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CANTO XXII DA ILÍADA, DE HOMERO

Discentes: Bárbara Dezembrina, Lidiany Cruvinel e Thiago Alecrim de Souza.


Docente: Luciane de Munhoz Omena
Universidade Federal de Goiás
Licenciatura em História (1° período) - História Antiga 1

RESUMO: A Ilíada é uma das obras mais antigas da literatura ocidental, o que denota sua
relevância atualmente e que perdura desde a sociedade grega antiga. Nesse sentido, a obra
trata-se de um trecho da guerra entre os gregos e troianos, especificamente, no final do
conflito narrando seu desfecho. Ademais, é importante mencionar o uso pedagógico desse
poema musical realizado por meio do Aedo, que neste caso refere-se a Homero. Embora
tenha poucas informações sobre sua história, alguns historiadores acreditam que ele era cego
o que, supostamente, colaborava para a maior capacidade de seus outros sentidos, como a
memória, no entanto, não há comprovações sobre.

Palavras-chave: Homero. Ilíada. Poema. Cânticos.

1. Apresentação do autor

Homero foi um aedo, ou seja, um poeta que recitava suas obras de forma cantada com
o auxílio de instrumentos musicais, e que possui as famosas obras gregas “Ilíada” e
“Odisséia” geralmente atribuídas à sua autoria. Sua origem pode ser associada a Quios (região
da Grécia Arcaica) e seu contexto de vida é aproximadamente datado no século VIII a.C.
Entretanto a exatidão dessas afirmativas é questionada, haja visto que até mesmo a discussão
acerca da existência do poeta é problematizada e discutida pela historiografia.
Essa discussão acerca do papel e da existência real de Homero foi abordada por
Marcelo Miguel de Souza (2017) em sua tese de doutoramento “Os aspectos poético-musicais
nas obras de Homero: multitextualidade e performance (Séc. VIII a.C.).”. Em que o
historiador foca, principalmente, na perspectiva de Milman Parry (1987) que afirma que a
construção dos poemas se estabeleceu ao longo dos anos, por meio da oralidade. Desse modo,
as histórias sofreram diversas alterações, tendo Homero o papel de compilá-las.
Outro aspecto proposto, acerca da figura de Homero, foi a ideia de que ele seria cego.
Atualmente, essa teoria pode ser compreendida como uma metáfora ao fato de que a oralidade
nessas obras tinha uma extrema importância. Desse modo, a sua deficiência visual
potencializaria o papel de sua audição e de sua fala, essenciais para os cantos épicos.
2. Período de Produção

É comum a realização da análise do período de produção da obra Ilíada a partir do que


se entende como o contexto de vida de Homero. Ainda há uma discussão historiográfica sobre
o papel de Homero na construção poética, principalmente no questionamento de sua autoria,
se os cantos de Homero já existiam, ou se teriam sido transmitidos oralmente até a
contemporaneidade do aedo.
Ao analisar o denominado “Período Homérico” grego — datado aproximadamente do
século XII a.C. ao século VIII a.C — nos deparamos com a escassez de fontes escritas.
Assim, as fontes utilizadas para o estabelecimento de um conhecimento sobre esse período
são os cantos homéricos, a Ilíada e a Odisseia. Por muito tempo, desconsiderou-se o período
homérico da historiografia, devido a baixa produção escrita que narra a história grega. Desse
modo, a arqueologia teve grande importância no processo de conhecimento do mundo
homérico. O achado de diversas placas de argila, contendo um tipo de escrita ainda
desconhecido e indecifrado na época: o linear B. Constatou-se a presença tanto nos poemas
homéricos, quanto no linear B, de termos e palavras em comum que possuíam significados
semelhantes.
O historiador Moses Finley destaca em sua obra O legado da Grécia que a
compreensão da sociedade homérica se dá profundamente por analisar as evoluções do
período Homérico.A evolução político-social se deu pelo agrupamento dos indivíduos, em
que os helenos, anteriormente agrupados em clãs (genos), passaram a integrar a pólis. No
âmbito político, ocorreu a transição de um regime patriarcal para um regime oligárquico
composto po uma tríplice hierarquia de reis.Essa mudança ocorreu, principalmente, devido à
vigilância de uma aristocracia ambiciosa pronta para assumir o poder.
A evolução econômica ocorreu pelo avanço de práticas de pastoreio,progredindo
para uma agricultura em si.As vestes eram domésticas. O comércio, em especial a pirataria,
passa a atingir e interligar regiões distantes. Com o tempo, o comércio pacífico foi substituído
pela violência da pirataria. Com o surgimento das empresas comerciais, houve uma
intensificação das relações e mudanças na vida ,além do acúmulo crescente de riquezas e a
estruturação de uma poderosa classe comercial.
A evolução da religião estava atrelada à popularização dos deuses, os quais são
descritos como seres que se revestem de homens, mas são superiores no sentido de terem
qualidades, beleza ,agilidade superiores, além da imortalidade.
3.Gênero

