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DENNYS ANDRADE

Pequeno Teatro
da
Ilíada e Odisseia
Teatro completo para o ensino fundamental

1ª edição

BKCC LIVROS
São Paulo, SP
2020
Dennys Andrade

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2
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Para minha esposa Michelle e meus filhos


Rodrigo, Bruno, Gustavo (in memoriam) e Paloma.

3
Dennys Andrade

“Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,


depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
insensatos, que devoraram o gado sagrado de Hipérion,
o Sol — e assim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus” 1

Frederico Lourenço

1 HOMERO. Odisseia. Trad. Frederico Lourenço. Lisboa: Livros


Cotovia, 2003.

4
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Ato Primeiro
PROÊMIO

I. Monte Olimpo
Zeus (1)2
Hera (1)
Moiras - Fiandeira, Acaso e Inflexível (1)

II. Héracles de Tebas


Galintia
Almena
Moiras - Fiandeira, Acaso e Inflexível (2)
Zeus (2)

III. A Fundação de Troia


Ilos
Nicolau
Oráculo (1)

IV. O Que Não Deveria Ter Nascido


Hécabe
Príamo (1)
Oráculo (2)

V. O Pomo da Discórdia
Zeus (3)
Hermes (1)
Hera (2)

2 O número entre parênteses indica que o personagem aparece em mais


de uma cena.

5
Dennys Andrade

Atena (1)
Afrodite

VI. A Bela Helena


Leda
Tíndaro
Odisseu (1)

VII. O Rapto de Helena


Menelau (1)
Helena (1)
Paris (1)

VIII. O Astuto Odisseu


Menelau (2)
Agamemnon (1)
Palamede
Penélope (1)
Odisseu (2)

IX. A Sina de Aquiles


Peleu
Tétis
Aquiles (1)

X. Pirra, a Ruiva
Licomedes
Odisseu (3)
Aquiles (2)

6
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

XI. Evitando corvos e abutres


Menelau (3)
Paris (2)
Odisseu (4)
Antenor (1)
Heitor (1)

XII. A primeira vitória


Odisseu (5)
Protesilau
Quatro soldados troianos
Cicino
Aquiles (3)
Heitor (2)

XIII. Tróilo deve morrer


Menelau (4)
Odisseu (6)
Aquiles (4)
Tróilo

7
Dennys Andrade

Ato Segundo
ILÍADA

I. A Cólera de Aquiles
Crisis
Nestor
Agamemnon (2)
Aquiles (5)
Atena (2)

II. Duelo por Helena


Paris (3)
Menelau (5)
Príamo (2)
Heitor (3)

III Navios em chamas


Heitor (4)
Odisseu (7)
Aquiles (6)
Pátroclo

IV. Eneas encara Aquiles


Aquiles (7)
Eneas (1)

V. A morte de Heitor
Heitor (5)
Aquiles (8)

8
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

VI. Ódio, amargura e compaixão


Príamo (3)
Aquiles (9)

VII. A morte de Aquiles


Aquiles (10)
Apolo
Paris (4)
Odisseu (8)

VIII. O cavalo de madeira


Odisseu (9)
Agamemnon (3)
Príamo (4)
Dois soldados troianos
Antenor (2)

IX. Queda de Troia


Odisseu (10)
Agamemnon (4)
Príamo (5)
Menelau (6)
Helena (2)
Soldado grego
Eneas (2)

9
Dennys Andrade

Ato Terceiro
ODISSEIA
I. Os Lotófagos
Euriloco (1)
Odisseu (11)
Polites (1)
Dedoiso (1)

II. O Cíclope Polifemo


Odisseu (12)
Euriloco (2)
Palateu
Polites (2)
Polifemo

III. A Frota é Destruída


Odisseu (13)
Sicilio
Corsélio
Mirmes
Antifates

IV. Os Homens-Porco
Euriloco (3)
Polites (3)
Dedoiso (2)
Circe
Hermes (2)
Odisseu (14)

10
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

V. O Canto das Sereias


Odisseu (15)
Polites (4)
Sereias

VI. Cila e Caribdes


Odisseu (16)
Polites (5)
Dedoiso (3)

VII. A Ira de Hélio


Odisseu (17)
Euriloco (4)
Hélio
Zeus (4)

VIII. Cativo de Calipso


Calipso
Hermes (3)
Odisseu (18)

IX. A Princesa Nausíca


Odisseu (19)
Nausíca
Alcino
Demódoco

X. Odisseu em Ítaca
Atena (3)
Odisseu (20)

11
Dennys Andrade

XI. Retorno de Telêmaco


Eumeu (1)
Odisseu (21)
Telêmaco (1)

XII. Pai e Filho Tramam


Telêmaco (2)
Odisseu (22)

XIII. Penitência de Penélope


Penélope (2)
Odisseu (23)

XIV. Desafio dos Doze Machados


Telêmaco (3)
Melântio (1)
Eumeu (2)
Eurímaco (1)
Antino (1)
Odisseu (24)

XV. O Massacre
Odisseu (25)
Antino (2)
Eurímaco (2)
Melântio (2)
Anfínomo
Telêmaco (4)
Eumeu (3)

XVI. Paz Enamorada


Odisseu (26)
Penélope (3)

12
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Ato Primeiro
PROÊMIO

Cena I
Monte Olimpo

Zeus levanta-se de seu trono e com voz


estrondosa, pede a atenção de todos os presentes no
grande salão de paredes brilhantes, no ponto mais
alto do Monte Olimpo. Os deuses estão reunidos,
comendo e bebendo em um grande banquete
festivo.

ZEUS
Atenção todos! Eu tenho um grande anúncio a fazer
(os deuses se calam e um grande silêncio exalta a
autoridade do maior de todos) Quero fazer um
brinde à primeira criança da linhagem de Perseu
que vai nascer esta noite... o seu destino é o de ser
o maior herói grego jamais visto, e terá o meu
sangue! Ele fará real o sonho de unir os gregos 3 em
3 Apesar de guerrearem umas contra as outras, as cidades-estado gregas
falavam a mesma língua, reverenciavam os mesmos deuses e
partilhavam da mesma cultura. O nascimento de Héracles (ou Hércules)

13
Dennys Andrade

um único e grande reino! (Hera enrubesce de raiva


com mais uma traição do seu marido)

HERA
Nunca! (virando-se para a deusa Ate) Jamais
permitirei tal afronta! Ate, preciso da sua ajuda (e
sussurra algo no ouvido de Ate, que levanta-se e vai
até Zeus, distraindo-o).

ATE
Que maravilha meu pai! (brinda com Zeus) Estou
muito feliz! (abraça-o e depois permanece atrás
dele, enfeitiçando-o com as mãos e amortecendo
seus sentidos enquanto Hera se aproxima)

HERA
Meu marido! O que diz é um sonho para os gregos,
você jura, pelas águas sagradas do rio Estige 4, que
essa primeira criança perseida5 que nascerá essa
noite será o futuro rei dos reis?

ZEUS
Eu sou Zeus! Eu não minto! (desafiando Hera)

personifica o antigo desejo ancestral da unificação de todos os gregos


em um só Estado.
4 Nome de uma ninfa que ajudou Zeus na guerra dos Titãs ou
Titanomaquia e foi recompensada com uma fonte de águas mágicas, um
longo rio que desaguaria no submundo. Diz a lenda que nem mesmo os
deuses podem quebrar uma promessa feita pelo Estige.
5 Filho de Perseu.

14
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Pelas águas que correm no Estige eu reafirmo: a


primeira criança descendente de Perseu que nascer
essa noite, será o líder de todos os gregos!

HERA
Que assim seja, meu marido. (Hera, satisfeita com
a promessa, retira-se do banquete e inicia uma
oração) Eu invoco as Moiras6, filhas da noite, que
regem a vida dos deuses e dos homens… apareçam,
apareçam! (entram as três Moiras: Fiandeira, Acaso
e Inflexível, voando e dançando ao redor da deusa)

MOIRAS
Tecendo a teia
cirzam irmãs!
A vida, arreia,
a qual xamãs!
Da morte, apeia,
sagaz titãs!
Falais atento
o teu lamento 7
6 As três irmãs fiandeiras são representantes das forças elementares do
mundo que regulavam a duração da vida desde o nascimento até a
morte. Trabalham em seu tear, cuja roda representa a fortuna onde os
fios dos mortais tem os seus altos (sorte) e baixos (azar); Cloto
(Fiandeira) fiava o fio do destino, Láquesis (Acaso) enrolava o fio e
Átropos (Inflexível) cortava-o, quando esta chegava ao seu fim.
7 Poema de oitava-rima ou oitava heroica (estrofe de oito versos), com
esquema rítmico (ABABABCC), denominado Jambo ou Iambo
(formado por uma sílaba curta átona e uma sílaba longa tônica, ex.:
portão); “Súplica às Moiras”, do autor.

15
Dennys Andrade

HERA
Moiras, eu as invoco! Vão depressa para Tebas e lá
encontrem a jovem Alcmena, retardem ao máximo
o nascimento do filho bastardo de Zeus.

MOIRAS
Zeus! Zeus! Zeus! (gritam)

HERAS
Sentem-se à porta da jovem Alcmena, cruzem seus
braços e suas pernas e impeçam essa criança de ver
a luz do dia...

MOIRAS
Dia! Dia! Dia! (gritam)

HERA
...mas antes, façam com que o filho8 de Estênelo e
Nicipe nasça prematuro e cumpra a profecia de
meu marido… essa criança, e não o filho de
Alcmena, será o futuro rei dos perseidas...

MOIRAS
Vamos, Moiras, vamos lá!
Sorte gira, linha corta,
toda vida vai fiando.
8 O pequeno e frágil Euristeu, filho de Estênelo, rei de Micenas e
descendente de Perseu, nasce prematuro de sete meses e herda o trono
no lugar do filho de Zeus, Héracles.

16
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Vamos, vamos, lá voando!


Deus ou humano, pé na porta,
vida ou morte digo já. 9

HERA
Idem! Idem! (as Moiras saem voadas, cantarolando
a sorte dos homens)

Cena II
Héracles de Tebas

Alcmena sofre de maneira horrível e prolongada


com as dores do parto, que já avança pelo décimo
mês. Sua amiga Galintia, procura
desesperadamente uma maneira de ajudá-la
enquanto põe outro pano molhado sobre a sua testa.

GALINTIA
Ninguém merece tamanha penitência minha amiga,
não aguento mais ver-te sofrendo assim, eu preciso
fazer algo (trocando os panos em sua testa).

9 Poema de dois tercetos (estrofes de três versos), com esquema rítmico


(ABC CBA) denominado Troqueu ou Coreu (formado por uma sílaba
longa tônica e uma breve átona, ex,: porta); “Empresa das Moiras”, do
autor.

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Dennys Andrade

ALCMENA
Vai amiga, diz àquelas feiticeiras sentadas à porta
que o bebê finalmente nasceu, quem sabe assim
elas vão embora (Galintia faz um corte em sua mão
com a tesoura e tinge de sangue o pano da
compressa).

GALINTIA
Nasceu, nasceu! É um menino, é um menino!
(Corre em direção às Moiras, sentadas de braços e
pernas cruzadas à porta da casa e exibe o pano
avermelhado como prova do acontecido). Zeus está
aqui e veio conhecer o filho que finalmente nasceu!
Venham, venham, entrem e comemorem conosco!

FIANDEIRA
Zeus está aqui? Vamos embora irmãs, antes que ele
nos veja!

MEDIANEIRA
Isso é impossível! Será que Zeus descobriu o plano
de Hera?

INFLEXÍVEL
Rápido, rápido! Tenho pena desse menino, vai
sofrer muito nas mãos de Hera... (Boquiabertas e
assustadas pela intervenção divina as três Moiras
voam, espantadas. O filho de Zeus com a mortal
Alcmena pode finalmente ver a luz do dia).

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Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

ALCMENA
Galintia… corre Galintia! Deu certo, o bebê está
nascendo, ajude-me! (Galintia acude e Alcmena dá
a luz à um lindo bebê) Lindo e forte, assim como o
seu avô Alceu, seu nome será Alcides!

GALINTIA
Não te preocupa a ira da deusa Hera sobre o
menino? Ouviu o que aquelas elas disseram…

ALCMENA
Ouvi, amiga e temo por sua vida. (levanta o bebê)
Vou chamá-lo de Héracles10! Em homenagem à
deusa Hera, quem sabe assim aplacamos a sua ira.
(observando o sucesso do seu plano, Hera vai até
Zeus e, com um sorriso malicioso, lhe conta da
frustração dos seus planos).

HERA
Seu filho bastardo não será o rei, nunca será! Antes,
obedecerá a Euristeu, o pequeno filho de Estênelo,
que nasceu primeiro… (Zeus emudece de ódio e
percebendo que foi distraído por Ate, agarra sua
filha pelos cabelos e a atira do alto do monte
Olimpo para a terra, amaldiçoando para sempre a
colina onde a deusa caiu).

10 Héracles (em grego antigo: Ἡρακλῆς = “Ἥρα” Hera + “κλέος”


Glória), “à glória de Hera”. Mais conhecido pelo seu nome latino
Hércules.

