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Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p.

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ULISSES NO INFERNO DA DIVINA COMÉDIA


– UMA COMPARAÇÃO DO HERÓI EM DANTE,
HOMERO E VIRGÍLIO

Alysson Ramos Artuso

RESUMO
Ulisses é um personagem constante na literatura oci-
dental e Dante Alighieri foi um dos autores que o re-
trabalharam. Na Divina Comédia, Ulisses está na oitava
vala do oitavo círculo do Inferno, correspondente aos
fraudadores. Na construção do personagem, Dante re-
toma características de Ulisses da tradição grega e latina,
o que é analisado e comparado nesse artigo a partir das
elaborações de Homero e Virgílio. Ao fim, estabelece-se
uma relação entre Ulisses e os Dantes – autor e persona-
gem da Comédia.

PALAVRAS-CHAVE: literatura comparada; Divina


Comédia; Ulisses.

O
mito de Odisseu/Ulisses é amplamente retomado e retrabalhado
pela tradição literária. Entre tantos exemplos, está Dante Alighieri,
que trata do personagem na Divina Comédia no Canto XXVI do
Inferno. O Ulisses do poeta florentino retoma elementos das épicas homéricas,
mas também, e principalmente, da tradição latina. Nesse trabalho, pretende-
-se comparar e contrastar características do Odisseu de Homero, do Ulisses de
Virgílio e do Ulisses de Dante. Confronta-se, ainda, o personagem de Ulisses
na Divina Comédia com o próprio Dante personagem, de modo a argumentar
que o herói grego serve, em certa medida, como um alter ego de Dante.
A Divina Comédia, escrita no início do século XIV, destaca-se na litera-
tura italiana e mundial por uma série de motivos, entre eles a erudição, pers-
Artuso, Alysson Ramos.
462 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

picácia, complexidade, concisão e concentração de sentidos e significados que


Dante Alighieri impôs aos sonoros e ritmados versos de sua obra. Nela, abarca
não apenas o quadro histórico em que viveu como também combina elemen-
tos de seu tempo “com outros que remetem ao que já passou (ao que, na
realidade, não para de passar) e outros ainda que remetem, como antecipação
ou vaticínio, ao que está por vir (o que nos inclui, leitores tardios).” (STERZI,
2008, p. 50). Suas referências e sua precisão vocabular se destacam tanto pela
capacidade ímpar de construção de imagens e caracterização de personagens
como pelas múltiplas possibilidades interpretativas que permite: literal, ale-
górica, moral e anagógica, o que lhe coloca ao menos ombro a ombro com
os poetas mais renomados da história da literatura ocidental, incluindo os
próprios Homero e Virgílio (TOSTO, 1962; BORGES, 1987; ELIOT, 1989;
BLOOM, 1995; STERZI, 2008).
Pois será justamente sobre como esses dois poetas citados construíram
o personagem de Odisseu/Ulisses1 que trataremos a seguir. Antes, de modo
a guiar e justificar a análise, cabe colocar a inscrição délfica “conhece-te a
ti mesmo” ou, no diálogo entre Alcebíades e Sócrates, contado por Platão
(PLATO, 1999, p. 51-2), a ideia de que para a alma conhecer a si mesma
deve olhar para outra alma, no sentido de olhar para algo semelhante e nele
ver a si própria. Esse diálogo, que trata da alteridade e do autoconhecimento,
é aqui estendido para se pensar a construção dos personagens literários: ao se
olhar para alguns dos diversos Ulisses que antecederam ao de Dante, busca-
-se encontrar elementos e reflexos que aumentem o conhecimento do Ulisses
do poeta florentino. Mais do que isso, no contraste com Ulisses será possível
compreender melhor o próprio Dante.

Odisseu na Ilíada

Na Ilíada, cuja consolidação escrita data por volta do século VIII a.C.,
Odisseu é um dos chefes gregos durante os 10 anos da guerra de Troia. Embora
a história tenha outros personagens como mais centrais, Odisseu não é apenas
um coadjuvante, sendo nomeado por Agamenon, junto com Aquiles e Ajax,

1
Ao se tratar do personagem nas obras homéricas, preferiu-se manter o nome da tradição
grega de Odisseu. Na discussão de Virgílio e Dante, manteve-se o nome Ulisses da tradição
latina.
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como um dos três heróis gregos mais temíveis (Canto I, v. 138). Sua primeira
aparição relevante se dá no Canto II, após o desentendimento entre Aquiles
e Agamenon que faz o Pelida se retirar do combate e sua mãe, Tétis, pedir a
Zeus que os gregos percam a guerra. Disposto a atender o pedido de Tétis,
Zeus envia a Agamenon um sonho enganoso de que ele venceria Troia e que,
portanto, era para as tropas irem para o combate. De modo a testar seus guer-
reiros, Agamenon os comunica do contrário de suas intenções (assim como
Zeus fez com o próprio general argivo): manda-os levantarem o acampamento
e voltarem para casa. Evidenciando o quanto o chefe maior dos gregos pode ser
desastroso em sua liderança, ao contrário de Zeus, as tropas não tomam a ini-
ciativa de se insuflar para permanecer na guerra, mas começam os preparativos
para retornarem para casa. É Odisseu, inspirado por Atena, sua protetora, que
incita os soldados, junto com Nestor, a honrarem seus postos de guerreiros e se
prepararem para a batalha. Trata-se de uma primeira indicação da capacidade
de convencimento de Odisseu, que usa de sua retórica, mas também de intimi-
dações físicas, como com Tersites (v. 246-269), para obter seu intento.
Outra passagem de interesse está no Canto III, quando Príamo obser-
va os argivos das muralhas de Troia e pergunta para Helena sobre os heróis
gregos. Ao indagar sobre um de estatura menor, ouve o seguinte de Helena:
“Esse é Odisseu, de Laertes nascido, astucioso guerreiro, / [...] / em toda sorte
de ardis entendido e varão prudentíssimo” (HOMERO, 2009a, p. 109). Em
seguida, o experiente Antenor também conta a Príamo de quando recebeu
Odisseu, junto com Menelau, como embaixador em tratativas diplomáticas
anteriores à guerra. Em seu discurso (v. 204-220), ressalta ser Odisseu um
orador sem paralelo, claro e conciso, mas também dissimulado. É o início da
caracterização de Odisseu como astucioso, dotado de uma inteligência persu-
asiva, digno de elevados cuidados intelectuais, vista sua capacidade retórica
e manipulativa. É o herói dotado da métis, que foi caracterizada por Marcel
Détienne e Jean-Pierre Vernant (2008, p. 25) da seguinte maneira:

A métis é uma forma de pensamento, um modo de conhecer;


ela implica um conjunto complexo, mas muito coerente, de ati-
tudes mentais, de comportamentos intelectuais que combinam
o faro, a sagacidade, a previsão, a sutileza de espírito, o fingi-
mento, o desembaraço, a atenção vigilante, o senso de opor-
Artuso, Alysson Ramos.
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tunidade, habilidades diversas, uma experiência longamente


adquirida; ela se aplica a realidades fugazes, móveis, desconcer-
tantes e ambíguas, que não se prestam nem à medida precisa,
nem ao cálculo exato, nem ao raciocínio rigoroso.