A Ilíada, também chamada de canção de Ilion, trata-se de uma epopeia, constituída de


15.693 versos, dividido em XXIV cantos. Primeiramente, a epopeia é um poema épico
complexo e extenso que aborda uma narrativa heroica dos feitos de um personagem, e que
envolve mito e mitologia, segundo Souza (2017).
Por séculos a Ilíada foi repassada por meio da oralidade, vindo a ser escrita apenas em
meados do século 8 a.C. De início, acreditava-se que ela era um poema e que seu escritor
fosse Homero, no entanto, a partir dos estudos de Milman Parry, considerado por muitos um
revolucionário dos estudos homéricos, percebeu-se que os poemas homéricos apresentavam
um ritmo de cântico, ou seja, eram cantados, de acordo com Souza (2017). Ademais, na
apresentação dos poemas cantados era necessário uma performance, em que o Aedo
convocava as musas, pois acreditava-se que elas eram as detentoras do conhecimento e que
Homero seria como um instrumento de transmissão desses poemas épicos.
Vale ressaltar também a presença de instrumentos musicais e danças durante os
cânticos dos poemas, visto que, todo esse conjunto entre música, canto e instrumentos eram
usados como ferramentas pedagógicas na antiga sociedade grega, uma vez que, no enredo dos
poemas, como na Ilíada, trazia exemplos de condutas e do que seria certo e errado,
colaborando assim para a formação do ideal de cidadão grego, segundo Souza (2017).
Sendo conhecida como umas das obras literárias mais antigas do mundo ocidental, a
Ilíada foi escrita, de início, em um estilo de alfabeto retrógrado, que se baseia na escrita e
leitura realizadas da direita em direção à esquerda. Um dos exemplos desse estilo de escrita,
que já caiu em desuso pelos gregos desde o século VII, encontra-se no famoso artefato
denominado taça de Nestor, em que estão grifadas três versos, sendo os seguintes: "Eu sou a
taça de Nestor e é agradável beber por mim; aquele que me esvaziar será imediatamente
tomado pelo desejo de Afrodite com a sua bela coroa” (SOUZA, 2017, P. 58). Tais versos
fazem referências ao poema musical de Ilíada, considerado umas das primeiras inscrições
encontradas.

4. Resumo da Obra

Homero, também chamado de Aedo, realizava um importante papel para a antiga


sociedade grega, visto que, tinha como função perpetuar as memórias daquele grupo social e
fazia-se isso por meio da oralidade, transmitindo assim os poemas musicais, dentre eles Ilíada
e Odisseia (LOURENÇO, 2005).
A Ilíada, como foi mencionado anteriormente, tem XXIV cantos, em que narra um
período da guerra de Tróia. Dessa forma, essa guerra se inicia com a disputa entre as deusas
do Olimpo: Atenas, Hera e Afrodite. Devido a deusa da discórdia, Éris, durante o casamento
de Tétis e Peleu, ter colocado sobre a mesa um pomo de ouro com as seguintes palavras
inscritas: “para a mais bela”, desencadeando assim uma disputa entre as três deusas
mencionadas de início. Dessa maneira, elas vão a Zeus buscar um desfecho mas este joga a
responsabilidade da decisão para o mortal Páris, filho de Príamo, rei de Tróia, e assim, cada
deusa tenta persuadi-lo com algum presente em troca. Dentre elas, Páris escolheu Afrodite,
que lhe havia prometido como recompensa que a mais bela das mortais se apaixonaria por ele,
que no caso, seria Helena, esposa do príncipe Menelau.
Desse modo, Páris faz uma visita ao palácio de Menelau e rapta Helena,
desencadeando assim a guerra entre as cidades estados. Diante disso, Heitor, o comandante do
exército de Tróia, que é irmão de Páris, inicia um combate contra o exército de Agamenon.
Nesse contexto, Agamenon conquista, dentre outras regiões, um templo de Apolo, onde
encontrava-se sacerdotisas, sendo essas majoritariamente descendentes de famílias nobres.
Diante disso, Agamenon rapta uma das sacerdotisas, Criseida, filha de Crises, e Aquiles, filho
de Tétis e Peleu, a despoja. Em consequência disso a mãe de Criseida ameaça lançar as pragas
de Apolo se não devolvesse sua filha, então Agamenon tira Criseida de Aquiles, deixando-o
desolado ao ponto de se recusar a continuar lutando na guerra, o que deixará o resto do
exército descontente. Em seguida, Pátroclo tenta convencer Aquiles a voltar a guerra, apesar
de a tentativa ter sido em vão, Aquiles dá suas armaduras para seu amigo lutar em seu lugar, e
em decorrência disso, Heitor mata Pátroclo no combate achando que fosse Aquiles. Tal fato
deixa Aquiles indignado, o que o faz voltar a lutar novamente e se vingar de Heitor.
Vendo as tropas de aqueus chegando, Príamo cogita se render e entregar Helena, no
entanto, o combate dá continuidade e ocorre interferência dos deuses do Olimpo, como a
deusa Atenas, que tenta ajudar Aquiles, enquanto Heitor está correndo para escapar. Logo em
seguida Heitor propõe uma condição de não ultrajar o corpo de quem for derrotado, mas
Aquiles se recusa e os dois começam a se confrontar diretamente. Dessa forma, Aquiles tenta
acertar Heitor com sua lança mas não consegue mas, em seguida, após tentativas de ambas as
partes, Aquiles finalmente atinge Heitor no pescoço, e suas últimas palavras foram as súplicas
para não ultrajar seu corpo, e mais uma vez Aquiles recusou, alegando que seria capaz até de
comer suas carnes cruas, como um bárbaro.
O desfecho da canto se dá com Aquiles ultrajando o corpo de Heitor e depois de
amarrá-lo na quadriga arrasta seu corpo para que todos vejam. Enquanto isso, o exército de
aqueus invadem Tróia e matam a família de Heitor e seu povo.

