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Fichamento de “Estudos de História da Cultura Clássica” de Maria Helena

da Rocha Pereira

-A Transmissão da Cultura Clássica: Essas vias são, fundamentalmente,


duas: a arqueológica (cientificamente explorada desde o séc. XIX), que nos
tem revelado inúmeros monumentos, e a literária, que, em parte, está
dependente da anterior, pois muitas têm sido, nas últimas décadas, as
recuperações de textos trazidos pelas escavações...a transmissão dos textos
escritos também se fez de duas maneiras: ou através de uma sucessão
contínua de cópias, que ascendem à própria Antiguidade, ou através de
papiros achados pelos arqueólogos. (p. 02)
...Criou-se mesmo uma ciência auxiliar – a Papirologia – para decifrar esses
difíceis apógrafos. (p. 03)
A transmissão literária, para poder efectuar-se de modo perdurável, pressupõe,
em primeiro lugar o conhecimento e o uso da escrita. (p. 03)
Mas este complicado processo de escrita, que usa de um sinal diferente para
cada sílaba (e não de um para cada som, como o alfabeto) desaparece por
completo da memória dos homens com a chamada invasão dórica, em 1100
a.C. (p. 03)
O certo é que os Gregos que vieram depois se sentiram na necessidade de
importar um sistema de escrita da Fenícia, o alfabeto, que adaptaram como
puderam à sua fonética. (p. 04)
Ora, conquanto a poesia primitiva fosse, como tudo leva a crer, de composição
e transmissão oral, tende-se actualmente a supor que os Poemas Homéricos
teriam sido as primeiras epopeias a utilizar o novo processo da escrita, cerca
de 800 a.C. Supõe-se contudo que teria sido com o aparecimento da prosa que
se constituiu o hábito de compor livros, o que teria ocorrido pelo séc. VI a.c.,
com a obra do filósofo Anaximandro. (p. 04)
...Notemos, porém, de passagem, que a tradição do ensino oral, praticado
ainda, ao que parece, pelo mais antigo filósofo, Tales de Mileto, perdura
noutros grandes nomes, como Pitágoras e Sócrates, e Platão proclama a
superioridade deste sobre o escrito. (p. 04)
...já no séc. V a.C. se pode documentar a existência de bibliotecas e de
livrarias. (p. 04)
...Esta mesma colecção foi servir de núcleo principal à mais rica e mais célebre
biblioteca de toda a Antiguidade: a de Alexandria. (p. 05)
...Ficavam, em geral, junto aos templos. (p. 05)
Ao falarmos em bibliotecas, pensamos naturalmente em estantes cheias de
livros com encadernações luzentes...Mas não era este o aspecto que elas
tinham nesse tempo, porquanto materiais de escrita e formato eram bem
diversos. (p. 06)
Deixando de lado os materiais duros primitivos como a pedra, o metal, o barro,
e outros que só ocasionalmente foram usados, temos, em primeiro lugar, o
papiro, proveniente do caule de uma planta que crescia em abundância nas
margens do Nilo e no seu delta, e até na Sicília. (p. 06)
Uma história narrada por Plínio o Antigo, com base em Varrão, explica, em
termo de rivalidade cultural, a substituição do papiro pelo pergaminho. (p. 06)
O papiro era um material frágil, facilmente deteriorável. O pergaminho,
proveniente de peles de animais devidamente tratadas, era forte, resistente,
mas tinha o inconveniente se ser mais caro...apagar um texto que deixara de
interessar e escrever outro por cima, produzindo assim o chamado
palimpsesto. (p. 06)
Este último acaba, por sua vez, por ser destronado por um produto de origem
vegetal, o papel, invenção chinesa trazida pelos árabes á Europa no séc. VIII,
mas só generalizada a partir do séc. XIV. (p. 06)
Também a forma do livro evolucionou através da Antiguidade. Principiou por
ser um rolo, que se enrolava ou desenrolava cada vez que era utilizado. (p. 07)
- II Os Poemas Homéricos: A questão homérica: Quem fala dos Poemas
Homéricos não pode deixar de fazer uma alusão, por breve que seja, á
Questão Homérica, ou seja, ao problema da sua autoria e data de composição.
(p. 11)
Se a Antiguidade era firme em acreditar na existência de Homero, no entanto,
já na época alexandrina houve quem atribuísse um autor diferente a cada um
dos Poemas. (p. 11)
As dificuldades são, efetivamente, muitas. Uma está na linguagem, onde há
formas de diversas épocas e elementos de nada menos de quatro dialectos
diferentes, quer dizer, uma língua artificial, que não deve nunca ter sido falada.