No Canto IV, há a retomada da guerra e a revista em que Agamenon


distribui elogios e reprovações. A Odisseu, o Atrida faz a acusação de ele se
demorar para ir às frentes de batalha, no que é prontamente repreendido com o
argumento de que “[...] ante as hostes Troianas o pai de Telêmaco avança / entre
os primeiros. Carecem de senso teus ditos sarcásticos.” (HOMERO, 2009a,
p. 127). Nessa mesma passagem, Homero coloca para Odisseu o epíteto de
“guerreiro solerte”, enfatizando por um lado o uso de meios ardilosos, quando
não desonestos, para conseguir algo, mas também a sabedoria e iniciativa do
guerreiro sagaz, diligente, astuto. Se de fato Odisseu é um guerreiro corajoso a
ponto de avançar entre os primeiros na guerra é uma questão ambígua na Ilíada.
Outro exemplo dessa dubiedade está no Canto XI, no qual é citada a posição
da tenda do filho de Laertes como central no acampamento grego. Tal posição
pode ser tanto uma escolha para deixar equilibrada a defesa, balanceando o po-
sicionamento dos maiores heróis gregos – a tenda de Ajax está em uma extremi-
dade e a de Aquiles na outra –, como também pode indicar a astúcia de Odisseu
em se estabelecer um local que, talvez, fosse menos visado em caso de ataque.
Se a indicação de sua coragem para o combate é oscilante, por outro lado, sua
capacidade com as palavras é inquestionável, visto que foi capaz de repreender
por mais de uma vez o chefe dos gregos e ainda assim não ser censurado por
ele. Para efeitos de comparação, Diomedes, o herói seguinte a ser agastado por
Agamenon no Canto IV, ouve em silêncio injúria semelhante a proferida contra
Odisseu e ainda repreende o filho que tenta defender o orgulho familiar. Nesse
sentido, o respeito conquistado por Odisseu pela sua astúcia é tamanho que, no
Canto XIV, quando vários dos heróis gregos estão feridos, Agamenon decide
fugir e é censurado fortemente por Odisseu. Entre outros impropérios, Odisseu
chama Agamenon de covarde e desgraçado, mandando-o calar-se. Ainda assim,
é respeitado pelo chefe grego, que volta atrás em sua decisão.
Outra demonstração da sabedoria e da capacidade argumentativa de
Odisseu é ter sido escolhido por Nestor, em evento narrado no Canto IX, para
integrar a comitiva de convencimento a Aquiles para que o herói retorne à
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guerra. Junto com Fenice, preceptor do Pelida, e Ajax, o maior dos guerreiros
após o próprio Aquiles, Odisseu leva presentes e honras para convencer o filho
de Tétis. Conhecedor dos ardis de Odisseu, é justamente em frente ao Itacen-
se que Aquiles se senta para a conversa e é dele que houve a enumeração de
riquezas e honras que receberia caso abrandasse sua cólera e voltasse ao com-
bate. Odisseu finaliza seu habilidoso discurso apelando ao feito extremamente
honroso que Aquiles, e somente ele, seria capaz de executar: derrotar Heitor,
o maior de todos os troianos, e assim ser venerado tal qual um deus por toda
a eternidade. Contudo, é também a Odisseu que Aquiles primeiro comunica
sua posição irredutível, por não perceber nele exatamente o ideal de honra
guerreira, mas o uso de todos os subterfúgios possíveis para se obter o que
se quer: “Filho de Laertes, de origem divina, Odisseu engenhoso, / [...] / Tal
como do Hades as portas, repulsa me causa a pessoa / que na alma esconde o
que pensa e outra coisa na voz manifesta” (HOMERO, 2009a, p. 122).
No Canto X, Diomedes e Odisseu vão espionar o acampamento troiano.
Agindo sorrateiramente durante a noite, novamente a construção de Odisseu
não é a do guerreiro tradicional, mas do engenhoso e, no entanto, disposto
a ações arriscadas. Sua astúcia e coragem são, inclusive, motivos pelos quais
Diomedes o escolheu entre outros candidatos para acompanhá-lo na missão
(v. 242-248). No caminho para o campo dos inimigos, se deparam com Do-
lão, teucro que vinha espionar os gregos. Capturam-no e o induzem a falar
onde estão acampados os troianos e seus aliados. Embora o embuste não seja
explícito, o diálogo de Dolão, que implora pela vida e oferece tesouros, e
Odisseu, que exige saber sobre o posicionamento, os cavalos e as armas troia-
nas, induz Dolão a dar todas as informações que lhe são pedidas achando que
poderá escapar da morte. Ao terem obtido as informações que precisavam,
Diomedes o mata. Na sequência, os dois heróis gregos tomam de assalto um
acampamento, matando uma dúzia de trácios e levando armas e cavalos. Ain-
da nesse episódio, é preciso notar que o filho de Tideu é quem fica responsável
pelo combate com os trácios, enquanto Odisseu rouba os cavalos, divisão de
tarefas induzida pelo Itacense em um ardil retórico com o próprio Diomedes.
Por saber que ele não manda no Tidida – guerreiro que foi capaz de ferir Ares
e Afrodite em batalha – lhe dá a ordem de desatar os cavalos enquanto ele,
Odisseu, supostamente cuidaria dos homens. Na continuação de sua fala, é
mais gentil em dizer “ou, se quiseres, dos homens se incumbe, deixando-me
Artuso, Alysson Ramos.
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os brutos.” (HOMERO, 2009a, p. 249), sugestão aceita por Diomedes, in-


fundido de coragem por Atena.
Mas se até então, na épica, Odisseu não demonstrou tão firmemente sua
coragem e suas habilidades como guerreiro, isso ocorrerá no Canto XI, no qual
vários heróis gregos são feridos em combate. Encurralado na guerra, “tal como
quando rapazes e cães ardorosos / açulam um javali [...]” (HOMERO, 2009a,
p. 265), o filho de Laertes instiga medo em seus adversários e mata cinco heróis
inimigos antes de ser ferido por Soco, mas mesmo ferido ainda mata o troiano.
Outra passagem de suas capacidades físicas se dá no Canto XXII, quando Aqui-
les organiza jogos em homenagem a Pátroclo: Odisseu vence a competição de
corrida contra Diomedes e empata com Ajax na luta. Logo, por mais que sua
característica principal seja a métis – a astúcia com que obtém o que deseja –,
não se trata de um guerreiro menor, mas um combatente forte e digno, a ponto
de se igualar com Ajax e estar, nesse quesito, abaixo somente de Aquiles.
O próprio Odisseu reconhece essa capacidade suprema de Aquiles na
força, mas também destaca suas próprias qualidades no Canto XIX: “Ínclito
Aquiles Pelida, o mais forte de todos os Dânaos / és mais robusto do que eu
e no jogo de lança não pouco / me sobrepujas; contudo te sou superior nos
conselhos” (HOMERO, 2009a, p. 438). Odisseu saber usar a palavra, a pa-
ciência e a persuasão, como evidenciado em suas conversas com Agamenon e
em seus estratagemas de guerra. Aquiles, para servir de contraponto, emprega
sua força para resolver suas questões e, quando não cabe a resolução por parte
da violência – como no episódio inicial com Agamenon – sua impaciência e
sua falta de habilidade retórica ficam evidentes. A afirmação de Albin Lesky
(1995, p. 60) sintetiza essa diferença entre os dois heróis: “uma prudente refle-
xão [Odisseu] frente a uma nobre imoderação [Aquiles], um hábil espírito de
conciliação face a uma brusca aspereza, um prudente cálculo do procedimento
mais oportuno, face à corrida precipitada pelo caminho mais curto.”.

Odisseu na odisseia

Após os 10 anos da guerra de Troia, Odisseu passa outros 10 anos até


conseguir retornar à Ítaca e à família, sendo este fato contado na Odisseia. Por
ser praticamente toda a história centrada nesse personagem, não cabe aqui
abordar canto a canto as aparições do herói, mas traçar um panorama mais
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geral de sua caracterização, ainda que algumas passagens venham a ser desta-
cadas. Antes, contudo, é preciso distinguir alguns pontos.
O primeiro diz respeito à complexidade do universo da Odisseia frente ao
da Ilíada. Em geral, essa complexidade é atribuída à diferença de tempo passa-
da entre o registro escrito das duas obras que chegaram até nós: a Odisseia seria
algumas décadas posterior à Ilíada (VIDAL-NAQUET, 2002, p. 25). Comen-
tadores como Aubreton (1968), Lesky (1995), Romilly (2001) e Vidal-Na-
quet (2002) defendem que houve alterações significativas nesse período, bem
como um possível amadurecimento do poeta que consolidou o texto. Entre
essas mudanças, cabe citar a maior complexidade do sistema social e político
na Odisseia, a posição dos deuses como mais alinhados com a ideia de justiça
e com intervenções mais raras sobre os humanos, um trabalho maior com a
psicologia e a potencialidade humana, no sentido de que, em comparação
com a Ilíada, há “menos força, mas mais sedução, discrição, meias-tintas, uma
psicologia mais matizada” (ROMILLY, 2001, p. 24) na Odisseia.
Um segundo ponto é a colocação de Todorov (2004) de que há dois
Odisseus na Odisseia, um que conta os feitos e outro que os vivencia, o que
acrescenta mais um eixo interpretativo para a obra:

Há dois Ulisses na Odisseia: um que vive as aventuras, outro que


as narra. É difícil dizer qual dos dois é a personagem principal.
A própria Atena tem suas dúvidas. “Pobre eterno mentiroso! só
tens fome de artimanhas!... Voltas ao país e só pensas, ainda,
nos contos de bandidos, nas mentiras caras ao teu coração des-
de a infância...” Se Ulisses leva tanto tempo a voltar para casa
é que este não é seu desejo profundo: seu desejo é o do narra-
dor (quem conta as mentiras de Ulisses, Ulisses ou Homero?).
Ora, o narrador deseja narrar. Ulisses não quer voltar a Ítaca
para que a história possa continuar. O tema da Odisseia não é a
volta de Ulisses para Ítaca; essa volta é, pelo contrário, a morte
da Odisseia, seu fim. O tema da Odisseia são as narrativas que
formam a Odisseia, é a própria Odisseia. Eis por que, voltando
a seu país, Ulisses não pensa nisso nem se alegra; ele só pensa
nos “contos de bandidos e nas mentiras”: ele pensa a Odisseia.
(TODOROV, 2004, p. 104).
Artuso, Alysson Ramos.
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Esse ponto é especialmente interessante para se discutir uma caracterís-


