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CÉLIA HELENA CENTRO DE ARTES E EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DAS ARTES CÊNICAS – 2ºC

ANÁLISE DA OBRA “ORÉSTIA” DE ÉSQUILO


(Tradução do grego e apresentação: Mário da Gama Kury)

Por:
Bruno Stefano de Oliveira Canhete
Camilla Matta Maracaja Pereira
Marcos de Souza Gonçalves Bonavita
Marianna de Camargo Yazbek
Stephanie Garcia Alvarenga
Thais Almeida Ribeiro de Lacerda

SÃO PAULO
OUTUBRO DE 2021

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ENREDO

Parte 1 - Agamêmnon

Agamenon começa com um Sentinela de plantão no telhado do palácio de Argos, à


espera de um sinal anunciando a queda de Tróia para os exércitos gregos. Uma luz se acende e
ele corre alegremente para contar a notícia à rainha Clitemnestra. Quando ele vai embora, o
Coro, formado pelos velhos de Argos, entra e conta a história de como o Príncipe de Tróia Páris
roubou Helena, esposa do rei grego Menelau, levando a dez anos de guerra entre a Grécia e
Tróia. Então o Coro lembra como o marido de Clitemnestra, Agamêmnon (irmão de Menelau),
sacrificou sua filha Ifigênia ao deus Ártemis para obter um vento favorável para a frota grega.
A Rainha aparece e o Coro pergunta por que ela ordenou sacrifícios de ação de graças.
Ela diz a eles que um sistema de faróis trouxe a notícia de que Tróia caiu na noite anterior. O
Coro dá graças aos deuses, mas se pergunta se a notícia dela é verdadeira; um Arauto aparece
e confirma a notícia, descrevendo os sofrimentos do exército em Tróia e agradecendo por um
retorno seguro ao lar. Clitemnestra o manda de volta a Agamêmnon para dizer ao marido que
venha logo, mas, antes que ele saia, o Coro lhe pede notícias de Menelau. O Arauto responde
que uma terrível tempestade se apoderou da frota grega no caminho de casa, deixando Menelau
e muitos outros desaparecidos.
O Coro canta sobre o terrível poder destrutivo da beleza de Helena. Agamêmnon entra,
cavalgando em sua carruagem com Cassandra, uma princesa troiana que ele tomou como sua
escrava e concubina. Clitemnestra o recebe, professando seu amor, e ordena que um tapete de
mantos roxos seja estendido à sua frente quando ele entrar no palácio. Agamêmnon age
friamente com ela e diz que andar sobre o tapete seria um ato de arrogância ou orgulho perigoso;
ela o persuade a andar com as vestes, no entanto, e ele entra no palácio.
O Coro expressa uma sensação de mau agouro e Clitemnestra sai para mandar Cassandra
entrar. A Princesa de Tróia fica em silêncio e a Rainha a deixa frustrada. Então Cassandra
começa a falar, proferindo profecias incoerentes sobre uma maldição na casa de Agamêmnon.
Ela diz ao Coro que eles verão seu rei morto, então diz que ela também morrerá e prevê que um
vingador virá. Após essas previsões ousadas, ela parece resignada com seu destino e entra em
casa. Os medos do Coro aumentam e eles ouvem Agamêmnon gritar de dor de dentro do castelo.
Enquanto eles debatem sobre o que fazer, as portas se abrem e Clitemnestra aparece, parada,
sobre os cadáveres de seu marido e Cassandra. Ela declara que o matou, após bnhar-lhe, para

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vingar Ifigênia e, então, se junta a seu amante Egisto, primo de Agamêmnon, cujos irmãos
foram cozidos e servidos ao pai de Egisto pelo pai de Agamêmnon. Eles assumem o governo,
e o Coro declara que Orestes, filho de Clitemnestra, retornará do exílio para vingar seu pai.

