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A Odisseia é um poema épico, escrito por Homero, que narra o percurso

atribulado do herói Ulisses para voltar para casa depois da Guerra de Troia.
Considerada a segunda obra da literatura ocidental, a Odisseia integra o
início do cânone literário da região.

Juntamente com a Ilíada, do mesmo autor, faz parte das leituras


fundamentais da Grécia Antiga que continuam influenciando nossas
narrativas e imaginário coletivo. Venha conhecer mais sobre a incrível
viagem de Ulisses e sua esperteza fora de série!

Sinopse
Ulisses, herói grego conhecido pelos seus dons de raciocínio e discurso,
tenta navegar até casa depois da vitória na guerra de Troia. Atormentado
por Poseidon, deus dos mares, e protegido por Atena durante toda a
jornada, enfrenta vários obstáculos e perigos, tentando voltar para Ítaca e
para os braços da mulher, Penélope.

Atenção: a partir deste ponto, o artigo contém revelações sobre a


narrativa.

Estrutura da obra
A Odisseia é um poema épico, ou seja, uma composição poética que narra
a história de um povo, valorizando os seus feitos. Os textos deste gênero
literário eram criados com o intuito de serem recitados e transmitidos
através da oralidade, conquistando a atenção e despertando as emoções
dos ouvintes.

Uma vez que eram escritos para serem interpretados em público, estes
poemas se focavam bastante no ritmo. Dividida em 24 cantos, a Odisseia é
composta por 12 mil versos hexâmetros, de 13 a 17 sílabas, que variam
entre as longas e as breves da língua grega.

A obra é considerada uma das primeiras epopeias (sinônimo de "poema


épico"), com um narrador que exalta as conquistas e os atos de bravura de
um herói ou povo, reproduzindo lendas da tradição oral.

Em termos de organização do poema, podemos identificar três grandes


passagens. A primeira, conhecida por Telemaquia (cantos I a IV), narra as
interações da deusa Atena com o jovem Telémaco, que procura guiar
durante a ausência do pai. Logo no começo, podemos conhecer o palácio
onde Penélope resiste às investidas dos pretendentes.

A segunda se foca na viagem de Ulisses (cantos IX a XII), quando o herói


conta ao rei dos Feaces os obstáculos fantásticos que enfrentou até ali. A
terceira passagem é também a maior e trata a vingança de Ulisses (cantos
XIII até XXIV) quando consegue regressar a Ítaca.

Personagens principais da Odisseia


Humanos

 Ulisses é o personagem principal da obra, um herói pouco


convencional que tenta solucionar os problemas através da lógica e
da retórica, não através da violência. Apesar de todas as
dificuldades, revela um espírito resiliente e nunca desiste de
reencontrar a sua família.
 Penélope é a esposa de Ulisses, que fica responsável por governar
Ítaca e criar Telémaco durante a ausência do marido. Quando todos
assumem que ficou viúva, dezenas de pretendentes invadem o seu
palácio na esperança de casar com ela. Penélope inventa um
esquema para enganar a todos e manter a fidelidade ao marido.
 Telémaco é o filho de Penélope e Ulisses que era apenas uma
criança quando o pai partiu. Vendo o palácio invadido pelos
pretendentes da mãe, parte em busca de notícias do pai e
amadurece ao longo da narrativa, guiado pela deusa Atena.
 Nausícaa é a princesa dos Feaces que encontra Ulisses nas margens
do rio, em pose de suplicante. Embora primeiro se assuste com a
presença do desconhecido, fica com pena dele e decide ajudá-lo a
entrar na cidade e no palácio de seus pais.
 Alcínoo é o rei dos Feaces, para quem Ulisses narra todas as suas
desventuras. O rei concorda em prestar auxílio, enviando o
protagonista em uma nau até Ítaca e desafiando a ira de Poseidon,
deus dos mares.