tica da Divina Comédia que dá sustentação à construção do personagem de
Ulisses como um alter ego de Dante. Na Divina Comédia há dois Dantes, o
autor da história e o seu personagem principal. Essa duplicidade ganha mais
dimensões na obra do autor florentino pelo fato de o Dante autor colocar em
palavras do Dante personagem pensamentos e passagens biográficas que o
próprio Dante autor experimentou, numa trama ainda mais intricada entre
quem conta e quem vive.
Voltando a Odisseu, os primeiros versos da Odisseia trazem todos os
elementos que serão problematizados nos 24 cantos. Na obra, é cantado o
homem (ándra) que com sua astúcia foi capaz de derrotar Troia, mas que por
sua curiosidade, ambição e soberba demorou uma década para retornar para
casa. Cabe, ainda, ressaltar que a abertura do poema épico denota a elevada
importância de seu protagonista: a derrota troiana é decorrente dos ardis de
Odisseu (Canto I, v. 2) – sobretudo como mentor do Cavalo de Troia – e não
da força e bravura de Aquiles (NAGY, 1979).
Seu primeiro adjetivo é polútropo­, o de muitas dimensões, multifaceta-
do, multiversátil. Segundo Malta (2007, p. 57) há cinco epítetos distintivos
utilizados por Homero para se referir a Odisseu com o prefixo polú (muitos/
multi): polúmetis (“multiastuto”), polúphron (“multipensante”), polumékhanos
(“multiengenhoso”), polúainos (“multíloquo”), e polútlas (“multitenaz”). Esse
herói de muitas faces tem desde o início da épica a sua pluralidade assinalada,
assim como a pluralidade das experiências que viveu.
Nessas experiências, foi protegido e auxiliado por Palas Atena, deusa e
símbolo da sabedoria, que, ao interceder a favor dele junto a Zeus, tem na
resposta do deus superior o reconhecimento de Odisseu como distinto dos de-
mais homens em razão de sua capacidade intelectual e dos sacrifícios que ofe-
rece aos deuses (Canto I, v. 64-68). Junto à sua métis somam-se características
como a curiosidade, a perspicácia, o autocontrole, a articulação, a prudência, a
sutileza, a persuasão, o fingimento, a mentira, a fraude, a ambição e a soberba
(NUNES, 2009). É principalmente em razão da última que comete sua maior
falha e que atrai a ira de Poseidon. Ao deixar a ilha dos Ciclopes, após escapar
e cegar Polifemo, filho do deus dos mares e a quem enganou mentindo sobre
o próprio nome, tripudia sobre o ciclope vangloriando-se de seu feito: “Ouve,
Ciclope! Se um dia, qualquer dos mortais inquirir-te / sobre a razão vergonho-
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sa de estares com o olho vazado, / dize ter sido o potente Odisseu, eversor de
cidades, / que de Laertes é filho e que em Ítaca tem a morada.” (HOMERO,
2009b, p. 168). Trata-se de sua hybris, do

sentimento de exagerada autoconfiança, orgulho ou paixão,


que incita os heróis da tragédia grega a se revoltarem contra as
ordens divinas. Em consequência, cometem uma falha grave
[...] que acaba provocando a nêmesis, ou seja, a indignação dos
deuses, em resultado da qual conhecem o sparagmos, isto é, a
morte ou a desgraça. (MOISÉS, 1974, p. 278).

Vale salientar que a primeira parada de Odisseu e sua tripulação ao dei-


xar Ítaca é para saquear outra cidade, embora tenham acumulado inigualáveis
riquezas durante a Guerra de Troia, evidenciando o caráter também ambicioso
do herói.
Curioso e explorador, Odisseu lidou com muitos seres mitológicos e
deuses em seu retorno para Ítaca: os Letófagos, os Ciclopes, os Lestrigões, as
Sereias, os monstros Cila e Caribde, e também os deuses Éolo, Circe e Ca-
lipso. De especial proveito para sua caracterização aos objetivos desse estudo
é o episódio das Sereias descrito no Canto XII. Nele, Odisseu pede para ser
amarrado ao mastro do navio e não ser solto sob qualquer hipótese, mas pro-
tege seus companheiros vedando o ouvido deles com cera para que não ouçam
o canto das sereias e não sejam encantados e posteriormente mortos por elas.
Nota-se, apesar dessa proteção relativa aos companheiros, o desejo do filho de
Laertes de passar por essa experiência de ouvir como é o canto. É o Odisseu
sedento por conhecer e experimentar. Nessa sede, ele tipicamente busca pro-
teger os seus (como nesse episódio das sereias, mas também no episódio com
Circe ou na questão do gado do deus Hélio); ainda assim há passagens em
que o herói grego coloca os seus em perigos para além dos riscos da própria
expedição de retorno. É o caso do episódio do ciclope Polifemo, que Odisseu
fez questão de conhecer, no qual meia dúzia de companheiros são devorados
pelo filho de Poseidon.
Contudo, como atesta Todorov (2004), é preciso ter cautela ao se fiar
pelos eventos narrados por Odisseu, como os expostos anteriormente. Isso
porque boa parte de suas aventuras são contadas por ele próprio ao Rei Alcí-
Artuso, Alysson Ramos.
470 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

noo dos Feácios. Astuto e conhecido mentiroso, suas histórias podem nunca
ter acontecido, sendo apenas parte de um estratagema para sensibilizar o rei e
conseguir ajuda em seu retorno para Ítaca.
Outra passagem relevante é a visita de Odisseu ao Hades, narrada no
Canto XI. Nessa visita, ele conversa com outros heróis gregos, vê a mãe e
consulta o adivinho Tirésias sobre seu futuro. No vaticínio que obtém sobre
como se dará sua morte, há uma ambiguidade muito enriquecedora para a
comparação com o Ulisses de Dante. A tradução de Carlos Alberto Nunes diz
o seguinte: “[...] distante do mar há de a Morte / te surpreender de maneira
mui doce e suave, ao te vires / enfraquecido em velhice opulenta e deixares um
povo / completamente feliz [...]” (HOMERO, 2009b, p. 193).
Se em um primeiro pode parecer que a morte encontrará Odisseu em
terra firme, distante do mar, cabe também pensar que a morte de Odisseu está
distante, quando estiver velho, mas que ela pode derivar do mar, no sentido
de que “do mar, há de a morte te surpreender”. Embora reconhecer essa dupla
possibilidade na tradução citada seja forçoso, tendo em vista as opções do pró-
prio tradutor, em grego a dubiedade é clara (FINLEY, 2002) e é assim descrita
por Freitas (2008, p. 2):

O verso 134, que contém a predição do adivinho, é ambíguo.


A expressão thánatos dè toi eks halos permite uma ambivalência
na língua grega. Segundo o Dictionnaire Le Grand Bailly, a
preposição eks, quando seguida de genitivo, nesse caso, halós,
o genitivo de háls, significa vindo de, partindo de ou fora de
(BAILLY, 2000. p. 606). Portanto, a expressão thánatos dè toi
eks halós, pode ser traduzida como morte longe do mar ou morte
que procede do mar. Cabe-nos esclarecer que háls, em grego
antigo, pode significar sal (masculino) ou mar (feminino). Daí
muitas traduções para o português fazerem uso da expressão
mar salino.

Tal controvérsia abre caminho para que Dante construa a sua versão para
a morte de Ulisses, que seria proveniente do mar.
Por fim, cabe caracterizar Odisseu na Odisseia como um herói não so-
mente de ideias, mas também de ações. Ele planeja, mas também age. É o
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homem que gosta de enfrentar e solucionar os desafios, sempre auxiliado por


sua razão, simbolizada pela proteção de Atena. Ao final, é reconhecido tanto
como guerreiro, cuja expressão última é o episódio em que verga o arco diante
dos pretendentes incrédulos, quanto como filho, pai e marido, cuja posição
valorizada como amante tem como símbolo o episódio do leito, em que ele e
Penélope têm a prova final de identidade e fidelidade um do outro. Ao reco-
nhecer a lei de Ítaca e usá-la de forma legítima no massacre dos pretendentes,
é também reconhecido pela população (mas não sem questionamentos e com
nova intervenção de Atena) como o rei. Assim, Odisseu cumpre seus deveres
com a família e a pátria, simbolizando um herói que alcançou a glória e a vida
longa por meio também de sua força, mas principalmente em razão de seu
intelecto superior.

