessem possibilidade de vencer a guer-
ra. Nessa perspectiva, a figura feminina perpassa toda a história de maneira muito inten-
sa e importantes figuras na história como Clitemnestra e Ifigênia nos permite uma análi-
se do papel da mulher casada em comparação com a virgem inocente.
Durante a peça, pouco se vê posicionamentos autônomos de Ifigênia, a virgem a
ser sacrificada, acerca da promessa de um casamento com Aquiles que lhe trouxera até
então e tampouco sobre a questão da descoberta da mentira do casamento e que na ver-
dade será sacrificada à deusa Ártemis em nome da guerra. Nesse contexto, O papel da
mulher virgem nas tragédias gregas, segundo a autora Nicole Loreaux na obra Maneiras
Trágicas de Matar uma Mulher, nos remete profundamente a questão da virgem en-
quanto inocente, visto que a todo momento se podem fazer associações em relação à
animais que de alguma maneira carregam alguma inocência.
No período da Grécia antiga, havia o hábito do sacrifício animal aos deuses em
cerimônias religiosas e isso fortalece a comparação, em alguns momentos mais específi-
cos isso pode ser observado com mais clareza, como no momento em que Ifigênia des-
cobre que deve ser sacrificada e o autor usa as palavras “se debate como uma cabra”
para demonstrar a reação da moça contrária à situação.
Essa comparação das virgens com animais se fundamenta sobretudo na questão
da autonomia, visto que se percebe que as mulheres virgens não tinham autonomia tal
qual mulheres casadas e isso pode ser observado por exemplo no momento em que se
Clitemnestra tenta convencer seu marido a não sacrificar sua filha, de maneira menos
apelativa que a súplica de Ifigênia logo após que o pedido de sua mãe fracassa.
Em paralelo a simbologia da cerimônia do sacrifício, existe a questão do casa-
mento, pois em ambos os casos é o momento em que as virgens deixam de ser virgens e
passam ao casamento, seja com um homem, ou seja, com a morte. E por isso percebo
que a promessa de Agamêmnon de casar sua filha com Aquiles tenha sido feita por essa
analogia com a simbologia do matrimonio com a morte, que é o momento em que a
virgem abre mão da vida em família, casamento e filhos para viver com a glória do sa-
crifício.

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