Divinos / Fantásticos
 Zeus, na mitologia grega, é o deus supremo, pai de todos os deuses e
chefe do Olimpo. Na obra, procura manter a paz entre as divindades
que lutam para determinar o destino de Ulisses.
 Atena, na mitologia, é filha de Zeus, deusa da sabedoria, da justiça e
da estratégia. Defensora de Ulisses até o final, acha que ele merece
regressar a Ítaca e ajuda o herói e seu filho durante toda a aventura.
 Poseidon, irmão de Zeus, é o deus dos mares que declara guerra a
Ulisses quando ele cega o seu filho, Polifemo, o ciclope. Através de
tempestades, naufrágios e criaturas monstruosas, dificulta cada
passo da sua jornada.
 Hermes é o mensageiro dos deuses, que desce ao mundo dos
humanos várias vezes para anunciar a vontade dos céus. É ele que
resgata Ulisses da ilha de Calipso e que o ensina a se livrar do
encantamento de Circe.
 Calipso é uma ninfa que vive solitária em uma ilha onde Ulisses vai
parar depois do naufrágio. Com o guerreiro como refém, faz de tudo
para conquistar o seu amor, chegando mesmo a prometer a
imortalidade, mas nada funciona.
 Circe é uma feiticeira, filha do Sol, que vive na ilha de Eana.
Conhecida por seus encantamentos e poções, transforma os homens
da tripulação de Ulisses em porcos, mas acaba ajudando o herói.

Análise e interpretação da Odisseia de


Homero
No século VIII a.C., Homero escreveu a Ilíada, apontada como o livro inicial
da literatura ocidental, onde versava sobre a Guerra de Troia. O segundo
livro, Odisseia, dava conta do que aconteceu depois da batalha, quando
Ulisses tentava regressar.

A data do poema é controversa, mas acredita-se que seja do começo do


século VII a.C. Existem também dúvidas acerca da autoria: embora
tenham sido atribuídas a Homero ainda na Grécia Antiga, as obras reúnem
elementos da tradição oral datados do passado.

Com uma influência incalculável na literatura ocidental, a Odisseia serviu


de inspiração para obras como a Eneida de Virgílio e Os Lusíadas de Luís
Vaz de Camões. Um dos seus aspectos mais notáveis é o modo como está
construída, com um início in media res, que foi reproduzido em inúmeras
obras posteriores.

Trata-se de uma técnica literária que nos permite entrar na metade da


história, revelando os eventos que aconteceram antes através de memórias
e flashbacks.

A obra começa durante o concílio dos deuses, com as divindades no


Olimpo discutindo o destino de Ulisses, enquanto ele está preso na ilha de
Calipso. Ao longo da narrativa, através das histórias que conta e que são
contadas sobre o herói, ficamos sabendo o que levou até ali.

Por que Ulisses está viajando?

A bela Helena, rainha de Esparta e mulher de Menelau, foi sequestrada por


Páris, príncipe de Troia. Para recuperar a mulher e a honra, o rei reúne
vários exércitos gregos ("os aqueus") e parte para Troia.

Ulisses é forçado a abandonar a sua terra, a mulher Penélope e o filho


Telémaco para lutar ao lado do companheiro. O confronto dura uma
década e é vencido graças à inteligência do herói, que sugere o "cavalo de
Troia". Tudo isso é narrado na Ilíada.

Depois de tanta luta, ele apenas quer voltar para casa, mas é obrigado a
navegar durante 10 anos, passando até pelo "o reino dos mortos" (Hades).
No canto IX, manifesta essa vontade com melancolia:

Nada vejo de mais doce do que a vista da nossa terra.

Apesar de todo o cansaço, não desiste da sua missão e acaba tendo


sucesso.

Relações entre os humanos e os deuses

Na mitologia grega, as divindades estavam longe de ser perfeitas. Nas


paixões, nas fúrias e nos defeitos eram bastante semelhantes aos
humanos, refletindo nossas falhas. Assim, são vários os casos em que os
destinos dos mortais viravam brinquedos nas mãos dos deuses.

No Olimpo, durante o concílio, é a deusa Atena que chama atenção para a


tristeza de Ulisses, que estava preso na ilha de Calipso. A ninfa, que estava
apaixonada pelo grego, não aceitava a sua rejeição e o forçava a viver com
ela. A mando de Zeus, Hermes desce à terra para libertá-lo e, mais tarde,
para avisar sobre os perigos de Circe.