Ulisses na eneida

Na Eneida, escrita no século I a. C., Virgílio toma como base os poemas


homéricos para contar a saga de Eneias – herói troiano que tinha como destino
chegar à região do Lácio e dar origem ao Império Romano. Rivalizando com
o próprio Homero, Virgílio constrói seu poema épico emulando a estrutura
da Odisseia (nos seis primeiros cantos) e da Ilíada (nos outros seis), ao mesmo
tempo em que combina elementos políticos de seu tempo, cantando indire-
tamente a Julio César e a Augusto (CONTE, 1986; GRANSDEN, 1984).
As aparições de Ulisses na Eneida se concentram nos Livros II e III, em
que Eneias narra a Dido o último dia de Troia e a viagem que o trouxe até
Cartago. No segundo livro ouve-se a história do Cavalo de Troia pelo lado dos
vencidos, sendo Ulisses grande responsável pela queda dos teucros. É o herói
grego quem elabora o discurso de Sínon, argivo deixado para trás e que con-
versa com os troianos acerca do presente. Diz ele tratar-se de um substituto
de Paládio, a estátua de Palas Atena roubada por Ulisses e Diomedes e que
protegia a cidade de Troia. No discurso do grego, a deusa teria ficado irada
com os gregos pelo roubo e os teria castigado, fazendo com que desistissem da
guerra e construíssem o cavalo como forma de expiar o sacrilégio cometido.
Essa construção do discurso de Sínon é particularmente elaborada por
trazer em seus argumentos outros elementos do mito de Ulisses, como seu dis-
farce de louco para escapar da guerra de Troia e ficar na companhia da esposa
Artuso, Alysson Ramos.
472 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

e do filho recém-nascido. O disfarce fora descoberto por Palamedes, com-


panheiro de Sínon, tendo, segundo o discurso, Ulisses se vingado de ambos
durante a guerra, sendo a própria prisão de Sínon pelos troianos parte desse
ato vingativo. A passagem exemplifica, em alto grau, a capacidade retórica e
a esperteza de Ulisses, que construiu um discurso convincente aos teucros
mesmo com as advertências de Laocoonte e Cassandra, embora tenha contado
também com a ajuda dos deuses para calar o sacerdote troiano, matando-o
junto com seus filhos. Essa caracterização da inigualável astúcia de Ulisses é
atestada também por Marques Jr (2011, p. 13):

A propósito da eloquência astuta de Odisseu/Ulisses, lembremos


que um dos episódios marcantes no Livro II da Eneida é a fala
de Sínon, o grego que se diz desertor e é aprisionado pelos
Troianos. O discurso de Sínon astutamente forjado por Ulisses
apresenta grande força persuasiva, pois está todo calcado na
verossimilhança. Os fatos que ele narra aconteceram, mas não
necessariamente da maneira como ele os apresenta aos Troianos.
Além de trazer à tona a advertência de Laocoonte – é assim que
Ulisses é conhecido? (Sic notus Ulixes?, verso 44) –, o discurso
de Sínon se realiza como um dos exemplos mais marcantes do
que é verossimilhança [...]

Outro elemento a se extrair dessa passagem é a simbologia do roubo do


Paládio como mais um momento em que Ulisses se apossa da sabedoria, o que
lhe permitiu, nessa leitura, arquitetar a trapaça do cavalo. Mas não só por seus
estratagemas Ulisses é descrito na Eneida: ele é um dos heróis que está dentro
do cavalo e inicia o ataque à cidade. Assim como em Homero, ao homem das
ideias se soma a ação. Tanto que, durante a batalha final no palácio de Príamo
e arredores, quando Eneias e seus companheiros estão dispostos a morrer de-
fendendo Troia, Ulisses é um dos combatentes e responsável por ferir Pélias,
herói troiano que acompanhava Eneias (Livro II, v. 435-6).
Sob orientação de Afrodite, sua mãe, Eneias se retira da luta e leva con-
sigo sua família. Nessa fuga, perde-se da esposa, Creúsa, e, ao retornar para
procurá-la, vê a cidade completamente pilhada, com os tesouros sendo guar-
dados por Ulisses em mais um retrato do valor do grego como guerreiro, por
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 473

ser o designado a proteger o butim, mas que também pode ser associado a sua
ambição e talvez mesmo a sua prudência em evitar batalhas além das necessá-
rias, já que, ao proteger o espólio, não participaria de confrontos secundários
remanescentes da tomada da cidade.
Assim como Ulisses conta seus feitos para o rei Alcínoo na Odisseia, na
Eneida sabemos desses fatos pela narrativa de Eneias à rainha Dido. Uma opo-
sição pertinente a colocada por Virgílio é que, ao contrário de Ulisses, Eneias
não centra sua história em seus feitos individuais, mas conta as tragédias e a
viagem de seu povo, povo o qual lidera e do qual se originarão os romanos.
Se, em Homero, a maioria dos gregos admirava a astúcia, os ardis e os
feitos de Ulisses, em Virgílio ele não é mais um exemplo compatível com a
honra troiana/latina. Isso se reflete nos adjetivos e nos epítetos utilizados para
descrevê-lo: ímpio, malicioso, mísero, hedonista, cruel, enganador, terrível,
artista do crime. Mesmo seu soldado, Aquemênides, encontrado por Eneias
na ilha dos Ciclopes, refere-se ao filho de Laertes em termos bastante pejorati-
vos: “Sou natural da ilha de Ítaca e um dos soldados de Ulisses, / o desgraçado,
Aquemênides me chamo. [...]” (VIRGÍLIO, 2014, p. 267). Vê-se, nessa passa-
gem, também o descuido de Ulisses com os seus. Na comparação com Eneias,
este seria incapaz de deixar para trás um companheiro por negligência ou por
estar focado demais em seus próprios interesses, como fez Ulisses.
Ainda nesse episódio, chama a atenção o fato de Eneias evitar o contato
com Polifemo, de quem sente medo (Livro III, v. 666-7), em contraposição à
citada ansiedade de Ulisses na Odisseia por tudo querer saber e experimentar
e que o leva a pedir hospedagem ao ciclope. Nesse sentido, Eneias seria mais
sábio por conhecer limites do que é prudente conhecer e vivenciar, bem como
por ter maior precaução com os seus ao não submeter seus companheiros a
riscos desnecessários. Na comparação dessa passagem na Odisseia e na Eneida,
Teixeira (2006, p. 59) argumenta que:

a alteração de comportamento [de Eneias] face ao modelo ho-


mérico [Ulisses], mais do que traduzir a incapacidade de en-
frentar a adversidade, traduz, em estreita acomodação da norma
estoica que associa prudência a conhecimento, aprendizagem.
Neste sentido, a refiguração da funcionalidade dos episódios de
natureza aventurosa, em ajuste ao teor da missão eneiádica que,
Artuso, Alysson Ramos.
474 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

mais do que debelar monstros, se revela tributária da fundação


de um império, encontra-se estreitamente associada à demons-
tração de um heroísmo, cuja formulação assenta na aquisição
progressiva de conhecimento, quer activo, quer passivo, e na
sua demonstração.

O Ulisses de Virgílio, portanto, é um grande guerreiro e estrategista,


mas é visto, antes, como uma fraude, um vilão falso, trapaceiro, ardiloso e, ao
contrário de Eneias, não é uma referência de heroísmo e não serve de modelo
para a tradição latina.

Ulisses na Divina Comédia

No Canto XXVI do Inferno, o personagem Dante está no oitavo círculo


do Inferno, o da fraude, em sua oitava vala, a dos maus conselheiros. Lá, os pe-
cadores estão presos em chamas e em contínuo movimento. Pela Lei do Con-
trapasso, segundo a qual a pena guarda relação por semelhança ou oposição
com o pecado cometido, tem-se que os maus conselheiros, os que fizeram uso
da razão para enganar outros, ocultando-lhes a verdade, arderão eternamente
cobertos pelo fogo. O primeiro paralelo é que, por terem ocultado a verdade
de seus interlocutores, os maus conselheiros fraudulentos estão agora ocultos
no interior de suas chamas (IGLESIAS, 2012). Além disso, o fogo e sua luz,
que os ocultam, funcionam como alegoria do conhecimento e do intelecto, no
qual os pecadores queimam por os terem usado em vão.
E aqui, cabe entendermos alegoria como um enunciado que pode ser váli-
do por si próprio, mas que também contém outro. No sentido de que a alegoria

[...] consiste num discurso que faz entender outro, numa lin-
guagem que oculta outra. Pondo de parte as divergências dou-
trinárias acerca do conceito preciso que o vocábulo encerra,
podemos considerar alegoria toda concretização, por meio de
imagens, figuras e pessoas, de ideias, qualidades ou entidades
abstratas. O aspecto material funcionaria como disfarce, dissi-
mulação, ou revestimento, do aspecto moral, ideal ou ficcional.
(MOISÉS, 1974, p. 15).
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 475

