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USP – FFLCH – DLCV – Intr. aos Estudos Clássicos – Prof.: Sidney C.

de Lima

Arquíloco de Paros – século VII a.C. – Vida, obra e lenda.

a) A visão biografista de Albin Lesky:

Arquíloco situa-se na época das grandes colonizações, tão rica em movimentação, numa época que não deixava
incontestadas (sic) a posição e os conceitos de classe da nobreza. Mas se o vemos numa oposição contra os valores
tradicionais que vai muito além da problemática do seu tempo, isso deve-se à sua origem. Arquíloco era bastardo.
Seu pai chamava-se Telésicles, como o famoso antepassado que colonizou Tassos; quanto à mãe, ele próprio nos
relata que foi uma escrava chamada Enipo. Crítias, o jovem aristocrata radical, indignava-se com a naturalidade
com que Arquíloco falava de coisas que a mentalidade aristocrática julgava escandalosas (fr. 44B, DK). Por ele,
também ficamos a saber que o poeta abandonou Paros na maior miséria, para se transferir para Tassos, mas que ali
se incompatibilizou com os seus habitantes. Ganhava o pão como mercenário estrangeiro, e num dístico de absoluta
perfeição (1D.), apresenta-se como servidor do deus da guerra e como favorecido pelas Musas. Experimentou a vida
de guerreiro em todos os seus aspectos e é possível que tenha viajado mais do que podemos comprovar. Encontrou a
morte em luta contra os habitantes de Naxos, e uma bela lenda narra que a Pítia expulsou do templo de Apolo
Calondas, que o tinha matado (Albin Lesky, Históira da Literatura Grega, Calouste, 1995 – o original alemão é de
1957 – p. 136, os grifos são meus).

b) Menção feita pelo orador Crítias

Crítias, julgando que os poemas em primeira pessoa fossem uma espécie de relato biográfico, espantava-se com
o fato de Arquíloco não ter poupado nem a si mesmo: o próprio poeta se teria declarado um bastardo, filho da
escrava Enipo, um adúltero e libertino, que deixou Paros por necessidade e pobreza. Além disso, ao chegar a Tassos,
caluniou tanto amigos quanto inimigos e, “o que é ainda mais vergonhoso, abandonou o escudo. Com efeito,
Arquíloco não dava bom testemunho de si próprio, tendo deixado tal fama e notícia sobre si mesmo (Crítias in Eliano
V.H. 10.13) – Paula da Cunha Corrêa, Armas e varões, pp. 22-23.

c) Calímaco (fr. 380Pf)


tinha do cão a amarga bile, o agudo aguilhão
da vespa e, na boca, o veneno de ambos1

d) Menções a Arquíloco na Antologia Palatina

Na esteira de Calímaco, a reputação satírica (psogerós) de Arquíloco foi perpetuada em cinco epigramas da
Antologia Palatina (A.P.) que se referem à lenda do suicídio das filhas de Licambes. As moças teriam se enforcado
por não suportarem os ataques difamatórios do poeta. Assim, em Dioscórides (A.P. 7, 351) e em um epigrama
anônimo (A.P. 7, 352), as Licâmbides se dizem virgens inocentes, desgraçadas pela violenta sátira do pário.
“Arquíloco foi o primeiro a lançar a Musa na bile viperina, maculando o monte Hélicon com o sangue”, e o viajante
é alertado: que passe em silêncio para não despertar as vespas sobre seu túmulo (A.P. 7, 71) – Paula da Cunha
Corrêa, op. cit., p. 24.

e) Arquíloco e Homero

e.1.) Heráclito (fr. 42DK): Homero e Arquíloco deveriam ser expulsos dos concursos poéticos e açoitados.

e.2.) Platão, Íon, 531a 1-2: Sóc.: Responde agora, então: Tu és excelente apenas no que diz respeito a Homero,
ou também no que diz respeito a Hesíodo e a Arquíloco?

e. 3.) “Longino”, Do sublime, XIII, 3: Foi Heródoto o único a tornar-se o mais homérico? Estesícoro antes dele,
Arquíloco e, mais que todos Platão, que dessa fonte homérica fez derivar para si milhares de riachos. E talvez fosse
preciso mostrar os exemplos, se Amônio e seus discípulos não os tivessem consignado numa classificação detalhada
(Do sublime, tradução de Filomena Hirata, Martins Fontes, 1996).

f) Culto a Arquíloco em Paros


Inscrição de Mnesiepes – num monumento em homenagem a Arquíloco, em Paros, que data do século III a.C.

1
Tradução de Paula Corrêa, op. cit., p. 24.
1
Dizem que Arquíloco, quando ainda era jovem, foi enviado por seu pai, Telésicles, às planícies e à cidade dos
chamados Leimões, e que ele ordenou que o filho levasse uma vaca para ser vendida na cidade, no começo da noite,
quando a noite brilhava. Quando chegou à localidade de Lissides, ele pensou ter visto um grupo de mulheres.
Acreditando que elas estavam deixando o trabalho e se dirigindo à cidade, ele começou a zombar delas, à medida
que se aproximava. Elas o receberam com chistes e risos e perguntaram se ele estava levando a vaca para vender.
Quando ele respondeu, elas disseram que lhe dariam um prêmio de valor. E, quando falaram tais coisas, a vaca
desapareceu e ele, estupefato, viu uma lira diante de seus pés. Depois de algum tempo, ele compreendeu que as
Musas haviam aparecido para ele e haviam lhe presenteado com a lira (Tradução feita a partir da versão inglesa de
Paul Allen Miller, em Lyric texts and lyric consciousness, 1994, p 9).

g) A poesia de Arquíloco e o culto a Deméter e a Dioniso

Segundo o relato de Pausânias (10, 28, 3), no famoso quadro do Além que Polignoto pintou (...) representou um
Télis e uma Cleobeia no momento de atravessarem o rio dos mortos. Em ambas as figuras, o grande pintor de Tassos
mostra um trecho da história de sua pátria. Telésicles, de quem Télis é uma alcunha de carinho, chefiou uma colônia
de Paros para Tassos; foi antepassado – segundo Puasânias, o bisavô – de Arquíloco. A seu lado, Cleobeia levou os
mistérios de Deméter no caminho desta colonização. Em Paros, que outrora se terá chamado Demetríada, cumpria-
se o antigo serviço dos mistérios da grande deusa, que, no final do hino homérico a Deméter, é chamada soberana da
ilha. Tem o seu significado o facto de o poeta que aperfeiçoou a poesia jâmbica provir desta esfera do culto, pois é aí
que devemos buscar as raízes deste gênero poético. Um elemento difundido nos cultos de fertilidade era a invectiva
crua, tão acentuada que atingia as raias do obsceno. Esta expressão do feio, do mesmo modo que sua exibição, era,
ao fim e ao cabo, uma defesa contra o mal. Esta escrologia apotropaica servia-se do jambo, de tal maneira que falar
em jambos podia ser sinônimo de injuriar. Um testemunho do papel desempenhado por estes discursos satíricos no
culto a Deméter é a personagem da escrava, Iambe, cujos gracejos alegram a deusa entristecida, bem como “os
gracejos da ponte” () na procissão de Elêusis (Lesky, op. cit., p. 136).

h) Reflexões sobre o “eu” na poesia pessoal de Arquíloco:

Paul Allen Miller, Lyric texts and lyric consciousness, p. 20.

Russo, J. “The meaning of oral poetry. The collected papers of Milman Parry”, p. 37 apud Achcar,
Lírica e lugar-comum, p. 36.

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