Parte 2 - Coéforaas

As Coéforas compõem a segunda parte da Orestéia, a trilogia de Ésquilo Sendo


precedida pela tragédia Agamêmnon e sucedida pelas Eumênides, a ação se inicia anos após o
assassinato de Agamêmnon por sua esposa Clitemnestra e o amante desta, Egisto, e tem por
tema a vingança de sua morte pelas mãos de seus filhos Orestes e Electra, vingança esta
ordenada pelo oráculo de Apolo em Delfos.
O fragmentário prólogo das Coéforas inicia-se com a presença em cena de Orestes, que
retorna enfim à sua terra pátria, em obediência ao oráculo apolíneo. A sua simples presença, o
próprio fato de ali encontrar-se presente, converte-se em um indício de que começa a se cumprir
aquilo que Cassandra e o Coro de anciãos prenunciaram no Agamêmnon e que Apolo
determinou em sua sede oracular, como será em breve relatado por Orestes. Sua presença
reveste-se, pois, de um caráter numinoso, uma vez que ela põe em ação o cumprimento de um
destino a que, por desígnios divinos, o palácio dos Atridas está fadado. Junto ao túmulo de seu
falecido pai, Orestes pede a Hermes Ctônio que seja seu salvador e aliado na tarefa que se lhe
impõe: vingar a morte de Agamêmnon e recuperar o poder de sua pátria, ora nas mãos de
Clitemnestra e Egisto.
Tendo sido exilado de sua terra pelos usurpadores do poder real, Orestes lamenta o fato
de não poder ter estado presente quando da morte de seu querido pai, motivo pelo qual lhe
dedica agora uma mecha de seus cabelos, um sinal concreto de sua numinosa presença em solo
pátrio.
Nesse momento, Orestes avista um grupo de mulheres vestidas de preto – entre as quais
distingue, por sua dor, a presença de sua irmã – trazendo libações funerárias ao túmulo de
Agamêmnon.
No primeiro episódio, diante do túmulo do pai, Electra consulta o Coro a respeito de
que palavras pronunciar no momento de verter as libações enviadas por sua mãe. O Coro sugere
que ela se aproprie das oferendas e as verta em seu próprio nome, subvertendo o propósito pelo
qual a rainha as enviou, de modo a adequá-las aos seus próprios interesses.

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É interessante observar que Electra utiliza o termo “sedição” para descrever essa
inversão de propósito das libações enviadas pela rainha. Ora, como relata ao invocar o pai,
Electra encontra-se em uma terrível situação: ela vive como uma escrava em seu palácio e seu
irmão Orestes foi banido do país e das riquezas paternas, das quais unicamente desfrutam os
assassinos usurpadores do trono.
Assim, ao poder da autoridade dos que agora reinam, Electra contrapõe o poder das
palavras e verte as libações fúnebres suplicando ao pai que propicie o retorno de Orestes e, para
os inimigos de Agamêmnon, pede que com justiça sejam mortos pelas mãos de seu vingador.
Essa súplica pela morte de Clitemnestra e Egisto, feita em meio a um ritual fúnebre,
cuja solenidade é sublinhada pelo Coro ao dizer que respeita como um altar o túmulo de
Agamêmnon, converte-se, dessa forma, em uma maldição. A palavra imprecatória, como
observa Vernant “inscreve no ser, de antemão e para sempre, o que é enunciado por ela”.
Trata-se assim de uma palavra que tem uma força profética, pois ela enuncia um destino,
mediante o qual se revela um desígnio divino. Sendo assim, a “ruim praga” pronunciada por
Electra converte-se em mais um indício a prenunciar a morte de Clitemnestra e de Egisto.
Após o derramamento das libações acompanhado do lamento do Coro, que reitera a
súplica por retaliação à morte do rei, Electra vê sobre o túmulo do pai uma mecha de cabelos,
em cuja semelhança com os seus próprios cabelos repousa a esperança de que pertença a
Orestes. Tal esperança, no entanto, está crivada pela dúvida, dada a impossibilidade de sabê-lo
com certeza. A mesma dúvida se impõe ao espírito de Electra quando ela descobre pegadas no
chão que, quando comparadas, revelam-se similares às suas próprias. A impossibilidade de
saber se a mecha de cabelos e as pegadas são indícios fidedignos da presença de seu irmão em
terra pátria, exasperam Electra de tal modo que ela invoca os deuses, pois só estes poderiam,
com seu conhecimento, propiciar-lhe a serenidade advinda da certeza. Orestes, que a tudo
observara, finalmente se revela à irmã.
Os irmãos, há muito afastados pelo decreto daqueles que exercem o poder no palácio,
finalmente se reencontram.
Trata-se de um acontecimento auspicioso. As preces de Electra foram já em parte
prontamente atendidas: Orestes está de volta para retomar o poder que lhe pertence por direito
e punir os assassinos de seu pai. O Coro conta a Orestes o sonho que Clitemnestra teve de sua
própria morte por uma serpente que ela mesma alimentara, Orestes deduz ser ele o assassino e
o Coro, porém, pede que os irmãos silenciem, por temer que, descoberto o retorno de Orestes
pelos atuais senhores do palácio, frustrem-se o desejo e a possibilidade de vingança.