5. Elementos para o conhecimento do mundo grego

O aspecto que mais se destaca no canto XXII da “Ilíada” é, sem dúvidas, a questão da
moralidade do herói atrelada às figuras de Aquiles e de Heitor. É a partir da análise desse
aspecto que podemos idealizar a mentalidade do homem grego, haja visto que tais narrativas
eram utilizadas como forma de perpetuar ensinamentos e educar os indivíduos.
O historiador Jean-Pierre Vernant (1978), destrincha em sua obra "A bela morte e o
Cadáver Ultrajado" esse tema, utilizando as figuras dos heróis para estabelecer conhecimentos
a respeito do mundo e do homem grego. A princípio, ele explicita a honra heróica construída
no consciente coletivo social a partir da análise da trajetória do personagem Aquiles. No
Canto XXII, é exposto que ele, desde seu nascimento, havia sido predestinado por sua mãe a
ter dois destinos a serem escolhidos pelo mesmo: uma vida breve, porém gloriosa e
memorável ou uma vida longa, porém fadada ao esquecimento. Aquiles opta pela primeira
opção, sendo esse o caminho necessário para que ele se tornasse um herói.
A partir do aspecto do não esquecimento necessário para a legitimação do heroísmo,
podemos destacar o importante papel desempenhado pela oralidade para a manutenção de
uma memória social ligada aos feitos desses personagens. Segundo Vernant, a transmissão dos
grandes relatos acerca do desempenho dos guerreiros nas batalhas ocorria, essencialmente,
por meio dos cantos poéticos “[...] a honra heróica pressupõe a existência de uma tradição da
poesia oral, repositório da cultura comum, que funciona para o grupo como memória social”
(VERNANT,1978, p.38)
Desse modo, para que não houvesse o esquecimento, era necessário que o povo
cantasse sobre o herói. Haja visto que:
Numa cultura como a da Grécia Arcaica, em que cada um existe em função de
outrem, em que as posições de uma pessoa são tão melhor estabelecidas quanto mais
longe se estende sua reputação, a verdadeira morte é o esquecimento, o silêncio a
obscura indignidade. (VERNANT, 1978, p.39)
Por fim, o último aspecto a ser destacado é a questão da “bela morte”. Segundo
Vernant, para que o herói fosse lembrado existiria alguns aspectos necessários relacionados à
sua morte. Dentre eles podemos destacar a juventude do guerreiro e a preservação e
tratamento de seu corpo até o seu sepultamento. Em contrapartida, se estabeleceu o ultraje
(violação) do corpo dos inimigos, desejando-se que perdessem a sua própria fisionomia,
sendo mortos de forma desonrosa e estando delegados ao esquecimento.

Bibliografia

HOMERO. Ilíada. Trad. de Haroldo de Campos. São Paulo: ARX, 2003 (Canto XXII).
LOURENÇO, Frederico. Prefácio. In: HOMERO. Ilíada. Trad. Frederico Lourenço. São
Paulo: Penguin Companhia, 2005.
NAQUET, Pierre. O Mundo de Homero. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia
das letras, 2002.
SOUZA, M. M. Os aspectos poético-musicais nas obras de Homero: multitextualidade e
performance (Séc. VIII a.C). 2017. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de
Goiás, Goiânia, 2017.
FINLEY, Moses. O legado da Grécia. Trad. Yvette Vieira Pinto de Almeida. Brasília:
Universidade de Brasília, 1998.
VERNANT, Jean-Pierre. A bela morte e o cadáver ultrajado. Discurso, São Paulo: nº 09, p.
31-62, 1978.

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