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A Mulher e Crime na

Oresteia

Disciplina: História da Antiguidade Clássica.


Docentes: Nuno Simões Rodrigues; Joana de Jesus Mira Costa.
Discente: Ana Margarida Custódio de Sequeiros.
Local: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Ano Lectivo 2022/2023, 2ºSemestre.

1
Introdução:

Este trabalho académico individual decorre no âmbito da disciplina de História da


Antiguidade Clássica, lecionado pelos docentes Nuno Simões Rodrigues e Joana de Jesus Mira Costa,
do Departamento de História.
Para a realização deste ensaio foi-nos apresentado o livro “Oresteia” de Ésquilo, no qual
teríamos de desenvolver a nossa leitura e fazer a pesquisa do mesmo no tema “A Mulher e o Crime na
Oresteia”.
Por isso, neste trabalho irei apresentar um pequeno resumo de todo o livro, em seguida as
mulheres destacadas no livro e de que maneira elas são apresentadas para os leitores, os crimes que
são cometidos no livro, a questão de que será que houve justiça para estes crimes e, por fim, uma
pequena conclusão do que retirei deste estudo.

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Resumo do Livro “Oresteia”:

A Oresteia é um livro do autor Ésquilo, da qual sobreviveram 3 peças: Agamémnon, As


Coéforas e As Eumênides. Estas peças narram a história de Agamémnon e de sua família.
A primeira peça, Agamémnon, descreve a morte do rei nas mãos sujas de sua esposa,
Clitmnestra, que o terá matado devido a este ter matado a sua filha Ifigénia quando estava na guerra,
por ter a sua amante qual não podia se casar, Cassandra, e porque Clitmnestra queria ficar com Egisto.
Por Clitmnestra matar Agamémnon, seu filho, Orestes, vai vingar a morte de seu querido pai e
assassinar a mãe e Egisto pois “que todo o golpe assassino seja pago com um golpe assassino” (página
132, 310-313).
A segunda peça começa com a Clitmnestra a ter um pesadelo onde dava luz a uma cobra, por
isto, a rainha vai pedir a sua filha, Electra, que faça oferendas ao túmulo de Agamémnon para libertar
Clitmnestra. No entanto, quando vai ao túmulo, Electra encontra Orestes e junta-se a este no seu plano
de matar a mãe. Quando a princesa retorna ao palácio vai trazer a falsa notícia que Orestes terá
morrido mas quando Egisto e Clitmnestra descem para ouvir tal afirmação, Orestes mata os dois e
imediatamente aparecem as fúrias da mitologia grega, as Eumênides.
A terceira peça é sobre estas mesmo, as Eumênides. Nesta parte final é abordado o tema da
justiça e o sentimento de culpa de Orestes por ter matado o seio que lhe deu a vida. Orestes é obrigado
a refugiar-se no campo e pede ajuda ao deus Apolo, que o terá encaminhado para matar Clitmnestra,
ou seja, tem uma certa culpa neste ato de assassinato. Apolo vai mandar Orestes ao templo de Atena,
que conclui que é necessário um julgamento do caso.

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As Mulheres:

Claramente, as mulheres mais destacadas nesta obra teatral são: Clitmnestra, Electra e
Cassandra.
Clitmnestra, mulher de Agamémnon, é apresentada no texto como uma forma de erro, visto
que é uma mulher que vai contra a sociedade patriarcal da época. Ela mata o próprio marido e decide
escolher o seu próprio parceiro, sem ser obrigada a casar ou ter relações com alguém a quem não
deseja. Pela força (“Monster of Greece”), ela vai apoderar-se de todo o poder e posses que
Agamémnon teria deixado em aberto. No entanto, é importante notar que na primeira parte da peça, é
mostrado a Clitmnestra como uma rebelde inteligente e poderosa que vai contra o regime masculino,
mas depois, ela é apenas apresentada como alguém repressivo e consevador, o que faz com que
Orestes, seu filho, consiga que a sociedade descrita passa de matriarcal e patriarcal novamente.

Já Electra e Cassandra penso que sejam representadas mais ou menos da mesma maneira.
Parece, ao longo do texto, que não tem vida própria e apenas seguem as ordens dos outros e deixam-se
levar pelo o que os homens lhes fazem acreditar.
Electra encontra-se com Orestes, seu irmão, quando a rainha lhe manda ir louvar o túmulo de
Agamémnon devido ao seu pesadelo de dar à luz uma serpente. Quando Electra chega ao local
encontra Orestes, mas não o reconhece. - (Orestes) “Agora que me vês tens dificuldade em me
reconhecer (Pág. 128, 225)” - Com tudo, quando sabe que é ele e ouve suas palavras de luto, junta-se
ao mesmo no seu plano de vingar a morte de seu pai e matar sua mãe e Egisto. Electra é de certa
maneira mostrada facilmente manipulada e sentimental, diferente da rainha- (Electra) “Peço justiça
contra a injustiça. Escutai-me, terra e veneráveis deuses infernais.” (Pág. 136, 396-397).
Cassandra, mulher também morta por Clitmnestra devido aos seus ciúmes por esta ser amante
de Agamémnon, é descrita como a mulher “certa” da época, submissa, pacífica, feminina e inocente.
Ela vai ser obrigada a ser a amante de Agamémnon depois da Guerra de Tróia e quando chegam a
Argos, Cassandra sabe que ela e Agamémnon vão morrer devido às suas visões dos oráculos que eram
muitas vezes não levadas asério pelos homens - (Cassandra) “Não há dúvida que perdeste
inteiramente o rasto dos meus oráculos” (Pág. 79, 1252-1253). Também reconhece que a casa dos
Atridas odeia os deuses e tem uma longa história de assassinatos.
Um exemplo de ela saber que vai ser assassinada junto com Agamémnon é a maneira que ela louva a
Apolo e também as profecias a que se refere: (Cassandra) “Ela fere-o com a arma, insidiosa dos
negros chifres e ele cai na banheira cheia de água” (Pág. 71, 1126-1127) - forma exata que o
Agamémnon morre.