(p. 11-12)
A própria data de composição oferece as maiores dificuldades, pois os Poemas
decorrem na época micénica, entre heróis micénicos, e ignoram a chamada
invasão dórica. (p. 12)
...Esta doutrina consiste, muito resumidamente, no seguinte: os Poemas
Homéricos repetem frequentemente epítetos e até versos inteiros, porque eram
obra de improvisação oral, que necessariamente tem de ter pontos de apoio,
frases armazenadas, que dêem tempo de penar no verso seguinte, enquanto
se vai cantando o anterior. (p. 13)
Estes epítetos (formados, geralmente, por um adjectivo composto, que quase
sempre temos de traduzir por uma perífrase) não são, porém, empregados ao
acaso. Embora condicionados pela métrica (mas não exclusivamente, como
alguns afirmam), a sua presença ajuda a caracterizar o herói e a insistir sobre
qualquer qualidade sua, que naquele momento tem relevância especial...Na
Odisseia, o herói principal do poema é qualificado (o dos mil artifícios) ou de (o
que muito sofreu), conforme a situação em que ele se encontra. (p. 14)
Estas observações conduzem-nos de novo a outro aspecto da questão, aquele
que se relaciona com a historicidade da Iliada, que desde os últimos decénios
do séc. XIX se discute de novo. (p. 15)
...Tem-se entendido geralmente que são micénicos: as figuras e seus epítetos;
a riqueza de Micenas; a raridade do ferro; o fausto dos funerais de Pátroclo; a
arquitetura dos palácios, nomeadamente a presença do mégaron; objetos
como o elmo de presas de javali, a taça de Nestor, a espada cravejada de
prata de Heitor; a técnica de incrustações; o escudo de Ájax. (p. 18)
-A Ilíada: A Ilíada revela, bem claramente, uma arte de narrar que não pode
ser primitiva. O assunto é limitado: a cólera funesta de Aquiles. Escolheu-se um
tema que se desenvolverá em menos de dois meses. O poema não conta a
guerra de Tróia desde o começo...Pelo contrário, a narração não chega a
descrever a morte de Aquiles – tantas vezes anunciada - nem a queda de Ílion.
(p. 21)
Como se vê por este breve resumo, há um só fio condutor, uma só ação, que é
retardada por diversos episódios. O uso da narrativa alterna com o do discurso
directo ou atributivo (que neste poema atinge cerca de metade do total de
versos) e o plano humano cede frequentemente a vez ao plano divino. (p. 23)
A epopeia antiga só conhece a exposição linear, e o símile coloca uma nova
linha paralela junto da narrativa. (p. 23-24)
Aquiles, o herói modelo, nobre e valente, mas impulsivo; Agamémnon, o
comandante da expedição, arrogante, prepotente, mas pronto a retratar-se
quando errou; Ájax, o guerreiro forte e persistente, mas que só vale pela força
física; o próprio escudo que traz “alto como uma torre”, o singulariza como um
homem de armas primitivo; Diomedes, que ataca os Troianos na falta de
Aquiles, cavalheiresco, forte no combate e “o melhor da sua idade no
conselho”, é o herói que ousa medir-se com os deuses; Pátroclo, o amigo
fidelíssimo de Aquiles, que se revela um valente contendor no canto que tem o
seu nome, apreciado por todos pela sua bondade e doçura; Menelau, o
causador da expedição; Nestor, o velho rei de Pilos, que muito aconselha e
gosta de apaziguar os ânimos com as suas falas harmoniosas; Ulisses é o
mesmo tempo o guerreiro valente e o homem prudente e avisado, escolhido
para as missões delicadas. (p. 25-26)
...Hefestos forja ai diversas cenas que nos mostram: (1)os conhecimentos
geográficos e astronómicos da época: a terra plana e a circundada pelo rio
Oceano; o Sol; a Lua e as constelações principais; (2)a cidade em paz, com
cenas (a)de bodas, acompanhadas de música e dança; (b)de um esboço de
julgamento; (3)cidade em guerra; (4)trabalhos nos campos; (5)divertimentos:
dança. (p. 27)
-A Odisseia: A Odisseia é, um poema de regresso...Aquela palavra aparece
logo na proposição e invocação com abre a epopeia. (p. 30)
Estamos bastante afastados do tema da Ilíada, embora as figuras principais
continuem ligadas ao ciclo troiano. O alvo agora é a paz, e pode dizer-se que a
nostalgia da paz é a sua dominante. (p. 30)