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Ao temor do Coro, porém, Orestes contrapõe a confiança no poder do “oráculo
plenipotente de Lóxias”, que ele afirma não haver de traí-lo. Embora Orestes não reproduza as
palavras oraculares de Apolo, pode-se perceber que se trata de um oráculo que, além de
eloquente, é bastante claro, como o sugere o entendimento que dele tem o seu destinatário ao
relatá-lo. Ora, uma das características dos oráculos pítios é justamente a obscuridade, a
ambiguidade e, por isso, a dificuldade que se tem de interpretá-los. Tal característica é
tradicionalmente conhecida, como o revela a etimologia popular que associa o epíteto de Apolo
“Lóxias” com o adjetivo “oblíquo” (loxós). Essa obliquidade dos oráculos do deus decorre do
fato de estes serem a expressão de um ponto de vista divino, onisciente, cujo sentido escapa ao
homem, confinado como está ao ponto de vista limitado por sua finitude humana.
Nas Coéforas, porém, não há nada mais claro do que esse oráculo de Apolo, como o
atestam as palavras de Orestes: ele deve punir os assassinos de seu pai “dando-lhes por sua vez
a mesma morte”. Caso não o faça, pagará essa desobediência com sua própria vida, padecendo
de incontáveis males a que o sujeitarão as Erínias vingadoras do sangue paterno: as doenças, o
pavor noturno, o exílio, o banimento do convívio social, a desonra, a falta de amigos e uma
morte ruinosa.
Enfim, Orestes coloca seu plano em prática, apresentando-se ao palácio com seu amigo
Pílades como dois estrangeiros e anunciando à sua mãe, que não o reconhece, sua morte. Egisto
é chamado ao palácio pela escrava Cilissa, que, por orientação do Corifeu, contraria a vontade
da rainha e chama o amante sem sua guarda.
Com a chegada de Egisto, Orestes o mata. Então Clitemnestra, após escutar os gritos de
dor do amado, encontra-o caído e, vendo Orestes, reconhece-o como seu filho, entendendo ter
chegado seu destino e fazendo-lhe uma súplica por sua vida.
Orestes obriga a mãe a entrar no palácio e as portas se fecham. Quando reabrem, os
corpos de Egisto e Clitemnestra são revelados e as Fúrias vingadoras aparecem para punir
Orestes pelo matricídio. A peça se encerra com Orestes deixando Argos, instruído a buscar
proteção junto ao deus Apolo.

Parte 3 - Eumênides

A terceira e última parte da trilogia da Oréstia fala sobre os eventos que se seguiram ao
assassínio de Clitemnestra e Egisto por Orestes.

