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Poesia grega arcaica

Origens, definições e conceitos


CONTEXTO HISTÓRICO E GEOPOLÍTICO

- Séc. VIII (finais) – séc. VI a.C.: a era das colonizações (consequência da grande invasão
dórica, no final do segundo milénio a.C.?) – fundação de diversas cidades-estado (poleis)
ao longo da bacia do Mediterrâneo.
- Desenvolvimento do comércio (marítimo) e da indústria, nomeadamente por via da
importação (da Lídia) e generalização do uso da moeda (c. 625 a.C.).
- Incremento das viagens marítimas; o poeta (e o artista) nas rotas comerciais; a
profissionalização do ofício artístico.
- Estado de insegurança social que abre caminho à tirania. O tirano é um autêntico
déspota esclarecido, que se faz rodear de artistas (poetas, músicos e artistas plásticos),
como forma de politização das massas e autopromoção (interna e externa). E.g.
Anacreonte e Íbico, na corte de Polícrates de Samos; Simónides, Píndaro e Baquílides (e
Ésquilo) entre os tiranos da Magna Grécia.
- Poesia grega arcaica: o termo arcaico tem mais um significado político-ideológico do
que cronológico; autores como Simónides, Píndaro e Baquílides, com intensa atividade
no séc. V a.C., cronologicamente seriam já considerados clássicos.
POESIA GREGA (ARCAICA) - ESPECIFICIDADES

- Fenómeno muito diferente da poesia moderna e contemporânea, na forma e nos


modos de comunicação. Há que vencer o preconceito neorromântico da
individualidade absoluta da poesia (B. Snell).
- A poesia grega era essencialmente pragmática (comunitária e educativa); era
feita para ser executada em contextos sociais, fossem mais ou menos vastos
(banquetes, cortejos ou tíasos masculinos ou femininos, festas públicas, festivais,
competições desportivas, a própria representação teatral).
- A poesia grega não pode entender-se dissociada da sua vertente performativa.
Os textos que conservamos eram, inevitavelmente, executados com
acompanhamento de um instrumento musical e, muitas vezes, de dança, por um
cantor a solo (monódica) ou por um coro (coral).
- Arte caraterizada por um inegável elitismo aristocrático.
ORALIDADE & ESCRITA

- A introdução da escrita alfabética na Grécia costuma datar-se entre os séculos IX


e VIII a.C. Mas uma coisa é a existência da escrita, outra a sua difusão, utilização
e decifração em massa. I.e., a sociedade grega arcaica é, no global, uma
sociedade oral, com uma cultura da palavra assente na oralidade.
- Teste da oralidade de B. Gentili: a) oralidade da composição; b) oralidade da
comunicação (performance); c) oralidade da transmissão.
- As questões subsistem a respeito de a e c (não de b). A escrita terá
desempenhado um papel importante na composição e transmissão da poesia
grega, se não aceitarmos a imagem do poeta inspirado que debita versos
perfeitos hic et nunc.
- As reposições: como as antologias helenísticas, pressupõem a prévia existência
de um registo escrito (por rudimentar que seja).
- As diferentes versões para um mesmo texto: resultado de sucessivas reposições?
POESIA GREGA (ARCAICA) - TERMINOLOGIAS

- μουσική (“arte das Musas”): a poesia no seu conjunto, união de palavra, música
e dança.
- ἀοιδός (“cantor”)
- μελοποιός (“artífice de canções”) – a partir do séc. V a.C.
- ποιητής (lit. “o artífice”) – a partir do séc. V a.C.
- “Lírica arcaica” – designação criada no período helenístico, por sinédoque, para
englobar toda a poesia grega não épica (hexamétrica) nem dramática,
acompanhada à lira. Ficam também de fora a elegia e o iambo (géneros
acompanhados ao aulos). Cf. o cânone alexandrino dos nove líricos (ou mélicos).
- “Mélica arcaica” – μέλος (”canção”, cf. melodia) era o termo usado na época
arcaica e clássica para definir o anterior.
O POETA E A SUA ARTE – ÉPOCA ARCAICA

- Nos Poemas Homéricos, o aedo vive na corte de um príncipe


“ilustrado”, de quem recebe mantimento e uma série de honras.
- Na Época Arcaica, por norma, a sua profissão já não tem caráter fixo
e estável; o seu público é o demos, reunido em festivais e outras
festas de caráter religioso (performance pública), ou em simpósios e
outras cerimónias de índole mais privada (nesse caso aristocráticas).
Em ambos contextos se criavam as condições para os agones
musicais.
- O sucesso (e o rendimento) dependia assim do talento e do
brilhantismo dos artistas, da sua capacidade de comunicar com o
público (e os seus interesses, o seu contexto, etc.).
O POETA E A SUA ARTE – ÉPOCA ARCAICA