No canto V, quando deixa a ilha, parece estar consciente de todos os


obstáculos que ainda vai encontrar. Em uma das instâncias mais
conhecidas do poema, mostra a sua força, contra tudo e contra todos.

E se algum deus me ferir no mar cor de vinho aguentarei: pois tenho no peito
um coração que aguenta a dor.

É que, por vezes, a sede de vingança dos deuses se tornava um martírio


para os humanos. Poseidon, rei dos mares, estava com raiva de Ulisses
porque ele tinha cegado o ciclope Polifemo, seu filho. Queria, então, usar
as águas para acabar com a sua vida.

Contudo, Atena protesta e assume o papel de defensora do herói


afirmando, enquanto deusa da justiça e da sabedoria, que ele merece
voltar a Ítaca. De fato, parece haver uma ligação especial entre a deusa e
o humano, que tenta favorecer durante toda a obra. Ao longo da narrativa,
assume a forma de inúmeras pessoas e também surge em sonhos para
conversar com os personagens e servir de guia.

Sua proteção se estende a Telémaco, o jovem príncipe de Ítaca. Durante os


cantos designados de "Telemaquia", a deusa viaja com ele, naquilo que
pode ser considerado uma espécie de "romance de formação". Atena
procura preparar Telémaco para a vida adulta, ensinado-o a ser
independente e a lidar com as outras pessoas.

No canto XVI, quando pai e filho se encontram, Telémaco escuta as


desventuras de Ulisses e reconhece a proteção divina:

Não há homem mortal que consiga tal proeza pela sua inteligência, a não ser
que um deus viesse ao seu auxílio...

Assim, a epopeia traz o eterno dilema: destino versus livre-arbítrio.


Mesmo com os deuses interferindo, existem escolhas e ações dos
personagens que determinam o seu destino.

Isso fica evidente, por exemplo, com as palavras de Circe para Ulisses, no
canto XII, quando vem avisá-lo sobre os perigos que o esperam:
(...) já não te passarei a contar de modo contínuo como será a direção do teu
caminho, mas tu próprio terás de decidir (...)

Penélope engana os pretendentes

Logo no começo da obra, no primeiro canto, o narrador fala sobre o palácio


de Ítaca que estava sendo invadido por inúmeros pretendentes que
queriam casar com Penélope. A mulher, que muitos pensavam ser viúva,
ainda acreditava no regresso de Ulisses e se recusava a escolher um novo
marido.

A história parece refletir o papel da mulher na cultura da Grécia Antiga.


Com a ausência prolongada do marido e um filho ainda jovem, não pode
continuar governando Ítaca e é pressionada para o casamento.

As suas opções são voltar para casa do pai ou escolher um novo marido
que possa conduzir o reino, entre a sua vasta lista de pretendentes. Mesmo
assim, descrita como "sensata" e notável pelo seu "bom senso", Penélope
encontra uma forma de fugir ao seu destino.

Assim, se usando de uma tarefa tipicamente feminina, encontra uma


forma de enganar aqueles homens. Diz que está tecendo um pano para
colocar no caixão do sogro e que vai tomar a decisão quando terminar.

Embora passe o dia inteiro no tear, durante a noite desfaz todo o trabalho
das horas passadas, para que o tecido nunca fique pronto. Não se
resignando com aquilo que os deuses parecem ter decidido para ela,
Penélope mostra ser o paralelo feminino de Ulisses.

Separados durante duas décadas, Penélope e Ulisses continuam com fé no


reencontro. Embora ambos sejam tentados ao longo da obra, o amor que
os une não muda. Contra todas as possibilidades, conseguem o seu final
feliz.

Sobre a viagem de Ulisses

A viagem de Ulisses é, sem dúvida, a parte da obra que é mais conhecida


pelo público. Alguns de seus episódios acabaram fazendo parte da cultura
ocidental e suas personagens entraram para o nosso imaginário: o ciclope,
as sereias, Circe transformando homens em bichos.
Estes são também os cantos onde existem mais elementos fantásticos,
narrados na primeira pessoa. Depois do naufrágio provocado por Poseidon,
Ulisses vai parar a uma terra desconhecida. Está sujo, nu e exausto, quando
vê um grupo de mulheres se aproximando e tem quem se esconder. Era
Nausícaa, a princesa dos Feaces, que estava passando com suas aias para
lavar roupa.