No verso 52, o Dante personagem questiona Virgílio, que o guia pelo In-
ferno, sobre uma chama de duas pontas. Como resposta, fica sabendo se tratar
de Diomedes e Ulisses, e três dos pecados cometidos pela dupla são listados:
“dentro daquela chama se ressente / o logro do cavalo, que foi porta; pra a dos
romanos garbosa semente; / e lamenta-se o ardil pelo qual, morta, / Deidâmia
ainda por Aquiles chora; / e por Paládio a pena se comporta”. (ALIGHIERI,
1998, p. 177).
Ulisses e Diomedes são heróis que tradicionalmente estão juntos nos
mitos gregos e latinos. Em Homero, isso foi citado no episódio de Dolão
na Ilíada e, na Eneida, no roubo do Paládio. Entre tantos outros mitos, há a
descoberta de Aquiles para que ele participasse da guerra, na qual a dupla se
disfarça de comerciantes e viaja até as terras de Licomedes. Havia rumores que
Tétis escondera Aquiles disfarçado de mulher na corte de Licomedes para que
ele não integrasse a tropa grega à Troia e lá perecesse. Como comerciantes, seus
cestos de joias e enfeites atraem a atenção das mulheres, mas, ao fundo de um
dos cestos, o pai de Telêmaco esconde algumas armas. Ao avistar e se interessar
por elas, Aquiles é revelado. Em algumas das versões da história, Deidâmia é a
mulher de Aquiles, que chora sua partida e posterior morte.
Nessa passagem, portanto, já se observa um Ulisses de Dante construído
a partir de elementos de Homero e de Virgílio – a parceria com Diomedes, o
estratagema do Cavalo de Troia, o assalto ao templo de Atena em Troia para
obter o Paládio –, mas acrescido de outras fontes da tradição greco-latina,
como a do disfarce de comerciante para assegurar a ida de Aquiles à guerra.
Ainda nesse trecho, evidenciando a capacidade de concisão e riqueza de
sentidos do Dante poeta, cabe observar a trapaça do Cavalo como gênese re-
mota de Roma. Essa é uma fala dita por Virgílio, justamente quem cantou na
Eneida as origens dos romanos, e contribui para se caracterizar Eneias e Ulisses
como opostos. Eneias – e por extensão o povo troiano/romano – não apenas
sobrevive ao ardiloso embuste do grego como o transforma em um feito muito
maior: o surgimento do Império Romano. Na concepção cristã de Dante, essa
é uma alegoria de como tragédias – no caso, a queda de Troia – podem ser
permitidas pela sabedoria divina por terem consequências benéficas no futuro
– o estabelecimento do povo de Eneias no Lácio.
Na sequência da passagem, Dante pede ansiosamente a Virgílio para fa-
lar com os heróis. Há o desejo explícito do Dante personagem em conhecê-los
Artuso, Alysson Ramos.
476 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

e ouvi-los (v. 65-69). Há a conversa, mas é o guia quem interpela os argivos,


os questiona sobre como morreram e recebe a resposta de Ulisses. No texto, o
motivo de ser Virgílio a tomar a palavra é um possível desdém com que Dante
seria tratado pelos gregos (v. 74-5). Virgílio teria o respeito dos heróis em ra-
zão de seus versos (v. 79-82), afinal eles foram personagens também do poeta
lombardo; mas é possível pensar em ao menos outras leituras.
A primeira é que, diferente de Virgílio, Dante não lia grego e seu contato
com os textos homéricos foi através do latim e das recriações latinas. Hipótese
de leitura possível, mas com bases não tão sólidas, afinal a compreensão entre
personagens que falam línguas diferentes ocorreu em outros momentos da
Divina Comédia. Nessa própria passagem, Dante compreende o que fala Ulis-
ses, mesmo que ele supostamente falasse em grego. Ademais, uma referência
no canto seguinte coloca Virgílio como tendo conversado com o herói argivo
em dialeto da Lombardia (Canto XXVII, v. 20), que sequer existia na época
de Virgílio e demonstra a despreocupação de Dante, coerente com sua época,
com anacronismos.
Mas a segunda proposta de leitura, que em certa medida se relaciona
com a primeira, é a de Virgílio como o intermediário (e atualizador) da
cultura grega para a cultura latina – por isso seu intermédio também nesse
diálogo. Ao escrever sua obra com inúmeros heróis mitológicos e tendo o
próprio Virgílio como guia, o Dante autor também se coloca como um
intermediário e um atualizador, agora da cultura clássica latina para o que
viria a ser a cultura italiana da Idade Média. Nisso, é importante lembrar
que Dante escreveu a Divina Comédia em língua vulgar e não em latim, o
que colocaria sua obra, a princípio, sob esse aspecto da opção linguística,
em um patamar muito menor do que obras em latim, como a de Virgílio.
Em certo sentido, a arrogância grega pode estar relacionada com esse fato,
pois os gregos representados já colocariam a cultura helênica como superior
à latina, quem dirá em comparação com a cultura de um poeta de língua
vulgar como Dante.
O pedido para o herói narrar aonde foi para morrer também é uma ou-
sadia do Dante autor. Ainda que haja muitas recriações e inovações no mito
de Ulisses na Antiguidade e no Medievo, raras são as que tratam de sua morte.
Como enfatizado anteriormente, a fala ambígua de Tirésias deixa essa questão
em aberto e é dela que Dante se aproveita para elaborar sua versão.
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 477

Em perfeita coerência com o personagem retratado, o poeta florentino dei-


xa que Ulisses conte seus feitos em discurso direto, no qual emula o tom épico
de elevada retórica característico do herói argivo. Inclusive, o grego é o primeiro
personagem da Divina Comédia que ousa e narra a própria morte (LOMBAR-
DI, 2014). O discurso começa, então, não pelo retorno de Ulisses à sua terra e
família, mas justamente pelo seu abandono da pátria e dos familiares:

[...] Quando

91 decidi que de Circe me afastasse,


que um ano me enleou lá por Gaeta,
antes que Enéas assim a nomeassse,

94 nem de filho ternura, nem afeta


pena do velho pai, nem justo amor
que alegraria Penélope dileta,

97 em mim puderam vencer o fervor


que me impelia a conhecer o mundo,
e dos homens os vícios e o valor;

100 e me atirei ao mar aberto e fundo [...]


(ALIGHIERI, 1998, p. 178).

O Ulisses sempre curioso, desejoso de conhecer e experimentar se faz


presente, mas com importantes diferenças em relação ao herói homérico. O
Ulisses de Dante, já na apresentação de Virgílio e no início de seu próprio
discurso, não se mostra nem o guerreiro retratado na Ilíada e nem o herói do
retorno da Odisseia. O primeiro é negado pela ênfase nos meios fraudulentos
que empregava e o segundo é anulado por ele sequer mencionar o retorno para
Ítaca. Fica em aberto a possibilidade, de após ter retornado à Ítaca, Ulisses ter
decidido retornar à ilha de Circe (nomeada como Gaeta por Eneias quando
lá passou em eventos narrados na Eneida) e por lá ficar um período. Mas
também é possível sustentar que o Ulisses de Dante nunca retornou para a sua
pátria, tendo ficado junto de Circe no meio de suas aventuras, sem concluir
Artuso, Alysson Ramos.
478 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

seu nóstos, a viagem de retorno da Odisseia. Assim como na Eneida, em qual-


quer uma das possibilidades, o Ulisses de Dante é colocado em contraposição
a Enéias por não zelar pela sua família e pátria como deveria.
Outra característica é o autocontrole e a paciência. Em vários momentos,
o Odisseu de Homero demonstra autocontrole, como na chegada à Ítaca e
na aproximação ao castelo, fatos narrados ao longo de metade dos cantos da
Odisseia. Nessa chegada, ele se aproxima muito paulatinamente de seu filho,
de seu castelo, de seus criados, de sua esposa e de seu pai – contendo-se, após
vinte anos sem os ver, para não ser surpreendido por eventos como os que aco-
meteram Agamenon, que ao retornar para casa foi morto pela mulher e pelo
amante dela. O Ulisses de Dante não demonstra essas qualidades do Odisseu
homérico, que sabe a hora de ser equilibrado e paciente, e boa parte de seus
defeitos são destacados ou intensificados a partir da caracterização do Ulisses
virgiliano, como o ímpeto incauto e a falta de compromisso com os seus.
Voltando ao poema e ao discurso de Ulisses, a viagem a que se lançam
ele e seus companheiros, descritos como velhos e tardos (v. 106), alcança as
colunas de Hércules, o Estreito de Gibraltar, limite geográfico imposto pelo
filho de Zeus aos homens. Para ultrapassá-lo, o argivo usa o dom de persuasão
de suas palavras em sua curta oração (orazion picciola):

112 ‘Ó irmãos’, disse eu, ‘que por cem mil, vencidos,


perigos alcançastes o Ocidente;
a esta vigília de nossos sentidos,

115 tão breve, que nos é remanescente,


não queirais recusar esta experiência
seguindo o Sol, de um mundo vão de gente.

118 Considerai a vossa procedência:


não fostes feitos pra viver quais brutos,
mas para buscar virtude e sapiência.’