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Dennys Andrade

Cena III
A Fundação de Troia

Admirado pelo desempenho de Ilos nas


competições atléticas da Frígia, o rei presenteou-o
com 50 homens, 50 mulheres e uma vaca. Disse-lhe
para que soltasse a vaca e a seguisse, até o local
onde essa tombasse. Nesse lugar, ele deveria fundar
a sua própria cidade.

ILOS
Por Zeus, o que faço? Obedeço ao rei da Frigia ou
ignoro as suas ordens? A vaca foi cair justamente
na Colina de Ate…

NICOLAU
Não podemos levantar a cidade neste lugar Ilos,
conhece muito bem a profecia, ela é bem clara: “Os
homens que habitarem dentro das muralhas da
cidade erguida na colina de Ate sofrerão grandes
calamidades”.

ILOS
Eu conheço a profecia Nicolau, o oráculo é
bastante claro, mas a deusa Atena não permitiria
que o animal caísse aqui sem ter um motivo para
isso. Deve haver uma razão...

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Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

NICOLAU
Será que nós entendemos corretamente o sentido da
profecia? Será possível que isso seja um teste, um
tipo de prova? (Ilos abaixa a cabeça e recapitula
pausadamente o oráculo).

ILOS
“Os homens que habitarem dentro das muralhas da
cidade...”, “dentro das muralhas da cidade...” é isso
Nicolau! Se não há muralhas, ninguém habitará
dentro das muralhas! Vamos erguer uma cidade
sem muralhas! E que Atena proteja a nossa cidade!
Vamos, comecemos a cavar… (Nicolau enfia sua
pá na terra e encontra um Paládio, uma pequena
estatueta de madeira representando Palas, a
companheira da deusa Atena).

NICOLAU
Ilos! Veja aqui o que eu encontrei enterrado no
chão, um pequeno paládio! Isso só pode significar
uma coisa, é o sinal de que a deusa Atenas abençoa
a nossa decisão! Estamos corretos!

ILOS
Sim meu caro Nicolau! Essa é a prova de que
estamos certos e de que essa cidade estará sob a
proteção da deusa. Mesmo assim, eu vou consultar
o oráculo sobre esse achado (Ilos vai até um
oráculo, que acompanha a comitiva).

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Dennys Andrade

ILOS
Diga-me caro Oráculo, que tudo vê e que tudo
sabe, será esse Paládio uma prova da benevolência
da deusa Atena com a nossa decisão de aqui erguer
a minha cidade?

ORÁCULO
Mantenha o Paládio dentro da cidade e ela estará
protegida.

ILOS
É com grande satisfação que ouço essas palavras,
muito obrigado Oráculo, eu…

ORÁCULO
Espere… (apontando o indicador para Ilos) Se
algum dia o Paládio sumir ou for roubado e sair da
cidade, com ele, desaparecerá a cidade inteira.

ILOS
Que assim seja, caro oráculo. (Levanta-se e avisa
Nicolau das boas novas) Atena será a nossa
protetora e nesta colina será erguida a cidade de
Troia11!

11 Em homenagem a seu pai, Trós. Chamada por outros de Ílion, o nome


de seu fundador.

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Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena IV
O Que Não Deveria Ter Nascido

Príamo, neto de Ilos, reinou em Troia durante


muitos anos. Seu primeiro filho com a rainha
Hécabe foi Heitor, que seria conhecido como o
maior de todos os troianos. Seu segundo filho foi
Paris, aquele “que não deveria ter nascido”.

HÉCABE
Acorde, meu marido! Anda, acorde! Tive um
pesadelo horrível… sonhei que toda Ílion ardia em
chamas... e tudo por culpa deste bebê, que carrego
em meu ventre! Foi horrível… (continua a chorar)

PRÍAMO
Calma, meu amor, acalme-se! Essa premonição é
muito séria, eu vou consultar o oráculo (Levanta-se
e vai falar com o oráculo). Diga-me Oráculo, você
que tudo vê e que tudo sabe, que destino espera
essa criança no ventre de Hécabe? Há algo que eu
precise me preocupar?

ORÁCULO
A criança que está para nascer será muito bela e
uma saúde digna da linhagem real…

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Dennys Andrade

PRÍAMO
Que bom (aliviado). Muito me agrada saber que
será uma criança saudável… mas, diga-me, o povo
de Troia, correrá algum perigo?

ORÁCULO
A vida dessa criança... será a morte de Troia... se
quiser salvar a cidade, deverá sacrificar a criança.

PRÍAMO
Por Zeus! (desconsolado) Que assim seja. O bebê
não deverá viver, ele será sacrificado. (Voltando-se
para a rainha) Quando o bebê nascer eu vou pedir
ao pastor Agelau para levá-lo.

HÉCABE
Nãooo… (cai ajoelhada, colocando as mãos sobre o
seu ventre, em desespero. Assim que o bebê nasce é
entregue a Agelau, com ordens para sacrificá-lo.
Agelau e sua esposa contrariam a determinação e
passam a cuidar da criança12 que cresce como um
pastor, de grande beleza física e inteligência, dignas
da linhagem real).

12 Agelau e sua esposa cuidaram daquele bebê como se fosse o seu


próprio, colocando-o em um cesto. Todos os cuidados voltavam-se para
aquele “cesto”, de modo que o menino passou a se chamar Paris, que
significava “cesto” naquele tempo.

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Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena V
O Pomo da Discórdia

Todos os deuses foram convidados para a festa de


casamento de Peleu13 e Tétis, exceto Éris, a deusa
da discórdia, a pedido do próprio Zeus. Como
vingança, ela aparece e oferece uma maçã de ouro,
com os dizeres “para a mais bela deusa”, causando
terrível desavença entre Hera, Afrodite e Atena e
estragando a festa, para a qual não fora convidada.

ZEUS
Parem, parem! (tapando os ouvidos) Já chega! Eu
não aguento mais essas três brigando. Hermes,
pegue esse Pomo da discórdia e leve as três para o
alto do monte Ida. Que o filho de Príamo cumpra o
seu destino e decida, de uma vez por todas, quem
fica com o Pomo. Vá! (Hermes pega o Pomo da
discórdia e as três seguem com ele até o Monte Ida,
onde encontram Paris, sentado em uma pedra).

HERMES
Não fuja, escute Paris! (assustado com a súbita
aparição) Os deuses ordenam que você entregue
este Pomo para aquela que for a mais bela das
deusas: Hera, Afrodite ou Atena.

13 Peleu, rei da Ftia (região da Tessália), futuro pai de Aquiles.

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Dennys Andrade

PARIS
Mas eu sou um humilde pastor, não posso escolher!
Não dá para cortar a maçã em três partes e entregar
um pedaço a cada? São deusas, belas como
nenhuma outra mulher...

HERMES
Deves escolher apenas uma, é o pedido de Zeus.
(As deusas avançam, apresentando-se).

HERA
Olha-me com muita atenção (sorrindo e girando
graciosamente), decida por mim e farei de você o
homem mais rico do mundo.

PARIS
Obrigado, mas não posso ser comprado (Hera sai
irritada e entra Atena, com seu elmo reluzente).

ATENA
És belo e inteligente, se me escolher eu farei com
que seja também o mais corajoso e notável de todos
os guerreiros!

PARIS
Não sou guerreiro, sou um pastor. Além do mais,
temos paz aqui, no reino de Príamo. Se for a
escolhida, eu lhe direi. (Antes mesmo que Atena se
retirasse vem Afrodite, repleta de charme).

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Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

AFRODITE
Tu és belo e seu futuro é tão belo quanto. Eu posso
te oferecer uma rainha para ser sua esposa, uma
mulher tão bela como uma deusa. Quando ela te
conhecer, cairá de encantos e deixará tudo para
ficar contigo.

PARIS
Conte-me mais sobre ela...

AFRODITE
Seu nome é Helena, a criatura mais bela que já
existiu no mundo, desejada por todos os príncipes
da Hélade14 e motivo de guerra entre Atenas e
Esparta, cujo rei, Menelau, a tomou por esposa.

PARIS
Meu coração já a deseja, não consigo recusar... Eu
escolho a ti, Afrodite, como a deusa mais bela e a
dona do Pomo! (Entrega o Pomo enquanto Atena e
Hera, loucas de raiva, juram por vingança e que
uma terrível desgraça cairia sobre Troia).

14 Hélade é sinônimo para Grécia. Os povos históricos que migraram para


essa parte da Tessália chamavam a região de Hellás, e a si mesmo de
Helenos. O termo moderno Grécia e Gregos tem origem posterior, do
latim.

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Dennys Andrade

Cena VI
A Bela Helena

Tíndaro, rei de Esparta, desposou a formosa Leda,


a qual deu a luz a Helena, tão bela, que acreditava-
se a única filha mortal do próprio Zeus. Sua beleza
era cantada pelos quatro cantos da terra, capaz de
levar os homens a loucura e, segundo o oráculo,
seria a causa de uma terrível guerra.

LEDA
Qual o problema, meu marido? Te preocupas o
destino de Helena? Todos os príncipes mais
importantes vieram se apresentar para desposar a
nossa filha.

TÍNDARO
Será este o momento da maldita guerra? Mil vezes
antes ter uma filha normal do que Helena, com sua
beleza que põe o mundo em chamas! Como vou
escolher entre um deles sem provocar uma
tragédia? (Entra Odisseu, rei de Ítaca).

ODISSEU
Meu amigo Tíndaro, não me entendas mal, mas eu
não vim para cortejar vossa filha, casar com a
mulher mais linda do mundo seria antes um fardo
do que uma bênção.

28
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

TÍNDARO
Vejo que é inteligente amigo Odisseu, a sua fama o
precede, mas, se não veio para cortejar minha filha,
o que veio procurar em Esparta?

ODISSEU
Eu quero a sua ajuda para desposar Penélope, a
filha de seu irmão, Ícaro. Em troca, dou-te uma
solução para o seu problema com Helena. Juro que
ninguém sairá ofendido e que nenhum sangue será
derramado em Esparta.

TÍNDARO
Tem a minha palavra Odisseu.

ODISSEU
Ouve então: faça com que todos os pretendentes
jurem que aquele que desposar Helena será
defendido por todos os outros, no caso de alguma
ofensa. E tu, para agradar a todos, dirá que sua filha
é livre para escolher aquele lhe mais lhe agradar.

TÍNDARO
Excelente plano Odisseu! Pois assim será, esta
noite, todos farão o juramento e teremos um
casamento pacífico! Muito obrigado Odisseu
(Todos os pretendentes fazem o juramento e Helena
escolhe o belo e rico Menelau, irmão de
Agamêmnon, o poderoso rei dos micênios).

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Dennys Andrade

Cena VII
O Rapto de Helena

Paris desafia e vence os filhos de Príamo nos


jogos troianos, tem a sua verdadeira origem
descoberta e quase é sacrificado pelos sacerdotes,
sendo salvo pelo pai. Príamo organiza uma viagem
até Esparta, morada de Helena, e Paris prontamente
se apresenta para a expedição.

MENELAU
Finalmente! (abraçando Paris) É uma honra receber
o filho de Príamo em minha casa, vamos, entre,
conheça minha esposa Helena, ela cuidará dos
hóspedes (Helena entra e o seu olhar cruza com o
Paris no instante que Eros, deus do amor, acerta
uma flecha no coração de ambos).

HELENA
É uma honra conhecer o príncipe de Troia.

MENELAU
Cuide para que não lhe falte nada. Vamos Paris,
vamos tratar de negócios… (Paris faz que segue
Menelau mas espera que ele saia, para então, ir
falar com Helena).

30
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

PARIS
Ouve-me Helena (segurando-a pelas mãos), eu
atravessei todo o mar apenas por sua causa, eu vim
para te levar comigo, a própria Afrodite abençoou o
nosso amor, vamos, fuja comigo esta noite para
Troia!

HELENA
Oh Paris! (apreensiva) Eu sei que isso é errado mas
eu não consigo evitar, meus olhos parecem
enfeitiçados e o meu coração bate tão forte que mal
consigo ouvir as suas palavras! Eu vou, eu fujo
com você… mesmo pressentindo que Zeus fará cair
um destino doloroso sobre as nossas cabeças…
(saem de cena, um para cada lado. Anoitece,
voltam a se encontrar e fogem para Troia,
carregados de tesouros roubados.

MENELAU
Traidor!!! (entra aos berros, ensandecido) Como
pode me trair assim? Eu dou toda a minha
hospitalidade e recebo uma punhalada dessa pelas
costas? Chamem todos os príncipes, vamos para a
guerra! Que morram aqueles dois, para quem o
destino, já é a morte.

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Dennys Andrade

Cena VIII
O Astuto Odisseu

Os oráculos disseram que Odisseu ficaria vinte


anos longe de casa e da sua amada Penélope, caso
ele fosse para a guerra, então decidiu fingir-se de
louco para não atender ao chamado para a guerra.
Menelau, Agamemnon e Palamede foram até Ítaca
para lho buscar.

MENELAU
Então é verdade o que dizem, que Odisseu ficou
louco da cabeça? (Entra Odisseu, puxando o arado
guiado por um boi e atirando sal para trás).

AGAMEMNON
Vejam o que está fazendo: puxando um arado no
lugar do boi e semeando a terra com sal!

PALAMEDE
Qualquer um poderia perder o juízo mas, Odisseu
não, ele é esperto demais para isso… (cochicha
para Agamemnon) eu sei o que fazer (Palamede
arrebata o pequeno Telêmaco, filho de Odisseu, das
mãos de Penélope e o coloca diante das rodas do
arado).

