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Ilíada – contextualização da obra

Género literário – epopeia


A Ilíada foi composta provavelmente no século VIII a.C, é uma epopeia ou seja, relata
factos heróicos em verso. Epopeia vem de “Epos”, que significa “palavra” ou “verso”. Esta é
uma obra heróica uma vez que entram na ação semideuses (filhos de deuses) que estão
destinados a ser heróis (os heróis são mortais, enquanto que os deuses são imortais).
Pela linha narrativa a Ilíada é a primeira epopeia Ocidental (inaugura um género literário) e
foi a obra que fundou a literatura ocidental. Apesar disso, o Épico de Gilgamês de 1200a.C é
a epopeia mais antiga (escrita na Babilónia) e relata as as aventuras de Gilgamês e Enkidu.
Estas obras circulavam pelo Mediterrâneo e influenciavam os gregos e por isso, esta obra
influencia a Ilíada.
Há temas do Épico que também se encontram na Ilíada e na Odisseia:

 Desejo de glória;
 Perda de alguém;
 Desejo da imortalidade;
A Ilíada e a Odisseia tornaram-se obras tão centrais da cultura helénica que nas
Panateneias (onde celebrava a Deusa Atena na Acrópole) retira tiranos patrocinavam todos
os anos, a leitura integral destas 2 obras.

Porque é que a epopeia se chama Ilíada?


Cidade de Tróia = Ílion ou seja, Ilíada significa a Aventura ou Façanhas de Ílion.

 Os troianos são chamados por vários nomes no livro - troianos, Dârdanos,


Dardânidas e Dárdanos (por serem descendentes de Dárdano, um herói mitológico
que fundou a cidade);
 Os aqueus (gregos) são tratados por aqueus (de Acaia), argivos (de Argos) ou
dânaos (de Danaus);

A Ilíada uma grande obra. Porquê?


1 - O herói é diferente

 Do ponto de vista cristão não tem moral, só está focado em si e em alcançar a aretê
(não há grande barreira entre o bem e o mal);
 A mentalidade do herói vai ao encontro dos valores agónicos gregos (competição,
luta, combate);
 Aretê (glória) era alcançada na Assembleia e no combate;

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2 - Desmonta clichés e artifícios narrativos comuns (transgride os próprios cânones)

 Aquiles, o grande herói da obra aparece no primeiro canto e do 17º em diante (em
23 cantos), ou seja, na narrativa, existe um grande "buraco" onde a protagonista
nem sequer está presente na ação.
 O mesmo acontece com Heitor.
 Nesta obra, por vezes, são os mais virtuosos que morrem, por exemplo, Heitor é
melhor homem que Agamémnon e Aquiles, mas morre.
o Isso é uma grande injustiça - este livro relata a guerra e na guerra não dá
para escolher quem morre e quem se salva.
o A guerra é injusta e cruel por natureza.
o A injustiça cria comoção:
 Morte de Heitor;
 Despedida de Heitor e Andrómaca;
3 - A Ilíada é uma história sobre a humanidade
Este é o grande poema da condição humana. Neste período, histórias são o que substitui a
ciência, a sociologia e outras ciências humanas:

 Ou seja, gregos criam histórias (mitos) e deuses para tentar explicar a natureza
humana;
 Por isso é que a maioria dos mitos são tão densos e obscuros, carregando um forte
factor de subjetividade, ligada a esta questão da natureza humana;
Precedentes do imaginário mitológico
Muito do que é aludido na Ilíada, não é narrado. São mitos com que a cultura grega já
estava familiarizada uma vez que os helénicos já comungavam de um imaginário coletivo
que dispensava essa narração.
Exemplos de episódios centrais à narrativa que não são narrados:

 Início da guerra entre Tróia e Atenas (e o julgamento de Páris);


 A vitória dos gregos;
 O episódio do cavalo de Tróia;
 A morte de Aquiles;
Julgamento de Páris
Tétis e Peleu (pais de Aquiles) vão-se casar e convidam todos os deuses no Olimpo menos
Éris (grego e significa vingança)/ Discórdia (romano). Éris entra no casamento sem ser
convidada e traz uma maçã dourada que afirma que é para a deusa mais bela. Daí 3 deusas
se atiram a maçã:

 Hera(g)/Juno(l) - mãe dos deuses;


 Afrodite(g)/Vénus(l) - deusa do amor;
 Atena - deusa da Sabedoria;

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Não conseguindo resolver este conflito de interesses, entre elas pedem a Zeus (pai dos
deuses) para decidir. Este revela-se um problema diplomático para Zeus, que evita a decisão
remetendo-a para Páris, um pastor troiano no Monte Ida, que é filho de Príamo (rei de
Tróia) e Hécuba.
Para o persuadir cada deusa promete algo a Páris:

