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Arquíloco de Paros

Poeta elegíaco e iâmbico


DADOS BIOGRÁFICOS – HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

- Memorial de Glauco (SEG 14.565): inscrição de finais do séc. VII a.C., encontrada em
Tassos – terminus ante quem. Glauco é mencionado nos frs. 15, 48, 105 e 117.
- A riqueza de Giges (Lídia, 687-652 a.C.)
- O eclipse solar (fr. 122): deve ser o de 648 a.C.
- A colonização de Tassos (e das costas da Trácia): meados do séc. VII a.C., segundo a
arqueologia. A tradição biográfica fez de Arquíloco um colono, como já o fora o seu pai
Telésicles. A este contexto devem remeter os seus fragmentos bélicos.
- A Inscrição de Mnesiepes (séc. III a.C.) e a Inscrição de Sóstenes (séc. I a.C.) faziam
parte do Archilocheion, um recinto de culto ao poeta em Paros; transmitem e realçam
sobretudo a sua fama de poeta heróico (nacional), não iâmbico.
- Do Archilocheion fizeram também parte um capitel com um epitáfio do poeta (séc. IV
a.C.), bem como um relevo em mármore que parece reproduzir Arquíloco num
banquete, como poeta e soldado.
A TRADIÇÃO BIOGRÁFICA

- Nascido em Paros, filho de Telésicles e uma escrava chamada Enipo (“sátira”) [Crítias 88 B 44].
- Relação com a instituição dos cultos de Deméter em Paros, desde o seu avô. Pode haver uma
relação com o cultivo do género iâmbico, cuja performance era parte desses ritos.
- Ainda jovem, tem um encontro com as Musas, que lhe dão uma lira (o dom da poesia) em
troca da vaca que levava consigo. Em Delfos, o seu pai recebe o oráculo que o primeiro dos
filhos que o saudasse ao regresso a Paros teria fama imortal. A história parece refletir
(parodiar?) a da iniciação de Hesíodo (Teogonia 22-32) [Inscr. Mnesiepes].
- Participou nas lutas por Tassos (as aventuras militares).
- Prometido em casamento com Neobule, a filha mais velha de Licambas, o último quebrou o
pacto. Arquíloco terá composto iambos (sobretudo epodos) tão mordazes que Neobule e a
irmã se enforcaram.
- O poeta foi morto em combate por Calondas, conhecido como Corax (“o Corvo”), que foi
punido com a proibição de voltar a Delfos até fundar o culto a Arquíloco.
A TRADIÇÃO BIOGRÁFICA

- Tradição mista do poeta guerreiro (anti-épico) e do autor de iambos venenosos.


- O Archilocheion pretendia elevar o poeta a símbolo nacional, pelo que realçava o seu papel de
cantor bélico (elegíaco e iâmbico), o didatismo político (as gnômai) da sua poesia.
- Os fragmentos conservados parecem confirmar a história trágica dos Licâmbidas como
assunto poético (esp. fr. 196a), mas nenhum atesta o motivo do enforcamento, que surge por
primeira vez no P. Dublin inv. 193a (finais séc. III a.C.), contemporâneo do epigrama de
Dioscórides (AP 7.351): “Por este solene marco dos defuntos, nós, as filhas de Licambas /
juramos não ter merecido tão terrível reputação, / nem ter desonrado a nossa virgindade,
nossos pais / ou sequer Paros, a mais escarpada das ilhas sagradas. / Foi antes Arquíloco que
contra a nossa família / lançou uma odiosa reputação e igualmente terrível desonra. /
Arquíloco, são testemunhas deuses e divindades, nem nas ruas / o vimos, nem no sublime
santuário de Hera. / Pois a termos sido lascivas ou despudoradas, nem esse homem / lograria
do nosso ventre gerar filhos legítimos.”
ÉPICA E SUA CONTESTAÇÃO