32
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

PENÉLOPE
Não, não!!! O que você está fazendo!? Devolve o
meu filho!!!

PALAMEDE
Venha até nós Odisseu, continue…

PENÉLOPE
Pare! Já chega, eu não aguento isso… (implorando
para Odisseu parar o arado e desmontar a fraude)
por favor meu marido...

ODISSEU
Chega, devolva o bebê… eu admito, não estou
louco. Só não queria ficar longe de minha esposa e
de meu filho.

AGAMEMNON
Então parte conosco para Troia! Com a sua astúcia,
a guerra será rápida.

ODISSEU
Será uma honra lutar ao lado de meu amigo
Menelau.

MENELAU
Sabia que poderia contar contigo Odisseu, vamos,
pegue suas coisas, a guerra nos espera.

33
Dennys Andrade

Cena IX
A Sina de Aquiles

Tétis, esposa de Peleu, dá a luz ao pequeno


Aquiles mas por conta de um terrível
pressentimento leva-o até o rio Estige15 onde o
mergulha pelos calcanhares a fim de protegê-lo16.
Já adulto17 e comandante do poderoso exército dos
mirmitões18, chega a notícia da guerra iminente
contra os troianos.

PELEU
Minha esposa, o príncipe de Troia traiu a confiança
e sequestrou a esposa de Menelau, de quem era
hóspede! (Aquiles escuta a conversa escondido)
Agamemnon reuniu as tropas de toda Hélade e
estão prestes a partir...

TÉTIS
Por que toda essa preocupação meu marido? Nada

15 Nome de uma ninfa que ajudou Zeus na guerra dos Titãs ou


Titanomaquia e foi recompensada com uma fonte de águas mágicas, um
longo rio que desaguaria no submundo. Diz a lenda que nem mesmo os
deuses podem quebrar uma promessa feita pelo Estige.
16 Origem da expressão “calcanhar de Aquiles” para designar um ponto
fraco ou vulnerável.
17 Aquiles teve como tutor Quiron, o último dos centauros, reverenciado
como sábio tutor e mestre da maioria dos heróis e príncipes gregos.
18 Bravos guerreiros do reino da Tessália.

34
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

temos a ver com os negócios de Agamemnom


(replica preocupada).

PELEU
Todos nós fizemos uma promessa ao rei Tíndaro,
de defender a honra de sua filha Helena, esposa de
Menelau, em qualquer circunstância! (Aquiles entra
eufórico)

AQUILES
Então é chegada essa hora, o que estamos
esperando!? Reunirei os mirmitões e partiremos
imediatamente! (Tétis retira-se em lágrimas e
Aquiles, preocupado com a reação da mãe, segue-a
até seu quarto)

TÉTIS
Escute com muita atenção, meu filho (diz enquanto
arruma a roupa de Aquiles e enxuga as lágrimas
que lhe escorrem pela face). Quando você tinha
nove anos, Calcas, o advinho, previu que você
lutaria em Troia... (suspirando) e que a sua bravura
nessa guerra seria lembrada por todos e eternizada
em canções, até o final dos tempos...

AQUILES
…mas é para isso que eu me preparei minha mãe
(consolando-a), eu não estou entendo o por que das
suas lágrimas...

35
Dennys Andrade

TÉTIS
… e ele disse também que, se você for para Troia,
você irá morrer… (balbuciando essas últimas
palavras, em prantos) você morrerá sem ao menos
entrar na cidade! (abraça o filho, chorando
descontroladamente)

AQUILES
Eu, eu… (abalado com a notícia fatídica) o que eu
devo fazer, minha mãe?

TÉTIS
Você vai viver Aquiles! (Arrumando o cabelo de
Aquiles) Vai para a ilha de Ciros, vai ficar lá,
disfarçado, escondido na corte de Licomedes até
que esta guerra acabe e logo será esquecido, mas
vai viver.

AQUILES
Então, minha mãe, eu devo escolher entre uma vida
curta, mas de glória eterna, e uma vida longa,
próspera, porém anônima...

TÉTIS
Você vai viver muito, uma vida longa, próspera e
feliz… (Aquiles abaixa a cabeça, assentindo o
desejo de sua mãe).

36
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena X
Pirra, a Ruiva

Tétis envia Aquiles em segredo para a corte de


Licomedes. Vestido com roupas de mulher, ele se
oculta junto ao harém do rei, que promete a Tétis
não revelar o paradeiro de seu filho. Odisseu e seus
homens chegam à corte, em sua busca pelo filho de
Peleu.

LICOMEDES
Meu caro odisseu, não há nenhum homem de nome
Aquiles aqui na minha corte.

ODISSEU
Com a vossa permissão, Rei Licomedes,
gostaríamos de procurá-lo. Pode ser que estejas
escondido e não o saiba.

LICOMEDES
Por favor, fiquem à vontade para procurá-lo (os
soldados procuram pelo interior do palácio e
encontram apenas as mulheres de seu harém).

ODISSEU
Aquiles não está no palácio, vamos procurar em
outro lugar. Antes, porém, gostaríamos de deixar
alguns presentes para as moças, a fim de

37
Dennys Andrade

compensar todo o incômodo. (Os soldados deixam


vestidos, joias, uma lança e um escudo sobre uma
mesa e saem, aguardando do lado de fora. As
moças atiram-se sobre os presentes, menos uma, de
nome Pirra, dos cabelos louro-avermelhados. Como
previamente combinado com os soldados, esses
soam a trombeta da guerra, gritando e urrando,
batendo as espadas como se o palácio do rei
estivesse sob ataque. Aquiles salta do meio das
mulheres, agarra a lança e o escudo e corre para a
porta do palácio, procurando pela ação).

AQUILES
Tremam inimigos do rei! (rasgando com gosto as
vestes femininas) Onde está o inimigo, quem se
aproxima?!

ODISSEU
Sossegai, Aquiles! (feliz com a própria artimanha)
O maior de todos nunca fugiria de uma batalha.
Venha conosco, vamos partir imediatamente para
Troia.

AQUILES
Dê-me minha lança e meus cavalos e eu lhe darei
Troia (a busca pela glória eterna fala mais alto que
a certeza da morte).

38
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena XI
Evitando Corvos e Abutres

Os espartanos chegam às praias de Troia. Uma


comitiva é enviada para a cidade na tentativa de se
evitar a guerra. Menelau, Palamedes e Odisseu são
recebidos por Antenor, conselheiro do rei Príamo,
Heitor e seu irmão, Paris.

MENELAU
(Dirigindo-se a Paris) Eu o recebi de coração
aberto, o tratei como se fosse o meu próprio filho e
o que eu recebi em troca? Traição! Eu exijo que me
devolva Helena e tudo o mais que me foi roubado!
Devolva tudo e Troia será poupada.

PARIS
Não devolvo Helena! Ela é uma dádiva, um
presente dos deuses para toda a Troia!

ODISSEU
A guerra só trará desgraça e dor, enquanto que a
paz é a mãe da vida. Vamos abraçar a luz que traz a
vida e evitar a festa dos corvos e dos abutres…

ANTENOR
Seja sensato príncipe Paris, não vamos entrar em
guerra por outra loucura ainda maior! Devolva

39
Dennys Andrade

Helena e resolvemos logo isso.

PARIS
Isso seria uma grande humilhação para Troia, não
vamos devolver nada! Vamos destruir o inimigo e
quem mais estiver em nosso caminho… (Paris
desembaia sua espada e ameaça a comitiva de
Menelau, sendo contido pelo irmão Heitor)

HEITOR
Cessai Paris, em nome dos deuses, pare! Pior sorte
terá aquele que ousar passar por cima da sagrada lei
da hospitalidade na minha frente. Antenor,
acompanhe os estrangeiros em segurança até o
navio.

MENELAU
Preparem-se então para o pior (espada em riste), a
guerra vai começar!

Cena XII
A Primeira Vitória

Protesilau, filho do rei Íficlo, queria a glória de


ser o primeiro dos gregos a combater o inimigo e o
seu entusiasmo só era refreado pela profecia de que

40
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

o primeiro guerreiro a pisar em solo tróade19 seria


também o primeiro a morrer. Eis que Odisseu joga
seu escudo na areia e salta sobre ele.

ODISSEU
Que os deuses estejam ao nosso lado e guiem as
nossas lanças, Atacar!!! (joga o escudo na areia e
salta sobre este, evitando assim a primazia de tocar
o solo e a maldição da profecia)

PROTESILAU
Cuidado Odisseu! Eu te protejo! (saltando na
sequência, é o primeiro grego a tocar o solo tróade
e logo quatro troianos o cercam. Luta insanamente
e derrota-os a todos. Entusiasmado, parte para cima
de Heitor, que o mata com sua lança)

ODISSEU
Corajoso Protesilau… vamos homens, vamos
resgatar o seu corpo! (Os gregos avançam e
resgatam o corpo de Protesilau. A batalha
prossegue e todos param para ver o embate entre
Aquiles e Cicno, o filho de Zeus contra o filho de
Possêidon)

CICNO
Recue Aquiles! Não pode contra o filho de

19 Nome da antiga região noroeste da Anatólia, atual província de


Çanakkale (Turquia), onde estava a cidade de Troia.

41
Dennys Andrade

Possêidon! (Cicno atira sua lança que fica cravada


no escudo de Aquiles)

AQUILES
Pois que Possêidon faça um funeral à altura de seu
filho! (Aquiles atira sua lança, que é desviada.
Então avança com sua espada sobre Cicno, sem no
entanto, conseguir atingi-lo)

CICNO
Sua lança e sua espada não podem me fazer mal,
meu corpo é protegido pelos deuses!

AQUILES
Eu não preciso de espada (joga sua espada ao chão
e parte para cima de Cicno, os dois entram em dura
luta corporal até que Aquiles mata Cicno com um
mata-leão. Os gregos ganham moral e partem para
cima dos troianos que recuam para as muralhas).

HEITOR
Recuar! Recuar! Fechem as portas! Arqueiros
atirem a vontade! (os troianos afastam os gregos de
suas muralhas usando suas flechas, estes recuam e
assentam acampamento na praia tróade)

42
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena XIII
Tróilo Deve Morrer

Antes de partirem para a guerra os aqueus


estavam sacrificando aos deuses os seus mais
seletos bois20, debaixo de um grande plátano 21,
quando uma enorme serpente vermelha aparece em
seus galhos e devora um ninho de pardais inteiro,
com oito filhotes e a mãe que os protegia. Calcas, o
famoso advinho, interpretou isso como um sinal de
Zeus, dizendo que a guerra duraria nove anos e que
Troia seria conquistada apenas no décimo ano.

MENELAU
Os homens estão cansados, a guerra se arrasta e
estamos ficando sem água e sem comida. O cerco
não está funcionando Aquiles e a cidade continua
recebendo provisões através das montanhas22.

ODISSEU
A moral dos soldados também está baixa,
principalmente daqueles que lutam longe de troia,
trazendo recursos das cidades vizinhas. Estão
dizendo que a profecia de Calcas é verdadeira e que
20 Sacrificavam os animais e examinavam as suas entranhas, para verificar
aspectos e formatos e avaliar se a oferta fora aceita pelos deuses.
21 Uma espécie de árvore de folhas largas, bem comum em toda a Hélade.
22 A retaguarda da cidade de Troia não possuía muralhas pois era
resguardada por uma região montanhosa, de difícil acesso.

43
Dennys Andrade

não vão ficar, para lutar por tanto tempo.

AQUILES
Então vamos dar-lhes algo para se animar. Poucos
se lembram de uma outra profecia, daquela que
dizia que o filho caçula de Príamo seria tão forte
quanto o seu irmão Heitor e ambos salvariam Troia,
caso esse completasse vinte anos?

MENELAU
Sim, eu conheço a profecia, ele é um dos filhos do
rei Príamo, o mais jovem.

AQUILES
Por Atena! Precisamos levantar a moral dos
soldados. Tróilo, o filho caçula de Príamo, deve
morrer!

ODISSEU
Ele e outros troianos vão buscar água na fonte de
Apolo, fora das muralhas, mas ninguém pode
profanar a fonte sagrada, para não atrair a cólera
dos deuses.

AQUILES
Que todos saibam da profecia e que não estamos
derramando nosso sangue em vão. Eu ficarei de
tocaia, no caminho da fonte. (Todos saem, Aquiles
se esconde na trilha)

44
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

TRÓILO
Ei, qual o problema? (tentando acalmar seu cavalo)
Algo te assusta? (O cavalo foge).

AQUILES
Prepara-se para morrer, Tróilo! (saindo da tocaia e
cortando o seu caminho)

TRÓILO
Terá que me pegar primeiro! (ele foge mas Aquiles
o agarra pelos cabelos)

AQUILES
És realmente belo, filho de Príamo (olhando
atentamente para o seu rosto) mas a profecia não
me deixa escolha… (levanta sua espada para matá-
lo mas Tróilo consegue se soltar e foge em direção
à fonte de Apolo. Aquiles atira sua lança e o acerta
em cheio, espalhando o sangue vermelho de Tróilo
por todo o altar de Apolo).

TRÓILO
Tolo! Você profanou o altar de Apolo, agora vai
sofrer a sua ira… (morre).

