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RAFAEL CEPA PEREIRA

Eneias e Aquiles
Intertextualidade

Trabalho de Cultura Romana realizado


sob orientação de:
Prof. Belmiro Fernandes Pereira

Porto
2020
Resumo

Análise intertextual entre o herói da Ilíada e o herói da Eneida.

Palavras chave:

Intertextualidade

Herói

Augusto
Introdução

O tema que nos propomos tratar é relevante e retrata a forma como a Cultura
Latina colheu e deu nova forma à Cultura Grega, da qual se quis fazer continuadora.
Porém, não se trata de uma imitação nem de uma mera continuidade. Vergílio é
expressão disso mesmo. Desta helenização da Cultura Latina resulta um novo projeto,
algo original e distinto da Cultura Helénica.
Assim, ao longo da redação deste texto, que se desenvolverá a partir de uma
relação de intertextualidade entre a Ilíada de Homero e a Eneida de Vergílio,
dividiremos o nosso estudo em três fases distintas: o destino de Aquiles e o destino de
Eneias; o escudo de Eneias e o escudo de Aquiles; os jogos fúnebres de Anquises.
Como sabemos, Eneias já nos é revelado na Ilíada de Homero, mas não é o herói
do poema épico. O herói da epopeia virgiliana é Eneias e o da epopeia homérica é
Aquiles. Neste trabalho, partindo do poema e do herói de Homero propomo-nos
responder à seguinte questão: de que forma é que Virgílio transporta e transforma o
ideal heroico no seu poema? Optamos por estes momentos e temas do poema, pois
pareceram-nos estruturais e verdadeiramente significativos para responder a esta
questão.
1. O destino de Aquiles e o destino de Eneias

Neste momento, debruçar-nos-emos sobre os dois poemas épicos, que começam


in medias res. Se, depois da proposição (em ambas as obras composta por sete versos), a
Ilíada de Homero retrata as causas da hostilidade entre Agamémnon e Aquiles, a Eneida
de Virgílio retrata as causas da raiva de Juno.
Assim, já na proposição encontramos dois destinos distintos para o Aquiles de
Homero e para o Eneias de Virgílio. Vamos então olhar para o último verso de ambas as
proposições:

o Atrida, soberano dos homens, e o divino Aquiles.1

e nossos pais albanos e as altas muralhas da grande Roma.2

Ambos os versos terminam com nomes próprios: o verso homérico referindo-se


ao próprio herói do poema, e o verso virgiliano referindo-se à cidade que, muito mais
tarde, será fundada por mérito de Eneias, o herói da epopeia latina. Esta diferença, que
não deve ser relegada para um lugar de pouca importância, aponta, desde logo, para o
destino de ambos. Enquanto o destino de Aquiles assenta na sua própria glorificação, o
destino de Eneias, anunciado pelo poeta, consiste em ser a razão da cidade que, mais
tarde, será a sede do Império de Augusto.
Destarte, encontramos mais elementos que afastam Eneias de Aquiles do que
aqueles que os aproximam. E ainda podemos encontrar mais. No poema homérico, o
que conduz o poema é a ira de Aquiles, enquanto que no poema virgiliano parece-nos
ser a ira de Juno a conduzir o poema. Vamos então tentar entender aquilo que Virgílio
nos diz no Livro VI:

dóricos; para o Lácio nasceu já um outro Aquiles3

1
Homero, Tradução de Frederico Lourenço. (2019) Ilíada, p. 31. Lisboa: Quetzal.
2
Virgílio, Tradução de Carlos Ascenso André. (2020) Eneida, p. 41. Lisboa: Livros Cotovia.
3
Virgílio, Tradução de Carlos Ascenso André. (2020) Eneida, p. 200. Lisboa: Livros Cotovia.
Sibila não especifica a quem se refere, quem será o Aquiles do Lácio? Temos
duas possibilidades: Turno ou Eneias. O poema dar-nos-á essa resposta. Se, na Ilíada, é
Heitor que morre às mãos de Aquiles para vingar a morte de Pátroclo, na Eneida é
Turno que morre às mãos de Eneias para vingar a morte de Palante.4 Ambos vingam a
morte de alguém a quem amavam. O episódio da morte de Turno, que nos parece
inesperado, encontra semelhanças com a morte de Heitor. Porém, a ira de Aquiles vai
sendo demonstrada ao longo do poema, ao passo que a de Eneias parece inexistente. É a
ira de Juno que conduz o poema, mas, ao matar Turno, Eneias passa, de certa forma, a
identificar-se com Juno tal como Aquiles, na sua cólera funesta, se aproxima de
Agamémnon.
Contudo, mais uma vez, as iras de Eneias e Aquiles afastam-se, visto que a ira
de Aquiles é desprovida de um projeto. Ao longo do poema, é -nos dito que Aquiles
está destinado a morrer. A ira de Eneias tem um projeto maior, e a sua ira procura
projetar a força dos Romanos, mais propriamente de Augusto, na construção do império
que se construirá com toda a força e braveza daquele povo que descende de Eneias.

4
Cf. Vasconcelos, Paulo Sérgio. (2019). A apropriação da Ilíada na epopeia Virgiliana, Classica, e-ISSN
2176-6436, v. 32, n. 1, p. 165-180.
2. O escudo de Eneias e o escudo de Aquiles

Depois de Pátroclo tomar as armas de Aquiles, parte para combate, acabando por
morrer às mãos de Heitor e, assim, à semelhança do que acontece noutros episódios da
epopeia homérica onde um outro herói procura trazer para si a propriedade das armas,
Heitor apodera-se das armas de Pátroclo que mais não são do que as armas de Aquiles.
Ao tomar conhecimento da morte de seu amigo Pátroclo às mãos de Heitor, Aquiles
enche-se de raiva e quer ir, a toda a força, para o combate para realizar a sua vingança.
Assim, Tétis, mãe de Aquiles, encomenda novas armas a Hefesto5. O escudo que
Hefesto cria é uma écfrase. As imagens presentes na longa descrição do escudo de
Aquiles trazem para o poema a distinção entre o mundo celeste e o mundo terreno; a
distinção entre a cidade que se encontra em paz e a cidade que se encontra em guerra; a
vida pastoril e agrária, com particular destaque para a cultura da vinha e da criação de
gado; a dança, a vida da sociedade micénica. A écfrase funciona, portanto, como uma
descrição pormenorizada da civilização micénica que não é a civilização do herói.
Detenhamo-nos agora no Livro VIII da epopeia virgiliana. Também na epopeia
latina, é a mãe do herói que ordena a construção das armas para o seu filho com o
objetivo de este partir para a refrega contra os Laurentes. O escudo que Vulcano faz
para Eneias tem em si a história da península itálica e a forma como os romanos
venceram tudo isso6. Tal como na epopeia homérica, a écfrase presente no escudo é uma
deslocalização no tempo e ocupa aqui uma função muito própria e propositada. O poder
profético que Virgílio dá à écfrase é muito poderoso. A atemporalidade de uma obra
poética permite isso mesmo. A glória dos romanos estava destinada, e essa visão
profética é colocada em Eneias, uma vez que o escudo com que será travada a guerra
pertence a Eneias, o primeiro dos combatentes que abre caminhos para a formação do
povo romano. No escudo está presente o mito de Rómulo e Remo, descendentes de
5
Cf. Homero, Tradução de Frederico Lourenço. (2019) Ilíada, p. 413-432. Lisboa: Quetzal.

6
Cf. Virgílio, Tradução de Carlos Ascenso André. (2020) Eneida, p.163-193. Lisboa: Livros
Cotovia.
Eneias, o rapto das Sabinas, até à batalha de Áccio, que ditará a derrota de Marco
António e a ascensão de Augusto ao poder romano.
Assim, é importante notar as diferenças e os papéis que ambos os escudos
ocupam nos diferentes poemas. Parece-nos que o escudo de Aquiles procura retratar a
civilização micénica, assentar quais são as suas caraterísticas fundamentais através do
herói do poema. Por outro lado, já nos parece que esta recuperação do episódio
homérico por parte de Virgílio procura ir mais longe. Eneias é, também através pelo
escudo, símbolo da força guerreira, de uma força nova, renovada, que dá lugar a um
tempo novo que se começa a formar a partir dali. Porém, não se constitui apenas como
isso. Sabemos que Virgílio procura, através da écfrase presente no escudo, promover
não só a história romana como também Augusto. Ele é o cume de virtude da civilização
romana e, por isso, conduz os destinos do império. Se Sibila anunciava um novo
Aquiles para o Lácio, nesta écfrase, Vergílio diz que Octávio é o novo Eneias para os
romanos. O autor dá ao herói, e à descrição do escudo, a função de promover Augusto.
Eneias não é só aquele do qual descende o povo romano, ele é também a imagem
perfeita de Augusto e da sua glória.