 Hera oferece-lhe o poder (o Reino da Europa e da Ásia);


 Atena oferece-lhe vitórias e sabedoria;
 Afrodite oferece-lhe o amor da mulher mais bela, Helena de Esparta;
Páris escolhe a oferta de Afrodite, mas há um problema: Helena era casada com Menelau
(irmão de Agamemnon) em Esparta. No entanto, Páris vai a Esparta e é acolhido por
Menelau. Tendo o anfitrião de se ausentar, Páris fica sozinho com Helena sendo que aqui o
mito se divide, dependendo da versão:

 1) Páris rapta-a e leva-a pra Tróia;


 2) Helena perde-se de amores e foge com ele para Tróia;
Ao regressar, Menelau queixa-se a Agamémnon (rei o Rei de Micenas) dizendo que Páris
lhe raptara a esposa.
Páris foi contra um princípio máximo da cultura grega - a hospitalidade que era um valor
central desta cultura sendo este tão importante que Zeus era também o deus dos
estrangeiros. Ao raptar Helena, Páris quebra estes laços sagrados entre o convidado e
anfitrião e dá origem a uma guerra.
Os atridas (patronímio de Menelau e Agomémnon que eram filhos de Atreu) reúnem todos
os exércitos disponíveis para invadir Tróia e resgatar Helena. Apesar da dimensão deste
exército, dificuldades foram encontradas neste combate:

 Dificuldade de navegação nos mares por causa dos ventos


 Demora na derrota de Tróia - era uma cidade altamente fortificada, com muralhas
impenetráveis e por isso demora 10 anos a cair apesar de enfrentar um exército
muito maior dimensão.
Existência de Tróia
É muito possível que Tróia tenha existido e que os troianos e os micénicos tenham entrado
em conflito. Em 1871, Heinrich Schliemann começou a efetuar escavações na colina de
Hisarlik (Turquia) e encontrou 7 cidades sobrepostas. Uma delas Troia II especialmente
opulenta que este considerou ser a Tróia homérica.
Mais tarde, a academia inclinar-se-ia para a identificação da cidade de Príamo com a Tróia
VI. Das cidades muralhadas que tinham sido arrasadas sendo que uma destas, Tróia VI,
construída por volta de 1700 a.C e indo para além de 1300 a.C, foi identificada por
Kordmann como sendo a Tróia homérica. Futuras investicações situavam esta guerra no
século XIII a.C, precisamente na altura de grande poderio de Micenas.

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O que leva a indicar que é a Tróia da Ilíada:

 A datação de Tróia VI
 Tabuinhas de linear B, vestígios de cavalos, espadas e armaduras e cerâmicas
micénicas – o que indica um contacto entre micénicos e troianos
 Tróia VI apresentava muralhas muito bem defendidas e reforçadas
 A cidade parecia ter aguentado um longo cerco devido às precauções tomadas para
preservar alimentos.
 Foi na altura desta cidade que se atinge a domesticação do cavalo (característica
que na Ilíada lhes dá o título de "domadores de cavalos")
O fundo mítico dos Poemas Homéricos

 As bodas de Peleu e Tétis, o ‘pomo da discórdia’, o julgamento de Páris, o rapto de


Helena;
 O banho de Aquiles nas águas do Estige, o duplo destino do herói, a morte de
Aquiles em Tróia;
 O ‘estratagema do cavalo de madeira’ e a conquista de Tróia;
 A ‘odisseia de um homem’, a ‘teia’ de Penélope;

O povo aqueu da Ilíada são os micénicos?


Não se pode ter a certeza uma vez que existem concordâncias e discordâncias. Estas
conclusões nascem da relação entre os achados arqueológicos micénicos e a cultura dos
Poemas Homéricos.
Concordâncias:

 Taça de Nestor (2 asas) - foram encontradas taças idênticas em micenas;


 Armas de bronze;
 Palácio de Ulisses tem um mégaron;
Discordâncias:

 Ulisses tinha um escudo de ferro sendo que os micénicos ainda não tinham
descoberto esse minério;
 Não se fala de uma sociedade estratificada com muitos escravos como a micénica;
 Micénicos tratavam os mortos de maneira diferente da retratada na Ilíada;
 Elementos arquitetónicos do palácio de Ulisses posteriores à época micénica;
Outros indícios:

 Epítetos com significado histórico: ‘Micenas rica em ouro’, ‘Troianos domadores de


cavalos’, ‘Aqueus de longos cabelos’;
 Utilização do carro (combate e transporte de pessoas nobres);
 Luxo e grandiosidade dos palácios; referência ao mégaron (salão real);
 Rituais fúnebres pomposos como é o caso dos funerais de Pátroclo;

