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• Epopeia de 12 cantos.

• Narrativa* de feitos heroicos.

*História de Eneias (filho de Anquises e Vénus, casado com Creusa, filha de


Príamo, rei de Tróia). Eneias abandona Tróia em chamas, com o pai, o filho e
alguns companheiros. Creusa morrera no incêndio de Tróia. Vagueou pelos
mares em direção a Ocidente e veio a chegar a Lácio onde venceu as
populações itálicas chefiadas por Turno. Aí fundou a estirpe de onde nasceria
Augusto.

A obra tem como modelo os poemas Homéricos, mas não é uma imitação
passiva deles, mas sim a criação de um modelo, com base num pré-definido.

IMITAÇÃO ≠ REPRODUÇÃO

Há, então, uma reelaboração dos poemas de Homero, em função do objetivo


de Virgílio. Surge uma obra literária autónoma, com coerência narrativa,
com uma identidade nova, diferente da que os poemas Homéricos inspiram.

IMITATIO CONTAMINATO
Imitatio – poeta (grego): aquele que cria / faz. É ele que faz a comunicação
entre os deuses e os homens.

A matéria é organizada numa construção complexa com contrastes, anaogias


e variações sobre um mesmo tema.

Inspiração: ter o Deus dentro de si.

É sempre pedindo a uma Não começa por Invocação


entidade divina que o poeta aos Deuses / ninfas. Ele
próprio canta: “Eu canto”
pede para começar o poema
Ligação a Roma e à história;

- Evocação a Cartago (grande rival de Roma) – Quanto maior o meu rival,


maior sou eu quando o venço; Virgílio engrandece Cartago: “Cidade antiga, de
colonos tírios, / longe da foz do Tibre e oposta* à Itália, / era Cartago rica e
belicosa”. (*oposta não só de localização, mas também inimiga);

- Tema “Homérico” acaba por se afastar (retrata mais a cólera de Aquiles),


enquanto que a Eneida descreve toda a história/guerra.

• Inventio – Invenção / verbo encontrar / Descobrir; pode imitar, mas sabe


o que fala;
• Dispositio - Organização do discurso;
• Elocutio - Figuras de estilo;
• Memoria – A memória;
• Action - Representação.

Aretê: excelência; o mais próximo da perfeição; beleza/valentia; capacidade de


persuadir. Relaciona-se, mais uma vez, com os poemas Homéricos, onde há um
código de “bons costumes”; normas sociais de “cortesia” importantes
para os laços. Ex: Laços criados pela hospitalidade, onde há privilégios tanto
para o hóspede, como para o hospedeiro. O próprio Eneias, fundador do mundo
Ocidental, é um estrangeiro. Cria-se um laço dador-recebedor forte, que passa
de gerações em gerações e ultrapassa valores/deveres militares. Ex: Glauco e
Dómedes (Ilíada) descobriram que os seus antepassados tiveram, também, um
laço dador-recebedor e recusaram-se a combater um contra o outro, trocando
inclusive de armas. Há, também, uma manifestação de respeito igual ou
superior entre Homem – Deus e o respeito pelo suplicante: defender quem
pede proteção (ex. Príamo suplica a Aquiles o cadáver de Heitor).

Procura reproduzir a realidade Homérica, mas fora do tempo. Volta à guerra


de Tróia, de onde os gregos saem vitoriosos e alguns troianos, liderados por
Eneias, partem pelo mar em busca de uma nova pátria e um recomeço para as
suas vidas.

Toda a obra tem o objetivo concreto de elogiar/elevar Augusto através


do mítico passado de Roma.

Estrutura: “in media res” – A ação começa quando os troianos são


dispersados para África. Os acontecimentos antecedentes são contados em
retrospetiva por Dido e Eneias (analepse).

Ordem natural dos acontecimentos: Cartago – Sicília – Cumas – Descida


aos Infernos – Desembarque no Lácio – Guerras

Esta ordem é inválida por várias profecias que antecipam os factos (prolepse).

Não existem indicações precisas do tempo. O poeta não dá enquadramento


cronológico rigoroso, o que lhe dá mais liberdade e mítica (conteúdo mítico
superior ao histórico).

O poema abarca o passado e o futuro (profecias).

Comparando a obra com os poemas Homéricos, podemos dividi-la em duas


partes:

• 1ª metade – Odisseia: peregrinação pelos mares, viagens, terrores no


mar;
• 2ª metade – Ilíada: dificuldades.
RESUMO:

• Tróia é cercada por 10 anos e vencida pelo cavalo de Tróia.