- O ofício poético transforma-se numa profissão itinerante. Segundo


Heródoto (1.23 sqq.), já Aríon (finais do séc. VII a.C.) partira da corte
de Periandro, em Corinto, para a Magna Grécia. E também
Anacreonte (séc. VI-V a.C.) brilhou primeiro na corte de Polícrates de
Samos, e depois com os Pisístratos, em Atenas.
- Poeta e patrono: a mesma lógica de patrocínio, mas que admite
mobilidade. São famosos os casos de Píndaro e Baquílides e o serviço
poético que prestaram a vários tiranos (na Magna Grécia sobretudo).
- Também o envio de composições era uma realidade.
CONTEXTOS PERFORMATIVOS

- (1) FESTIVIDADES PÚBLICAS


- Uma cerimónia religiosa, periódica ou não; em honra de Apolo, Dioniso,
Ártemis, Hera e Atena, entre outras divindades;
- Está sempre presente a música, mesmo que não inclua agones poéticos;
- Multiplicaram-se após a fundação das novas poleis do Mediterrâneo, que
reproduziam as festividades tradicionais da metrópole.

- (2) O SIMPÓSIO
- A crítica mais recente tem atribuído cada vez mais importância ao contexto
simposíaco, como espaço de performance onde cabem os vários géneros
poéticos, mas também espaço de decisão política;
- É também um contexto fortemente ritualizado;
- É um microcosmos representativo da (elite da) sociedade.
Bibliografia

- G. Ragusa (2013), “Mélica grega arcaica: nove poetas e suas


canções”. In Lira grega: antologia de poesia arcaica. São Paulo.
Hedra, pp. 11-33.
- R. P. Martin (2015), “Festivals, Symposia, and the Performance of
Greek Poetry”. In P. Destrée, P. Murray, A Companion to ancient
aesthetics. Blackwell Companions to the Ancient World. Malden,
MA; Oxford; Chichester: Wiley Blackwell, pp. 15-3.
- M. H. Rocha Pereira (102006), Estudos de História da Cultura Clássica.
Vol. I. Cultura Grega. Lisboa, Gulbenkian, pp. 193-198.
- C. Carey (2009), “Genre, occasion and performance”, in The
Cambridge Companion to Greek Lyrici, pp. 21-38.
INSTRUMENTOS MUSICAIS

Λύρα (ou χέλυς “tartaruga”)


Segundo o Hino Homérico a Apolo, foi o pequeno Hermes quem inventou o
instrumento, usando uma carapaça de tartaruga. Era tocada com ajuda do plectro.

Βάρβιτος
Semelhante à lira, com caixa ressonântica mais pequena e som mais grave. À falta de
melhor hipótese, o termo costuma traduzir-se por “lira”.

Φόρμιγξ
A versão profissional da lira e do bárbitos, juntamente com o seguinte. Era o
instrumento dos aedos da épica. Entre 2 e 6 cordas. O instrumento símbolo de Apolo.
Tinha um som agudo e doce. Caiu em desuso, mas o seu nome continuou a ser usado
como marca de erudição.

Κίθαρα
De origem asiática. Caixa ressonântica maior, pelo que era mais sonora que a lira. O
instrumento oficial dos citaredos, tinha sete cordas e era normalmente tocada apenas
por homens.
INSTRUMENTOS MUSICAIS

Αὐλός
Instrumento de sopro, o mais difundido nos diversos contextos de execução da
poesia grega. Considerava-se o mais capaz de imitar a voz humana. Entre os
gregos, o mais usado foi o aulos duplo (δίδυμοι αὐλοί ou δίζυγες αὐλοί),
formado por dois tubos (de cana, marfim, osso, bronze, etc.). Tem sido
comparado ao moderno oboé.

Σῦριγξ
Também um instrumento de sopro, associado (mas não exclusivo) à poesia
bucólica (a flauta de Pã).
INSTRUMENTOS MUSICAIS

- Os fragmentos conservados dão bastantes indicações dos instrumentos


utilizados em casa género.
- No global (embora haja exceções), os géneros líricos (mélicos) eram
acompanhados à lira (ou outro instrumento de cordas); a elegia e o iambo,
com o aulos. Obviamente, os últimos supunham, além do poeta (que
recitava), outro artista, embora continuem a considerar-se poesia monódica.
- A elegia e o iambo tem, contudo, tendência para a recitação (não cantada).

https://www.youtube.com/watch?v=UAmuQBnNty8
INSTRUMENTOS MUSICAIS

Píxide ática de figuras vermelhas (fundo branco), atribuída ao Pintor de Hesíodo. C. 460-450 a.C. Boston,
Museum of Fine Arts, inv. 98.887.