121 Meus companheiros fiz tão resolutos


pra viagem, com tão curta oração,
que não seriam mais dela devolutos.
(ALIGHIERI, 1998, p. 179).
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 479

A escolha das palavras denota elevado conhecimento da psicologia hu-


mana, pois, segundo o próprio Ulisses (v. 121-123), o discurso é capaz de
convencer rapidamente aos seus interlocutores. É uma enunciação concisa e
objetiva, breve e ao mesmo tempo profunda, bem ao modo do próprio Dante
(personagem e autor). Esse é mais um elemento para se defender a constru-
ção do Ulisses da Divina Comédia como, em alguma medida, um alter ego
de Dante, no sentido de que características do Dante autor e personagem se
encontram transferidas ou ressaltadas na construção do personagem de Ulis-
ses. Cabe ainda lembrar a imagem de uma voz que emana de uma chama, em
uma construção que combina a punição e a magnificência de seu discurso
(BLOOM, 1995, p. 89).
O Ulisses de Dante chama seus companheiros de irmãos, um vocativo
nunca usado por Homero ou Virgílio, mas não se mostra tão prudente com
seus companheiros quanto o Odisseu homérico. Com gosto pela aventura e
com sua tríade – pensa na tua origem, não seja como um animal e busque a
virtude e o conhecimento – incentiva seus companheiros a almejar mais da
vida, mas também desafia imprudentemente os limites permitidos aos huma-
nos, uma vez que seu conselho tem como objetivo levar a si e a seus compa-
nheiros para além das colunas de Hércules. Essa imprudência com os seus, que
em Homero é atenuada e em Virgílio intensificada, em Dante mais uma vez
pende para a construção latina.
A viagem de Ulisses e seus companheiros é sempre a Oeste, “seguindo o
Sol” (v. 117), “voltando a popa pra a manhã” (v. 124). Novamente cabe tomar
o Sol e sua luz como alegoria do conhecimento – alegoria comum em Dante
que vai estender esse entendimento para o conhecimento divino, tomando a
luz solar como a luz divina, o conhecimento de Deus (BERGAMINI, 2008).
Nas palavras de Auerbach (1997a, p. 164), essa prática da alegoria é uma
constante do poeta florentino:

A arte de Dante consiste em tomar as ideias e materializá-las, em


dar, a cada uma delas, um corpo, sangue, sinais característicos,
furores, suavidade, atormentando-as com tão apaixonada
obstinação, a ponto de que tais corpos cheguem a exprimir,
com precisão absoluta, a alma deles: as ideias que esses corpos
devem representar. Eis o que se há de entender por alegoria.
Artuso, Alysson Ramos.
480 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

Nesse sentido, a viagem de Ulisses narrada na Divina Comédia pode ser


entendida em múltiplas dimensões simultâneas. Trata-se, primeiro, de uma
viagem que contraria ou visa subjugar as forças da natureza. Por ir sempre
atrás do Sol, por não querer se privar de sua luz, deseja evitar o ciclo do dia e
da noite, ser superior à natureza. Vale ainda o alerta de França (2005, p. 34):

Cabe lembrar que a ideia de luz, sobretudo a divina, é o principal


referencial simbólico para a noção de razão e sabedoria; e
Ulisses, quando a seguiu, contrariou tanto a tradição de sua
época – que impôs as barreiras simbolizadas pelas montanhas
chamadas colunas de Hércules – quanto os limites naturais, que
dosam a quantidade de luz a ser irradiada pelo sol a todos os
homens. Portanto, sob o viés dantesco, mereceu a morte, mas
levou também consigo os marinheiros que o acompanhavam
desde as aventuras narradas na Ilíada e na Odisseia.

No entanto, o desejo de seguir o Sol não basta para os viajantes se mante-


rem sob ele, tanto que as referências utilizadas para localizar a viagem geográfi-
ca e temporalmente são referências noturnas: as estrelas (v. 127), a lua (v. 130).
Na cosmologia de Dante, tratam-se de reflexos da luz solar. Em segundo lugar,
pode-se pensar em uma necessidade de se buscar a luz celestial, o conhecimen-
to de Deus, mesmo que o grego não tenha consciência dessa dimensão divina.
A falta que Ulisses sente e que o faz se aventurar, sob essa ótica, é também uma
necessidade de Deus, aspecto que será retomado adiante.
Uma interessante perspectiva para se pensar a viagem do itacense, que ul-
trapassa as colunas de Hércules, adentra o hemisfério Sul e após cinco meses
alcança a montanha mais alta já vista pelos viajantes é a perspectiva cosmológica/
científica. Na Europa da Idade Média, o conhecimento do hemisfério Sul era
limitado, e um mapa celeste completo que permitisse a navegação segura por
esse hemisfério só seria traçado pelo inglês Edmund Halley no século XVIII. O
personagem de Ulisses, no entanto, faz alusão às características do céu nos versos
127 a 129: “Do outro polo as estrelas todas via / agora à noite, enquanto, rebai-
xado, / do chão do mar o nosso não surgia” (ALIGHIERI, 1998, p. 179). Sobre
essa passagem, Longfellow (1867, p. 309) ao comentar a Comédia, cita a des-
crição de Humboldt quando ele cruzara pela primeira vez para o hemisfério Sul:
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 481

A partir do momento em que entramos na zona equatorial,


nós nunca cansamos de admirar, a cada noite, a beleza do
céu do Sul, que, conforme avançamos para o sul, abre novas
constelações para a nossa vista. A sensação é indescritível,
quando, ao nos aproximarmos do Equador e, particularmente,
na passagem de um hemisfério para outro, vemos aquelas
estrelas, as que temos contemplado desde nossa infância, irem
afundando progressivamente, até, finalmente, desaparecerem.
Nada desperta no viajante uma lembrança mais viva da imensa
distância que ele está de sua terra do que um firmamento
desconhecido. Alguns agrupamentos de estrelas muito
brilhantes e algumas nebulosas dispersas, rivalizando com o
esplendor da Via Láctea, e notáveis faixas de espaço de absoluta
escuridão dão uma fisionomia especial ao céu do Sul. Essa
vista arrebata até mesmo aqueles sem instrução nos ramos
das ciências que ao contemplar a abóbada celeste sentem a
mesma sensação de encanto como quando estão diante de uma
paisagem esplendorosa ou um local majestoso. Um viajante
não precisa ser botânico para reconhecer que está em zona
equatorial pelo aspecto da vegetação; e não precisa ter qualquer
noção de astronomia, qualquer familiaridade com as cartas
celestes de Flamstead e De la Caille, para saber que não está na
Europa quando vê a imensa constelação do Navio ou quando as
brilhantes nuvens de Magalhães surgem no horizonte2.

2
“From the time we entered the torrid zone, we were never wearied with admiring, every
night, the beauty of the Southern sky, which, as we advanced toward the south, opened new
constellations to our view. We feel an indescribable sensation, when, on approaching the
equator, and particularly on passing from one hemisphere to the other, we see those stars,
which we have contemplated from our infancy, progressively sink, and finally disappear.
Nothing awakens in the traveler a livelier remembrance of the immense distance by which
he is separated from his country, than the aspect of an unknown firmament. The grouping
of the stars of the first magnitude, some scattered nebulae, rivaling in splendor the milky
way, and tracks of space remarkable for their extreme blackness, give a particular physiog-
nomy to the Southern sky. This sight fills with admiration even those who, uninstructed in
the branches of accurate science, feel the same emotion of delight in the contemplation of
the heavenly vault, as in the view of a beautiful landscape, or a majestic site. A traveller has
no need of being a botanist, to recognize the torrid zone on the mere aspect of its vegetation;
Artuso, Alysson Ramos.
482 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

A viagem, portanto, indica a coragem de Ulisses, mas também pode ser


lida como mais uma ultrapassagem de limites do que é permitido aos huma-
nos, com a ideia do Sul sendo uma ideia de fronteira.
Contribui para essa leitura o mito das Ilhas Afortunadas, citado, entre
outros, por Hesíodo em “Os Trabalhos e os Dias” e Píndaro na “Ode Olím-
pica”. Esse mito gerava, na Antiguidade e na Idade Média, especulações sobre
o “Mundo Austral” (DUVIOLS, 1992, p. 168). Segundo a tradição, os ha-
bitantes dessa ilha eram intocados pela tristeza, encontravam uma natureza
generosa, com grãos abundantes e frutos doces, vivendo em fortuna, honra e
glória. Para Píndaro, o lugar seria o destino final, de repouso pós morte, das
almas mais justas e honradas. Teria sido o destino de Cadmo, fundador mi-
tológico de Tebas, e de Peleu e seu filho Aquiles. Durante a alta Idade Média,
“as Ilhas Afortunadas ficaram ligadas à lenda das viagens de São Brandão, o
monge irlandês que as teria visitado e nelas teria encontrado o jardim do Éden
ou Paraíso Terrestre” (WIKIA, 2015).
Na viagem de Ulisses, ele avista no hemisfério Sul uma alta montanha (v.
133), que, no Universo da Divina Comédia, é a montanha do Purgatório3 em
cujo cume se encontra o Paraíso Terrestre. O argivo, contudo, não é capaz de
identificar o que avistara e, após navegar três vezes no entorno da montanha,
na quarta o mar se fecha sobre ele e seus marujos. Tem-se, então, a cena de
morte do filho de Laertes, com o paradoxo de seu “batismo mortal”, seu tú-
mulo sendo os mares, em uma imagem que também remete aos enterros; com
o mar, em vez da terra, selando a tumba dos mortos. Essa imagem contrasta
com outra presente no mesmo canto, a da subida do profeta Elias ao céu em
uma carruagem de fogo (v. 34-36). Por um lado, a ascensão pelo fogo daquele
que é aceito no plano divino; de outro, o que afunda nas águas por não ter a
permissão de acessar esse plano. descida então aos infernos
Como dito, ao se relatar uma dubiedade na profecia de Tirésias na Odis-
seia, Dante se aproveita da possibilidade de colocar o termo da vida do herói
grego em uma aventura marítima. Também chama a atenção a menção aos

and without having acquired any notions of astronomy, without any acquaintance with the
celestial charts of Flamstead and De la Caille, he feels he is not in Europe, when he sees the
immense constellation of the Ship, or the phosphorescent clouds of Magellan, arise on the
horizon.”
3
Referência a esse fato se encontra no primeiro canto do Purgatório, nos versos 130-132.
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 483

quatro elementos aristotélicos na narrativa que envolve Ulisses: é ao avistar


a terra, em sua viagem pelo mar, que o navio voando com asas de remos (“já
são / asas os nossos remos, na ousadia / do voo”; ALIGHIERI, 1998, 179) é
afundado. Às referências aos três elementos presentes na narrativa da morte
(terra, água e ar) se soma a presença no Inferno enquanto fogo.
Para Roda (2012) o conselho fraudulento que Ulisses dá a seus compa-
nheiros para colocá-los no mar é o motivo dele estar no Inferno:

O mau conselho de Ulisses, que levará a todos à perdição, surge


do engano, da não aceitação da condição humana e de uma
necessidade de vitória sobre o destino que a todos envolve e
conduz à confirmação da mortalidade. Ao insuflar, em seus
amigos, a possibilidade de uma conquista que não vai acontecer,
Ulisses frauda o sentimento de todos enquanto também
procura fraudar ou mascarar a realidade da qual não podem
escapar, uma vez que ele mesmo os descreve como “vecchi e
tardi” [velhos e tardos]. (RODA, 2012, p. 124).

Que se trata de um mau conselho, não há dúvida; no entanto, é ques-


tionável se há argumentos no texto de Dante para sustentar a proposição de
Ulisses ter agido de má fé ao convencer seus companheiros em segui-lo na
viagem, como se o heroi soubesse de antemão que ele e seus companheiros
encontrariam a morte. Os elementos encontrados no texto apontam mais o
sentido de imprudência de Ulisses, cuja ambição por querer saber cada vez
mais o leva à aventura desmedida, mas não lhe dando a percepção (embora
fosse prudente desconfiar) de que levaria à ruína a si e a todos os compa-
nheiros. E, como motivação para estar no Inferno, não se pode esquecer seus
múltiplos pecados de fraude, inclusive os citados explicitamente na Comédia:
o cavalo de Troia, o engano a Aquiles e o roubo do Paládio. Mas há ainda
mais e defendemos que esteja em sua busca desenfreada pelo conhecimento, e
não nas mentiras, nas fraudes ou nos maus conselhos, a mais grave4 das faltas
do Ulisses dantesco.

4
Cabe ressaltar que os pecadores da Divina Comédia estão nos círculos que, para Dante, me-
lhor os caracterizam, o que não significa que o pecado desse círculo seja o mais grave entre
os cometidos por eles.
Artuso, Alysson Ramos.
484 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

Essa proposição de que a principal falha do herói grego está em sua am-
bição por querer saber cada vez mais a ponto de seguir permanentemente o
Sol/conhecimento não é por outro motivo senão pela busca do conhecimento
com fim em si mesmo, sem que importe idade (velhos e tardos, como diz o
verso 106) ou limite. Entretanto, o que a Comédia mostra é que há limites
para os seres humanos conhecerem. No canto em questão, esse limite está
representado pelo Estreito de Gibraltar, as colunas de Hércules.
Retomando o conceito de figura de Auerbach (1997b), no qual uma
realidade tem validade por si própria, mas também prefigura outra posterior
mais definitiva, a figura pode ser, então, “algo real e histórico que anuncia al-
guma outra coisa que também é real e histórica. A relação entre os dois eventos
é revelada por um acordo de similaridade.” (AUERBACH, 1997b, p. 27). E
real deve ser entendido dentro do contexto de determinada obra ou mitologia,
não é necessariamente uma existência física incontestável. No caso, Hércules é
filho de Zeus, o deus supremo da mitologia grega, e representa uma prefigura-
ção de Cristo, filho de Deus. Foi, portanto, Hércules/Cristo quem estabeleceu
o limite ultrapassado por Ulisses.
Na cultura aristotélica, a mente é como um navio, sendo a popa a memó-
ria e a proa a imaginação. A viagem naval de Ulisses pode ser entendida como
essa alegoria aristotélica radical, na qual se pretendia obter o conhecimento
perfeito por meio do intelecto humano, sem a mediação da graça divina e du-
rante a mortalidade terrena. No entanto, tal pretensão se mostrou fracassada.
O desejo de conhecer levado ao extremo, que na tradição antiga era uma
característica positiva do herói homérico, se torna, em Dante, pecado por
desdenhar os limites da natureza humana. Também mostra a fraqueza do ho-
mem, abandonado à sua própria força, sem a orientação teológica da Graça,
afinal Ulisses não está atrás de um conhecimento para se aproximar de Deus,
sua busca não está alinhada com a fé, tanto que ele nem mesmo reconhece a
montanha que avista.
Nessa perspectiva, a perseguição desenfreada de Ulisses por um conhe-
cimento que lhe é proibido é comparável ao Pecado Original. Na tradição
bíblica, Deus impôs limites a Adão e Eva: não comer do fruto da Árvore do
Conhecimento. Ao fazerem-no, foram punidos, pois ultrapassaram o símbolo
de fronteira, a lei que o homem não deve violar: tentaram “ser como Deus,
conhecendo o bem e o mal” (Gênesis 3,5).
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 485

Ulisses está justamente atrás de um conhecimento interdito, querendo


apreender além do que se deve e cruzar a fronteira do proibido. Fronteira essa
que também pode ser entendida em um outro plano como a lei divina da
justiça e da boa fé: Ulisses extrapola o que era preciso para sua sobrevivência,
exagera no exercício de seu intelecto, usando-o para enganar e manipular os
outros, e na ousadia de seus atos quer alcançar o que a nenhum mortal – exce-
to ao Dante personagem, que visita os reinos divinos – é permitido.
Retomando Aristóteles, cuja influência é central na Divina Comédia,
Ulisses extrapola a justa medida por não se comportar com moderação, por
não ser capaz de utilizar sua razão para controlar seus impulsos. Pelo contrário:
nessa leitura proposta, ele usa sua capacidade intelectual até mesmo para uma
aproximação indevida de Deus, querendo se apropriar de um conhecimento
vetado aos humanos e, portanto, tentando se igualar a Deus do mesmo modo
que Adão e Eva o fizeram ao comer o Fruto Proibido, e que fez o próprio Lú-
cifer, o que levou à sua queda (FRANÇA, 2005; LOMBARDI, 2014).
Finalizando essa caracterização, é possível elencar alguns aspectos do
Ulisses de Dante: é curioso, sedento por conhecer e experimentar; é astuto,
o que o levou à fraude; é corajoso, o que o levou à viagem; é um excelente
orador, tanto que convenceu rapidamente os companheiros; é um homem de
ideias e de ação, mas que erra por colocar seu intelecto a serviço do engano,
erra por não ter autocontrole e extrapolar a justa medida, erra por não ter es-
pírito coletivo e nem familiar, não cumprindo seu compromisso por ambos ao
não retornar para Ítaca, e erra, por fim, por não ter orientação divina. O resul-
tado, em vida, é a curta alegria (v. 136) e, na morte, a eternidade na oitava vala
do oitavo círculo do Inferno, pois, mais do que apenas o limite geográfico (as
colunas de Hércules, o Mundo Austral, a Ilha do Purgatório) e o limite moral
(o roubo, a trapaça, a fraude), Ulisses ultrapassa os limites de sua própria au-
tonomia como homem diante de Deus, os limites de sua liberdade individual,
os limites das possibilidades humanas.
Personagem complexo, mantendo suas tradicionais múltiplas faces, o Ulis-
ses de Dante tem aspectos da grandeza do herói homérico, mas, principalmente,
tem os defeitos intensificados do personagem da Eneida. Ainda assim, não é
tratado como antítese dos ideais de cavalaria da Idade Média ou dos ideais que
o próprio Dante coloca na Divina Comédia. Se por um lado o grego não retor-
na para casa ou para a pátria terrena, por outro lado ele chega até os limites da
Artuso, Alysson Ramos.
486 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

Pátria Celeste. O acesso a essa Pátria lhe é negado, mas sua busca pode ser lida,
pelo ângulo do Auerbach, como a necessidade que até um pagão sente da esfera
divina. Nesse sentido, Ulisses teria a intuição de que existe algo mais, de algo
que excede a capacidade humana; é a sua prefiguração da verdade divina, mas
que só seria concebível aos humanos pelo sacrifício de Cristo, posterior, por-
tanto ao período do itacense. O rei de Ítaca, de certa forma, quer esse conheci-
mento para si e, por necessidade da viagem, ele também seria de ciência de seus
companheiros, mas a finalidade que o herói argivo daria às experiências vividas e
às aprendizagens adquiridas seriam de natureza muito diferente à finalidade do
conhecimento obtido pelo Dante personagem, a quem cabe compará-lo.
Assim como Ulisses, o Dante personagem (e aqui essa análise pode ter
pontos de encontro também com o Dante autor) apresenta seus momentos de
prepotência e audácia5. Ele também é reconhecido por sua capacidade argu-
mentativa, sua elevada retórica e seu intelecto superior. Nesse sentido, o Dante
personagem pode ter algum temor de acabar como Ulisses, afinal, como o
herói grego, sua curiosidade o leva a querer saber cada vez mais e o coloca,
ainda que com a razão aliada à fé e à prudência, na loucura (folle no original,
desatino na tradução) de uma viagem pelo desconhecido, como afirma o Dan-
te personagem no Canto II do Inferno:

34 Portanto, se a seguir ora me obrigo,


temo que um desatino isso seria;
és sábio, e mais entendes do que eu digo”.