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O protagonista vê-se perseguido pelas Fúrias, entidades que permeiam toda a tragédia e
que cumprem o papel de vingar crimes e ofensas contra os deuses, genitores ou hóspedes, sendo
instigadas pelo fantasma da falecida rainha. O nome da peça, Eumênides, é outra alcunha
destinada às Fúrias, também chamadas, em outras obras, de Eríneas.
Orestes foge das criaturas, deixando sua terra e indo buscar abrigo no templo de Apolo,
em Delfos. Inclusive, a terceira peça se abre com a profetisa do deus encontrando Orestes
agarrado à imagem de Apolo, que fez as fúrias adormecerem a seu lado, protegendo-o. Orestes,
após imolar um porco e ser purificado com o sangue por seu deus protetor, é por ele instruído
a buscar o julgamento de Atena e parte, com a companhia e sob a proteção do deus Hermes,
para o templo da deusa, em Atenas. Após sua saída, o fantasma de Clitemnestra acorda as Fúrias
para que voltem a perseguir Orestes.
No templo de Atena, as Fúrias cercam Orestes, que já havia depositado suas súplicas à
deusa. Atena surge e ouve os dois lados, atentando-se para a justiça, então resolver reunir os
mais nobres cidadãos atenienses para figurarem como juízes da causa.
Os juízes se colocam no centro do palco, de frente para o público, ficando as Fúrias de
um lado e Orestes do outro. Apolo então surge, na condição de testemunha, mas também de
advogado de Orestes, defendendo-o das acusações, assumindo a culpa pela morte de
Clitemnestra.
As Fúrias, no papel de acusação, interrogam Orestes, que reconhece o crime e o atribui
à vontade de Apolo. As Fúrias interrogam o deus, que descreve novamente como a rainha matou
seu marido após envolvê-lo em sua mortalha ao terminar o banho, reforçando o caráter insidioso
do crime e declarando que o próprio Zeus determinou que Clitemnestra morresse por ter matado
um herói de guerra.
As Fúrias lembram que Zeus matou ele mesmo o seu próprio pai Cronos, relembrando
que Orestes não pode assumir o trono de Argos após matar a mãe, por ser um crime
impurificável. Apolo eleva a condição de pai em detrimento da condição de mãe, apontando
que a própria Atena nasceu de pai sem mãe, como se esta condição fosse descartável.
Atena encerra o julgamento e conclama os juízes a votarem, instaurando definitivamente
o tribunal formado e determinando que sejam cumpridas as leis por ele criadas. Enquanto os
juízes depositam seus votos, as Fúrias professam ameaças aos atenienses e Apolo exalta
novamente a vontade de Zeus.
Atena anuncia seu voto a favor de Orestes e declara que, para sua vitória, basta o empate.
Tal conduta dá a seu próprio voto um peso maior, o que originou a expressão “voto de minerva”.

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Após verificar os votos, Atena anuncia o empate, dando a vitória a Orestes e inocentando-o de
seu crime. Orestes jura lealdade a Atena e promete-lhe que Argos jamais levantará armas contra
sua cidade.
As Fúrias reiteram as ameaças de ruínas aos atenienses e Atena lhes oferece um lugar
em sua cidade, prometendo-lhe que nenhum cidadão ateniense prosperará sem sua bênção. As
Fúrias aceitam, professam suas bênçãos sobre a cidade, prometendo guardar a justiça e a
retidão, e saem escoltadas para seu novo lar.

O AUTOR

Ésquilo (525-456 a.C.) foi um dramaturgo grego, considerado o fundador da tragédia


grega. A ele a tragédia grega antiga deve a perfeição artística e formal, que depois permaneceria
como um padrão para o futuro, e inovações como o emprego de máscaras, a utilização do coro
e o emprego do diálogo, ao colocar um segundo ator em cena, conferindo grande força
dramática às suas apresentações.
Ésquilo nasceu em Elêusis, nas proximidades de Atenas, por volta de 525 a.C., e seu pai
provavelmente era pertencente a nobreza proprietária de terras, o que permitiu a Ésquilo ter
acesso direto a vida artística de Atenas. Cresceu em um período de instabilidade política e
participou das batalhas de Maratona, Artemísio e Salamina, e mostrou-se apaixonado pelo
conceito democrático da polis.
Muito cedo mostrou seu talento literário. Escreveu 70 tragédias e vinte dramas,
concebendo a esse um instrumento nacional. De sua obra, apenas nove títulos chegaram até aos
tempos modernos, mas dentre eles conservaram-se completas apenas sete peças, restando ainda
um grande número de fragmentos.
Ésquilo, após diversas tentativas, foi reconhecido com vitórias nas competições
literárias do festival de teatro ateniense. Sabe-se que ele começou a competir na Grande
Dionisíaca em 500 a.C. com tetralogias, a unidade obrigatória de três tragédias e uma peça
satírica concludente. Sua primeira vitória ocorreu em 484 a. C. com uma obra de título
desconhecido.
Sabe-se que a mais antiga tragédia de Ésquilo foi “As Suplicantes” (490 a. C.), parte de
uma trilogia completada por “Os Egípcios” e “Danaídes”, que se perderam.
Em 472 a.C., ganhou outro prêmio com a tetralogia composta pelas tragédias “Fineu”,
“Os Persas” e “Glauco de Potnias”, seguida pela peça satírica “Prometeu, o Portador do Fogo”.

