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A POESIA LATINA | 6 5

Apesar da aparente simplicidade dos temas, a linguagem


de Virgílio, nas Bucólicas, é bastante rica em figuras de estilo e
elementos ornamentais. A erudição do poeta se revela a todo
momento, quer nas numerosas referências mitológicas, quer
na exposição de conhecimentos filosóficos e geográficos.
A Idade Média muito deveu ao poeta das Bucólicas, como
agente influenciador, e sua influência se estendeu aos tempos
modernos, fazendo-se presente no Renascimento e, sobretu­
do, no Neoclassicismo, quando a poesia arcádica retomou o
filão da inspiração pastoril.

A lírica de Horácio

Contemporâneo de Virgílio e amigo pessoal do poeta das


Bucólicas, Horácio (Quintus Horatius Flaccus —65-8 a.C.) sur­
ge no cenário literário de Roma por volta de 35 a.C. com o li­
vro I das Sátiras (Sermones), após o qual publica uma coletâ­
nea de 17 poemetos, os Epodos (Epodoi) (30 a.C.?) e o livro II
das Sátiras (Sermones) (29 a.C.?).
Não se pode precisar a data exata da redação dessas peças
poéticas: os poemas que compõem os Epodos e as Sátiras não
se dispõem em ordem cronológica e os índices temporais, de­
tectados no texto, não são muito numerosos. Supõe-se, po­
rém, que medeie certo tempo entre a composição e a publica­
ção dos poemas, fato explicável por ter sido Horácio conside­
rado uma espécie de “inimigo” na época: lutara em Filipos ao
lado de Bruto, contra Otávio, e fora espoliado dos poucos
bens que possuía.
Só após ter sido apresentado por Virgílio a Mecenas e de
ter recebido uma propriedade rural, é que Horácio começa a
publicar suas obras.
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Depois dos Epodos e das Sátiras o poeta compõe quatro li­


vros de Odes (Carmina), dois de Epístolas (Epistulae ou Sermo­
nes) e o Cântico secular (Carmen saeculare), em honra de Apo­
lo e Diana, encomendado pelos poderes públicos para ser
cantado por ocasião dos Jogos Seculares, realizados por Au­
gusto em 17 a.C.
Faremos, no momento, algumas considerações em torno
das Odes e do Cântico secular, mais adiante, nos capítulos des­
tinados à poesia satírica e à didática, reservamos um espaço
para comentar as demais obras do poeta.
Agrupadas em quatro livros, as Odes representam o ponto
culminante do esforço lírico de Horácio. O próprio poeta de­
veria estar cônscio do valor de tais textos, pois, sem humilda­
de ou falsa modéstia, assim se expressou no último poema do
terceiro livro:

Construí um monumento mais duradouro que o bronze


e mais elevado ainda que a real decrepitude das pirâmides.
(Hor. O. III, 30, 1-2)

Variadas quanto a métrica, extensão e assunto e até mes­


mo quanto a estilo e tema, as Odes compõem um conjunto
harmonioso, de grande beleza. Com elas, Horácio pretendeu
ter introduzido, em Roma, os metros eólicos, muito embora,
antes dele, Catulo já os tivesse manipulado.
Horácio desenvolve temas diversos em suas odes. Alter­
nando poemas longos com outros mais curtos, empregando
versos jâmbicos ou datílicos, o poeta canta a juventude, o
amor, os prazeres do vinho, a alegria da vida; dirige-se aos deu­
ses, relembra lendas mitológicas, exalta o civismo e o espírito
patriótico.
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Dedicadas a Mecenas, a quem é consagrada a primeira ode


do primeiro livro, na qual o poeta lhe agradece o apoio rece­
bido após tê-lo exaltado (“Ó Mecenas, descendente de ante­
passados reais,/ minha honra e minha glória”), as odes são es­
critas numa linguagem elevada e cuidada, ornamentada sem
exagero ou sobrecarga, numa ânsia de perfeição.
É nas odes que encontramos algumas das principais ideias
de Horácio, retomadas, mais tarde, pela poesia de todas as épo­
cas. De um lado vamos ali observar o desejo de aproveitar o
momento presente, a sede de viver, o carpe diem. Afinal, a vida
é breve e a morte certa:

A pálida morte percute compassadamente, com pé imparcial,


as choças dos pobres e os palácios dos reis. Caro Sesto,
a suprema brevidade da vida impede-nos de conceber uma
[esperança duradoura.
(Hor. O. I, 4, 13-15)

A própria natureza confirma a transitoriedade das coisas:

A beleza não está sempre presente nas flores da primavera


e a lua vermelha não brilha sempre com a mesma aparência.
(Hor. O. II, 11,9-10)

É preciso, portanto, não desperdiçar as ocasiões e gozar de


tudo que o momento presente pode oferecer:

Mostra que tens gosto, filtra teu vinho [...]


Enquanto falamos, o tempo hostil terá passado.
(Hor. O. I, 11, 5...7)

De outro lado, encontramos nas odes o elogio da modera­


ção e da simplicidade, o desprezo pelas riquezas e pelo luxo:
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Odeio os aparatos orientais, meu jovem,


e as coroas trançadas com cordões de tília.
(Hor. O. I, 38, 1-2)

ou então:

Nem ouro nem marfim


fazem brilhar os painéis de minha casa.
(Hor. O. II, 18, 1-2)

A moderação (aurea mediocritas) se transforma em ideal de


vida e os próprios deuses aceitam de bom grado os sacrifícios
modestos, mas oferecidos com mãos puras:

Se a mão inocente, mais agradável, se aproxima


do altar com a oferenda simples,
ela abranda os Penates hostis.
(Hor. O. III, 23, 16-18)

É nas odes, ainda, que encontramos o Horácio que se co­


loca a serviço da política de Augusto, divulgando os princí­
pios da moral antiga (III, 1), elogiando a virtude (III, 2), exal­
tando a glória de Roma (III, 3), justificando os métodos em­
pregados pelo princeps para assegurar a paz (III, 4), falando do
papel da juventude (III, 6), apregoando a reforma dos costumes
(III, 24), glorificando Augusto (IV, 2), referindo-se à reconhe­
cida gratidão de Roma por ele (IV, 5) e lembrando os feitos de
Druso (IV, 4) e Tibério (IV, 14), os enteados do imperador.
O mesmo espírito patriótico encontrado nas odes cívicas,
em que pese o fato de terem sido elas escritas por encomenda
ou como agradecimento, está presente no Carmen saeculare,
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hino composto por Horácio para ser cantado por um coro de


27 moças e 27 rapazes, durante a realização dos Jogos Secula­
res, promovidos por Augusto.
Para escrever esse cântico, o poeta se inspirou em versos
sibilinos e antigas inscrições. Simples e ao mesmo tempo ele­
gante, o Cântico secular revela sentimentos nobres de piedade
e amor à pátria.

A poesia elegíaca em Roma

Ao lado da poesia pastoril e da ode, a elegia é uma forma


poética que atinge grande desenvolvimento na época de Au­
gusto.
Pouco se sabe sobre as origens dessa modalidade literária.
Expandindo-se na Grécia durante toda a Idade Lírica como
uma das principais manifestações da poesia monódica, supõe­
-se, contudo, que provenha do Oriente, dado o fato de ter sido
cantada originalmente ao som de musica de flauta, instrumen­
to musical inventado provavelmente na Ásia.
Na Grécia, a elegia descreveu longo percurso literário. Ca­
racterizando-se pela construção formal —compõe-se de estro­
fes de dois versos denominadas dísticos elegíacos -, a elegia
nasceu possivelmente como treno, ou lamentação fúnebre. En­
tre os séculos VII e VI a.C. tomou rumo diverso, servindo de
veículo à expressão patriótica; assumiu, depois, caráter moral
e, finalmente, sentimental. Perdendo algo de sua primitiva
importância no século V, vai recuperá-la na época alexandri­
na, quando se torna uma das formas literárias prediletas, pres­
tando-se à exposição de lendas mitológicas, sobretudo das que
continham elementos eróticos.

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