Hesíodo ( ou Arquíloco?) e seis Musas.


Instrumentos visíveis: lira, syrinx, aulos, cítara
Calathus ático de figuras
vermelhas. c. 470 BC,
Berlim, Staatliche
Ânfora ática de figuras vermelhas, atribuída ao Pintor de Antikensammlungen, Inv.
Berlim. C. 490 a.C. NY, MET, inv. 56.171.38 2416.
Citaredo.
Safo e Alceu.
Ânfora ática de figuras vermelhas, atribuída ao
Uma aula de música?
Pintor dos Nióbidas. C. 460-450 a.C. Walters
Ânfora ática de figuras vermelhas, atribuída ao Pintor de Agrigento. C. 460 a.C.
Art Museum, inv. 482712
British Museum, inv. 1864,1007.84
Kylix (taça) ática de figuras vermelhas. Anónimo.
Corpus Christi College (Cambridge)
OS DIALETOS GREGOS

1. Dórico (dialetos ocidentais)


O Grego de grande parte do Peloponeso (Lacónia, Messénia, Argólida, Mégada), Creta, Rodes e
outras ilhas do Egeu, e a costa meridional da Ásia Menor (Cnidos, Mindos, etc.). Também colónias da
Magna Grécia como siracusa, Agrigento, Cirene, Taranto, etc.

2. Eólico
Compreende o dialético lésbio (falado na ilha de Lesbos e na costa vizinha da Ásia Menor), o
tessálico e o beótico (na Grécia continental).

3. Iónico-ático
Difundido sobretudo em Atenas e na Ática, na Eubeia, nas ilhas Cíclades, na costa central da Ásia
Menor (Fócia, Éfeso, Mileto, Halicarnasso, etc.), Samos, Quios, Cumas, etc.

4. Arcado-cipriota
Falado em duas regiões marginais e distantes entre si: a Arcádia, zona montanhosa do Peloponeso, e
a ilha de Chipre.

4. A κοινή
Surge no final da época clássica, com a expansão de Alexandre consolidada, da Grécia ao Egito, todo
o Mediterrâneo oriental. Resulta da helenização dos territórios ocupados. Tem por base o ático,
embora misture elementos de outros dialetos. É um dialeto sobretudo oficial (burocrático, cultural e
comercial9.
O CÂNONE HELENÍSTICO

Aristófanes de Bizâncio (c. 258-180 a.C.)


compilou a obra conservada (e
provavelmente alguns textos espúrios) do
que considerou os ἐννέα λυρικοί antigos (os
mélicos, em igual número que as Musas):

Píndaro, Baquílides, Simónides, Safo, Alceu,


Anacreonte, Estesícoro, Íbico e Álcman.

Cf. Antologia Grega 9.184, 9.571 (anónimos)

A Biblioteca de Alexandria (séc. III a.C.). Desenho de O. Von


Corven (séc. XIX), a partir das evidências arqueológicas
O CÂNONE HELENÍSTICO
Remonta ao século IV a.C. o hábito de organizar antologias poéticas de um só autor (Simónides, Safo,
Anacreonte, Arquíloco, entre outros), com um conjunto de poemas que lhe são atribuídos mas não
necessariamente da sua lavra. A prática ganharia um desenvolvimento mais evidente durante o século III a.C.,
quando os próprios poetas terão passado a organizar coletâneas pessoais, que assim conseguiam maior
divulgação (Ânite, Asclepíades, Calímaco ou Posidipo).

A Antologia Grega (Antologia Palatina + Antologia de Planudes), maior florilégio poético em língua grega
conservado, é uma recolha (com origem no séc. X da nossa era) de poemas de todos os períodos tradicionais da
cultura Grega (arcaico, clássico, helenístico e bizantino). Estas antologias autorais desempenharam um papel
fundamental na sua composição.

A autoria comprometida: sendo frequentes os exercícios escolares e as imitações do estilo e dos temas de um
grande poeta (também os arcaicos), muitos textos foram recolhidos já com a atribuição errada. Abundam na
Antologia textos ”DE SAFO”,“DE ARQUÍLOCO” ou qualquer outro que não foram compostos por eles, como
também, em poucos casos, o copista deu pelo erro de atribuição e deu ao texto uma epígrafe como “À MANEIRA
DE SAFO”.

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