Você está na página 1de 13

Mélos; poesia lírica;

poesia pessoal

Imagem: Alceu e Safo representados em um vaso


(kálathos), que faz parte do acervo das Coleções
de Antiguidades de Munique. O objeto provém
de Agrigento, na Sicília, e é datado de c. 470 a. C.
Platão, República III, 398c

τὸ μέλος ἐκ τριῶν ἐστιν συγκείμενον, λόγου τε καὶ ἁρμονίας καὶ ῥυθμοῦ.

“o mélos é constituído por três elementos: o lógos, por um lado, mas


também a harmonía e o rhytmós.”
Reflexões preliminares sobre a noção de “poesia lírica”

Hipótese de trabalho: concepção de “poesia lírica” a partir de uma perspectiva


moderna

Poesia lírica é aquele tipo de poesia com o qual travamos contato a partir da
leitura de um poema, em geral breve quanto à sua extensão, especialmente
sofisticado quanto à expressão verbal (a qual é muitas vezes hermética), ousado
quanto ao uso de figuras e de efeitos de sonoridade e ritmo, normalmente
centrado em torno de um “eu” que, de modo efusivo, autêntico, espontâneo,
expressa seus sentimentos mais recônditos, seus movimentos de alma, suas
paixões, reflexões etc. ao leitor, que se torna uma espécie de confidente imediato,
a quem se franqueia o acesso ao conhecimento da intimidade psíquica desse “eu”
e, em última instância, do poeta.
A partir dessa visão, a poesia lírica poderia ser um espaço de resistência do
“eu”, diante de todas as formas de pressão social; uma poesia dotada de
um tipo mais puro de expressão, justamente porque proveniente das
emoções de um sujeito, criador de um discurso próprio que está em tensão
contra tudo o que é imposto a partir de fora, tudo o que é convencional,
tradicional, artificial... Um tipo de expressão “subjetiva”, não imitativa,
capaz de devassar a alma mesma do poeta, exprimir sua verdade mais
essencial, que é comunicada ao leitor por meio da linguagem poética.

Essa visão do que seja a poesia lírica, ainda que se livre a alguns
exageros e ressalte com ênfase alguns traços problemáticos e que
estão longe de ser pontos pacíficos, é, grosso modo, a concepção que se
forma desse gênero poético a partir do Romantismo.
É um produto do Romantismo, aliás, a formulação teórica da famosa tríade
poética, evocada até os nossos dias, que pensa a poesia a partir de uma divisão
em três gêneros, ou em três formas: a poesia lírica, que seria subjetiva; a poesia
dramática, que seria objetiva; e a épica, a um só tempo subjetiva e objetiva. Essa
tríade, na visão romântica, estaria fundamentada, curiosamente, nos
pensamentos de Platão e de Aristóteles.

Vale ressaltar ainda que, tendo em vista a estagnação (relativa) da produção de


poesia épica desde o Renascimento e, por outro lado, o advento do teatro em
prosa (que viria a se estabelecer como a modalidade mais recorrente de texto
dramático), a partir do Romantismo as formas da chamada poesia lírica passam
a ocupar uma posição central, seja no que diz respeito à prática poética, seja no
que diz respeito à teoria.
Pequeno guia de leitura de trechos da obra de Platão que fazem
considerações teóricas a respeito do mélos:

- Górgias, 449d;

- Alcibíades 108a; 108c-d;

- República III, 398c-d ;

- Leis II, 669d-670a ;

- República III, 398c-399a;

- Leis III, 700a;

- Íon, 533c-535a
(...)

- República III, 401d-e;

- República X, 606e-607a;

- Leis VII, 802a

Sugestão: desenvolvam as discussões por meio das leituras de Teorías de la lírica, de


G. Guerrero e de Plato on poetry, de P. Murray.
Algumas reflexões de Aristóteles
a respeito do mélos na Poética:
Sobre as considerações teóricas a respeito da poesia mélica desenvolvidas
no período alexandrino, sugiro como leitura:

• GATTI, Ícaro F. A Crestomatia de Proclo: tradução integral, notas e


estudos da composição do códice 239 da Bibliotheca de Fócio. Dissertação
de Mestrado. FFLCH-USP, 2012;

• Horácio, Ars poetica, 73-85


Os nove poetas líricos (ènnèa lyrikoi) do cânone alexandrino:
As obras desses autores chegaram até nossos dias em estado especialmente
fragmentário. Nós as conhecemos em geral por meio de citações feitas por outros
autores antigos e, desde o fim do século XIX, por meio de fragmentos recolhidos
de papiros como os encontrados em Oxirrinco no Egito.

 Álcman de Esparta, de quem possuímos fragmentos de lírica coral. Esteve ativo


no final do século VII a. C.. Há menção a uma coleção de seis livros de Álcman
na Biblioteca de Alexandria;

 Safo de Lesbos, de quem possuímos formas corais e monódicas de lírica. Ativa


entre o final do século VII e começo do século VI a. C.. Há menção a oito (em
algumas fontes, nove) livros de Safo na Antiguidade.
• Alceu de Mitilene, de quem possuímos fragmentos de lírica monódica.
Ativo na passagem do século VII para o século VI a. C.;

• Anacreonte de Teos (ilha na costa da Ásia Menor), de quem possuímos


fragmentos de lírica monódica. Esteve ativo ao longo do século VI a. C e na
passagem para o século V.

• Estesícoro de Metauro (cidade no sul da Itália), de quem possuímos


fragmentos de lírica coral. Na Antiguidade, é destacado pelo tratamento de
material épico em sua poesia musical. Há menção a 28 livros com seus poemas
reunidos pelos alexandrinos, compostos entre os séculos VII e VI a. C.;

• Íbico de Régio (cidade no sul da Itália), de quem possuímos fragmentos


de lírica coral: poemas que lidam com material épico e também canções de amor
por rapazes. Há menção a uma coleção de sete livros de seus poemas na
Antiguidade. Produziu no século VI a. C.;
• Simônides de Ceos (ilha no mar Egeu), de quem possuímos fragmentos de
canções corais e monódicas e de poemas em versos elegíacos. Ativo na passagem do
século VI para o século V a. C. Poeta de extensa produção na Antiguidade. A ele se
associam a criação de uma arte da memória baseada nos loci e a comparação entre a poesia
e a pintura;

• Baquílides de Ceos, sobrinho de Simônides. Autor de poesia lírica de grande


variedade genérica. Dele a Antiguidade conheceu nove livros, que continham hinos,
ditirambos, peãs, epinícios, hiporquemas etc. Esteve ativo no século V a. C.;

• Píndaro de Tebas. Autor de poesia coral. Versátil, cultivou diversos gêneros da


poesia musical. Dentre os líricos, é o autor cuja obra é mais conhecida atualmente. A
tradição alexandrina copilou suas canções em dezessete livros, organizados por gêneros: 1
livro de paianes, 2 livros de dithyramboi, 2 livros de prosodia, 3 livros de parthenia, 2 livros de
hyporchemata, 1 livro de enkomia, 1 livro de threnoi e 4 livros de epinikia. Apenas esses
últimos, que trazem canções corais que celebram vitórias em competições esportivas,
sobreviveram de modo completo. Temos 45 epinícios de Píndaro, divididos em 4 livros,
referidos a partir dos jogos em que foram performados: Odes Olímpicas, Odes Píticas, Odes
Nemeias e Odes Ístimicas;

Você também pode gostar