Jacob Jordaens, O encontro de Ulisses e Nausícaa.

Apesar da imagem assustadora, o herói usa os seus poderes de


retórica para suplicar à princesa que o ajude a entrar na cidade e falar com
o rei. Nausícaa concorda e lhe explica como fazer, indicando que primeiro
deve pedir auxílio à rainha, Arete. Já no palácio, Ulisses se coloca de
joelhos em frente da mulher, suplicando para regressar a Ítaca.

Alcínoo, rei dos Feaces, recebe o herói e quer saber mais sobre o seu
percurso atribulado. É durante o jantar que Ulisses começa a narrar a sua
viagem, da qual vamos destacar apenas os episódios mais marcantes.

Episódio de Calipso

O canto V, passado na ilha de Calipso, é uma grande referência literária que


inspirou, por exemplo, a "Ilha dos Amores" n'Os Lusíadas e o conto A
perfeição de Eça de Queiroz. Trata-se de um local paradisíaco onde a
natureza floresce, nada morre, o tempo está sempre ameno e existe
comida em abundância.
Lá, a ninfa, bela como só uma divindade, está apaixonada por Ulisses e
disposta a tudo para conquistar o seu amor. Chega mesmo a oferecer a
juventude eterna ao herói, mas ele continua melancólico, olhando o mar e
sonhando com Ítaca.

William Flint Russel, Ulisses e Calipso.

Quando Hermes, mensageiro dos deuses, desce à ilha para pedir que a
ninfa liberte o marido de Penélope, é visível a sua tristeza e a sua
revolta. Rodeada de perfeição, mas solitária, se revolta com os deuses
que condenam o amor de uma divindade feminina por um homem mortal,
mas são hipócritas e cometem os mesmos atos.

Mesmo assim, concorda em deixar Ulisses partir e fornece os materiais para


que ele possa construir uma jangada e retornar ao mar.

Episódio do Ciclope

É no canto IX que Ulisses encontra um dos seus maiores rivais, o ciclope


Polifemo. Quando descobre que está em um território habitado por
ciclopes, Ulisses quer conhecê-los e saber mais sobre a sua sociedade e o
modo como vivem. Conforme os costumes habituais da Grécia Antiga, foi
visitar Polifemo levando presentes e esperando ser recebido com
hospitalidade.

Pintura de Pellegrino Tibaldi no teto do Palazzo Poggi.

No entanto, a conduta dos ciclopes é bem diferente e Polifemo esmaga


alguns homens da tripulação. Furioso, Ulisses prepara uma lança para se
vingar, mas continua falando com o inimigo, fazendo com que ele beba
vinho. Sempre esperto, anuncia que o seu nome é "Ninguém". Enquanto o
ciclope dorme, Ulisses fura o seu olho com a lança.

Ninguém está me cegando!

Assim, quando ele grita em busca de auxílio, os amigos pensam que está
brincando e não correm para ajudar. Graças à inteligência do herói, Ulisses
e seus homens conseguem escapar, mas o ciclope pede ao pai, Poseidon,
que os castigue e jamais os deixe voltar a Ítaca.

Episódio de Circe

No canto X, a embarcação chega a uma terra estranha, onde os animais


andam de pé, nas duas patas inferiores, e parecem acenar. Seus homens
vão explorar o local, mas Ulisses fica no navio. A feiticeira Circe recebe a
tripulação no seu palácio e serve uma bebida onde mistura uma droga.
Logo, eles começam a se transformar em porcos.
Circe por Wright Barker (1889).

Um deles, que ficou do lado de fora porque estava com medo, vê tudo e
corre para contar. Surge então Hermes, o mensageiro, que aconselha o
herói a não aceitar nada da figura misteriosa e fazer um acordo com ela.
Aqui, é visível que o poder está nas mãos da figura feminina; ao contrário
de Penélope que é "boa", Circe é feroz e implacável.