A Ilíada é a glorificação do ideal heroico. A Odisseia abre com a palavra que
significa homem, e só vinte versos adiante o identifica; homem que muito
sofreu e que muito aprendeu sobre os mais variados povos...Nele podem ter
lugar os grandes gestos de coragem e os rasgos de heroísmo, mas a narração
oscila de preferencia entre o romanesco, ou até o fantástico, e também o que é
simplesmente natural. (p. 30)
Embora a acção seja mais concentrada, temos dois fios condutores em vez de
um: as aventuras de Telémaco e as de Ulisses. (p. 30)
Este resumo, muito esquemático, aliás, podia reduzir-se ainda no seguinte:
Aventuras de Telémaco (I-IV), Ulisses na ilha de Calipso (V), No País dos
Feaces (VI-VIII), Errores de Ulisses (IX-XII), Repatriação de Ulisses e
revelação a Telémaco (XIII-XVI) e Vingança de Ulisses (XVII-XXIV). (p. 33)
-Comparação entre os dois Poemas: Se considerarmos a Odisseia em face
da Ilíada – e esse confronto impõe-se necessariamente, quer admitamos que
ambos têm o mesmo autor, quer não – muitas são as semelhanças, mas as
diferenças também não são despiciendas. (p. 37)
Entre as semelhanças, pode apontar-se que os conceitos éticos, as normas de
convívio social, o respeito pelos suplicantes e hospedes são iguais. O fundo
arqueológico e linguísticos é parecido. Os processos literários são idênticos: a
ambos é comum a maneira quase visual de descrever as mais simples acções.
(p. 37)
Mas há divergências...Essas são de carácter religioso, ideológico, arqueológico
e linguístico. (p. 37)
Temos na Odisseia, pela primeira vez, as noções correlativas de culpa e
castigo e de justiça...Os deuses agora são justiceiros. (p. 38)
Sob o ponto de vista linguístico, salienta-se em especial a presença de um
maior número de abstractos – além de se notar a preferência por certas
fórmulas e sufixos. (p. 39)
...dizendo que Homero compusera a Ilíada na juventude e a Odisseia na
velhice. (p. 39)
-A Concepção da Divindade nos Poemas Homéricos: Sobre a religião
homérica continua a pairar a dúvida, se é original dos Poemas, se existia já. (p.
40)
Se, porém, as histórias que Homero lhes atribui eram antigas, é ainda, em
grande parte, um problema em aberto. Uma das tendências mais frutuosas da
crítica recente tem sido precisamente tentar discemir entre versões tradicionais,
conservadas em outros autores, ainda cheias de elementos mágicos ou
sobrenaturais, e inovações homéricas, que aparecem despojadas dessas
componentes; ou ainda comparar lendas gregas com histórias equivalentes de
povos do Próximo Oriente, o que a sucessiva decifração de textos dessa
proveniência vai possibilitando. (p. 41)
Voltando-nos agora diretamente para Homero, é fácil de notar que a primeira e
mais evidente característica das suas divindades é serem luminosas e
antropomórficas, o que, pondo de parte a religião hebraica, que é um caso
único e sem paralelo, representa uma superioridade incontestável sobre as
demais da Antiguidade. (p. 42)
Na sua quase totalidade distinguem-se por uma superlativação das qualidades
humanas. São mais altos, mais fortes, mais belos. (p. 43)
...O que realmente sucede é que estamos habituados a que uma religião
comporte uma ética. E, na Ilíada, as duas estão desligadas. (p. 44)
-A Concepção do Homem nos Poemas Homéricos: Desde o séc. XVIII que
a multiplicidade de lexemas usados nos Poemas Homéricos para designar os
factores condicionantes do comportamento humano vem atraindo a atenção
dos especialistas. (p. 48)
O homem homérico depende, em última análise, do destino, a Moira ou Aisa,
que tudo parecem dominar. (p. 52)
A palavra moira é um substantivo comum que surge inúmeras vezes nos
Poemas Homéricos. Significa parte ou lote, e deste sentido deve ter passado,
por extensão, a designar aquilo que a cada um cabe em sorte na vida, ou seja,
o destino. (p. 52-53)
O destino é fixo e inamovível, e nem os próprios deuses podem alterá-lo. (p.
53)
-Homero Educador da Grécia: A princípio eram transmitidos oralmente e
escutados em ocasiões festivas. (p. 60)

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