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Em “Os Persas”, inspirada na invasão da Grécia pelos persas em 480 a.C., há a glorificação da
cidade-estado de Atenas pela descrição da vitória dos atenienses na batalha de Salamina. Na
peça, quando Atossa pergunta ao corifeu: “Quem rege os gregos, quem os governa?”, a resposta
mostra o orgulho de Ésquilo pela polis Ateniense: "Eles não são escravos, não têm senhor”.
Convidado por Hierão I, Ésquilo transferiu-se para a corte de Siracusa, onde voltou a
apresentar Os Persas e compôs o drama As Etnéias, que comemorava a fundação de Etna.
Em 467 a. C. Ésquilo voltou para Atenas e obteve nova vitória com a Trilogia Tebana,
composta por “Laio”, “Édipo" e “Sete contra Tebas”, mas apenas o último texto foi preservado.
A única trilogia de Ésquilo que permaneceu completa foi sua obra-prima “Oréstia”,
apresentada em 458 a.C., composta pelas peças “Agamêmnon”, “As Coéforas” e “as
Eumênides”.
Outra trilogia, mas de data desconhecida, é composta por “Prometeu Acorrentado”,
“Prometeu Libertado” e “Prometeu Portador do Fogo”. Destas, “Prometeu Acorrentado” foi a
única que sobreviveu e constitui um canto à liberdade e aos dilemas da condição humana,
mostrando um personagem que, apesar de todas as adversidades, nega-se a curvar-se diante dos
deuses.
Os componentes dramáticos da tragédia arcaica eram um prólogo que explicava a
história prévia, o cântico de entrada do coro, o relato dos mensageiros na trágica virada do
destino e o lamento das vítimas. Ésquilo seguia essa estrutura. Interessante notar que o que
Atossa, Antígona, Orestes ou Prometeu sofrem não é um destino individual. Sua sorte
representa uma situação excepcional, o conflito entre o poder dos deuses e a vontade humana,
a impotência do homem contra os deuses, amplificada num acontecimento monstruoso.
Como outros autores de sua época, Ésquilo atuava em suas próprias obras, se
encarregando-se também da coreografia e da encenação.
A obra de Ésquilo expressou a negação do conceito de culpa coletiva. Significou
também a afirmação do direito sobre a arbitrariedade, da dignidade e da autonomia do homem
perante os deuses e o destino.
Ésquilo foi considerado um dos três grandes representantes da tragédia grega, ao lado
de Sófocles e Eurípides.
Ésquilo faleceu em Gela, na Sicília, por volta de 456 a. C.. Alega-se que o motivo de
sua morte teria sido um casco de tartaruga que caiu em sua cabeça por conta de alguma águia
ou abutre que a soltou.