45
Dennys Andrade

Ato Segundo
ILÍADA

Cena I
A Cólera de Aquiles

O espólio de guerra era a recompensa dos


guerreiros pela vitória em batalha e afirmava o
valor de cada um perante o grupo. Quanto maiores
os atos de heroísmo e bravura, melhores os
prêmios, incluindo as mais belas cativas.

CRISIS
Honrados atridas23, em nome de Apolo, eu lhos
suplico que aceitem esses valiosos presentes e que
me devolvam minha filha Criseide, rezarei para que
Apolo encurte a vossa guerra e para que retornem
vencedores para casa.

NESTOR
Com Apolo ao nosso lado a vitória é certeira,
23 “Filhos de Atreu”, ou seja, Agamemnon e Menelau.

46
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

devemos aceitar os presentes e devolver a filha do


sacerdote.

AGAMEMNON
Nunca! Saia da minha frente seu velhaco
imprestável! (empurrando Crisis) Sua filha agora é
minha cativa, saia, antes que eu jogue o seu corpo
imundo aos cães! (assustado, o trêmulo ancião se
afasta, levantando as mãos aos céus, suplicando).

CRISIS
Grande deus Apolo (lançando uma maldição), se
me tem em consideração e estima o templo que
ergui em tua homenagem, faça com que esses
dânaos24 paguem as minhas lágrimas com a ponta
das suas flechas!

(O sacerdote retira-se e uma série de trovões


cruzam o céu, prenunciando uma grande peste que
desce imediatamente sobre o acampamento dos
aqueus25. Homens e animais caem mortos feito
moscas e Aquiles entra na tenda de Agamemnon,
insistindo para que ele devolva a filha do sacerdote
e aplaque a ira de Apolo).

24 Homero utiliza o termo dânaos para se referir aos aqueus, conjunto


populacional da Civilização Micênica que ocupou o território helênico
entre 1.600 a.C. e 1.100 a.C. No contexto da fala de Crisis, refere-se aos
gregos, opositores dos troianos.
25 A peste durou nove dias.

47
Dennys Andrade

AQUILES
Agamemnon, o advinho Calcas disse que a cólera
de Apolo só cessará quando devolvermos a filha do
sacerdote, por que não a devolve?

AGAMEMNON
Profeta ingrato! (com olhos candentes) Só me falas
tragédias! Bom, se é para aplacar a ira de Apolo, eu
concordo em devolver a filha do profeta Crisis…
com uma condição! Desde que eu receba um outro
presente, tão valioso quanto a minha bela cativa.

AQUILES
A peste cai sobre os gregos e você está preocupado
em não ser prejudicado? Retorna Criseide e terás o
triplo, quatro vezes mais, depois que conquistarmos
a cidade! Não pode pegar o prêmio dos outros,
tampouco fazer um novo sorteio daquilo que eles já
receberam, não é justo!

AGAMEMNON
Justo, muito justo Aquiles! Então eu mesmo
escolho: quero a sua belíssima Briseide! A única
tão bela quanto Criseide. (Aquiles explode em fúria
e ameaça Agamemnon)

AQUILES
Como ousas, velhaco, roubar o que é meu?!? Não
viemos aqui bater os valorosos troianos por
vontade própria! Nunca nos ofenderam, estamos

48
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

aqui por um favor e eu ganhei a minha cativa por


bravura! Prefiro partir com meus homens do que
ficar aqui, enchendo o teu cofre de ouro!

AGAMEMNON
Pois foge! Não precisamos de você ou dos teus
homens! Hoje mesmo um barco levará os presentes
e também a filha de Crisis, de volta para o pai. Vai,
e espera os soldados... eles me trarão a sua bela
Briseide... e, se tentar impedi-los, eu mesmo levarei
o exército inteiro para tomá-la (Aquiles, cego de
ódio, desembaia metade de sua espada mas é
surpreendido pela deusa Atena).

ATENA
Aquiles, ouve-me. Eu vim em nome de Zeus, pedir
para que se acalme. Desabafa em palavras, mas
guarda a tua lâmina (Aquiles obedece e guarda a
espada), modera a tua paixão. Os deuses aclamam
os piedosos (a deusa some e Aquiles extravasa sua
cólera)

AQUILES
Seu cão medroso! (furioso) Chegará o dia em que
vai implorar minha ajuda de joelhos e eu direi não.

49
Dennys Andrade

Cena II
Duelo por Helena

Percebendo a ausência do heroi Aquiles os


troianos se enchem de coragem e, como abelhas,
deixam as muralhas em grande balbúrdia, decididos
a expulsar os aqueus que avançam reticentes e
calados. Paris lidera os troianos e os atiça para a
luta, insultando aos gregos.

PARIS
Quem será homem para me enfrentar? Quem terá
coragem?!? (os dois lados se estranham até que
Menelau percebe a presença de Paris e parte para
cima dele como um leão esfomeado).

MENELAU
Seu pavãozinho miserável, mulherengo, eu vou te
matar! (Menelau parte para cima de Paris, que foge
amedrontado, indo se esconder atrás das fileiras
troianas, agarrado às pernas de seu irmão Heitor).

HEITOR
Seu covarde… (repreende o irmão) é assim que
retribui quem luta uma guerra por sua causa? Você
rouba a mulher de Menelau e agora foge do
homem? Você é fraco, é uma vergonha para seu pai
e para toda a Troia!

50
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

PARIS
Tem razão meu irmão… (cabisbaixo) não vou mais
fugir. Para provar, diga a Menelau que eu quero
duelar com ele e quem vencer ficará com Helena e
os tesouros, o derrotado aceitará a paz (Contente
com a reação do irmão, Heitor grita, pedindo a
todos que cessem os combates e que ouçam com
atenção).

HEITOR
Meu irmão Paris desafia Menelau para um duelo! O
vencedor leva os tesouros e a bela Helena, e o
perdedor leva a paz. O que responde Menelau?

MENELAU
Finalmente! (confiante em sua vitória) Chamem o
velho Príamo para selar o acordo, pois eu não
confio na mente instável dos jovens (o idoso e
trêmulo rei Príamo aparece e sela o acordo). Hoje,
Helena voltará para casa e eu vou esfolar vivo o
maldito traidor! Vamos duelar… (Heitor coloca
duas marcas dentro de seu elmo e sorteia quem
dará o primeiro golpe: Paris).

PARIS
Que esta lança seja guiada por Zeus! (e atira a lança
sobre Menelau que a desvia com seu escudo)

51
Dennys Andrade

MENELAU
A minha lança é que vai atravessar o coração desse
traíra! (sua lança atravessa o escudo mas não acerta
Paris, então ambos partem para o combate de
espadas. Menelau derruba-o e acerta o elmo de
Paris com sua espada, mas esta se parte em dois
pedaços)

MENELAU
Como Zeus é injusto! Primeiro minha lança te erra
e depois a minha espada se quebra? Vou matá-lo
com as minhas próprias mãos! (Paris consegue
levantar e foge desbaratado para trás de seu irmão
Heitor).

HEITOR
Esse duelo acabou Menelau (com pena de Paris),
ninguém vai morrer aqui.

MENELAU
Covardes! Seus Covardes! Volte aqui Paris! Venha
encarar a sua morte com dignidade, seu pulha…
(uma lança atirada por um dos soldados troianos
atinge Menelau na perna e a luta generalizada
reinicia-se).

52
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena III
Navios em Chamas

Liderados por Heitor os troianos avançam e


empurram os gregos de volta para o acampamento
na praia. Pátroclo implora ajuda a Aquiles, que
concorda em lhe emprestar sua armadura.

HEITOR
Deixem os mortos! Nada de espólios! Chegou a
hora de queimar os navios! (derruba dois soldados
e consegue chegar à proa de um dos navios) Uma
tocha, rápido! Preciso de uma tocha! (grita aos
companheiros)

ODISSEU
Vamos homens, lutem como heróis! Sem os navios
estamos mortos, lutem por sua vida! (Vários
soldados troianos vão perdendo a vida, tentando
entregar uma tocha para Heitor. Do outro lado da
praia, Pátroclo implora a ajuda de Aquiles diante da
iminente derrota dos gregos)

PÁTROCLO
Os gregos estão morrendo Aquiles! Os troianos
avançaram pela praia e vão queimar os navios,
levanta! Afoga a tua raiva e vamos salvar os
irmãos!

53
Dennys Andrade

AQUILES
Não perca o seu tempo Pátroclo, eu só luto depois
que o próprio Menelau venha rastejando,
implorando por minha ajuda e que eu tiver minha
cativa Briseide de volta.

PÁTROCLO
Cruel! Estou perdendo tempo com você!
(inconformado) Não vou ficar aqui parado
enquanto os soldados gregos morrem, permita ao
menos que eu use o seu escudo e a sua armadura,
para que pensem que eu sou você e os coloque para
correr!

AQUILES
Se você acha que está preparado, amigo Pátroclo,
faça como quiser. Mas, uma vez que se ponham em
fuga, não vá atrás deles, não vá para Troia, retorne!
É uma ordem! Não vale a pena se arriscar por
Agamemnon...

(Neste momento, Heitor finalmente recebe uma


tocha e consegue atear fogo ao navio, a praia é
tomada de súbito por uma fumaça que envolve todo
o campo de batalha. Pátroclo, majestoso, surge da
fumaça com as roupas de Aquiles, abatendo
soldado após soldado e dando novo ímpeto aos
gregos que expulsam os troianos da praia, de volta
para o campo de batalha).

54
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

PÁTROCLO
Avante soldados, eles estão recuando! (exaltado)
Vamos, vamos! A vitória é nossa! (embriagado
pelas vitórias avança até as muralhas, contrariando
as ordens de Aquiles)

HEITOR
Vira e encontra a tua morte grego! (com um lance
rápido, corta a garganta de Pátroclo, pensando
haver atingido Aquiles. Heitor remove o elmo e é
surpreendido pela ausência do herói)

PÁTROCLO
Não viverás.. (sufocando) Aquiles… (apontando
aos barcos)… me vingará! (Heitor se afasta
enquanto os gregos e os troianos disputam o corpo
lânguido de Pátroclo. Aquiles percebe a desordem e
pressente a morte do querido amigo)

AQUILES
Pátroclo está morto…
Pátroclo está morto…
Pátroclo está morto!!! Maldiiiitooos!!! (urra feito
um animal descontrolado, cheio de ódio e
completamente fora de si. Os troianos atônitos
largam o corpo de Pátroclo e correm para dentro
das muralhas, pressentindo o dano iminente)

55
Dennys Andrade

Cena IV
Eneas Encara Aquiles

Aquiles e Agamemnon reconciliam-se, culpando


a deusa Éris26 pela desavença. Briseide lhe é
restituída, assim como presentes e muitas dádivas
adicionais. Os soldados gregos festejam exaltados o
retorno de Aquiles, que parte sedento de vingança
para o campo de batalha e vai fazendo grande
mortandade entre os inimigos até se confrontar
contra o valoroso troiano Eneas em seu caminho.

AQUILES
O que quer aqui, Eneas? Acredita mesmo que pode
me matar? Saia da minha frente e evita a minha
raiva enquanto é tempo, foge.

ENEAS
Eu não sou criança para me assustar com ameaças,
tampouco sou mulher para ficar batendo boca com
palavras (pega sua lança e vibra forte contra o
escudo), vem provar da minha lança, Peleu!
(arremessa a sua lança que desvia no escudo de
Aquiles)

AQUILES
26 Éris, a deusa da discórdia.

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Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Você é valente Eneas, mas vai se arrepender do seu


erro! (arremessa com força a sua lança, que para no
escudo anquíseo27. Os dois partem para a luta
corporal, Eneas derruba Aquiles e tenta acertá-lo
com uma grande pedra)

ENEAS
Isso é pelo sangue dos troianos, morre Pelida!
(atira-lhe a pedra que parte o escudo de Aquiles,
este porém, chuta-o ao chão e Eneas cai desarmado
e vencido. Aquiles saca sua espada para acertá-lo
mas é impedido por uma névoa mágica, que surge
do nada e interrompe a luta)

AQUILES
Ahh!!! Não consigo ver nada, maldita névoa!
(girando sua espada em falso) Onde está Eneas?
Onde está?!? (Possêidon aparece e resgata Eneas,
levando-o para longe, para trás das fileiras troianas.
A névoa cessa e Aquiles entende o que aconteceu)
Ele estava a meus pés e desapareceu... os deuses
devem amar demais Eneas, bem, salvou-se dessa
vez, não haverá uma próxima.

27 Escudo de Anquises, primo do rei Príamo, pai de Eneas.

57
Dennys Andrade

Cena V
A Morte de Heitor

Instigado pelo embate contra Eneas, Aquiles


exorta os gregos a um combate frenético enquanto
os troianos, acuados, recuam para dentro das
muralhas. Heitor o vê matar seu irmão Polidoro e
sai para encará-lo, em uma luta solo.

AQUILES
Heitor! Chegue mais perto, para que a sua morte
seja breve.

HEITOR
Poupe seu fôlego Aquiles, suas palavras não me
assustam. Escute-me, antes de lutarmos, vamos
fazer um juramento: aquele que vencer devolverá o
corpo do outro aos seus, para que lhe deem um
funeral digno.

AQUILES
Pacto? Não existe pacto entre homens e leões, ou
entre carneiros e lobos, apenas ódio e vingança,
lutaremos até que um de nós caia sem vida! (e atira
a sua lança mas Heitor se esquiva) Escapou, cão!