• Eneias é surpreendido no sono, tenta resistir, mas a Deusa Vénus, sua
mãe, aconselha-o a deixar Tróia.
• Eneias deixa Tróia em chamas, levando o pai Anquises, o filho (Ascânio
Iulo) e os penates (divindades protetoras da pátria e da família).
• Constroem navios e fazem-se ao mar.
• Guiados pelas profecias, até que as divindades lhe aparecem e dizem que
o seu destino é Itália.
• Lançam-se a Itália, mas há uma tempestade que os dispersa para a costa
de África. – Juno dirige-se a Eólia (terra dos ventos) e pede aos Austros
(ventos que sopram do Sul, quentes e tempestuosos) que desencadeiem
uma tempestade.
• Juno odeia os troianos por causa de Páris e quer evitar que Eneias funde
uma nova estirpe humana.
• Chegam a Cartago, onde são acolhidos pela rainha Dido, que se apaixona
por Eneias – amor instigado por Juno e Vénus.
• Eneias parece “esquecido” do seu destino e Júpiter recorda-lhe. Eneias
parte e Dido suicida-se.
• Eneias dirige-se para Sicília para prestar honras fúnebres ao pai. Este
aparece-lhe em sonhos, dizendo-lhe para se dirigir a Cumas.
• Chegada ao Lácio (região da Itália onde se estabeleceram os troianos), o
rei latino dá-lhe em casamento Lavínia*.
• Juno intervém e desencadeia a fúria de Alecto, que desencadeia a guerra
contra os troianos: de um lado os Latinos e Rútulos (Turno), e do outro
Eneias e os aliados (rei Evandro) e etruscos.

*Mais uma vez, a guerra é desencadeada por causa de uma mulher, tal como
acontecera em Tróia.

O poema acaba com a morte de Turno às mãos de Eneias, que não


respondeu à sua súplica, o que suscita duas interpretações: a obra ficara
inacabada, ou teria sido este o final que Virgilío queria como vingança pela morte
do filho do seu aliado. – Valor de lealdade superior ao da clemência.
Fatum (fado) – entidade superior aos deuses. Decide o destino de Roma:
primeiro executor – Eneias.

Juno odiava os troianos e queria impedi-los de dar origem a uma nova estirpe
romana, que estava destinada a dominar o mundo. Então a deusa pediu a Éolo,
deus dos ventos, que desencadeasse os ventos contra a frota troiana, que partira
da pátria destruída em direção às costas da Itália. Uma tempestade fez dispersar
a frota, e Eneias desembarcou em terras de África com uma parte dos seus
companheiros. Júpiter tranquilizava Vénus sobre o destino que aguardava os
troianos. Eneias, tornado invisível por vontade divina, entrou no templo de Juno
em Cartago, que recebera com benevolência uma delegação de alguns
Troianos, apartados de Eneias pela tempestade. Quando finalmente se tornou
visível, Eneias apresentou-se à rainha, que os convidou a entrarem no seu
palácio. Este encarregou o filho, Ascânio, de ir buscar presentes para Dido, mas
Vénus substitui Ascânio por Amor e, quando a divina criança ofereceu os
presentes à rainha, ela enamorou-se de Eneias. Durante o banquete a rainha
pediu a Eneias que contasse a história de Tróia e as suas próprias aventuras.

Preposição – condensa toda a história nos primeiros 7 versos.

Na tempestade, Eneias prefere ter morrido na guerra de Tróia, uma vez que
morrer no mar não era heroico e não seriam prestadas honras fúnebres
(semelhança ao herói Homérico).

Os acontecimentos importantes são comandados pelos deuses.

ENEIAS – pius Aeneas

(humanitas): liderança (reforça as forças físicas e o


ânimo/coragem) e empatia
- preocupado com os seus companheiros
- simpatia (aquele que sofre com…)

Plano divino - súplica e profecia:

A “reclamação” de Vénus recorda Júpiter o que estava prometido ao seu


filho Eneias.

Encontro de Dido e Eneias: Dido e Cartago surgem como nobilitadas,


altivas, sublimes.

Vénus e Juno decidem que aqui vai haver um romance: uma por
proteção do próprio filho, e outra para impedir que Eneias cumpra as profecias.