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CONTEXTO HISTÓRICO

Escrito entre 460-459 a.C. Orestéia é uma trilogia que conta a história de Orestes filho
de Agamêmnon (nome da primeira peça da trilogia) que seguindo a tradição grega, busca
vingança contra Egisto e sua própria mãe pela morte de seu pai.
Ésquilo conta nessa trilogia desde a volta de Agamêmnon da Guerra de Troia e sua
morte, o retorno de Orestes para execução de sua vingança na qual tem êxito, a perseguição
pelas fúrias após tê-la realizado e por fim seu julgamento, que apresentou o sistema judiciário
que conhecemos até hoje.
É importante lembrar um acontecimento que ocorreu a poucos anos antes dessa
dramaturgia ser escrita. O assassinato do partidário de Péricles (ainda não tinha ascendido ao
poder) Efialtes do partido democrático, tal fato se deu devido a remoção da influência
aristocrática no tribunal passando então para o “tribunal dos 500” como fez Clístenes, fato esse
gerou uma tensão entre os eupátridas e os democráticos e, a mando do partido conservador, um
dos representantes da democracia foi morto. Alguns anos depois com Péricles subindo ao poder,
uma mudança radical nos tribunais seriam responsáveis pela reestruturação da justiça, sistema
esse que seguimos até os dias de hoje, trazendo consigo a ascensão da democracia.
Entre o período da ascensão da democracia e o final das guerras contra os persas,
Oresteia é escrito, interpretado e dirigido por Ésquilo a fim de mostrar a negação do conceito
de culpa coletiva e ressignificando também a afirmação do direito sobre a arbitrariedade, da
dignidade e da autonomia do homem.

Ésquilo trazia consigo uma posição “moderada” no que se diz respeito aos tribunais e
sociedade de sua época. Tentava manter as tradições dos grupos mais conservadores apesar de
entender e apoiar uma reforma no sistema judiciário, de tal forma que os personagens da trilogia
representam cada um uma parte desse novo sistema.
Atena sendo sua juíza, concedendo o “voto de Minerva” no empate da sentença de
Orestes (termo usado até a atualidade), Apolo sendo seu defensor, Orestes como o réu, as fúrias
como as acusadoras e o povo como o júri comum.
A democracia estava de certa forma em um retrocesso até a chegada de Péricles no
poder, apear dos avanços alcançados por Clístenes cedendo a estrutura do poder democrático
nas reformas de 510-511 a.C.

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O momento em que essa peça foi escrita é de tensão, por este mesmo motivo que Ésquilo
tenta conciliar o passado, as tradições antigas de Atenas (eupátridas) com as novas formas de
governo para as próximas gerações. É um período marcado pela transição da religiosidade, um
imaginário da justiça onde a ideia de um crime que seria sempre coletivo para um processo de
racionalização da justiça, elaboração de provas, de decisões tomadas por um grupo de pessoas
deliberadamente.

COMENTÁRIOS SOBRE A OBRA

Agamêmnon é a primeira peça da trilogia Orestéia, considerada a maior obra de Ésquilo


e talvez a maior tragédia grega. Das peças da trilogia, Agamêmnon contém o mais forte
comando de linguagem e caracterização. A poesia é magnífica e comovente, com representação
de personagens maiores e menores.
O clima da peça carrega uma forte sensação de desgraça iminente. Desde o discurso de
abertura do sentinela até as palavras supersticiosas do Coro e as profecias de Cassandra, o drama
prepara o público para o assassinato do rei. Tematicamente, o assassinato de Agamêmnon deve
ser entendido no contexto de três outros atos de violência, os quais precedem a ação da peça.
O primeiro desenvolvimento violento significativo na peça é o roubo de Helena e a
Guerra de Tróia que se seguiu; repetidamente, o Coro declara que mesmo as mortes após o
conflito devem ser deixadas à porta de Helena. O segundo ato violento é o sacrifício por
Agamêmnon de sua filha Ifigênia, o que justifica a resolução de Clitemnestra de assassiná-lo.
Talvez a mais vil demonstração de violência seja o terrível pecado do pai de Agamêmnon,
Atreu, que cozinhou os filhos de seu irmão Tiestes, e os serviu a ele. Este ato justifica o papel
na peça de Egisto, outro dos filhos de Tiestes. Mas, em um sentido mais amplo, é a fonte da
maldição ancestral que permeia a trilogia, pois um ato de violência leva a outro.
O personagem-título, Agamêmnon, aparece apenas brevemente e aparece como um
marido frio e rei arrogante. Clitemnestra, com sua determinação gélida e forte senso de justiça
próprio, é muito mais atraente para o público; podemos simpatizar com ela durante grande parte
da peça. No entanto, seu envolvimento com o odioso Egisto e seu assassinato da infeliz e
inocente Cassandra nos lembra que, no contexto mais amplo da trilogia, ela não é uma
vingadora, mas uma adúltera e uma assassina cujo crime leva inexoravelmente à vingança de
Orestes no próximo Toque.

