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aula
FORMA ESPECIAL: EPOPEIA
Meta

Conhecer a forma lírica – narrativa epopeia.


Objetivos

Ao final desta aula, você deverá:

zz ter uma noção básica da história da epopeia;

zz reconhecer as principais características desta


forma lírica.
AULA VII
FORMA ESPECIAL: EPOPEIA

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Aula
1 INTRODUÇÃO

Nesta aula, você conhecerá a epopeia, uma das formas


mais antigas e conhecidas da lírica clássica. A epopeia data
das primeiras manifestações literárias ainda na Grécia e Roma
antigas. A apropriação da epopeia, ao longo do tempo, tem sido
uma constante, seja com aprimoramentos textuais, fazendo com
que o rigor antes estabelecido apresente um certo relaxamento,
seja com adaptações modernas para outras linguagens, por
exemplo, o cinema. A epopeia faz parte, portanto, do imaginário
da sociedade ocidental, está presente em nossas vidas desde
os tempos imemoriais, e vem se aprimorando ao longo dos
tempos.

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Fundamentos de Teoria da Literatura Forma especial: epopeia

2 A NOÇÃO HISTÓRICA DE EPOPEIA

A epopeia é uma forma lírica de aspecto bastante


peculiar, visto que se apresenta como uma longa narrativa
poética, de caráter heroico e características gradiloquentes
ou monumentais, que traduz um alcance nacional e universal.
De outro modo, a epopeia transmite um assunto de grandeza
coletiva, geralmente relacionado à própria nação. Deste modo,
para apresentar tal assunto, de características tão grandiosas,
faz-se necessária uma forma especial, que possa acompanhar
e propiciar o melhor aproveitamento do assunto tratado pelo
poeta. Nesse sentido, a epopeia é nomeada como uma forma
poética fixa, ou seja, tem uma forma que
U V Estima-se que Homero tenha vivido entre deve ser seguida pelo poeta ao compor seu
a FR os séculos 9 e 8 a.C., e o limite estipulado
K
C AM de sua vida vai até 700 a.C. Sua origem texto.
também é incerta, mas os estudiosos do A epopeia, no Ocidente, tem suas
SAIBA MAIS

poeta consideram provável que ele tenha


nascido em Esmirna ou na Ilha de Quios, raízes na Era Clássica, através de Grécia
na Grécia. Devido à insuficiência de provas, e Roma. As principais e notórias epopeias
alguns chegam a duvidar da existência de
Homero. A obra atribuída a ele foi composta clássicas são: a Ilíada e a Odisséia, de
e transmitida oralmente. Existem grandes autoria do poeta grego Homero, que
divergências entre estudiosos literários
sobre a obra de Homero. Há suposições reconstituía, com riqueza de detalhes, a
de que a Odisséia, por exemplo, não tenha civilização grega, e a Eneida, de autoria do
sido composta por um único autor, devido à
existência de diferenças estilísticas. poeta romano Virgílio, que narrava o mito
da fundação de Roma.
A Ilíada narra a Guerra de Troia e é associada a reflexões
sobre a vida do homem e sua relação com os deuses. Odisséia
conta as aventuras do herói Ulisses, em sua volta para a ilha de
Ítaca. Ambas as obras foram compostas em hexâmetros. Além
das duas obras, a Antiguidade atribuía a Homero outras obras,
como: Tebaida, os Hinos Homéricos, Batracomiomaquia, entre
outras.
Na Era Cristã, as epopeias que se destacam são: El Cid e
a Divina Comédia. A primeira, de autoria desconhecida, conta
as aventuras do cavaleiro Rodrigo Díaz de Vivar, chamado de
El Cid (do mourisco sidi, “senhor”) e de Campeador, conhecido
como um nobre guerreiro espanhol que viveu no século XI,
época em que a Espanha estava dividida entre reinos rivais
de cristãos e mouros (muçulmanos). Já a Divina Comédia, de
autoria de Dante Alighieri, originalmente Comedìa, mais tarde
batizada de Divina, pelo pintor italiano Giovanni Boccaccio, é