Cupidos – responsáveis pela paixão – vai metamorfosear-se de Ascânio.

Mais uma vez, são os deuses que conduzem os acontecimentos. Não há muito
espaço para o livre arbítrio das personagens.

2 Dimensões do Império:

• Urbs- cidade edificada


• Civitas- conjunto de pessoas

Desenvolve-se o tema da proposição:

• Eneias dominará os povos ferozes, impor-lhes-á costumes, leis e


construirá muralhas;
• Ascânio fundará Alba longa;
• Terão um Império sem fim, sem limites (também sobre a Grécia)
• Nascerá César que dominará o Oriente e de lá trará riquezas;
• Pax Augusta / Pax Romana.

A destacar do Canto I:

Transformação de Dido – “infelix Dido” (presságios)


Eneias começa a sua história. Os troianos, cercados, descobriram que os
gregos tinham partido de repetente e deixado na praia um enorme cavalo de
madeira. Na verdade, aquele cavalo estava cheio de guerreiros, e a frota grega
tinha-se escondido por detrás de uma ilha vizinha. Então o sacerdote Laocoonte
aconselhou os troianos a destruírem o cavalo e arremessou a sua própria lança
contra ele. Mas o espião grego Sinão (Sinon – grego disfarçado, a dizer que fugiu
dos gregos, fingindo que ia ser vítima de sacarificação para os gregos voltarem
a casa), com um discurso cheio de falsidade, conseguiu convencer os Troianos
a trazer o cavalo para dentro da cidade. Laoconte e os seus dois filhos são
mortos por duas monstruosas serpentes vindas do mar, e os Troianos
interpretam aquele prodígio como uma punição pelo seu comportamento ímpio.
Transportam o cavalo para dentro das muralhas. – 3 vezes ele se deteve na
entrada – (“Oh três e quatro vezes ditosos aqueles que, diante dos olhos de seus pais,
sob as altas muralhas de Tróia, a sorte concedeu que baqueassem! Ó tu, que foste o
mais bravo da estirpe dos Dánaos, filho de Tideu! Ah, porque é que eu não pude tombar
nos campos de ílio e exalar esta alma sob os golpes da tua mão”). Durante a noite, a
frota grega está de regresso e os guerreiros que estavam dentro do cavalo abrem
as portas da cidade aos seus companheiros. Então o fantasma de Heitor aparece
(primeira profecia) em sonhos a Eneias e exorta-o a fugir e salvar os Penates
de Tróia (importantíssimos para a identidade). Eneias, furioso, começa a
combater com a ajuda de um grupo de valorosos companheiros que acaba por
ser aniquilado. Depois, dirige-se ao palácio de Príamo, onde os gregos,
chefiados por Neoptólemo, filho de Aquiles, tinham matado o rei de Tróia.
Enquanto vagueia desorientado pela cidade em chamas, Eneias encontra
Helena, que queria matar como vingança, quando Vénus o detém e lhe faz ver
que, na verdade, são os deuses que estão a destruir Tróia e reforça a ideia que
tem de proteger os seus. Eneias volta então para casa e convence o pai,
Anquises, a fugir com ele. Eneias parte com a sua família, mas a sua mulher fica
para trás e desaparece. Quando Eneias volta para a procurar, a sombra de
Creusa aparece-lhe e faz-lhe revelações sobre o futuro.

