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de Lima
Arquíloco situa-se na época das grandes colonizações, tão rica em movimentação, numa época que não deixava
incontestadas (sic) a posição e os conceitos de classe da nobreza. Mas se o vemos numa oposição contra os valores
tradicionais que vai muito além da problemática do seu tempo, isso deve-se à sua origem. Arquíloco era bastardo.
Seu pai chamava-se Telésicles, como o famoso antepassado que colonizou Tassos; quanto à mãe, ele próprio nos
relata que foi uma escrava chamada Enipo. Crítias, o jovem aristocrata radical, indignava-se com a naturalidade
com que Arquíloco falava de coisas que a mentalidade aristocrática julgava escandalosas (fr. 44B, DK). Por ele,
também ficamos a saber que o poeta abandonou Paros na maior miséria, para se transferir para Tassos, mas que ali
se incompatibilizou com os seus habitantes. Ganhava o pão como mercenário estrangeiro, e num dístico de absoluta
perfeição (1D.), apresenta-se como servidor do deus da guerra e como favorecido pelas Musas. Experimentou a vida
de guerreiro em todos os seus aspectos e é possível que tenha viajado mais do que podemos comprovar. Encontrou a
morte em luta contra os habitantes de Naxos, e uma bela lenda narra que a Pítia expulsou do templo de Apolo
Calondas, que o tinha matado (Albin Lesky, Históira da Literatura Grega, Calouste, 1995 – o original alemão é de
1957 – p. 136, os grifos são meus).
Crítias, julgando que os poemas em primeira pessoa fossem uma espécie de relato biográfico, espantava-se com
o fato de Arquíloco não ter poupado nem a si mesmo: o próprio poeta se teria declarado um bastardo, filho da
escrava Enipo, um adúltero e libertino, que deixou Paros por necessidade e pobreza. Além disso, ao chegar a Tassos,
caluniou tanto amigos quanto inimigos e, “o que é ainda mais vergonhoso, abandonou o escudo. Com efeito,
Arquíloco não dava bom testemunho de si próprio, tendo deixado tal fama e notícia sobre si mesmo (Crítias in Eliano
V.H. 10.13) – Paula da Cunha Corrêa, Armas e varões, pp. 22-23.
Na esteira de Calímaco, a reputação satírica (psogerós) de Arquíloco foi perpetuada em cinco epigramas da
Antologia Palatina (A.P.) que se referem à lenda do suicídio das filhas de Licambes. As moças teriam se enforcado
por não suportarem os ataques difamatórios do poeta. Assim, em Dioscórides (A.P. 7, 351) e em um epigrama
anônimo (A.P. 7, 352), as Licâmbides se dizem virgens inocentes, desgraçadas pela violenta sátira do pário.
“Arquíloco foi o primeiro a lançar a Musa na bile viperina, maculando o monte Hélicon com o sangue”, e o viajante
é alertado: que passe em silêncio para não despertar as vespas sobre seu túmulo (A.P. 7, 71) – Paula da Cunha
Corrêa, op. cit., p. 24.
e) Arquíloco e Homero
e.1.) Heráclito (fr. 42DK): Homero e Arquíloco deveriam ser expulsos dos concursos poéticos e açoitados.
e.2.) Platão, Íon, 531a 1-2: Sóc.: Responde agora, então: Tu és excelente apenas no que diz respeito a Homero,
ou também no que diz respeito a Hesíodo e a Arquíloco?
e. 3.) “Longino”, Do sublime, XIII, 3: Foi Heródoto o único a tornar-se o mais homérico? Estesícoro antes dele,
Arquíloco e, mais que todos Platão, que dessa fonte homérica fez derivar para si milhares de riachos. E talvez fosse
preciso mostrar os exemplos, se Amônio e seus discípulos não os tivessem consignado numa classificação detalhada
(Do sublime, tradução de Filomena Hirata, Martins Fontes, 1996).
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Tradução de Paula Corrêa, op. cit., p. 24.
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Dizem que Arquíloco, quando ainda era jovem, foi enviado por seu pai, Telésicles, às planícies e à cidade dos
chamados Leimões, e que ele ordenou que o filho levasse uma vaca para ser vendida na cidade, no começo da noite,
quando a noite brilhava. Quando chegou à localidade de Lissides, ele pensou ter visto um grupo de mulheres.
Acreditando que elas estavam deixando o trabalho e se dirigindo à cidade, ele começou a zombar delas, à medida
que se aproximava. Elas o receberam com chistes e risos e perguntaram se ele estava levando a vaca para vender.
Quando ele respondeu, elas disseram que lhe dariam um prêmio de valor. E, quando falaram tais coisas, a vaca
desapareceu e ele, estupefato, viu uma lira diante de seus pés. Depois de algum tempo, ele compreendeu que as
Musas haviam aparecido para ele e haviam lhe presenteado com a lira (Tradução feita a partir da versão inglesa de
Paul Allen Miller, em Lyric texts and lyric consciousness, 1994, p 9).
Segundo o relato de Pausânias (10, 28, 3), no famoso quadro do Além que Polignoto pintou (...) representou um
Télis e uma Cleobeia no momento de atravessarem o rio dos mortos. Em ambas as figuras, o grande pintor de Tassos
mostra um trecho da história de sua pátria. Telésicles, de quem Télis é uma alcunha de carinho, chefiou uma colônia
de Paros para Tassos; foi antepassado – segundo Puasânias, o bisavô – de Arquíloco. A seu lado, Cleobeia levou os
mistérios de Deméter no caminho desta colonização. Em Paros, que outrora se terá chamado Demetríada, cumpria-
se o antigo serviço dos mistérios da grande deusa, que, no final do hino homérico a Deméter, é chamada soberana da
ilha. Tem o seu significado o facto de o poeta que aperfeiçoou a poesia jâmbica provir desta esfera do culto, pois é aí
que devemos buscar as raízes deste gênero poético. Um elemento difundido nos cultos de fertilidade era a invectiva
crua, tão acentuada que atingia as raias do obsceno. Esta expressão do feio, do mesmo modo que sua exibição, era,
ao fim e ao cabo, uma defesa contra o mal. Esta escrologia apotropaica servia-se do jambo, de tal maneira que falar
em jambos podia ser sinônimo de injuriar. Um testemunho do papel desempenhado por estes discursos satíricos no
culto a Deméter é a personagem da escrava, Iambe, cujos gracejos alegram a deusa entristecida, bem como “os
gracejos da ponte” () na procissão de Elêusis (Lesky, op. cit., p. 136).
Russo, J. “The meaning of oral poetry. The collected papers of Milman Parry”, p. 37 apud Achcar,
Lírica e lugar-comum, p. 36.