Quando o marido de Penélope enfrenta Circe, desafiando os seus poderes,


ela se surpreende com a sua coragem e sugerem que façam amor. Ele
aceita, na condição dela desfazer o feitiço e libertá-los. Depois do ato, a
divindade cumpre a sua parte, ensinando o melhor caminho para seguirem
e recomendando preces, súplicas e sacrifícios.

Episódio das Sereias

Mais adiante, no canto XII, Circe surge de novo para aconselhar e guiar a
tripulação. Suas palavras indiciam desgraças, embora prevejam a
sobrevivência de Ulisses. Entre as ameaças fantásticas que vão cruzar o seu
caminho, Circe alerta o herói sobre as sereias.

As figuras monstruosas, que na época era imaginadas como uma mistura


de mulher e pássaro, atraiam os navegadores com o seu canto e os
devoravam.
Quem delas se acercar, insciente, e a voz ouvir das Sereias / ao lado desse
homem nunca a mulher e os filhos estarão / para se regozijarem com o seu
regresso; / mas as Sereias o enfeitiçam com seu límpido canto / sentadas num
prado, e à sua volta estão amontoadas / ossadas de homens decompostos...

Aconselhado pela divindade, Ulisses manda seus homens colocarem cera


nos ouvidos, para não escutarem nada. Sempre curioso e sedento de
conhecimento, pede que o amarrem ao mastro da embarcação e não o
soltem, mesmo que implore.

Ilustração de Ulisses e as sereias em um vaso.

Assim, mais uma vez, o protagonista da Odisseia parece realizar o


impossível: ouve o canto das sereias e sobrevive para contar a história.

Sobre a vingança de Ulisses


A chegada

Com a ajuda dos Feaces‌, Ulisses finalmente consegue chegar a Ítaca, onde
encontra Atena novamente. A deusa e o mortal conversam, ela confessa
que tem auxiliado durante todo o caminho e juntos planejam a morte dos
pretendentes. Para se proteger, finge ser um mendigo e se esconde em
casa de Eumeu, um homem velho que criava porcos.

Enquanto isso, Atena vai buscar Telémaco, que estava no palácio de


Menelau e o avisa que os pretendentes estão montando uma armadilha
para acabar com a sua vida. O jovem regressa durante a noite e vai a casa
de Eumeu, como a deusa ordenou. Lá, o pai revela a sua identidade e pede
sigilo ao filho, que deverá recebê-lo no palácio como um suplicante.

O tempo que o herói passa junto dos pretendentes, disfarçado de


mendigo, vai aumentando gradualmente a sua raiva: escuta todos falando
mal de Ulisses, é humilhado e até agredido. Quando a antiga aia o
reconhece por causa de uma cicatriz, ela guarda o segredo, mas revela que
também existem traidoras entre as servas do palácio.

Penélope insiste em conversar com o mendigo, na esperança de saber


notícias do marido. Sempre talentoso como a retórica, ele encontra formas
de narrar o que sofreu durante os últimos anos sem revelar a sua
identidade. A mulher, impressionada com a história, também desabafa:

Os pretendentes insistem nas bodas mas eu ato um fio de mentiras.

Morte dos pretendentes

Nessa noite, Atena inspira a mulher a levar o arco de Ulisses para o jantar.
Telémaco, a mando do pai, retira todas as armas e escudos do local,
fingindo que queria evitar os conflitos entre os homens. Diante do arco e de
Penélope, todos falam sobre as próprias capacidades como guerreiros,
para impressioná-la, e procuram desmerecer Ulisses.

Aproveitando a distração dos adversários, o herói segura o arco e se


posiciona diante da porta, revelando sua identidade e disparando contra
todos que avançam na sua direção.
Telémaco, com uma espada, ajuda o pai e Atena também se junta ao
conflito. Durante a chacina, todos os pretendentes acabam morrendo e, em
seguida, Ulisses enforca as empregadas que não eram de confiança.

Ulisses mata pretendentes, gravura publicada em 1880.

Este ato final surge como uma surpresa para o leitor, que esperava ver
Ulisses correndo logo para os braços da mulher. Embora seja inteligente e
muitas vezes tome uma postura racional face aos desafios, trata-se de
um herói falível, comete erros e perde o controle da sua fúria.

