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Capítulo de livro Estudos do Código de PROCESSO CIVIL

mitos gregos. 2020 página 603 e sgs. Editora IDEIAS & LETRAS
III – ALGUNS MITOS GREGOS, NÃO UM RETORNO À
INCAPACIDADE DE PENSAR.

Para uma percepção inicial, uma visão incipiente mas que sempre deveria ser pen-
sada como uma preleção à Teoria da Justiça, lembro aqui as questões da mitologia tão
criticadas, mas que devem também ser incorporadas a nossa visão do Direito, penso nos
estudantes principalmente, na sua fase incipiente.
Os mitos de Procusto, Antígona, da Régua de Lesbos ou da Equidade Aristotélica, do
mito de Prometeu acorrentado, além de Orestes e a tragédia de Micenas.

O primeiro que gostaria aqui de recordar é Procusto. Era um ladrão que roubava
pessoas na Grécia e as colocava no seu leito, uma cama de ferro. Procusto, Damastes ou
Procrustes. Se a pessoa tivesse um tamanho maior do que seu leito ele amputava-lhe as
pernas para que tivesse o mesmo tamanho do leito, a mesma medida, se fosse menor que
a cama ele as esticava para que tivesse o tamanho igual ao do seu leito. Era conhecido
como o esticador. Por analogia poderíamos implicar o Direito Positivo, ou o Positivismo
na aplicação da lei ao modo Procustoriano. Por analogia já que sua implicação no Direito
Positivo só apareceria depois com Augusto Comte. Medir de acordo com sua regra, com
o seu leito. Protágoras, o primeiro advogado, diz que, “o homem é a medida das coisas,
das que são enquanto são e das que não são enquanto não são.” Medimos a partir de nos-
sa trena, de nossas referências e precisamos aprender a medir de outra forma.

O segundo mito Antígona, de Sófocles da tragédia Édipo Rei. Na Grécia, algumas


cidades assumem a hegemonia, são elas Atenas, Esparta, Tebas e Micenas. Havia em Te-
bas, cidade da Grécia próxima a Atenas, um rei chamado Laio e uma rainha, Jocasta. O
filho dos dois se chamava Édipo (aquele que tem os pés inchados). Tirésias disse a Édipo
sobre uma profecia de que ele mataria seu pai Laio. Para que a profecia não fosse cum-
prida ele sai de Tebas, foge para não ter que matar o pai. Um dia, já adolescente, cami-
nhava pelos campos em uma região distante de Tebas e no caminho um homem velho
aparece à sua frente e não deixa que ele passe o local, impede sua passagem. Os dois en-
tram em luta corporal e Édipo mata o homem sem saber que ele era seu pai. A profecia é
cumprida ele Édipo chega a cidade de Tebas e casa com Jocasta, sem saber que era sua
mãe. Tem quatro filhos com ela. Ismene, Antígona, Polinice e Etéocles. Existem várias
versões mas o contexto é este.

Quando fica sabendo que Jocasta era sua mãe e que tivera quatro filhos com ela,
Édipo fica cego, arranca com as mãos os olhos, não pode enxergar essa realidade. A
exemplo de todos nós, que andamos cegos pelo caminho da vida buscando uma profissão,
um reconhecimento. Édipo somos todos nós. Sófocles, o autor do texto, de repente tira o
personagem Édipo da jogada. Édipo sai da história, ninguém sabe o que houve com ele
depois. Diz que ele morre em Colona algum tempo depois em exílio. Jocasta se enforca.
Assume o poder em Tebas o irmão de Jocasta, que se chamava Creonte. Creonte era um
tirano, um tirano diverso dos ditadores contemporâneos. Mas nós sabemos que os legíti-
mos herdeiros de Édipo seriam os filhos homens, Polinice e Etéocles. As mulheres não
herdavam na Grécia Antiga. Os sobrinhos, herdeiros legítimos querem o poder que lhes
pertence e eles têm esse direito. Creonte faz então uma proposta aos sobrinhos: vocês
dois vão fazer um duelo e quem vencer será o novo Rei de Tebas. Mas acontece que du-
rante o duelo Polinice mata Etéocles e Etéocles mata Polinice. Os dois morrem, Creonte,
o tirano, continua a governar sobre Tebas. Mas ele propõe um enterro com honras milita-
res ao seu sobrinho dileto, Etéocles, e não deixa seu sobrinho Polinice ser sepultado.
Proíbe que o sepultem. Quem sepultar Polinice será enterrado vivo. Mas Antígona, que já
acompanhara o pai, Édipo, quando ele fora de certa forma expulso de Tebas ao ver o cor-
po de seu irmão Polinice sendo devorado de dia pelos abutres e a noite pelos cães, enterra
o irmão. Creonte fica sabendo e manda prender a sobrinha Antígona, que é sepultada
viva. Essa era a condenação imposta pelo Tirano. Na Grécia antiga, a pior condenação era
não ter uma sepultura: a alma ficava penada. Havia, portanto, a ideia da transmigração
das almas, a metempsicose. Era necessário um sepultamento. Mas havia outro problema,
as tragédias gregas tem um final funesto, daí seu significado de mau fado, desgraça, in-
fortúnio. O filho de Creonte com Eurídice, Hêmon era apaixonado pela prima Antígona.
Hêmon pede à mãe pela vida de Antígona; convencido por Eurídice, Creonte permite que
o filho liberte Antígona e case com ela. Quando Hêmon chega a sepultura, tira as pedras
que a cobre, percebe que Antígona ainda respira, toma-a nos braços mas em seguida ela
morre. Hêmon vendo que a amada está morta, se mata. A mãe Eurídice sabendo da morte
do filho também se mata. Tragédia grega é como novela mexicana, termina por falta de
personagens. Quando estão quase todos morrendo sabemos que está no fim. Então Antí-
gona simboliza o exemplo do amor máximo pelos irmãos, amor fraterno, ela não obedece
a lei de Creonte que não deixa também de representar o Positivismo por analogia. E cla-
ro que não é o Positivismo como escola Comtiana. É um positivismo no sentido de cum-
prir a lei desejada pelo tirano Creonte. Para Antígona a analogia seria com o Naturalismo,
o Jusnaturalismo, nada mais um direito natural que sepultar uma pessoa após a sua morte.
É um direito natural.