- Ps-Longino (De Sublime 13.3) considera Arquíloco um autor Ὁμερικώτατος


(‘Homerikotatos’, “homericíssimo”), juntamente com Estesícoro).
- Questão de base: conheceriam Arquíloco e a sua audiência os Poemas Homéricos
textualmente, ou apenas um património tradicional de expressão oral? L. Switft (2019:
20) acredita que sim.
- O subversor, ou o continuador da tradição épica? A épica do quotidiano (B. Gentili).
- Emulação da linguagem e dos temas homéricos, a par da sua reciclagem. Epítetos e
fórmulas surgem adaptados, como os temas: o escudo abandonado (fr. 5), o modelo
de general ideal (fr. 114).
- O novo fragmento elegíaco (fr. 17a Swift) desenvolve uma longa narrativa guerreira,
carregada de expressões homéricas, com o ritmo e a cor de uma batalha da Ilíada,
para concluir que é uma batalha equivocada (os Gregos pensavam estar em Tróia) e
que termina com a derrota dos protagonistas. Pós-colonialismo avant la lettre?
ÉPICA E SUA CONTESTAÇÃO

- Arquíloco é o único testemunho literário da colonização de Tassos, em meados do séc.


VII a.C.
- O seu método é realista: não adota uma perspetiva exclusivamente laudatória;
explora as mudanças da sorte, as derrotas, os vícios e mesmo as deformidades dos
protagonistas
- Inscrição de Sóstenes (séc. I a.C.): conserva e sugere que grande parte da poesia de
Arquíloco consistia na celebração de feitos bélicos (seria como Calino ou Tirteu). Nos
frs. 94 e 98 temos uma descrição detalhada de uma batalha, na qual intervêm mesmo
os deuses.
- A coragem: o escudo abandonado (fr. 5) vs. o general “todo ele coragem”, mas
disforme (fr. 114). A moralidade pós-épica de Arquíloco.
INVETIVA E MORALIDADE

- A fábula (αἶνος) da raposa e da águia


Fr. 173: Licambas rompeu os juramentos e, como tal, quebrou a unidade da heteireia (uma falta pessoal e
social). Como a raposa da fábula incendiou o ninho da águia, depois que esta, passando-se por sua amiga,
lhe comeu as crias (Aesop. fab. I. 1 Hausrath e Archil., frs. 172-181), do mesmo modo o poeta há de fazer
pagar as crias de Licambas pela traição de seu pai.
- A fábula da raposa e do macaco: a raposa seria imagem de Licambas, que enganou o poeta,
auto-caraterizado como macaco.
- Fr. 124: o comportamento grotesco de Péricles no simpósio.
- Frs. 188-191: uma mulher (Neobule) é censurada por ser velha, feia, infértil e promíscua.
- Fr. 196a (o Epodo de Colónia): o sujeito poético recusa a proposta da irmã que está “lá em
casa” pela sua interlocutora (“filha de Anfimedeu”), com quem acaba por se envolver
sexualmente, num registo erótico metafórico mas assertivo.
- Os nomes podem, em muitos casos, ser forjas poéticas (reconhecíveis pela audiência):
Licambas, “lobo” + (i)ambo (a fábula); Neobule (“a nova vontade”) – uma estratégia do
projeto do ψόγος dos Licâmbidas, pela desonra (αἰσχρολογία) das filhas de Licambas.
ERÓTICO E OBSCENO

- Como a sua poesia bélica reelabora o material temático e linguístico da épica,


também a sua poesia erótica partilha muito com os temas e o verso da lírica:
- Jovens raparigas comparadas a plantas e flores a desabrochar (frs. 30, 31), de corpo e cabelos
luxuriosos e perfumados (frs. 31, 48), olhos que derretem (fr. 33);
- Desejo de estar próximo do ser amado (fr. 118);
- Eros é uma entidade cruel que que perturba os sentidos do sujeito (fr. 191) e o oprime (frs. 193,
196).
- Noutros casos, ao serviço da invetiva, os motivos líricos subvertem-se:
- A mulher velha (frs. 189, 190), de ancas largas (fr. 206), etc.
- Como a sua poesia bélica reelabora o material temático e linguístico da épica,
também a sua poesia erótica partilha muito com os temas e o verso da lírica:
- Jovens raparigas comparadas a plantas e flores a
ERÓTICO E OBSCENO

