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Eurípedes apresenta nesta obra uma distinção marcante comparada com a tragé-
dia Agamémnon, de Ésquilo. A tragédia anterior dá ênfase ao período mais arcaico da
Grécia: a selvageria própria daquele tempo, quando a justiça era feita sob a lei das Erí-
nias: sangue pago com sangue, característica principal que acompanha toda a trilogia.
Em Agamémnon, Ifigênia esperneia como uma cabra quando é carregada para o altar de
sacrifício, rogando pragas aos algozes. Clitemnestra mata o próprio marido para vingar
a morte da filha. A temática da vingança, da guerra e da maldição era central na trilogia
de Ésquilo. Entretanto, há em Eurípedes uma nova roupagem. Percebemos uma evolu-
ção espiritual das personagens, tal como ocorre na própria Grécia. A peça aprofunda-se
nos aspectos próprios da natureza humana: suas angústias, medos, incertezas, paixões,
luxúrias, assim como o lógos, são elementos que alimentam a tragédia de Eurípedes.
Durante toda a peça, estes aspectos são protagonizados pelas personagens. Aga-
mémnon é orgulhoso e prefere sacrificar a própria filha para poupar sua imagem de rei
guerreiro. Clitemnestra, mesmo defendendo a vida da filha, é egoísta em seus argumen-
tos. A ideia de perder o que é seu é pior do que o sacrifício de Ifigênia. O sofrimento
dos dois é marcante no decorrer da peça.
Aquiles representa com muita intensidade o espírito adolescente do ser humano.
Aquiles, o melhor guerreiro da Grécia, exibe-se na beira da praia quando chega com seu
exército e, mesmo se colocando como guardião de Ifigênia, o faz não por honra, mas
por egoísmo, visto que o matrimônio havia sido prometido a ele. Ifigênia é ingênua e,
quando descobre que será sacrificada, cai aos prantos sobre os pés do pai e pede miseri-
córdia pela sua vida, atitude muito distinta da personagem de Ésquilo.
Porém, há uma evolução drástica da personagem. Com uma postura muito mais
própria da época, diferentemente da peça anterior, Ifigênia reflete sobre sua situação. E
com isso, sabe exatamente qual é a melhor atitude a se fazer. Ela não mais esperneia,
trovejando impropérios aos quatro ventos, mas ergue-se e caminha como uma verdadei-
ra heroína ao altar. Sabe ela que o seu sacrifício é de suma importância para a toda a
Grécia, o destino da vitória e da vida dos gregos está em suas mãos e ela carrega isto
como um dever pátrio: sacrificar sua vida pela vida de seus concidadãos e reafirmar a
supremacia grega para com os bárbaros troianos.
No que tange o caráter político da peça, é nítida a importância que Eurípedes dá
a este aspecto. Não mais uma tragédia que ilustra as maldições e os jogos divinos com
os humanos, mas uma tragédia que ilustra o fatal que é próprio do ser humano e a rela-
ção dos indivíduos numa polis. Ifigênia é a protagonista e representa a evolução espiri-
tual da Grécia helenística: o caminho do logos para o desvencilhar da selvageria huma-
na e à ascensão ao regime da polis.