3. Os jogos fúnebres de Anquises


Ao atentarmos no Canto 23 da Ilíada e ao Livro V da Eneida constatamos que
Virgílio não segue a ordem nem assume todos os jogos que são descritos na obra
homérica. Porém, em ambos os poemas, são os heróis da obra que propõem os jogos
fúnebres que assumem contornos bastante distintos também ao nível da posição do herói
perante a morte. Detenhamo-nos sobre os diferentes textos:

Assim disse; e eles lamentaram-se juntos, liderados por Aquiles.7

Portanto, vamos! Façamos uma alegre celebração em sua honra!8

É certo que os versos escolhidos pretendem servir, por meio da comparação, a


interpretação que procuramos veicular, porém parece-nos importante ressalvar a forma
como os dois heróis vivem estes momentos, já eles bastante distintos entre si. Aquiles
deixa-se absorver pela tristeza e faz desse sentimento o motor para a sua mobilização
para o resto do poema. Por outro lado, Eneias, apesar de abalado pela tristeza e pelo
tempo desse luto, procura encontrar uma outra postura para enfrentar o futuro. Enquanto
que a morte e os jogos fúnebres, em ambos os poemas constituídos como ambientes de
festa, imobilizam o herói homérico, o herói virgiliano procura uma nova relação com
aquele que parte da esfera física, acompanhando-o por todo o poema.
Sendo a epopeia latina também expressão dos ideais morais, de relação com os
deuses, do ideal de vida romano, podemos questionar-nos se estas duas formas distintas
de lidar com a morte por parte do herói principal não fazem do herói de Virgílio, quase
um anti-herói à luz da heroicidade homérica? Certamente que, por um lado, sim.
Contudo, é mais profundo do que isso. O modelo heroico de Virgílio não é uma
imitação do modelo heroico de Homero. Vergílio cria, ao longo de todo o poema, um
anti-herói que, paulatinamente, vai evoluindo para herói, construindo, deste modo, um
novo modelo heroico cheio de contradições.

Conclusão

7
Homero, Tradução de Frederico Lourenço. (2019) Ilíada, p. 503. Lisboa: Quetzal.
8
Virgílio, Tradução de Carlos Ascenso André. (2020) Eneida, p. 165. Lisboa: Livros Cotovia.
Gostaríamos de terminar este estudo agradecendo a oportunidade de o fazermos
já depois da leitura da nova tradução da Eneida, de Carlos Ascenso André, que constitui
uma mais valia, apesar da leitura ser sido um pouco mais célere do que numa situação
normal.
Assim, pareceu-nos relevante demarcar momentos importantes na evolução do
poema que, mais do que a partir do auxílio de artigos científicos, surgiram de um
exercício de intertextualidade entre a leitura da Ilíada e da Eneida, pois, pelas razões
sobejamente conhecidas, encontramo-nos bastante condicionados.
Deste modo, foi possível refletir um pouco mais sobre a originalidade de
Virgílio que, muitas vezes, nos é apresentada como uma mera imitação dos poemas
homéricos.
Bibliografia Final
Índice

Resumo…………………………………………………………………………………..
2
Introdução………………………………………………………………………………..3
1. Quem é Fénix?...............................................................................................................4
2. O discurso de Fénix………………………………………………………..………….5
2.1 A história de Fénix……………………….………………………………………….6
2.2 A analogia das súplicas……………………………………………………………...7
2.3 O exemplo de Meleagro……………………………………………………………..8
Conclusão………………………………………………………………………………10
Bibliografia……………………………………………………………………………..11

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