HEITOR
Sei que é valente e mais forte, mas só cabe aos

58
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

deuses decidirem quem vencerá (atira sua lança que


é defendida pelo escudo de Aquiles. Os dois bravos
herois sacam suas espadas e partem para o duelo
até que Aquiles dá um golpe fatal no pescoço de
Heitor).

AQUILES
Tolo… (olhando com desprezo o oponente caído)
meu amigo Pátroclo será enterrado com honras e
glórias, enquanto você… o seu corpo será
profanado e jogado aos cães.

HEITOR
Eu imploro… (balbuciando as últimas palavras)
devolva meu cadáver28 para meu pai chorar… um
funeral… (morre)

AQUILES
Nem que o velho Príamo me entregasse dez vezes o
seu peso em ouro! (ele amarra os pés do nobre
Heitor e o arrasta ao redor das muralhas de Troia,
profanando o seu corpo diante dos olhos de todos e
do seu pai, Príamo. Até mesmo aos deuses, que o
amavam tanto, ficaram horrorizados com tamanha
barbárie)

28 Aquiles vinga-se da morte de Pátroclo negando ao seu assassino um


funeral digno. Tal comportamento era tão arrogante e ultrajante que
ofendia até aos deuses e passível de severas punições divinas.

59
Dennys Andrade

Cena VI
Ódio, Amargura e Compaixão

Os deuses estão irados com tamanha loucura no


coração de Aquiles e Zeus manda avisá-lo para que
devolva o corpo de Heitor. À noite, o rei Príamo,
ajudado por Hermes, adentra a tenda de Aquiles,
ajoelha e beija as mãos homicidas, implorando
humildemente pelo corpo do filho.

PRÍAMO
Lembra-se Aquiles de teu bom pai, tão idoso
quanto eu e cheio de angústias, mas que apenas de
ouvir que está vivo, já tem o coração repleto de
alegria… muito mais triste sou eu, que vi morrerem
os meus filhos mais valorosos por estas mãos
(apertando as mãos de Aquiles) e eu aqui estou,
velho e infeliz, fazendo o que nenhum outro mortal
jamais fez... eu beijo a mão do homem que matou
meus filhos… por teu bom pai, tende piedade…
(ambos a soluçar, um de joelhos chora por Heitor,
outro, ajoelha-se e desaba em prantos por seu velho
pai e por Pátroclo).

AQUILES
Quanto sofrimento deve caber nesse velho coração
para fazê-lo vir até aqui, contra todos os perigos e
ainda beijar a mão do assassino dos seus filhos…

60
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

eu não consigo imaginar dor maior que esta… sua


coragem me lembra meu velho… (levanta-se).
Devemos uma trégua para o luto, a sina humana é
viver em tristeza. Viver sem se preocupar é para os
deuses… vamos, senta velho…

PRÍAMO
Não me peças para sentar sabendo que o corpo de
meu filho está jogando ao relento, deixa-me levá-lo
(levanta-se, enxugando as lágrimas), aceita o
resgate que eu te trouxe.

AQUILES
Não me irrites, pode levá-lo. Esse é o desejo dos
deuses pois permitiram que você viesse até mim,
sem ser importunado. Também terá os dias que
forem necessários para o funeral de seu filho, tem
minha palavra.

PRÍAMO
Durante nove dias vamos chorar a morte de meu
filho Heitor, no décimo dia, o sepultaremos. No
décimo primeiro, farei o seu túmulo e voltaremos a
combater no décimo segundo dia.

AQUILES
Que assim seja. (Príamo retorna com o corpo de
seu filho e Troia chora o herói Heitor, que é
sepultado com todas as honras devidas).

61
Dennys Andrade

Cena VII
A Morte de Aquiles

A batalha recomeça após o período de luto e os


gregos chegam novamente às portas de Troia. A ira
de Aquiles era tamanha que teria tomado a cidade
sozinho, não fosse o deus Apolo ter entrado em seu
caminho.

AQUILES
Fujam troianos, seu fim está próximo! destruam os
portões! (Os troianos resistem, atrás dos grandes
portões. Aquiles avança mas é impedido pelo
próprio deus Apolo).

APOLO
Recue Aquiles! (bloqueando a sua passagem)
Sabes não pode atravessar os portões da cidade de
Ílion.

AQUILES
Saia da minha frente Apolo, pois eu destruirei Troia
com minhas próprias mãos! Ou eu juro que lhe
atravesso com a minha lança! (esbraveja fora de si
Aquiles, nunca dantes tão perto de pôr os pés em
Troia, insultando e ameaçando o próprio deus
Apolo).

62
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

APOLO
Para trás infeliz, filho de Peleu29! (ameaça-o) Seus
pés jamais pisarão o solo da cidade sagrada, antes
disso, baixará à casa de Hades30. (Neste momento
aparece Paris com seu arco, no alto da grande
muralha, liderando as defesas troianas no lugar de
seu irmão, Heitor)

PARIS
Que Apolo guie essa flecha e me permita vingar a
morte de meu irmão Heitor! (dispara a flecha
envenenada e esta acerta em cheio o calcanhar de
Aquiles, que cai ferido, incrédulo com o golpe e
urrando de dor)

AQUILES
Maldição! Ahhhh... (ainda levanta-se e corre sobre
os troianos em pânico, abatendo dois deles antes de
cair ao chão) … que os deuses tenham pena de
vocês… pois eu me vingarei!

(Os dois lados entram em luta feroz pelo corpo


inerte de Aquiles, ao final, recuperado e levado à
praia por Odisseu).

29 Peleu, rei da Ftia (região da Tessália), pai de Aquiles.


30 Hades, deus do submundo ou reino dos mortos.

63
Dennys Andrade

Cena VIII
O Cavalo de Madeira

Sem seus maiores guerreiros e com os troianos


fortificados atrás das muralhas, restava aos gregos a
artimanha de Odisseu. Vestido como um mendigo,
entrou na cidade e furtou o Paládio do templo de
Atena. Cumprida a profecia de Ilos, quando da
fundação de Troia, restava ludibriar os troianos
com um ardil e abrir os portões da cidade.

ODISSEU
Caro rei, escute o que faremos: o cavalo de madeira
está pronto. Esta noite, eu e os demais, entraremos
na barriga do cavalo que deverá ser deixado às
portas da cidade. Ao mesmo tempo, deverás
queimar o acampamento e esconder os navios na
ilha de Tenedos31.

AGAMEMNON
Quem garante que os troianos levarão o cavalo para
dentro da cidade? E se o queimarem?

ODISSEU
Não o queimarão pois será uma oferenda a deusa
Atena, não ousarão ultrajar a protetora da cidade
(eles entram no ventre do cavalo, enquanto os
31 Atual ilha turca de Bozcaada, próxima ao estreito de Dardalenos.

64
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

soldados queimam o acampamento e partem com a


esquadra para Tenedos. Os troianos acordam e
ficam surpresos com a retirada grega e a oferenda
deixada na praia).

PRÍAMO
(Lendo em voz alta a mensagem escrita no cavalo)
“Que a deusa Atena aceite esta oferenda e nos traga
bons ventos para que regressemos em segurança à
nossa pátria”

SOLDADO 1
Já que é um presente para a deusa Atena vamos
colocá-lo no templo, para nossa proteção.

SOLDADO 2
Não! Vamos queimá-lo… não, espere! Vamos
quebrá-lo e ver se não é esconderijo de inimigos!
(cutucando insistentemente o cavalo com a sua
lança) Temo os dânaos mesmo quando dão
presentes!32

ODISSEU
Quietos... (murmurando aos soldados, inquietos
com a lança inimiga e o perigo iminente de serem
descobertos) ...coragem homens, ainda não é
momento...

32 Origem da expressão “presente de grego”. O autor tomou a liberdade de


inserir essa frase de Laocoonte, do livro II de Eneida, de Virgílio.

65
Dennys Andrade

ANTENOR
Nem levar para dentro da cidade nem destruí-lo,
vamos deixar aqui, onde ele está, e consagrá-lo em
homenagem a deusa Atena.

PRÍAMO
Os gregos construíram esse cavalo para aplacar a
ira da deusa Atena, pois roubaram o Paládio de seu
templo e agora temem por suas vidas. Levem a
oferenda para a cidade, a guerra acabou. (os
soldados puxam o cavalo para dentro das muralhas
e toda a cidade vem celebrar a vitória sobre os
gregos, cantando à deusa Atena e dançando ao
redor do cavalo de madeira)

TODOS (2x)
A deusa dos olhos brilhantes
De Zeus a nascida galante
Protege das flechas errantes
De Ílion benévola amante 33

Atena, Atena! (O povo troiano canta e festeja pela


noite adentro, comemorando a longa e desejada
vitória até caírem bêbados e exaustos, derrubados
em um sono profundo).

33 Poema em quarteto, uma estrofe de quatro versos (de oito sílabas cada),
de rimas alternadas (ABAB) e anfíbraco (com uma sílaba longa entre
duas breves, ex.: galante); “Benévola Amante”, do autor.

66
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena IX
Queda de Troia

Os guerreiros escondidos saem de dentro do


cavalo de madeira e abrem as portas da cidade. O
exército grego cai em fúria contra a cidade
desprotegida.

AGAMEMNON
Avante homens, queimem a cidade! (invadem o
palácio e arrombam as portas, encontrando o rei
Príamo indefeso, logo morto por Agamemnon.
Helena é acossada por Menelau).

MENELAU
Helena! Por muito tempo você me insultou, agora
vou ter minha vingança (levantando a espada para
matá-la).

HELENA
Menelau, eu sou culpada de todo o mau que causei
(arrependida), mata-me (apiedado, ele guarda a
espada).

MENELAU
Levem-na para o navio… (saem escoltando
Helena)

67
Dennys Andrade

SOLDADO
Lá está Eneas, matem-no! (cercam Eneas que
resiste bravamente, protegendo o seu pai Anquises,
sua esposa Creusa e o seu filho Ascânio)

ODISSEU
Parem! (apartando a luta) Quem ousar tocar em
Eneas ou em sua família sentirá a ira de minha
espada! A compaixão é um dever moral para com
os justos e Eneas tem a minha proteção.

ENEAS
Obrigado, honrado Odisseu.

ODISSEU
Vá para a praia, onde terá um navio e poderá partir
em segurança, vão soldados! Os protejam com a
própria vida34(Eneas carrega o velho pai nos
ombros e parte, segurando o filho pela mão e
seguido por sua esposa. Nada mais resta de Troia,
reduzida a cinzas e labaredas).

34 Segundo a lenda, Eneas estava destinado a reviver a glória troiana em


outras terras e navegou para o Ocidente, ligando os seus descendentes à
fundação de Roma.

68
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Ato Terceiro
ODISSEIA

Cena I
Os Lotófagos

Após a queda de Troia Odisseu pode finalmente


zarpar rumo a Ítaca, para junto de sua amada
esposa Penélope e de seu filho Telêmaco. A frota de
doze navios seguiu até a Trácia, onde vingaram-se
dos cícones que haviam apoiado os troianos e
depois seguiram para Ítaca, quando uma pavorosa
tempestade os desviou para uma ilha desconhecida.

EURILOCO
Parece que é uma ilha deserta, Odisseu.

ODISSEU
Precisamos de água, vá com Dedoiso por essa trilha
e descubra que tipos de homens vivem aqui (Os
homens saem, o tempo passa).

POLITES

69
Dennys Andrade

Odisseu, já carregamos os cantis com água. Onde


estão os homens? Já deveriam ter voltado.

ODISSEU
Venha comigo Polites, vamos atrás deles (saem e
encontram os dois deitados com mulheres locais,
comendo flores de lótus).

EURILOCO
Venha forasteiro, aproxime-se, não tenha medo,
vem provar dessa flor maravilhosa (estendendo a
mão com algumas flores de lótus a Odisseu).

DEDOISO
Relaxa... deixe a felicidade entrar na sua cabeça…

ODISSEU
Nem me reconheceram, deve ser essa flor maldita.
(irritado) Levantem-se, vamos já para os navios!

EURILOCO
Não, nós vamos viver aqui para sempre… (Odisseu
lhe agarra e o puxa à força)

ODISSEU
Polites, cuide dele (e eles arrastam os dois de volta
para a praia). Vamos embora antes que mais alguém
coma desse fruto ardiloso (os amarram até que o
efeito da flor termine e partem com os navios).

70
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena II
O Cíclope Polifemo

Os navios aportaram em uma ilha verdejante,


cheia de cabritos, onde passaram a noite. Defronte
a ilha, ficava a terra dos ciclopes, de onde vinham
vozes estranhas misturadas a berros de cabras.
Odisseu reuniu alguns homens e pegaram um barco
para conhecer a terra estranha.

ODISSEU
Não vejo nenhuma plantação, apenas cabras soltas.
Dizem que os ciclopes são enormes e solitários,
que não conversam, não tem leis e nem temem a
nenhum deus.

EURILOCO
Vejam, uma caverna enorme! (e todos entram na
caverna, repleta de cabritos, queijos e ossos)

POLITES
Vamos embora Odisseu, antes que apareça o tal
ciclope, olhe essa montanha de ossos!

PALATEU
Vamos pegar alguns queijos e cabras mas vamos
sair logo daqui, eu imploro Odisseu!