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A composição dos Poemas Homéricos
Existe a presença nos Poemas Homéricos de várias ferramentas de estilo e de construção
frásica:

 Fórmulas:
o ‘Em resposta, declarou-lhe Aquiles de pés velozes’;
o ‘Em resposta, declarou-lhe o poderoso Agamémnon’;
 Epítetos específicos e genéricos: são utilizados para atribuir características aos
personagens e situá-las emocionalmente
o ‘Aquiles de pés velozes’;
o ‘Briseida de rosto formoso’;
o ‘Atena de olhos glaucos’;
 Patronímicos: ex. Pelida = filho de Peleu; Atrida = filho de Atreu;
 Símiles: comparações longas de tema muito diverso;
 Cenas típicas: ex. Ritual da hospitalidade; Sacrifícios; Armar do guerreiro...;
 Composição em catálogo: longas enumerações; ex. catálogo das naus do canto II

Quem escreveu a Ilíada?


A este respeito, existem 2 teses:

 Analistas - acreditam que foram vários autores


 Unitária - acreditam que foi um só autor (esta é a tese mais favorecida) devido a
indícios da obra ter uma estrutura cuidadosamente planeada
Ambas as teses admitem, por incongruências e repetições da obra, que a história foi sujeita
a alterações por efeito da transmissão oral ao longo dos séculos, mas alguém ou um
conjunto de alguéns escreveu a obra, dando "estilo" aos restantes 2/3 da obra.
Não se sabe se foi Homero que escreveu a obra sendo que a tradição indica que Homero
era um aedo (poeta cantor). Apesar de na Antiguidade não se duvidar da autoria de
Homero, na época alexandrina havia quem atribuísse os poemas autores diferentes.
Quando se escreveu a Ilíada?
A data de composição da obra é uma das grandes dificuldades históricas em relação a este
livro, uma vez que os poemas apesar de decorrerem na época micénica, ignoram a invasão
dórica, sendo por isso, inicialmente, dada à composição uma data muito recuada, mas
muitas descobertas têm vindo a modificar estas ideias.
A tendência que atualmente prevalece é supor que as diferenças entre o mundo homérico
e o final da idade do Bronze são demasiado grandes para se poder admitir a composição
dos poemas nessa época, ao passo que as semelhanças com a idade do ferro são mais
numerosas, embora sua insuficientes para estabelecer uma data, apontando-se para o
século VIII a.C.

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Milman Parry em 1928, propõe a tese oralista: 1/3 da obra tem fórmulas repetitivas,
epítetos e vários versos repetidos sendo este um ponto de apoio para a narração oral que
dá tempo para pensar no verso seguinte enquanto se vai cantando anterior. Ou seja, os
poemas homéricos baseiam-se na tradição oral.
Em suma, assistimos, nos poemas homéricos, a uma sociedade de sobreposição que
recolhe características de várias épocas, como é da natureza de uma poesia oral: à medida
que ela se transmite, vai se povoando de novos dados e adaptando às estruturas sociais e
políticas dessas épocas. A sociedade homérica pode ser vista, portanto, como uma
amálgama de elementos que se cruzaram e a moldaram uns aos outros ao longo dos anos.
A Ilíada começa com a invocação e proposição (Canto I, versos 1 a 7)
Invocação:

 Invoca os deuses a quem pede inspiração para escrever os feitos e a história – neste
caso invoca uma deusa;
 A invocação está inerentemente ligada ao caráter religioso do livro;
o Naquela altura, arte e religião são indissociáveis
Proposição:

 Resumo geral, do que o escritor se propõe a escrever;


 Aparentemente o autor entra logo num paradoxo ao falar d'"A cólera de Aquiles, o
pelida, mortífera, que tanta dor trouxe aos Aqueus":
o À primeira vista não faz sentido, uma vez que os aqueus eram o lado de
Aquiles sendo ele o grande herói guerreiro desse povo. Desta forma, começa
já na proposição um processo de desconstrução do heroísmo de Aquiles;
Figuras centrais dos Aqueus e dos Troianos

 Aqueus  Troianos
o Nestos o Príamo
o Diomedes o Páris
o Agamémnon o Eneias
o Aquiles o Heitor
o Ájax  Deuses do lado dos Troianos
o Menelau o Afrodite
o Pátroclo o Ares (deus da guerra, por
o Ulisses afinidade a Afrodite)
 Deusas do lado dos Aqueus
o Hera
o Atena

Existem muitas intrigas entre os deuses que vão marcar este conflito. Zeus, uma figura
central da narrativa não tem uma preferência neste conflito, por assim dizer. Apesar de
inicialmente funcionar apenas como juíz ou árbitro imparcial, vai começar a apoiar
Aquiles, favorecendo-o.

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