Em suma:
• A destruição de Tróia e a fuga de Eneias
• O início da narrativa de Eneias: Uma dor indizível: “infadum, regina,
iubes renovare dolotem.
• A responsabilidade de o cavalo ser levado para Tróia, é do Fatum- os
próprios deuses estão por trás dos acontecimentos.
• A primeira reação de Eneias é resistir ao sonho de lutar – arête: é belo
morrer de armas na mão (herói/ideal Homérico)
• Apesar de ter percebido que Tróia morrerá naquela noite, Eneias apela
ao ânimo dos jovens guerreiros. Travam muitos gregos, matando-os e
ficando com as suas armas, que percebem que têm de mudar de
estratégia. É aí que se dirigem ao palácio de Príamo que é morto por
Pirro. Antes de morrer, o rei assiste à morte do seu filho (símbolo de
crueldade por parte de Pirro).
• A morte do rei avassala Eneias, que se sente como um “órfão”.
Lembra-se do pai, filho e mulher, para os quais se dirige.
• Primeiramente, Anquises não quer deixar a casa: prefere lá morrer, ou
matar-se. É um peso inútil – só os jovens deveriam partir.
• Eneias, sem o pai, não parte: se o pai quer morrer em Tróia, ele
morrerá também – prepara-se para lutar. (Pius Aeneas – as figuras
principais são representadas por um epíteto que descreve o
herói/ adjetivo que realça uma qualidade).
• Pietas – (vínculos) … familiar – pai, Iúlio Ascânio, Creusa
… social / cívicos – Tróia
… religioso – levar os penates
• Um fogo misterioso envolve a cabeça de Iúlio, sem o ferir, o que
parece ser um presságio de que deveriam partir; Anquises pede a
Júpiter que o confirme, o que acontece; Anquises decide partir. –
quando algo de extraordinário acontecia, principalmente a uma
criança, significava que esta iria fazer algo de extraordinário - percebe
que o seu neto irá ter um futuro prodigioso.
• Quando Eneias perde a mulher e volta a Tróia para a encontrar, o
espectro de Creusa aparece-lhe e profetiza longas viagens e exílios,
a chegada à Hispéria, guerras, um novo casamento e dias felizes. Diz-
lhe que os deuses não queriam que ela saísse de Tróia com ele, sendo
poupada de um futuro vil, a servir como escrava. A própria mulher
anuncia-lhe a chegada de uma nova esposa da realeza. – Prolepse.
• Um grande grupo de troianos abandonados seguiram Eneias como um
líder. Estes viriam a ser uma “semente” da nova estirpe que Eneias vai
criar em Roma.

Eneias – profugus – refugiado/exilado

Herói que leva o…:

• Passado – pai
• Futuro – filho e penates

Traços identitários deste herói: noção de filiação, paternidade e religião.

A condição de profugus está no ADN de Roma, a civilização de quem o Ocidente


é herdeiro.

(o canto III termina com o repouso de Eneias depois da longa narrativa -


analepse)
Este canto exprime a complexidade e a natureza contraditória da paixão;
a mistura dos sentimentos.

Dido – passa de rainha hospitaleira, generosa, fundadora, à “infelix” Dido,


vencida pela destruição da paixão.

No início do canto, Dido não consegue descansar ao pensar no amor que


está a desenvolver. A beleza de Eneias só pode ser de estirpe divina que,
assim como a sua piedade, cativavam Dido.

Referência ao seu antigo marido e à sua promessa de não se voltar a


apaixonar – motivo causador da sua luta contra a paixão por Eneias: prefere
ser engolida pela terra, do que desonrar Siqueu.

“Mas a Rainha, há muito ferida por grave (pesado) cuidado de amor,


alimenta nas veias a ferida e por um fogo (característico na literatura – amor
como um sentimento físico) cego é atormentado.” - Divisão da rainha entre o
cumprimento da fides e o novo amor que a domina.

Conta à sua irmã (Ana) o seu encantamento por Eneias. Esta, por sua vez,
incentiva ao amor: fala-lhe dos filhos que não terá, da proteção que Eneias
traria para Cartago e das dádivas de Vénus, que proporcionariam um
matrimónio estável. Este amor traria, portanto, benefícios não só a nível
pessoal, mas de estado.

Após este discurso, o fogo do amor já presente em si, domina a rainha, que
faz rituais a Baco e a Juno.

Juno e Vénus preparam uma “cilada” para que Dido e Eneias se juntem e
“casem”: quando Eneias vai caçar preparam uma tempestade para que se
encontrem na mesma gruta. “Aquele foi o primeiro dia de morte, foi a primeira
causa dos males.” – momento alto e início da catástrofe.

Dido, encantada, começa a negligenciar a cidade, assim como Eneias que


fica parado na cidade de Cartago.

Fama (divindade feminina incumbida de divulgar toda a casta de notícias,


que Virgílio a descreve como a mais veloz de todas as calamidades: monstro
horrendo, mensageira tanto da calúnia como da verdade) começa a espalhar
boatos sobre o amor e o marasmo de Eneias.

Mercúrio é enviado por Júpiter a Eneias para lhe recordar da sua missão.
Este tem de lhe ser fiel, não só por si, mas também pelo futuro do seu filho.

Eneias sabe que tem de partir, sem nunca ponderar sequer em não
responder aos desígnios dos Deuses. A sua única preocupação é como dizê-lo
à rainha.