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Clitemnestra, portanto, mostra-se uma figura de caráter dúplice, revelando um senso de
justiça ao vingar a morte de sua filha, mas, por outro lado, deixando dúvidas se não é isto apenas
uma desculpa para seu crime, motivado, em verdade, pelo adultério e vontade de viver com o
amante Egisto, além, claro, da vingança pelo adultério de Agamêmnon com Cassandra. Trata-
se de uma escolha de Ésquilo bem desenhada.
Na segunda peça, vemos um embate entre razão e emoção. Orestes vê-se diante da
dúvida entre cumprir o dever a si atribuído por um deus ou priorizar o vínculo maternal. Aqui,
há a típica dualidade trágica, vendo-se Orestes dividido entre honrar seu pai, vingando-lhe a
morte, ou sua mãe, perdoando-lhe o crime.
A contribuição maior da trilogia se encontra no julgamento de Orestes, que ocorre na
terceira peça, Eumênides.
Com efeito, o julgamento traz diversos elementos que, até hoje, permeiam os tribunais
judiciários pelo mundo todo, como a necessidade de contraditório, ouvindo-se ambas as partes,
a ampla defesa, colocando-se primeiro a ouvir a acusação para que a defesa possa se pronunciar
contra todas elas, e a presença de um tribunal, permitindo que os julgamentos sejam proferidos
não por um único julgador.
Destaca-se também o voto de Minerva que prevê a necessidade de um critério de
desempate, evitando-se um impasse. Hoje, vê-se este elemento na composição em número
ímpar de julgadores, permitindo-se sempre que haja um desempate.
A justiça no julgamento está presente, também, ao se notarem as circunstâncias que
expiam o crime de Orestes, permitindo que se diferencie o assassinato cometido por suas
próprias especificidades, no caso, por se tratar de um crime de honra, o que deve ser visto sob
a égide dos costumes da época, que garantiam aos filhos o direito de vingar a morte dos pais.
No direito criminal, os crimes são examinados individualmente, sempre considerando-se as
circunstâncias atenuantes e agravantes, seja para extinguir a pena ou fazer sua dosimetria.
A contribuição da Oréstia pode ser vista não apenas nos sistemas legais, mas também
pode ser notada como inspiração de inúmeras outras obras. Como exemplo, recentemente
tivemos dois momentos memoráveis na série “Game of Thrones”, em que, num primeiro
momento, o personagem Lorde Walder assassina seus hóspedes, entre eles os membros da
família Stark, Catelyn e seu filho Robb. Num segundo momento, vemos Arya Stark, uma
personificação das Fúrias vingadoras, servindo como refeição a Walder seus dois filhos varões
mortos, em alusão ao evento que originou a maldição da família de Orestes, quando Atreu
serviu a Tiestes seus filhos.

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Trata-se de uma trilogia riquíssima, tanto do ponto de vista antropológico como
histórico, o que a torna uma das principais obras da Antiguidade.

REFERÊNCIAS:

Ésquilo. Oréstia: Agamemnon, Coéforas, Eumênides. Tradução do grego, introdução e


notas de Mário da Gama Kury. – 7.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.
Berthold, Margot. História Mundial do Teatro/ Margot Berthold; tradução Maria Paula
v. Zurawski, J. Guinsburg, Sérgio Coelho e Clóvis Garcia. - 6º ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
FRAZÃO, Dilva. Ésquilo: Dramaturgo grego, e-biografia, 2020. Disponível em:
<https://www.ebiografia.com/esquilo/> Acesso em: set/ 2021
https://greciantiga.org/arquivo.asp?num=0059
https://www.ebiografia.com/esquilo/

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