37 Como quem não quer mais o que queria


se a nova ideia altera a sua proposta
e da primeira todo se desvia,

40 tal fiquei eu naquela escura encosta


Porque, pensando, consumi o intento
ao qual dera tão rápida resposta. (ALIGHERI, 1998, p. 33)

5
Exemplo, entre tantos, é a passagem do Canto IV do Inferno, em que o Dante personagem,
acompanhado de Virgílio, encontra Homero, Horácio, Ovídio e Lucano. Nela, Dante autor
faz com que os poetas logo aceitem o Dante personagem em seu grupo, tomando-o, no
verso 102, como o “sexto entre tanto saber.” (ALIGHIERI, 1998, p. 46).
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 487

Os objetivos, contudo, são de natureza diferente: Dante busca conhe-


cer Deus para disseminar6 suas experiências para os outros e poder salvá-los,
trazendo-os para o caminho divino. Conforme relata Auerbach (1997a), a
jornada de Dante é salvar a si e aos outros, pois, na incerteza de seu destino
através da floresta escura (que pode ser vista como ligada à sua vida terrena)
e ao longo da obra nos reinos do Inferno, Purgatório e Paraíso, “só ele não
tem ainda lugar definitivo. Ele é o homem vivo em geral, e todo homem vivo
pode identificar-se com ele. O drama humano, o perigo que ameaça todos os
viventes” (AUERBACH, 1997a, p. 212).
É também nesse sentido que o Dante personagem tem a necessidade de
Virgílio (alegoria da razão) em sua passagem pelo Inferno, um guia que conhe-
ça o caminho e não o deixe se perder novamente. Em certa medida, o Dante
autor se coloca justamente como esse guia para o restante da humanidade,
indicando que o caminho da salvação passa pelo conhecimento, “que descre-
ve e demonstra a unidade da ordem, que é, ela, o conhecimento supremo”
(AUERBACH, 1997a, p. 99).
Colocando então como pares de diferenças, Dante é o peregrino, en-
quanto Ulisses é o explorador; Dante segue um guia, Virgílio e depois Beatriz,
Ulisses segue apenas a própria audácia; Dante conta com a razão e a fé, Ulis-
ses é só astúcia, desconhece o plano espiritual; Dante confia na providência
divina, Ulisses aposta somente em suas próprias forças; Dante se move ver-
ticalmente pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, Ulisses realiza sua viagem no
plano horizontal da Terra; Dante teve a permissão divina para sua viagem pelo
desconhecido dos três reinos, Ulisses não teve acesso ao Purgatório.
O Dante autor foi um teólogo, mas como literário ousou “ler” a mente
de Deus; se atreveu a descrever os três reinos, praticamente instaurando o
advento do Purgatório (STERZI, 2008); equiparou, de certa forma, Beatriz
à Virgem Maria; colocou reis e papas no Inferno, e assim por diante. A
audácia de sua aventura literária não foi menos arriscada que a hipotética
viagem de Ulisses, não foi menos árdua e poderia até mesmo ser igualmente
fatal. O possível conflito mental do próprio Dante autor, cuja ousadia podia
ser encarada como sacrilégio, é levado até o canto XVII do Paraíso, onde
Cacciaguida dirá ao Dante personagem (v. 130-132) que a voz dele, Dante,
6
E vale ressaltar que é com base na possibilidade de disseminação que o Dante autor também
opta por escrever a Comédia em língua vulgar.
Artuso, Alysson Ramos.
488 Ulisses no inferno da divina comédia – uma comparação do herói em dante, homero e virgílio

poderá até incomodar em um primeiro momento, mas será o alimento vital


quando digerido.
Tivesse Ulisses a consciência ou a reflexão necessária sobre seus atos,
veria que eles o levariam ao suicídio, ao final de sua vida; quem sabe Dante,
refletindo sobre sua obra, temesse que ela o levasse para um fim similar, com o
esquecimento ou a repulsa de seu nome, mas o que pretendia – e obteve – era
se eternizar.
Em ambos, Dante e Ulisses, cabe também realçar, além do desejo de
transpassar limites, o orgulho. Na análise de Harold Bloom (1995, p. 89),

[...] Ulisses e Dante estão em relação dialética, porque Dante


teme a profunda identidade entre ele mesmo como poeta [...]
e Ulisses como viajante transgressor. Esse medo pode não ser
inteiramente consciente, mas Dante deve senti-lo em algum
nível, porque retrata Ulisses como se levado pelo orgulho, e
jamais existiu poeta mais orgulhoso que Dante [...].

Bloom (1995) limita sua comparação ao Dante autor, ainda que não
elabore detalhadamente seu argumento com elementos embasadores da obra,
também em razão da natureza e dos objetivos diversos de seu texto. De todo
modo, essa é uma lacuna que se pretendeu preencher no presente artigo.
Com essa exposição, propõe-se mais uma interpretação de porque não
fora Dante quem falou diretamente com Ulisses: de certo modo, ele é Ulisses.
Seja para escrever a Comédia, seja para percorrer os três reinos, ele teve que
desbravar mares e se aventurar, contando com sua audácia, coragem, obsti-
nação e autoconfiança para fazê-lo. No Ulisses de Dante, a busca se dá às
custas da família, de não mais retornar para a esposa, o filho ou o pai. Há de
argumentar que foram, possivelmente, também o orgulho e a obstinação que
fizeram Dante não encurtar ou pôr fim em seu exílio de Florença e retornar
para seus amigos e familiares, de quem morrerá afastado. É ainda nesse sentido
que cabe mais uma vez retomar Bloom (1995, p. 91):

Comer o pão de sal de outro homem, descer escadas que não são
nossas, é um preço que se paga pela busca. Ulisses está disposto a
pagar um preço mais final. Que experiência está realmente mais
Cadernos de Letras da UFF Dossiê: A crise da leitura e a formação do leitor nº 52, p. 461-492 489

próxima de Dante – a triunfante conversão de Santo Agostinho


ou a última viagem de Ulisses? Diz a lenda que Dante era
apontado nas ruas como o homem que de algum modo voltara
de uma viagem ao inferno, como se fosse uma espécie de xamã.
Podemos supor que ele acreditava na realidade de suas visões;
um poeta de tal força que se julgava um verdadeiro profeta, não
encararia sua descida ao Inferno como simples metáfora. Seu
Ulisses fala com absoluta dignidade, e uma terrível pungência:
não o pathos de danação, mas o orgulho que sabe que orgulho
e coragem não bastam.

Assim, voltando à citação inicial de Platão e à proposta de alter ego, tem-


-se a construção de Ulisses como um duplo reflexo de Dante, duplo por re-
fletir tanto o autor quanto o personagem. Por meio do herói grego, Dante é
capaz de conhecer a si mesmo; por meio do olhar para a outra alma, Dante
autor e personagem poderiam ver nela o espelhamento de si próprios. Assim,
as características de Ulisses retomadas, entre outros, de Homero e Virgílio, e
somadas às criações e recriações da Divina Comédia encontram-se presentes,
por semelhança ou oposição, nos próprios Dantes.

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ULYSSES IN THE DIVINE COMEDY – HELL – A


COMPARISON OF THW HERO IN DANTE,
HOMER AND VIRGIL

ABSTRACT
Ulysses is a constant character in Western literature and
Dante Alighieri was an author that rework him. In the
Divine Comedy, Ulysses is in Hell, in the eighth ditch
of the eighth circle, corresponding to the fraudsters.
In the construction of this character, Dante recovered
Ulysses characteristics from Greek and Latin tradition,
which is analyzed and compared in this article with the
Homer’s and Virgil’s characters. At the end, Ulysses and
Dantes - author and character of Comedy – are related.

KEYWORDS: comparative literature; Divine Comedy;


Ulysses.

Recebido em: 05/01/2015


Aprovado em: 18/03/2016

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