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um poema épico e teológico dividido em três partes: Inferno,
Purgatório e Paraíso. O poema chama-se “Comédia” não por
ser engraçado, mas porque termina bem (no Paraíso). Era
esse o sentido original da palavra “Comédia”, em contraste
com a “Tragédia”, que terminava, em princípio, mal para os
personagens. Não há registro da data exata em que foi escrita;
sabe-se apenas que data do século XIV.
No século XVI, no apogeu do estilo Renascentista,
teríamos aquela que se tornaria a grande epopeia em língua
portuguesa: Os Lusíadas, de Luis de
Canção de gesta, tradução do francês chanson de U V
Camões. Assim como as composições geste, designa um tipo de composição de caráter a FR
K
épico, cujo tema diz respeito aos feitos históricos C AM
anteriores, Os Lusíadas trata de
de povos ou heróis, às guerras históricas e aos
assunto grandiloquente, pois tematiza

SAIBA MAIS
dramas lendários. O gênero nasceu e desenvolveu-
a fundação mítica de Portugal e do se na França medieval, desde o século XI até
ao século XIII, quase sempre concentrando a
povo português. ação nos feitos ilustres de Carlos Magno (século
Portanto, podemos afirmar VIII). A estas canções de gesta, deu-se o título
de Geste du Roi, subgênero que inclui uma das
que a epopeia trata sempre de um mais famosas composições, a Chanson de Roland
assunto grandioso, que identifica toda (c.1100).
Fonte: www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/.../cancao_
a coletividade. Interessante notar, gesta.htm.

também, que a epopeia tem como fio


condutor a narrativa de um herói que, na verdade, representa
uma coletividade, um povo. As figuras de Ulisses, na Ilíada e
Odisséia, representam, por sua vez, o povo grego; a de Virgílio,
na Eneida, representa o povo romano; e Vasco da Gama, nos

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Lusíadas, representa o povo português.

Aula
A forma clássica, por excelência, da epopeia, é em
versos, no entanto, é possível encontrá-la em prosa, de forma
discursiva, como ocorrido nas canções de gesta medievais.
Nestes casos, prevalece a temática de caráter grandioso e
coletivo, mudando-se apenas a forma, que deixa de ser em
verso para ser em prosa.

3 A FORMA DA EPOPEIA

A epopeia clássica tradicional, em versos, obedece a


uma forma fixa, isto significa dizer que o poeta, ao compô-la,
seguia certos preceitos, sob o risco de não ser reconhecida
como epopeia. Essas leis de execução da epopeia permanecem
através dos tempos; no entanto, podemos assinalar certa

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liberdade na interpretação dessa execução.


As normas que deveriam ser seguidas pelo poeta,
resumem-se em cinco tópicos. São eles:

1- Proposição: trata-se da introdução do poema, onde é


apresentado o assunto;

2- Invocação: trata-se do chamamento a uma divindade ou


ser superior para que o poeta possa executar sua obra;

3- Dedicatória: é a parte em que o poeta oferece seu poema


em distinção a alguém;

4- Narração: é a própria aventura do poema, o


desenvolvimento do assunto;

5- Remate ou desfecho: é a conclusão ou epílogo, quando o


poeta dá fim ao assunto narrado.

Para você compreender melhor essa divisão, vamos tratar


de aplicá-la a uma epopeia bastante conhecida e mencionada
aqui: Os Lusíadas. Neste poema, Camões narra a aventura do
herói português Vasco da Gama que, embora um personagem
isolado, representa toda a saga coletiva do povo, ou seja, Vasco
da Gama representa o povo português na sua integridade. Pois
bem, esse poema é dividido, segundo as regras clássicas, em
cinco tópicos, como verá a seguir:

1- Proposição:

Nesta parte, Camões apresenta o poema e diz o que vai


cantar: os feitos portugueses:

As armas e os barões assinalados,


Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram.

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2- Invocação:

O poeta invoca (clama), especificamente, as ninfas


do Tejo, que são entidades sobrenaturais e imaginativas que
habitariam o rio Tejo que banha Lisboa, em Portugal:

E vós, Tágides minhas, pois criado


Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipoerene.

3- Dedicatória:

Neste tópico, o poeta oferece seu poema grandioso ao


soberano rei de Portugal, Dom Sebastião, cujo reinado era
bastante cultuado pelos portugueses:

Vós, poderoso Rei, cujo alto Império


O Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E quando desce o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério
Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Do Turco oriental, e do Gentio,

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Que inda bebe o licor do santo rio.