Manda apressar os preparativos para a frota em segredo; companheiros


felizes por partir.

Dido apercebe-se; o seu próprio amor incita-a a desconfiar: “incitada a


desconfiar, mesmo quando tudo estava bem” – a Fama anuncia-lhe a partida
de Eneias. A rainha, entristecida e sentindo-se traída, dirige a Eneias – chama-
lhe pérfido (o contrário de fides / o que falta às promessas). Começa por
maltratá-lo, insultar, mas depois implora-lhe que fique, não só pelo seu amor,
mas também porque os povos vizinhos a odeiam, assim como o próprio irmão
– está desprotegida. Invoca também a relação hospedeiro/estrangeiro. Eneias
não lhe mostra a sua dor; fixa o olhar e domina a dor – traço de herói: domina
os seus sentimentos para estar à altura do plano dos deuses. Sacrifica o seu
amor à pátria (deixa Tróia) e, depois, o seu amor (Dido), para formar Roma.

Dido pede a Ana para que suplique a Eneias para que este aguarde um
pouco, por ventos favoráveis, a sua partida. Eneias não cede.

Pareceu-lhe ouvir falar do túmulo do seu ex-marido falecido, Siqueu. Eneias


também lhe aparece nos sonhos. Pede à irmã ajuda para lhe ensinar artes
mágicas para se vingar de Eneias, enquanto prepara na pira a sua própria
morte. Pede à sacerdotisa para apagar tudo o que lhe recorda de Eneias e, à
noite, decide suicidar-se merecidamente. – Não honrou o que tinha prometido a
Siqueu.

Mercúrio, a dormir, aparece em sonhos a Eneias para o apressar a partir,


antes que Dido lhe aparece lhe prepare uma artimanha. Eneias parte e, de
manhã, Dido acorda doida e desvairada, questionando-se sobre a dita fides.

Antes da morte Dido invoca as tragédias e pede à ama de Siqueu que lhe vá
preparar o que necessita para o sacrifício. Suicida-se com a arma de Eneias,
de modo a passar-lhe a culpa.

Eneias, que já tinha partido, avista uma nuvem de fumo em cima da cidade.

Como os ventos (comandados pelos deuses) não estavam favoráveis, acaba


por ser levado para Sicília, onde está sepultado o pai.

Deus ex machina – um deus aparece de repente, suspenso numa máquina,


para fazer o que os humanos não fazem – faltava cortar a madeixa loira do
cabelo de Dido para que esta conseguisse morrer em paz, pelo que Juno a
envia.

Do ponto de vista da narrativa, o canto IV é uma pausa – interrompe-se a


viagem, torna-se menos presente o fio condutor: a missão de Eneias – e
podemos dividi-lo em 6 partes:
• 1ª parte: um diálogo com a confidente Ana, a irmã, que equivale ao
prólogo. Já contém os ingredientes trágicos: o dilema do herói trágico;
• 2ª parte: acordo das deusas e momento da união de Dido e Eneias: a
epítasis. O momento de transgressão que ativa o desenvolvimento da
ação. A ‘escolha’ de Dido transgride os Fados e a sua promessa a
Siqueu;
• 3ª parte: Eneias recebe a mensagem de Júpiter começa a preparar em
segredo a partida;
• 4ª parte: confronto entre Dido e Eneias;
• 5ª parte: preparação da morte;
• 6ª parte: morte de Dido.

A forte presença de diálogo neste canto também o aproxima do género


trágico. O maior momento dessa tensão trágica é o diálogo entre Dido e
Eneias.

O tema: o amor, força vital que ao mesmo tempo destrói. O amor ódio que
lança a maldição final: a rivalidade Roma/Cartago.

Dido surge como heroína vítima dos deuses. Vénus e Juno favorecem um
amor que está destinado ao fracasso. Apesar de saberem que não podem
“contrariar” os fados, uma procura proteger temporariamente o filho, e a outra
evitar que Eneias chegue ao Lácio mesmo que para isso esse amor destruía
Dido, a rainha que lhe dedicou a sua Cidade.