71
Dennys Andrade

ODISSEU
Não, vamos aguardar. Eu quero ver a criatura e
aceitar o que ela estiver disposta a nos oferecer, não
quero roubar nada (mesmo a contragosto, sentaram
e aguardaram, até que o ciclope entrou na caverna.
Ele fechou a entrada com uma pedra gigante e
encontrou os homens escondidos).

POLIFEMO
Quem são vocês? São comerciantes ou piratas
ladrões? Digam!

ODISSEU
Somos gregos e estamos a caminho de nossa terra.
Viemos pedir humildemente a sua hospitalidade,
pela bondade dos deuses, e também um pouco de
queijo e algumas cabras para seguirmos viagem.

POLIFEMO
Deuses? Os ciclopes não tem… deuses. Eu sou
Polifemo, filho de Possêidon, os deuses têm medo
de mim! (acabou de falar e agarrou Palateu com as
mãos, partindo-o ao meio e devorando-o).

POLITES
Por Zeus Odisseu, vamos atacá-lo!

ODISSEU
Não! Ficaríamos presos. Só ele é capaz de liberar a
entrada da caverna (disse isso e o gigante

72
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

adormeceu). Veja Polites, ele adormeceu! Ajude-me


com essa grande lança, vamos cegá-lo, assim
poderemos fugir quando ele sair da caverna (os
dois erguem a grande lança e a fincam no olho do
ciclope que acorda urrando de dor).

POLIFEMO
Ahhhhh!!! Meu olho, meu olho!!! (desatordoado
ele busca a entrada da caverna e empurra a grande
pedra, gritando por ajuda aos demais ciclopes).

EURILOCO
Ele está bloqueando a passagem! Como vamos
fugir?

ODISSEU
Saiam por baixo das ovelhas, assim ele nos deixará
passar (e agarrados às ovelhas os homens saíram da
caverna e fugiram para o barco).

POLIFEMO
Onde estão? Eu vou acabar com vocês! (tateando as
ovelhas que saiam, à procura dos homens que o
cegaram) Vocês não vão escapar da minha ira!

ODISSEU
Ciclope Polifermo! (Extenuado por terem escapado
e doido de raiva pela perda do amigo Palateu,
Odisseu, encharcado de orgulho, provoca o
gigante) Jamais se esqueça do nome daquele que o

73
Dennys Andrade

enganou, eu sou o filho de Laerte, sou o devastador


de Troia, meu nome é Odisseu de Ítaca!

POLIFEMO
Ó pai, Possêidon abalador da terra, não permita que
o filho de Laerte volte para Ítaca! Ou, se voltar, que
seus navios afundem, se ele pisar em casa, que
mais desgraças caiam sobre sua cabeça!

Cena III
A Frota é Destruída

Uma forte tempestade irrompeu e deixou a frota à


deriva, indo parar na terra dos Lestrigões. Os
navios encontraram um pequeno porto protegido do
mar, onde ancoraram as embarcações. O barco de
Odisseu ficou do lado de fora, ancorado em uma
pedra, de onde avistou a terra estranha.

ODISSEU
Do alto das pedras eu avistei uma fumaça mas não
vi terras aradas ou plantações. Enviem dois homens
para descobrirem quem mora por aqui e se podem
nos ajudar com algumas provisões (os homens
partem por uma trilha, até encontrarem uma bela e
alta jovem).

74
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

SICILIO
Boa moça, somos viajantes e pedimos a sua ajuda.

CORSÉLIO
Poderia nos dizer onde estamos e a quem devemos
a hospitalidade?

MIRMES
Vocês estão na terra dos Lestrigões. Meu pai, o
bom rei Antifates, irá recebê-los de muito bom
grado, venham comigo (os dois a seguiram
animados pela trilha até um enorme palácio).
Venham, entrem… meu pai, temos visitas! (a
jovem então chama pelo rei Antifates que vem
correndo e, sem dizer palavra alguma, agarra
Sicilio e o devora vivo).

SICILIO
Fuja Corsélio! (na boca do monstro) São canibais!

ANTIFATES
Atrás dele! Descubram se há outros por ai... (vários
lestrigões perseguem Corsélio até o porto).

CORSÉLIO
Fujam! Levantem as âncoras! (grita, pouco antes de
ser alcançado. Os navios começam a se
movimentar mas os gigantes canibais chegam
primeiro e os afundam com enormes pedras.

75
Dennys Andrade

Odisseu corta a âncora com a sua espada e seus


companheiros remam vigorosamente, escapando do
ataque).

ODISSEU
Remem! Remem! Remem! Que desgraça… (já na
segurança do mar, os homens se entreolham e
choram a morte de tantos companheiros).

Cena IV
Os Homens-Porco

O navio solitário navegou a esmo até chegar na


ilha de Eéia, onde os homens exaustos e tristes
pernoitaram por dois dias, lamuriando a morte dos
companheiros. No terceiro dia, Odisseu envia um
grupo liderado por Euriloco para investigar uma
fumaça no meio do bosque.

EURILOCO
Olhem, um palácio, é de lá que vem a fumaça.

POLITES
Veja, tem leões e lobos ao redor do palácio, vamos
embora, antes que eles nos ataquem.

76
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

DEDOISO
Esperem… os bichos estão balançando a cauda,
estão felizes! Vamos, não há perigo (eles ouvem
uma voz suave vindo de dentro do palácio).

POLITES
Você, deusa de cabelos belíssimos e voz doce, qual
é o seu nome?

CIRCE
Meu nome é Circe, sejam bem-vindos ao meu
palácio. Vamos, entrem, vocês parecem exaustos e
cansados, aceitem a minha hospitalidade (os
homens entram, menos o desconfiado Euriloco).
Comam um pouco de queijo, de mel e bebam deste
vinho (continua, enquanto os homens famintos se
fartam, comendo e bebendo). Isso! (alterando a
voz) Comam como porcos, pois porcos serão! (e
tocando-lhes transformou a todos em porcos,
menos Euriloco, que correu de volta à praia)

EURILOCO
Os homens viraram porcos! Uma feiticeira os
transformou em porcos Odisseu! Não vá! Por favor
homem, não vá! (Odisseu pega a sua espada e parte
determinado a salvar seus companheiros, até que
encontra o deus Hermes no caminho).

77
Dennys Andrade

HERMES
Espera Odisseu. A deusa Atena me enviou para te
avisar dos truques de Circe, toma, come essa erva,
ela o protegerá dos feitiços e você poderá libertar
os teus homens (Odisseu agradece Hermes e parte).

ODISSEU
Circe! (grita) Apareça...

CIRCE
Entre, nobre desconhecido. Deve estar com sede,
senta enquanto eu lhe trago algo para beber (trás o
vinho e Odisseu bebe toda a taça). Agora, corra!
(grita em tom ameaçador) Vai-te à pocilga e te junta
aos outros porcos...

ODISSEU
Bruxa! (agarrando-a pelo pescoço) Transforme
novamente meus homens em humanos ou eu lhe
mato com essa espada! (impressionada com aquele
homem Circe toca cada um dos porcos,
transformando-os novamente em humanos).

CIRCE
Quem é você? De que nação? De que família? Que
alma inabalável… (ainda sem acreditar naquele
homem maravilhoso) você é certamente Odisseu, o
que Hermes me disse que viria para cá em sua nau
e que seria meu amor…

78
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

ODISSEU
Você transforma os meus companheiros em porcos
e agora quer meu amor? Quer me enganar? Eu
jamais me deitaria ao seu lado... a não ser que me
jure, por tudo que é mais sagrado, que não irá me
fazer algum mal (Circe jura e entre prazeres e
mimos decorrem um ano inteiro até que, lembrado,
o brio desperta e preparam-se para partir).

CIRCE
Antes que você vá para casa Odisseu, eu quero lhe
contar sobre os perigos que te esperam pelo
caminho e dar-te conselhos sobre o que fazer em
cada um deles (falou a Odisseu sobre o canto das
sereias, sobre Cila e Caribdes e também sobre os
bois de Hélio. Eles partem, deixando Circe para
trás, dilacerada, cantando sua tristeza).

À sombra da suspeita,
meu afeto constante
perde a fé lisonjeira
e pouco acredita.
Avesso, não é o coração
de se armar de amor
e adoçar o penar
com hábitos falsos. 35
35 Cantata solo “All'ombra di sospetto”, de Antonio Vivaldi (1678-1741),
que mostra a deusa Circe cantando, adaptado para um poema “em
oitava” (oito versos) denominado “branco” ou “solto”, de verso sem
rimas, comum dos tempos atuais; “Circe Dilacerada”, do autor.

79
Dennys Andrade

Cena V
O Canto das Sereias

O navio solitário retoma a sua rota para Ítaca e


encontra uma bela ilha verdejante, onde decidem
atracar, mas Odisseu lembra-se dos conselhos de
Circe e previne os marinheiros.

ODISSEU
Os ventos pararam, preparem-se homens, essa é a
ilha das sereias36, da qual Circe me alertou.

POLITES
Dizem que as sereias são extremamente lindas e
que aqueles que escutam o seu canto nunca mais
retornam a seus lares… o que faremos Odisseu?

ODISSEU
Peguem esses pedaços de cera de abelha e
coloquem nos ouvidos para que fiquem imunes aos
seus feitiços. Circe disse que eu poderia ouvir a tal
canção, se quisesse, desde que muito bem amarrado
e sem chance de escapar. Portanto, não me soltem!
Nem que eu implore, vocês deverão me soltar!

POLITES

36 Filhas do deus-rio Aqueloo que habitavam os rochedos próximos à ilha


de Capri (Golfo de Nápoles, Itália).

80
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Ajudem homens, vamos amarrá-lo ao mastro


principal! (amarram-no e passam a cera nos
ouvidos. Odisseu começa a ouvir o doce canto das
sereias e suplica desesperado aos homens para que
o desamarrem).

SEREIAS
A ouvir o nosso charme, amor,
nos mostra toda sua astúcia,
sacia nosso pobre ardor,
a glória doce, vem beijar.

Arria-te ao mar, amor,


esquece a dor, a fé argúcia.
Ajeita em nossos lábios flor,
guerreiro sábio, vem dançar37.

ODISSEU
Meu Deus! Por Zeus, homens, me desamarrem!!!
(debatendo-se loucamente) Eu preciiisooo ir… eu
queeerooo… arghhhh!!! Me soltem! É uma
ordem!!! Por favor… (espumando de loucura e
esgotamento, enquanto os homens remam
indiferentes e o navio se afasta) eu ainda consigo
ouvi-las… (desmaia).

37 Poema octassílabo (de oito sílabas), de duas estrofes (conjunto de


versos) com quatro versos (quartetos) de rimas alternadas ou cruzadas
(ABAB ABAB) ricas (palavras de diferentes categorias gramaticais);
“Tentação de Odisseu”, do autor.

81
Dennys Andrade

POLITES
Pobre Odisseu, já podemos desamarrá-lo.

Cena VI
Cila e Caribdes

Nem bem escaparam das sereias uma forte


ventania e ondas violentas começam a açoitar a
nau. Odisseu volta a si e comenta com os homens
sobre o perigo do redemoinho Caribde, do qual lhe
falou Circe, mas nada diz sobre o monstro Cila que
habita a caverna do rochedo maior, pois o medo
faria os homens largarem os remos e, apavorados,
matariam a todos.

ODISSEU
Escutem! Estamos prestes a passar por um estreito
entre dois rochedos. Devemos evitar o rochedo
menor onde rodopia o terrível sugadouro chamado
Caribdes e vamos passar rente ao rochedo maior
(os marujos remam, cautelosamente).

DEDOISO
Vejam como chia, parece uma caldeira ao fogo! (e
todos olham impressionados).

82
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

POLITES
Remem homens, remem! Estamos quase passando
pelo terrível Caribdes (enquanto os marinheiros
fitam amedrontados o redemoinho que suga as
águas turbulentas, Odisseu percebe o terrível
monstro Cila saindo de sua caverna e saca a sua
espada). Por que sacou a espada, Odisseu?

ODISSEU
Cuidado Polites!!! (o monstro Cila ataca o barco e
arrebata Polites)

POLITES
Socorro Odisseu! Socorro! (sendo levado para a
caverna por uma das cabeças de Cila) Não me
deixe morrer!

DEDOISO
Ahhhh!!! Me larga! Socorro Odisseu, Odisseeeuuu!
(também é capturado por Circe e seus gritos ecoam
para fora da caverna)

ODISSEU
Vejo as mãos, ouço os gritos mas nada... nada
posso fazer… eu que já naveguei por tantos mares
e sofri tanto, nunca vi coisa tão horrorosa...

83
Dennys Andrade

Cena VII
A Ira de Hélio

Deixando para trás os horrores de Cila e Caribdes


os navegantes avistam Tirésias, a terra do deus Sol,
repleta de bois gordos e carneiros a pastarem.

ODISSEU
A terra de Hélio está a nossa frente. Circe me
alertou sobre os perigos desta ilha, portanto, não
vamos parar, sigamos em frente.

EURILOCO
Que coração duro Odisseu, quanta maldade! Você
não se cansa pois é feito de ferro mas nós estamos
cansados e famintos. Se o mau tempo nos pega pela
noite, ninguém aguenta. Vamos passar a noite na
praia e saímos bem cedo pela manhã (o que a
tripulação toda concorda).