O terceiro mito, a Régua de Lesbos ou Lesvos, ilha grega próxima da hoje Tur-
quia. Essa ilha deu o nome a palavra lésbica, derivada de Lesbos. A Ilha de Lesbos é uma
ilha com muitos acidentes em seu território, o que faz com que seu terreno acidentado e
irregular seja medido de forma diferente. Não podemos utilizar um objeto rígido para
medir uma superfície. Ao medir com a régua de chumbo flexível observamos a medida
com muito maior possibilidade de observarmos as reentrâncias do terreno e das pedras.
É a Régua de Lesbos Aristotélica da equidade. Medir o caso concreto através das
peculiaridades do processo. Medir a partir de cada caso concreto. Daí a analogia com o
Direito Natural.

O quarto mito vem a ser o de Prometeu Acorrentado. Simboliza o Juiz, Jurista ou


Advogado preso às amarras da lei. Acorrentado como ficou Prometeu, que furtou o fogo
do seu pai no Olimpo, Zeus. Simboliza o conhecimento, que é levado aos homens. Zeus
fica com muita raiva do filho por trazer a luz aos mortais e manda prendê-lo a um roche-
do, onde o amarra com correntes para que ele viva imortalmente preso ao rochedo. Du-
rante o dia os abutres se alimentam do seu fígado, que à noite se regenera. Os gregos já
sabiam do poder regenerativo do fígado, aliás os gregos amavam com o fígado. Os roma-
nos com o coração e o homem moderno com o cérebro, a razão. Daí a analogia com o
Direito Positivo de Prometeu Acorrentado.
O texto da Oréstia, de Ésquilo, de certa forma deu origem ao surgimento do tribu-
nal tal como conhecemos hoje. Há influência da Grécia, com seus três grandes dramatur-

gos: Sófocles, Ésquilo e Eurípedes. Ésquilo tendo escrito a Oréstia com Apolo, as Eríni-
as e Athena. (Palas Athenas) a decisão é dos deuses, que lutam em nome dos homens,

tendo Palas Athena como mediadora. Sófocles, Édipo Rei-Antígona. Eurípedes, Medéia

São deuses monofacetados. Édipo Só tem uma face, Agamêmnon , só uma face.
Os heróis são simples, daí sua força. No Teatro burguês moderno, o herói é problemático,
o herói moderno é multifacetado, complexo, multiproblemático. O Herói grego é só uma
questão monossêmica. Édipo, aquele que quer se livrar do destino, não quer matar o seu
pai para não ter de cumprir a profecia.

O Tribunal surge nesta perspectiva com a deusa Athena ou Palas Athena, julgando
do teatro de Dionísio ali na base lateral esquerda da Acrópolis ateniense. Athena leva o
problema para ser solucionado no Teatro. Athena que habitava o Parthenon com sua coru-
ja na mão direita. E é a deusa da sabedoria, não nasceu de mulher, mas do parto cefálico
do pai, Zeus, nasce das meninges de Zeus. O parto estava difícil, Zeus com uma cefaleia
insuportável. Foi necessário que Hefesto, deus das forjas, lhe abrisse o crânio com um