Mas, podemos ainda falar de outra mulher importante para mais adiante da peça, Atena.
Deusa grega, filha do grande deus Zeus, é deusa da civilização, da justiça e da estabilidade, por isso,
ela aparece quando se trata do julgamento de Orestes por este ter matado a própria mãe. Orestes
chama e chama pela deusa, abraçando a sua imagem e ela acaba por aparecer. - (Atena) “De longe
ouvi uma voz” (Pág. 204, 397). Ela ouve ambos os lados da história e em seguida sai para buscar os
seus melhores cidadãos que julgariam este processo. Entretanto, Apollo, quem teria purificado Orestes
do seu crime, apresenta-se como testemunha do mesmo. Atena acaba por ser convencida por Apollo a
deixar Orestes livrar-se do crime.

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Os Crimes:

Noto que existem em simultâneo vários crimes ao longo desta obra.


Primeiro vemos o crime de Agamémnon que terá matado a sua filha Ifigénia quando estava na
Guerra da Tróia. Para vencer, necessitou de matar a sua filha e pagar por isso com a sua morte, devido
à fúria de uma mãe. No entanto, não consigo desligar do pensamento que talvez se ele não fosse morto
por Clitmnestra tereria continuado livre, sem nenhuma consequência pelo seu acto infernal, porque
como veremos mais adiante, os homens que cometem crimes saem completamente ilesos nesta obra
(Orestes).

Em segundo temos o crime de Clitmnestra, que assassina ambos Agamémnon e Cassandra por
ciúmes da mesma, pela vingança da morte da sua filha e por querer ficar com o seu parceiro ideal. A
morte de Agamémnon é uma certa sanção divina para o rei matar a sua filha, ou seja, morte por morte,
o que vai decorrer ao longo de toda a obra pois Clitmnestra também vai ser morta por Orestes numa
morte por morte. Se esta morte por morte continuasse até ao fim de onde era suposto, se Orestes não
fosse perdoado pelos deuses, a conclusão é que o oikos iria desaparecer num certo ponto.
Depois da morte de Agamémnon, Clitmnestra vai unir-se com Egisto e reinar o povo Micena.
Mais tarde, arrependida por não prestar atenção aos seus filhos, Orestes e Electra, vai dizer que em
nenhum momento tinha parado de pensar em Orestes e que só tratava Electra como escrava com medo
do que Egisto pudesse fazer. Para provar o seu amor de mãe, mostra os dois seios que os amamentou
mas não vai dar em nada.

Com isto, chega-se ao último e terceiro crime, a morte de Clitmnestra e Egisto pelas mãos
sangrentas de Orestes. Orestes, filho de Agamémnon e Clitmnestra, mata esta e seu parceiro no
palácio com a ajuda da sua irmã. O papel de Electra seria guardar a porta do castelo enquanto o
Orestes realmente cometeu os assassinatos. Assim estes dois vingaram a morte de seu querido pai e
imediatamente apareceram as Eumênides que levam Orestes embora para este ser julgado pela deusa
Atena e todos os cidadãos gregos, pelos seus atos.
Seria impossível para Orestes ir contra os oráculos que lhe davam a premissa de cometer tal
crime e contra sua própria vontade pois teria prometido a si mesmo “se eu não perseguir os
responsáveis pela morte de meu pai, tratando-os como eles o trataram, matando quem matou (...)
pagarei com a própria vida” (Pág. 130, 272-276).

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A Justiça:

Nos dois primeiros crimes sabe-se que a “justiça” de tais é a morte mas irei rapidamente
analisar os dois crimes.
O crime cometido por Agamémnon é muito pouco aprofundado nesta obra pelo com rapidez
dentro da obra Clitmnestra o mata, no entanto, o que aconteceria se este tivesse sobrevivido? Teria
sido condenado por seus actos? Ou por ser rei, por ser homem, por ter poder, seria ilibado de tais atos?
É algo que nunca saberemos com total certeza mas eu acredito, devido à maneira que as mulheres são
descritas no texto e devido à forma da influência dos homens na sociedade, que Agamémnon não
pagaria por matar sua filha.