ODISSEU
Estou vencido. Ao menos jurem que não tocarão
em nenhum animal desta ilha ou estaremos
perdidos (os homens juram e vão à praia, onde
dormem, para só acordarem bem tarde, na manhã
seguinte).

ODISSEU

84
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Que cheiro é esse? (percebendo que os marinheiros


mataram e assaram os animais) Por quê, em nome
de Zeus?!? Como puderam? Eu não disse para não
tocarem nos bois de Hélio?

EURILOCO
Os homens estavam com fome e achamos que,
honrando os deuses com um sacrifício, não haveria
problema.

ODISSEU
Olhe para o céu, vamos embora antes da
tempestade, rápido! Antes que a fúria do Olimpo
caia sobre nós! (embarcam imediatamente no barco
que zarpa, tentando escapar da enorme tempestade
que se aproxima).

HÉLIO
Deuses do Olimpo! Os homens de Odisseu
sangraram os meus bois e me desonraram, punam
agora esse ultraje, se não quiserem que eu me mude
para o Hades38 e que passe a brilhar apenas para os
mortos.

ZEUS
Pois fique no céu Hélio, continue a iluminar os
deuses e os mortais que eu lhe prometo despedaçar

38 Nome que designa tanto o deus quanto o reino que ele governa, nos
subterrâneos da Terra.

85
Dennys Andrade

a embarcação desses marujos atrevidos (dito isso,


um raio acerta em cheio o navio, que afunda
matando todos os seus ocupantes, exceto Odisseu,
que salva-se agarrado a um pedaço de mastro).

Cena VIII
Cativo de Calipso

Odisseu vaga pelo mar por nove dias, até dar na


areia da praia da bela ilha de Ogígia, lar da ninfa
Calipso, que o acolhe e cuida, mas o mantêm
prisioneiro por oito longos anos até que a deusa
Atena se apieda da tristeza do herói e pede a
intervenção de seu pai, Zeus, que envia Hermes
para falar com a ninfa.

CALIPSO
Venerável amigo Hermes, a que devo a honra da
sua companhia aqui em minha ilha, tão longe do
Olimpo? Sente-se, sirva-se (sentam e comem).
Agora que está satisfeito, pode me contar a que
veio.

HERMES
Eu atravessei o mar salgado em nome de Zeus, a
quem devemos obediência. Meu pai diz que você

86
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

mantêm aqui um homem muito infeliz, que lutou


nas praias de Troia por muitos anos e depois perdeu
todos os seus soldados, tentando voltar para casa,
Zeus quer que você o liberte.

CALIPSO
Invejosos, ciumentos (inconformada), os deuses
são todos cruéis! Não podem ver uma deusa feliz
vivendo com um mortal… eu o salvei quase morto
na praia, eu o acolhi e cuidei, ainda esperava torná-
lo um imortal e… (suspira, desalentada) claro, farei
como Zeus pede…

HERMES
Nunca irrites a Zeus, nem queira sentir a sua ira.
Despeça-o já (e parte. Calipso vai de encontro a
Odisseu, triste, a fitar o mar que o separa de sua
casa).

CALIPSO
Odisseu, guarda a tua dor, está na hora de partir.
Constrói a sua jangada e eu lhe darei o que comer e
beber (Odisseu a fita, desconfiado).

ODISSEU
O que está planejando agora, deusa? Eu não farei
nada a não ser que me jure não se tratar de mais um
dos seus truques para me manter nessa ilha.

87
Dennys Andrade

CALIPSO
Nem todos são matreiros ou desconfiados como
você (acariciando-lhe a face bronzeada). Eu te faria
imortal... se quisesse ficar aqui comigo.

ODISSEU
Eu sinto falta de minha esposa…

CALIPSO
Por mais saudades que tenha de sua esposa, sabe
que as mortais não são belas como as deusas, não
sabe? (Odisseu não quer ofender a uma deusa e
pensa demoradamente na sua resposta)

ODISSEU
Sim, minha deusa, sei que em tudo é melhor que
minha mortal Penélope e que nunca será escrava da
morte ou da velhice, mesmo assim, o que eu mais
quero é revê-la.

CALIPSO
Toma esse machado de bronze. Derruba as árvores
de que precisa e te faz uma jangada, você pode ir...
(Odisseu trabalha com afinco em sua jangada, o
qual põe ao mar e desaparece no horizonte da ilha
de Calipso).

88
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena IX
A Princesa Nausíca

Por dezessete dias navegou até avistar a ilha de


Esquéria de onde, segundo as profecias, partiria
finalmente para a sua pátria. Irado com a
permissividade dos deuses, Possêidon agita o mar
com o seu tridente e ondas colossais destroçam a
pequena jangada. Odisseu acaba desacordado e nu
em uma praia da Feácia, onde a princesa Nausíca
brincava com outras moças.

NAUSÍCA
Pega essa bola! (erra desastrosamente o arremesso
e todas as moças riem).

ODISSEU
Quem vem lá? (ouvindo os risos) Serão bárbaros
injustos e ferozes ou serão homens tementes aos
deuses e hospitaleiros? Parecem vozes de mulheres
(pega um ramo para esconder a nudez e vai até
elas. Seu aspecto medonho de náufrago faz as
moças fugirem, exceto a princesa)… bela jovem
destemida, deusa ou mulher, por favor ajuda-me.

NAUSÍCA
Meu nome é Nausíca, filha de Alcino, o generoso
rei dos feácios. Agora és meu hóspede pobre

89
Dennys Andrade

náufrago, pegue essas roupas e venha conosco para


o palácio de meu pai. (O rei Alcino oferece um
banquete ao forasteiro e o cego aedo39 Demódoco
cantarola a, já então, famosa história de Troia).

DEMÓDOCO
Essa noite eu vou cantar,
quem a troia, fim pragou.
E dos gregos, quem salvou,
grandes feitos vou lembrar.

Praia dista, mau danar,


gregos mil a luz cessou.
Guerra vil ele encerrou,
fez sagaz Laércio jogar.

Sua esquadra pretendeu


grande fuga e Pálas prenda,
largo equino ofereceu.

Troia, finda a contenda,


para amar em jubileu
solo pátrio, volta a lenda.40

39 Aedos eram poetas-cantores que compunham letras a partir das lendas


de seu povo e as cantavam acompanhados de um instrumento musical
(lira ou cítara). Descrito como cego em Odisséia, o aedo Demódoco é
elogiado como tendo “o dom da doce canção”, o que muitos
interpretam como uma espécie de auto-retrato de Homero, quem,
diziam os gregos posteriores, também seria cego.

90
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

ALCINO
Por ora basta, aedo (interrompendo o canto), nem
todos se alegram com seu canto (Odisseu soluça de
tristeza, escondendo as lágrimas)... Estrangeiro,
fazemos essa festa para você, por que a tristeza?
Amanhã uma nau o levará de volta para sua terra e
não terás mais motivo para desalento. Agora, diga-
nos, para qual pátria ele deverá partir e quem ele
levará, nobre estrangeiro, qual o nome que seus
pais lhe deram?

ODISSEU
Certamente meu generoso rei, meu pai é Laerte, de
Ítaca, minha pátria linda para onde eu me esforço
em regressar, após tanto tempo.

ALCINO
Então, a música do aedo que te faz triste… é você...
Odisseu de Ítaca!? Diga estrangeiro, qual o seu
nome?

ODISSEU
Sim, vossa majestade, eu sou Odisseu (o rei Alcino
pede a Odisseu que conte as suas desventuras, até o
momento em que foi acabar em Esquéria).

40 Poema de soneto clássico: heptassílabo de ritmo intercalado (ABBA


ABBA CDC DCD), com catorze estrofes (versos) distribuídas em dois
quartetos e dois tercetos; “Demódoco louvando Odisseu”, do autor.

91
Dennys Andrade

Cena X
Odisseu em Ítaca

Odisseu, exausto e dormindo, é deixado pelos


marujos em uma praia estranha onde desperta, com
a deusa Atena ao seu lado. Possêidon reclama a
Zeus sobre a petulância dos feácios em ajudar
Odisseu e este permite que ele aplaque a sua fúria
transformando os marujos em pedra, pouco antes
de retornarem.

ODISSEU
Poderosa Atena, tenho errado de praia em praia e
de chaga em chaga… por teu pai, suplico, é esta
uma terra hospitaleira ou é uma terra perigosa,
como tantas outras?

ATENA
As duas coisas Odisseu. Essa é a terra das pessoas
que você mais ama, também, das pessoas que mais
te odeiam. É a saudosa ilha de Ítaca, de onde há
tanto tempo, um dia, você partiu (Odisseu mal pode
acreditar e ajoelha a beijar o solo de sua pátria
amada).

ODISSEU
Filha de Zeus adorada, eu pensava que nunca mais
viria minha doce pátria, minha Penélope! Meu filho

92
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Telêmaco! (Eufórico) Preciso encontrá-los!

ATENA
Sossega, querido Laércio41 e escuta. Vai encontrar a
tua casa cheia de canalhas, que lá se instalaram
para o desespero da sua nobre Penélope. Por anos
eles comem da sua comida e bebem do seu vinho,
enquanto competem para ver qual deles irá
desposar aquela que te chora, dia após dia, desde a
sua partida.

ODISSEU
Ajuda-me minha protetora (ajoelha) e eu sozinho
darei conta de todos eles.

ATENA
Ajudarei nessa empresa e você poderá manchar o
chão com o sangue daqueles infames... antes,
porém, farei com que ninguém o reconheça (Atena
disfarça Odisseu, transformando-o em um velho
mendigo, vestido em andrajos). Agora vá, busca
Eumeu, seu velho amigo porqueiro, que para lá
enviarei seu filho Telêmaco.

41 Odisseu, filho de Laerte.

93
Dennys Andrade

Cena XI
Retorno de Telêmaco

Odisseu chega à choupana de Eumeu, que acolhe


e alimenta o estrangeiro, conforme a boa tradição e
era o costume de seu antigo patrão. Pouco depois,
chega Telêmaco.

EUMEU
Saiam, cães, saiam! (espantando os cachorros que
cercam Odisseu) Já não me basta o pesadelo de ter
que alimentar parasitas enquanto meu patrão pode
estar por ai nesse mundo passando fome, quase que
eles te machucam, andarilho... venha, entre e
divida comigo o pão e o vinho, fale-me sobre você.

ODISSEU
Abençoado seja, amigo (entram).

EUMEU
Os deuses dão, os deuses tiram, eu acolho a todos.
Meu antigo patrão ensinou que Zeus protege os
estrangeiros e os mendigos através das nossas
mãos.

ODISSEU
E quem era o seu antigo patrão?

94
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

EUMEU
Seu nome era Odisseu, o mais bondoso dos homens
(com os olhos mareados). Ele partiu faz muito
tempo e morreu… (os cães ladram) aguarde aqui,
alguém chega.

TELÊMACO
Meu bom e velho Eumeu! (Telêmaco é recebido
com muita alegria, após tanto tempo ausente em
terras distantes, a buscar notícias de seu pai.
Odisseu disfarça a forte emoção de rever o seu
filho, já crescido)

EUMEU
Que felicidade, entra, entra! Quase nunca vem ao
campo, pensei que nunca mais iria revê-lo…

TELÊMACO
Eu passei para ver como você está e para saber de
minha mãe, ela continua à mercê daqueles párias,
no palácio de meu pai?

EUMEU
Os dias de sua mãe ainda são tristes e as noites
amargas. Ela ainda chora por seu pai. Aguarde aqui,
coma algo e faça companhia ao estrangeiro que eu
preciso alimentar os cães.

95
Dennys Andrade

Cena XII
Pai e Filho Tramam

Atena aparece para Telêmaco e lhe revela a


identidade de seu pai, eles se abraçam
emocionados, soluçando de felicidade. Odisseu e
Telêmaco planejam a vingança contra aqueles que
flagelam a sua casa.

TELÊMACO
Procurei anos por você, meu pai! (abraçados)

ODISSEU
Estou aqui meu filho, agora escuta, vá para casa e
não conte para sua mãe que eu voltei. Eu irei
depois, com esse disfarce e não interfira, se os que
lá estão, me insultarem ou me baterem…

TELÊMACO
...mas pai…

ODISSEU
… (segura as mãos de Telêmaco) a deusa Atena me
dirá o momento de atacarmos e, ao meu sinal, você
deve guardar todas as armas da casa, deixe apenas
duas espadas e dois escudos, para nós os atacarmos.

96
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

TELÊMACO
Meu pai, eu conheço a tua fama de guerreiro
prudente e forte mas eles são muitos, e nós, apenas
dois.

ODISSEU
Ouça-me filho, a nós, basta a companhia de Atenas
e de seu pai, Zeus. Agora vai ver sua mãe que eu
vou atrás, vagaroso, guiado por Eumeu (Telêmaco
parte, após um longo abraço do pai).

Cena XIII
Penitência de Penélope

O mendigo segue Eumeu até o salão de sua


saudosa casa, sendo logo hostilizado por Antino.
Penélope confia sua tragédia ao afável estrangeiro e
a ideia do desafio que a deusa Atena lhe deu em
sonho.

PENÉLOPE
Hesito entre dois caminhos, estrangeiro: ficar aqui,
ao lado de meu filho e honrando meu marido ou me
casar com um desses, que aqui me atormentam.
Nunca me passaria pela cabeça casar novamente
mas eu preciso pensar em Telêmaco, antes que a
fortuna de seu pai se esgote de vez.