Aula
4- Narração:

O poeta desenvolve as aventuras que se prontificou a


contar, no caso específico, as aventuras de Vasco da Gama
pelos mares nunca dantes navegados, mostrando a grande
coragem e o caráter destemido do herói português que passa
por toda sorte de intempéries até sair vencedor:

Vasco da Gama, o forte capitão,


Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e de altivo coração,
A quem Fortuna sempre favorece,
Para se aqui deter não vê razão,
Que inabitada a terra lhe parece:
Por diante passar determinava;
Mas não lhe sucedeu como cuidava.

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5- Remate ou desfecho:

Neste trecho, Camões trata de concluir seu poema com


a vitória portuguesa pelos mares desconhecidos:

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,


De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Tem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

Como você pode


A medida ou métrica diz respeito ao tamanho do verso;
já a metrificação, caracteriza a contagem de sílabas que observar, o poema é construído
entram num verso. Acontece, porém, que o poeta não conta conforme as regras clássicas,
as sílabas como impera a gramática, que manda considerar
duas sílabas, o ditongo crescente e o decrescente. Todo o ou seja, seguindo a estrutura
VOCÊ SABIA?

agrupamento de vogais, cuja pronúncia possa efetuar-se de previamente estabelecida.


um só impulso de voz, o poeta ‘pode’ considerar uma única
sílaba, coisa que em gramática não se dá; também não se Outro aspecto que nos ajuda
contam as sílabas que vêm depois da ‘última sílaba’ tônica do a compreender a forma da
verso; essa é a razão porque se diz que a sílaba gramatical
difere da sílaba poética. Veja, por exemplo, o caso abaixo de epopeia diz respeito às medidas
contagem das sílabas métricas a partir dos versos: dos versos, que deviam ser
“Tímida espera a bailarina” primitivamente em hexâmetro,
seis sílabas métricas, até o
Sílabas gramaticais: Tí /mi /da /es/ pe/ ra/ a /bai /la /ri /na /
último verso. Com o decorrer
Número de sílabas: 11. do tempo, os versos em
Sílabas métricas: Tí /mi /da es /pe /ra a /bai/ la /ri / na hexâmetro foram substituídos
pelos versos decassílabos,
Número de sílabas: 8.
dez sílabas métricas, que
davam um tom mais solene e
Como você pode observar, o número de sílabas métricas e
gramaticais não coincidiu. grandioso ao poema, por sua
maior complexidade.

Vamos à atividade!

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ATIVIDADE

FIGURA 1 - Cena do filme “Tróia”, dirigida por Wolfgang Peterson, adaptação da


Ilíada, epopeia de Homero.
Fonte: http://histoblogsu.blogspot.com/2009/03/cenas-do-filme-troia.html.

1. Esta versão cinematográfica da Ilíada, Tróia, dirigida por Wolfgang Petersen,


estreou nos cinemas em 2004. Apesar de não ser uma fiel transposição do
maravilhoso poema de Homero, já que o filme não segue o espírito do poema e
nem alcança a profundidade de Homero, trata-se de um excelente espetáculo
que vale a pena ser assistido. Assim, você deverá assistir ao filme referido e
ler a versão literária, para produzir, em seguida, uma resenha, estabelecendo
a comparação das características de semelhança e diferença entre as duas
obras, destacando o seu caráter de epopeia.

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Aula
RESUMINDO

Você viu, nesta aula, que a epopeia constitui uma forma épica,
poético-narrativa, vinculada ao gênero lírico, que guarda características
bastante especiais, sobretudo pela sua forma rigorosamente fixa, devendo
o poeta seguir regras previamente estabelecidas. Viu também que as
grandes epopeias clássicas foram escritas por Homero e Virgílio, ainda na
Antiguidade Greco-romana, e que a grande epopeia, já nos tempos da
cristandade, foi Os Lusíadas, do poeta português Luis de Camões.

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LEITURA RECOMENDADA
Para complementar esta aula, recomendo a leitura de ARISTÓTELES, HORÁCIO E LONGINO.
Apresentação e introdução de Jaime Bruna. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 1981.

Na próxima aula... veremos o gênero épico.

GONÇALVES, Magaly Trindade; BELLODI, Zina C. Teoria da


REFERÊNCIAS
literatura ‘revisitada’. Petrópolis: Vozes, 2005.

GOMES, Heidi Strecker. Análise de texto: teoria e prática.


10. ed. São Paulo: Atual, 1991.

MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo:


Melhoramentos, 1973.

SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 5.


ed. Coimbra: Almedina, 1986.

SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo: Ática,


2000.

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Suas anotações
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