machado e Zeus desse a luz Palas Athena. E ela já nasce armada, pronta para a batalha.
E o teatro é o lugar que Athena, Palas Athena ou Minerva dos Romanos escolhe para re-
solver os dilemas humanos. As questões são dirimidas no tribunal pela platéia.
O fato ocorreu em Micenas, cidade do Peloponeso. O rei é Agamêmnon e a rainha
Clitemnestra. Eles têm quarto filhos: Ifigênia (Ifianassa), Laódice (Electra), Crisóstenes e
Orestes que é o filho caçula. Os filhos Orestes e Electra são os mais conhecidos. Mas Cli-
temnestra trai seu marido Agamêmnon com o primo e inimigo mortal dele Aegisto por-
que Agamêmnon deixara sua filha com Clitemnestra, Ifigênia morrer a mando de Ártemis
irmã de Apolo. Agamêmnon de certa forma autoriza a morte da filha, não quer contrariar
Ártemis. Clitemnestra se vinga do marido traindo-o com o amante. Os dois amantes Cli-
temnestra e Aegisto combinam a morte de Agamêmnon. Os filhos ainda pequenos assis-
tem a morte do pai e nada podem fazer. Aegisto quer matar o filho caçula de Agamêm-
non, Orestes, mas a irmã Electra o esconde.
As crianças crescem e programam a vingança, a justiça como vingança. Vingar a
morte do pai Agamêmnon.
Crescem e Orestes mata primeiro Aegisto e depois a mãe Clitemnestra e com isso
estão os irmãos vingados pela morte do pai Agamêmnon. (Primeiro Orestes mata Aegisto
e depois a mãe Clitemnestra).
O teatro é fundamental para o jurista, aliás o mundo da cultura faz bem à saúde do
mundo e o do júri, como é um teatro, portanto, cabe aos atores, cada um com sua possibi-
lidade convencer os jurados. A peça “A visita da velha senhora”, de Dürrenmatt, retoma
de certa forma a justiça como vingança.
Palas Athena resolve, dirime a questão no teatro. Resolve na plateia, na comuni-
dade, no tribunal. Daí o relato da fundação mitológica do tribunal no teatro de Dionísio.
Palas Athena diz: eu vou dirimir esse conflito, mas quem vai resolver é a polis e
adota a platéia na solução do conflito. Lembro que na Grécia Antiga a política é o aretê, a
arte por excelência dos gregos. A Democracia dá o poder ao auditório dos ignorantes, cla-
ro que, não é um igual aos de hoje.
No tribunal do juri há homens decidindo mas a sua decisão se dá dentro de um
certo limite, dentro de uma tradição do livre arbítrio.
No teatro grego há sempre um personagem coletivo que é o coro. Transformam o
juri na audiência.
Os heróis gregos são simples, daí a sua força. Édipo é só uma questão, é univoca,
e um único problema, Édipo é aquele que quer se livrar do destino, hoje os nossos heróis
são plurifacetados como já dissemos.
Claro que há a tentativa de solucionar um conflito, o conflito masculino/feminino,
as coéforas são as prestadoras de libações, como aquele ato de ao bebermos, jogar um
pouco fora do copo para o santo. Lavar o corpo do morto. O corpo de Agamêmnon.
O coro como já dissemos está na categoria de representação coletiva, da platéia,
moderação. O coro somos nós, anciões, ou ansiães, coéferas e as erínias.
No caso de Guimarães Rosa, Riobaldo descobre que Diadorim é mulher quando
vai lavar o corpo morto do amigo que pensa ser homem mas é mulher e só descobre
quando o cadaver vai ser purificado com água antes de ser vestido para o sepultamento.
Mas voltemos aos gregos, as erínias (fúrias) viram benévolas. Enfim o teatro é a
base da cultura e da transformação da própria sociedade.
Na tragédia de Ésquilo, Oréstia, são três em conflito Apolo, as Erínias e Athena.
(Palas Athenas) nesse teatro a decisão é dos deuses. Com Sófocles na Antígona a decisão
é dos Humanos.
No Teatro de Sófocles os personagens agem de per si, diferente do teatro de És-
quilo. Qual a intenção de Ésquilo? É colocar os deuses em conflito. O rei de Micenas
Agamêmnon, sua mulher Clitemnestra ou Climtenestra e o filho Orestes.
Apolo e as Erínias vão a disputa. (Fúrias) já que os homens não podem participar,
só os deuses. Apolo representa Orestes e as Erínias são representantes dos que morreram,
Climtenestra e Aegisto.
Palas Athena dará o voto de Minerva (o nome da deusa grega Palas Athena em
Roma), assim como a ministra Carmen Lúcia decide quando há um empate nas decisões
dos outros juízes. Seu voto de Minerva (Palas Athena) liberta Orestes pelo crime. Ela
vota a favor de Apolo.
O texto é uma interpretação em parte retirada de Junito de Souza Brandão
Os mitos aqui descritos não impedem o pensar.

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