97
Dennys Andrade

MENDIGO (ODISSEU)
Adorável mulher, não deve mais adiar essa decisão.

PENÉLOPE
Eu sonhei que propunha um desafio aos
pretendentes: meu marido, Odisseu, costumava
enfileirar doze machados e, com um só tiro, fazia
passar uma flecha pelo buraco de todos eles, de
uma só vez, sem errar! E eu me casaria com aquele
que o realizasse.

MENDIGO (ODISSEU)
Minha senhora, eu prevejo que na hora do desafio,
quando nenhum desses homens triunfar, o teu
marido Odisseu retornará para essa casa, pois ele é
o único merecedor de ti (Penélope anima-se e pega
o velho arco de seu marido).

PENÉLOPE
Zeus te ouça, estrangeiro (vai até o salão e declara
o desafio). Ouçam-me, vocês que comem e bebem
na casa do meu falecido marido e que me querem
como esposa. Esse é o arco de Odisseu (levanta o
arco). Aquele que conseguir vergá-lo e atirar uma
flecha através dos doze machados enfileirados será
o meu novo marido e eu aceitarei o meu destino.
(retira-se para o seu aposento) Peçam às criadas
que me acordem quando tudo isso terminar e que
me avisem do nome do vencedor.

98
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena XIV
Desafio dos Doze Machados

Todos no salão preparam-se para o desafio.


Odisseu avisa Eumeu para trancar as mulheres no
cômodo assim que chegar a sua vez de tentar
envergar o arco. O filho de Penélope é o primeiro a
tentar.

TELÊMACO
Mas que droga (após três tentativas)! Ou sou
péssimo guerreiro ou ainda muito moço, tentem
vocês que são mais fortes e vamos terminar logo
com isso.

MELÂNTIO
Eumeu, traga aqui a banha de porco (passa a
gordura quente no arco, tentando amolecê-lo e
vergá-lo mas não consegue) Argghh! Meus braços
não dão conta! Tome aqui, Eurímaco.

EURÍMACO
Impossível (após tentar vergar o arco sem
conseguir)! Nem lamento perder, muito mais me
incomoda saber que, aqui entre nós, não há quem
chegue aos pés de Odisseu e que dessa forma
seremos lembrados... (Antino lhe arranca o arco).

99
Dennys Andrade

ANTINO
Tal não será Eurímaco, lhe garanto (aquece o arco
na banha mas hesita, nem chega a vergá-lo e o põe
novamente sobre a mesa), deixemos o arco, as
flechas e tragam o vinho, vamos beber! Amanhã
continuaremos (todos aplaudem a ideia de Antino e
enchem suas taças).

MENDIGO (ODISSEU)
Dignos rivais, que amanhã os deuses deem a glória
a quem merecer mas, antes, permitam que eu
também faça uma tentativa com o venerável arco…
(Antino estoura).

ANTINO
Mendigo miserável, endoidou?! Não queira se
medir com gente superior a você, senta e bebe
quieto! (mas Telêmaco interfere e Odisseu tem sua
chance)

TELÊMACO
Todos nessa casa terão o direito de tentar, vá em
frente estrangeiro, tome o arco (Eumeu vê o sinal e
recolhe as armas da casa, depois, tranca as
mulheres no quarto enquanto o mendigo manobra o
equipamento com intimidade. Ele verga o arco e
sua flecha passa zunindo pelos furos, acertando o
alvo com facilidade, para espanto geral).

100
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

MENDIGO (ODISSEU)
A competição acabou Telêmaco, comam e bebam, é
hora de preparar uma festa.

Cena XV
O Massacre

Telêmaco põe-se em guarda, empunhando sua


espada cortante e a lança afiada. O mendigo fica à
soleira da porta, com o arco e flechas apostos para
impedir a fuga daqueles abutres.

ODISSEU
Chegou a vez de acertar um alvo que eu quero há
muito tempo (atira uma flecha fatal em Antino,
iniciando um grande tumulto. Os homens procuram
mas não encontram as suas armas).

EURÍMACO
Seu assassino!!! Está louco? Acabou de matar o
homem mais nobre de Ítaca!

ODISSEU
Seus cães! Sou eu, Odisseu (despindo os trapos e
revelando a sua identidade, para desespero e terror
dos homens) e vocês, abutres, vão morrer!

101
Dennys Andrade

EURÍMACO
Rapazes, ele não descansará enquanto não der cabo
de todos nós! (diz aos homens melindrados com a
aparição de Odisseu) Ataquem, não é hora de
covardia!

ODISSEU
Não vão mais saquear a minha casa! (flechando
Eurímaco, bem no coração) Não vão mais violentar
as minhas criadas! (outra flecha fatal, agora em
Melântio)

ANFÍNOMO
Morra peleio42! (saca uma adaga escondida na
cintura e parte para cima de Odisseu mas é
transpassado pela lança de Telêmaco. A matança
chegara ao fim)

ODISSEU
Ninguém mais vai cobiçar a minha mulher…
(Ofegante) Telêmaco, Eumeu, ajudem a tirar essas
carcaças daqui… e depois desinfetem a casa com
enxofre43.

42 “Filho de Peleu”, pai de Aquiles.


43 Utilizado como desinfetante e também como purificador espiritual.

102
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Cena XVI
Paz Enamorada

Penélope é avisada que o mendigo era, na


verdade, seu marido Odisseu disfarçado e que ele e
seu filho Telêmaco castigaram de morte aqueles
que oprimiam sua casa. Incrédula, ela desce e
encara o homem em um longo silêncio, ainda
desconfiada.

ODISSEU
Que espécie de mulher tem uma pedra no lugar do
coração? (furioso com o silêncio e a frieza da
esposa) como pode ficar muda e ignorar o marido,
após tantos anos de sofrimento!? Peça então a
criada que me prepare uma cama, quero dormir…

PENÉLOPE
Assim seja, vou pedir para a criada colocar a cama
de Odisseu aqui, perto do fogo (testando o marido).

ODISSEU
Quem serrou a cama??? (inconformado) Eu mesmo
a entalhei na grande oliveira que está em nosso
quarto, como pôde fazer isso? (o coração de
Penélope derrete-se na certeza de que aquele
homem é realmente o seu marido).

103
Dennys Andrade

PENÉLOPE
Perdão meu amor, perdão, não se zangue comigo!
(chorando de alegria ao abraçá-lo) Minha alma
treme só de pensar que era uma outra armadilha
mas só você conhecia o segredo da nossa cama e eu
precisava saber se não era mais um impostor… me
perdoa amor e me beija.

Pano

104
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

“Homens fortes, intrépidos e belos de alma, de mente e de


corpo. E mesmo que não tenham sido assim, da maneira
como queria a fantasia humana naqueles antigos e míticos
tempos, de qualquer modo eles existiram, pois sempre
houve e sempre haverá heróis. Enquanto houver covardia,
haverá também bravura; enquanto houver maldade, haverá
também virtude; e enquanto houver mesquinhez, haverá
também grandiosidade. O mal gera o bem assim como o
inverno traz a primavera. Os homens simples adoram os
heróis, acreditam neles e com isso adquirem força. Essa é a
força que impele para frente as gerações humanas.” 44

Menelaos Sthepanides

44 STHEPANIDES, Menelaos. Hércules. São Paulo: Odysseus, 2000.

105
Dennys Andrade

Tabela de Habilidades45
Personagem46 Qtd. Qtd. Grau de Descrição
Cenas Palavras Dificuldade
Hera 2 188 Médio Esposa de Zeus
47
Moiras 2 83 Baixo Filhas de Zeus, irmãs dos destinos
Galintia 1 58 Baixo Criada de Alcmena
Alcmena 1 65 Baixo Mãe de Héracles (c/Zeus)
Ilos 1 178 Médio 1º Rei de Ílion (Troia)
Nicolau 1 87 Baixo Criado de Ilos
Oráculo 2 64 Baixo Adivinho, profeta
Hécabe 1 30 Baixo Esposa (Príamo) e mãe (Heitor e Paris)
Príamo 4 271 Alto Último rei de Troia
Zeus 2 155 Médio Rei dos deuses do monte Olimpo
Hermes 3 128 Médio Filho de Zeus, mensageiro dos deuses
Atena 3 144 Médio Deusa da sabedoria e da guerra
Afrodite 1 74 Baixo Deusa do amor
Leda 1 25 Baixo Esposa de Tíndaro, mãe de Helena

45 Todos os volumes da Coleção Pequeno Teatro possuem uma Tabela de


Habilidades, com a listagem dos personagens, respectivas quantidades
de cenas, de palavras e, quando disponível, a quantidade de palavras
difíceis de pronunciar ou de frases muito longas. A tabela permite a
distribuição dos papéis em acordo com a desenvoltura, desinibição ou
capacidade de atuação dos jovens atores.
46 A peça teatral é composta de um total de 60 personagens, o que
possibilita tanto a interpretação de mais de um personagem pelo mesmo
ator (caso de elencos menores, com apenas uma classe ou turma)
quanto de uma apresentação individualizada, com jovens de uma ou
mais séries escolares ou turmas de anos diferentes.
47 Quantidade combinada de palavras das três Moiras.

106
Pequeno Teatro da Ilíada e Odisseia

Personagem Qtd. Qtd. Grau de Descrição


Cenas Palavras Dificuldade
Tíndaro 1 90 Baixo 11º Rei de Esparta, genro de Agamemnon
48
Odisseu 26 1.441 Alto Rei de Ítaca (Ulysses em latim)
Menelau 6 288 Alto 12º Rei de Esparta, marido de Helena
Helena 2 54 Baixo Esposa de Menelau, famosa pela beleza
Paris 4 217 Alto Filho de Príamo, seduz e rapta Helena
Agamemnon 4 189 Médio Rei de Micenas, irmão de Menelau
Palamede 1 25 Baixo Príncipe de Eubéia
Penélope 3 246 Alto Esposa de Odisseu, prima de Helena
Peleu 1 53 Baixo Rei da Ftia (região Tessália), pai de Aquiles
Tétis 1 115 Baixo Esposa de Peleu, mãe de Aquiles
Licomedes 1 21 Baixo Rei de Esquiro
Aquiles 10 705 Alto Rei dos Mirmidões, filho de Peleu
Antenor 2 41 Baixo Conselheiro mais sábio do rei Príamo
Heitor 5 203 Alto Filho de Príamo e comandante troiano
Protesilau 1 5 Baixo Príncipe da Tessália
Sold.Troianos 1 16/22 Baixo Soldados (Ato II, Cena VIII)
Cicno 1 25 Baixo Guerreiro troiano, filho de Posêidon
Tróilo 1 25 Baixo Filho de Príamo
Crisis 1 68 Baixo Sacertode de Apolo, pai de Criseide
Nestor 1 19 Baixo Rei de Pilos e ancião conselheiro
Eneas 2 35 baixo Chefe troiano, genro de Príamo
Pátroclo 1 82 Baixo Amigo próximo de Aquiles
Apolo 1 34 Baixo Filho de Zeus e o mais belo deus grego
Sold.Grego 1 4 Baixo Soldado (Ato II, Cena IX)

48 O personagem possui extensa fala, sendo 442 palavras nos Atos I e II e


mais 999 palavras no Ato III, perfazendo um total de 1.441 palavras.

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Dennys Andrade

Personagem Qtd. Qtd. Grau de Descrição


Cenas Palavras Dificuldade
Euriloco 4 125 Médio Cunhado e imediato no navio de Odisseu
Polites 5 120 Médio Membro da tripulação de Odisseu
Dedoiso 3 35 Baixo Membro da tripulação de Odisseu
Palateu 1 14 Baixo Membro da tripulação de Odisseu
Polifemo 1 81 Baixo Ciclope, filho de Possêidon
Sicilio 1 13 Baixo Membro da tripulação de Odisseu
Corsélio 1 15 Baixo Membro da tripulação de Odisseu
Mirmes 1 26 Baixo Filha do rei Antifates
Antifates 1 8 Baixo Rei dos Lestrigões
Circe 1 158 Médio Feiticeira, filha do deus Hélio
Sereias 1 39 Baixo Ninfas feiticeiras mulheres-peixe
Hélio 1 37 Baixo Deus e personificação do Sol
Calipso 1 149 Médio Ninfa, filha do titan Atlas
Nausíca 1 33 Baixo Filha de Alcino (esposa de Telêmaco? 49)
Alcino 1 80 Baixo Rei dos Feácios
Demódoco 1 60 Baixo Poeta-cantor cego, da corte do rei Alcino
Eumeu 3 138 Médio Porqueiro, amigo “irmão” de Odisseu
Telêmaco 4 93 Baixo Filho de Odisseu, neto de Laerte
Melântio 2 16 Baixo Um dos pretendentes, pastor de cabras
Eurímaco 2 57 Baixo Um dos pretendentes, tiete de Antino.
Antino 2 35 Baixo Um dos pretendentes, o mais malígno
Anfínomo 1 2 Baixo Um dos pretendentes de Penélope

49 Segundo o diário de “Díctis de Creta”, que lutou em Troia, Telêmaco


visitaria o reino feácio anos depois e apaixonar-se-ia pela jovem
Nausíca, sua futura esposa.

108

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