- Não se trata de pornografia, pois estas descrições sexuais bem explícitas estão, por
norma, expressas por metáforas, imagens, símiles.
- O final do Papiro de Colónia (fr. 196a);
- “pelo mirtilo adentro” (fr. 32), as “enguias cegas” (fr. 189), uma vagina é chamada “rouxinol” (fr.
263), o sexo oral (frs. 39, 42, 46, 119).
- “Whereas epic presents erotic love as the antithesis of war, Archilochus inverts the
code by presenting love as a form of warfare.” (L. Swift 2019: 36).
A PERFOMANCE DOS POEMAS DE ARQUÍLOCO

- Monódica.
- Preferencialmente, no simpósio, com acompanhamento ao αὐλός, mas também,
possivelmente, em cerimónias públicas.
- Os temas, tanto os bélicos como os eróticos e até os obscenos, adaptavam-se a ambos
os contextos.
- As aparentemente longas narrativas eróticas podiam ter lugar em cerimónias
associadas ao culto de Deméter, como as invetivas mais gerais cabiam em qualquer
simpósio de homens, políticos ou não.
FORTUNA E TRANSMISSÃO: ANTIGUIDADE

- Os poemas de Arquíloco continuaram a ser cantados após a sua morte. Já deviam


circular cópias escritas, embora a transmissão oral continuasse a ser crucial.
- Heráclito (segundo Diógenes Laércio), no séc. VI-V a.C., diz que “Homero e Arquíloco
devem ser expulsos dos concursos e açoitados”.
- Píndaro (Pít. 2.55-56): “Arquíloco engordando com as suas palavras de ódio.”
- Píndaro (Ol. 9.1): o μέλος de Arquíloco – um refrão de vitória. Arquíloco era já o
poeta do psógos, mas também um ator respeitado.
- Aristófanes, Pax 1298-1301: menciona o fr. 5 (o “escudo abandonado”), pelo que
devia ser uma peça famosa nos simpósios atenienses do séc. V a.C.
- Clearco, também no séc. V a.C. (e segundo Ateneu) afirma que Simónides de Zacinto
apresentava Arquíloco “em teatros, sentado num banquito”.
FORTUNA E TRANSMISSÃO: ANTIGUIDADE

- Heraclides Pôntico (séc. I a.C.) teria composto uma Comparação entre Arquíloco e
Homero, e Aristóteles (séc. IV a.C.) um Dificuldades de Arquíloco, Eurípides e Quérilo.
- Cratino (séc. IV a.C.) compôs uma peça chamada Archilochoi: um agon entre
Arquíloco e Homero (e os semi-coros representativos de cada um), com aparente
vitória do primeiro.
- Alexis (séc. IV a.C.): outra comédia, Archilochus.
- Dífilo (séc. IV a.C.): na sua perdida Safo, Arquíloco e Hipónax eram amantes de Safo.
- Ser assunto de comédia implica um conhecimento geral entre a audiência ateniense.
- Talvez em resposta a esta imagem global do poeta do psógos, também pelo séc. IV
a.C. se terá estabelecido o culto ao poeta em Paros, de que o Archilocheion é
testemunho arqueológico.
FORTUNA E TRANSMISSÃO: HELENISMO

- A edição Alexandrina de Arquíloco era composta por 4 secções (ou rolos): elegias, trímetros,
tetrâmetros e epodos.
- Apolónio de Rodes (séc. III a.C.). Comentário ao fr. 185 de Aristófanes de Bizâncio.
- Aristarco (séc. III a.C.). Comentário ao poeta.
- Epigramas (Antologia Grega): Dioscórides (AP 7.351 – séc. III a.C.); Meleagro (AP 7.352 – séc.
I a.C.).

LITERATURA LATINA

- Sátira romana (a partir do séc. II a.C.). Lucílio.


- Catulo
- Horácio (cf. Ep. 6.13-14: qualis Lycambae spretus infido gener / aut acer hostis Bupalo)
BIBLIOGRAFIA BÁSICA

- C. A. M. Jesus (2005). “Maledictus quidquid agas: Licambas e Búpalo, dois


alvos poéticos da invectiva iâmbica arcaica”. In A Flauta e a Lira. Estudos sobre
Poesia Grega e Papirologia, pp. 33-46.

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