Agora, o crime de Clitmnestra é de certa maneira uma base do que vai ser o crime de Orestes
e este foi ilibado pelos deuses, por Atena, filha de Zeus, então por que razão morreu Clitmnestra e não
teve direito a ser perdoada? Orestes fala de uma morte por morte e insiste que este necessitava de
vingar a morte de seu pai, no entanto, se virmos bem, Clitmnestra matar Agamémnon também é uma
morte por morte. Penso que apenas cada um escolheu o seu lado, o lado favorito, e obviamente numa
sociedade patriarcal, quem se torna bom, quem se perdoa vai ser um homem e não uma mulher.
Mas, Clitmnestra não mata o seu sangue, diferente de ambos Agamémnon e Orestes,
parecendo que ela tem justificações para fazer aquilo que faz pois Agamémnon estaria a quebrar uma
regra antiga da mitologia.

Passando para o crime de Orestes, ele vai ser julgado por Atena e a sua testemunha vai ser o
deus Apollo que terá lhe mandado os oráculos. De um lado da história temos Corifeu que condena
totalmente este filho a matar a própria mãe e mostra esse ponto a Atena. A deusa quer ouvir os dois
lados da história e Orestes insiste que terá matado a sua mãe com justiça merecida pois: “Sim matei a
minha mãe, mas com justiça, porque ela manchou a minha casa, ao assassinar o meu pai”.
Mais tarde, Atena volta com seus melhores cidadãos para decidir o que fazer com Orestes. Apollo
apresenta-se ao júri como o defensor de Orestes dado que será ele o responsável pelo o assassínio de
Clitmnestra (“Foram os oráculos do deus que hoje é minha testemunha” Pág 214, 594). Orestes não
nega em nenhum momento que terá matado a mãe e admite-o orgulhosamente, pensando fazer aquilo
que é justo, mas é importante notar o quão importante é o sangue de família. Enquanto marido e
mulher não partilham o mesmo sangue, filho e mãe sim (ponto de Corifeu).
Apollo afirma que a morte de Clitmnestra foi justa e de imediato diz que “Recomendo-vos
que vos conformeis com a vontade de meu pai, pois não há juramento que possa prevalecer Zeus.”. De
certa maneira quando ele diz isto, mostra que agora ele tem o poder, ele tem o contacto com Zeus que
concorda com a ideia de Apollo, o que os júris ou Atena ou quem achava injusto poderia fazer? Ir
contra o próprio Zeus?
Chega-se ao fim de tudo o que haveria para dizer e o júri vai a votos mas os votos empatam.
Atena é a responsável pelo desempate e visto que nunca teve uma mãe ao seu lado, não precisa nem
de pensar muito para saber de que lado iria ficar. Ela junta-se ao júri que liberta Orestes e este não
passa qualquer consequência por ter matado a sua mãe, o seu próprio sangue, o seio que cuidou dele.
Será isto justo? Na minha opinião não, no fim acho que toda a gente sofre, até Apollo, menos Orestes.
De qualquer maneira, entendo o porquê de este não ser condenado, não só porque vivia numa
sociedade patriarcal mas porque se o deus dos deuses, Zeus, queria algo, não vejo uma maneira que se
poderia ir contra o mesmo.

6
Conclusão:

Concluo que gostei imenso de ler este livro, achei muito interessante ver como as mulheres e
a descriminação que é notável com as mesmas têm uma ligação com o crime e a justiça que é feita. A
maneira que é notável a força, poder, agressividade e características de Clitmnestra. A maneira que
Cassandra é apresentada como uma mulher totalmente submissa aos homens, sendo “a mulher ideal
grega”.

Com o estudo feito, é apresentado a sociedade patriarcal, que um crime cometido por um
homem não vai ser tratado da mesma maneira de um crime cometido por uma mulher porque era a
sociedade da época escrita o livro, era como as pessoas viam o seu mundo e não podemos de nenhuma
forma igualar à nossa sociedade de hoje, com perspectivas totalmente diferentes.

A justiça vai ser feita? Talvez, mas às pessoas certas? Nem sempre, e é por isso que é tão
fascinante perceber que é um mundo à parte. Obviamente nos nossos dias de hoje um “mal por um
mal” seria totalmente tão condenável como o primeiro mal, mas neste contexto, o mais importante
para a justiça é aquilo que os deuses, e principalmente Zeus, desejam. Se este desejar então que este
homem seja libertado então assim acontece e aconteceu.

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Bibliografia:
● ÉSQUILO, Oresteia, trad. M. Oliveira Pulquério.
● ZEITLIN, Froma, 1978, “The Dynamics of Misogyny: Myth and Mythmaking in the
Oresteia”, The Johns Hopkins University Press.
● GRIM, Twila, 1990, “In Defense of Clytemnestra”, Ball State University.
● LEÃO, Delfim, 2010, “The Legal Horizon of the Oresteia". The Crime of Homicide and the
Founding of the Areopagus”, University of Coimbra.
● https://schoolworkhelper.net/justice-in-the-oresteia/
● https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$orestes
● https://womeninantiquity.wordpress.com/2017/04/02/women-in-the-oresteia/

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