Depois de tantos anos de sofrimento, foi humilhado e escorraçado dentro


do próprio palácio. Quando recupera o poder, deixa evidente a sua
autoridade e mostra que não vai aceitar resistência. Perante todos aqueles
que viveram anos na sua casa, comendo da sua comida e bebendo do seu
vinho enquanto planejavam a sua derrocada, Ulisses tem que se vingar.

Reencontro familiar

Uma das empregadas do palácio vai acordar Penélope, avisando que seu
marido regressou. Controlando o entusiasmo, pensa que pode ser um
impostor ou um deus disfarçado.

Ulisses chegou, está em casa, depois de tanto tempo!


Assim, resolve testá-lo, dizendo que mudou a cama de lugar. Ulisses afirma
que isso seria impossível, pois o móvel estava preso a uma grande árvore,
no quarto. Os dois se abraçam e dormem juntos, trocando juras de amor e
contando as aventuras que viveram.

No dia seguinte, Ulisses e Telémaco pegam suas armas e partem com


Penélope para visitar o pai do herói, Laertes. Enquanto isso, as famílias dos
pretendentes se reúnem na porta do local, em busca de vingança.

Cenas finais

Mais uma vez, Atena pede ajuda ao pai, Zeus, para defender Ulisses.
Disfarçada de Mentor, se junta ao exército do herói e acaba afugentando os
inimigos com o seu grito divino ameaçador.

Quando estão em debandada, o marido de Penélope tenta atacá-los, mas


Zeus impede, com um raio. Embora vença, na cena final Ulisses é lembrado
da sua fragilidade enquanto humano, eternamente sujeito às vontades
dos deuses.

Significado da obra
Embora a Odisseia seja uma narrativa repleta de monstros, deuses e
lugares fantásticos, aquilo que realmente conquista o coração do leitor é o
seu protagonista.

Ulisses é apenas um mortal que não é particularmente forte ou belo. Ao


contrário, por exemplo, de Aquiles, o seu valor não é necessariamente
provado no campo de batalha ou através da violência bruta. Assim,
representa outro lado da cultura grega da época: a reflexão, a diplomacia, a
retórica, o espírito inquisitivo e criador.

Sem poderes sobrenaturais ou qualidades físicas extraordinárias, ele


sobrevive porque é esperto e está sempre disposto a inventar soluções
para os problemas que encontra. A sua história é de superação: apesar de
todas as adversidades, não se rende e luta até ao final.

Durante a epopeia, é impossível não torcermos pelo herói: admiramos a


desenvoltura, o jeito com as palavras e o "jogo de cintura" que não o
abandonam nem nos momentos mais difíceis. Entre o destino ditado pelos
deuses e o livre-arbítrio dos personagens, a obra se foca no sofrimento
humano.

Na versão original, em grego antigo, a palavra que inaugura a obra é


"homem". Podemos mesmo afirmar que aquilo que é mais valorizado em
Ulisses é a sua humanidade. Tanto que, mesmo quando Calipso lhe oferece
a vida eterna, ele opta por envelhecer e morrer do lado da família.

Ulisses representa, então, uma versão do ser humano que se tornou um


modelo na cultura do ocidente: alguém que falha, tem defeitos, é
derrotado inúmeras vezes, mas sobrevive e prospera graças à sua
inteligência e força de vontade.

Valores fundamentais da Grécia Antiga


A Odisseia, como outras obras da época que sobreviveram até aos dias de
hoje, é um documento de valor histórico incalculável por descrever os
modos de vida e os costumes da Grécia Antiga.

Entre outros aspectos fundamentais sublinha a honra, a coragem, a


lealdade, a fé, o valor da palavra dada e também a solidariedade e
a hospitalidade. Para alguém que não esteja familiarizado com a cultura
pode parecer estranho o modo como os personagens abrigam
desconhecidos em suas casas, mas trata-se de um valor inquestionável da
época.

Na verdade, é graças à ajuda dos Feaces que Ulisses consegue voltar para
Ítaca. No canto VIII, enquanto conta suas desventuras ao rei, a resposta de
Alcínoo resume esse espírito de entreajuda.

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