Com a morte de Dido encerra-se o ‘interlúdio’ de Cartago e retoma-se o fio


condutor, a missão de Eneias. Mas a história de Dido não é ‘decorativa’. Ela
tem profundo significado na mensagem do poema. Apesar de nada acrescentar
à epopeia de Eneias, refugiado de Tróia e futuro fundador de uma nova estirpe
romana, ele diz-nos muito sobre as características das personagens, bem
como dos próprios deuses e fados. Se por um lado observamos a progressiva
morte física e espiritual de Dido, por outro é realçado o caráter de herói de
Eneias. A rainha, que no início da obra se apresenta com dedicação total à
cidade, vai desviando a sua atenção para o seu suposto “novo casamento”. Vai
perdendo, deste modo, a credibilidade cívica e afetiva: negligencia a cidade e a
sua promessa a Siqueu, tornando-se na infelix Dido que se suicida no final do
canto. – Deixa-se dominar pelo primado “amor”. Eneias, por outro lado, atua
pelo primado de “pietas”. Apesar de se ter estabelecido em Cartago e pausado
o fio condutor da sua viagem, volta a abdicar dos seus desejos pessoais em
prol do Fatum - herói pius, fiel à sua dimensão pública – ainda que esta
oposição lhe gere sofrimento (pathos). É a personificação de autocontrolo,
racionalidade e aparente frieza – que vai provocar irracionalidade a Dido – que
dão o caráter de arête a Eneias. Tanto Dido como Tróia são igualmente
amadas, mas deixadas pelo destino de Roma: “Se os fados me permitissem levar
a vida segundo a minha vontade, meu primeiro cuidado seria cuidar de Troia e das
queridas relíquias dos meus. Mas agora Apolo Gryneu e os fados Lícios ordenam-me
que procure a grande Itália. É este o meu amor, esta a minha pátria…”

Infelix Dido - Uma vítima do destino de Roma; Heroína trágica que se


entrega ao irracional, que perde o controle, e que confessa a derrota - (morre
antes, como o mereceste…) - diz a si própria.

Pius Aeneas - Herói ao serviço do Destino que aceita a necessidade de


negar as suas próprias emoções em função do futuro de Roma.

Eneias nos infernos – entre o passado e o futuro. Esta catábase ocorre


precisamente a meio da obra, onde Eneias recebe solenemente a investidura da
sua missão no Lácio e conhece o seu futuro e da sua descendência. O objetivo
principal da catábase é que o fundador da nova estirpe alcance amor pela glória
do futuro de Roma de modo a enfrentar as duras guerras a travar no Lácio. Faz-
se luz evidente sobre o protagonismo de Augusto no poema e nos destinos de
Roma e do seu império.

É neste canto que acaba a primeira parte da Eneida, que é relacionada com
a Ilíada.

As pessoas descem aos infernos/mundo subterrâneo com o objetivo de saber


algo que os mortos, pela experiência, já sabem. – inspirado na descida de
Ulisses ao Hades, na Odisseia.
Em Cumas, junto ao templo de Apolo, Eneias consulta a Sibila. Antes de
descer aos infernos deve fazer um percurso iniciático – um conjunto de rituais.
Sibila entra em transe, possuída pelo Deus, para lhe fazer as revelações dos
sacrifícios que precisa de realizar.

Ramo de Ouro: única maneira de entrar e sair dos Infernos - Ah!, divino filho
do troiano Anquises, é coisa fácil, fácil demais mesmo, deslizar para baixo, para o Reino
das Sombras. Noite e dia lá estão abertas as portas de Plutão, dando-te as boas-vindas.
A dificuldade é voltar novamente ao ar puro do Céu. Isso, sim, é tarefa árdua. Somente
aqueles amados de Júpiter, filhos dos próprios deuses e uns poucos mortais, cujos feitos
brilhantes o céu aplaudiu, conseguiram voltar daquele vale escuro. Lá estão bosques
negros e impenetráveis e os rios Cocito, Estígio e Aqueronte para barrar o caminho de
volta. Se alimentas, porém, um tão grande desejo no teu coração, se tens coragem de
atravessar duas vezes o Estígio, de ver duas vezes o Tártaro, se te apraz empreender
uma jornada tão temerária, aprende antes os ensinamentos que te vou dar. Numa árvore
sombria do Averno está escondido um ramo de ouro flexível, tanto na haste quanto nas
folhas, e que dizem estar consagrado à infernal Prosérpina, esposa de Plutão, deus do
Mundo das Sombras. Toda a floresta procura esconder o ramo valioso dos olhos dos
mortais, mas somente aquele que o encontrar e arrancar poderá retornar, são e salvo,
da jornada. Arrancado o ramo, outro logo surge, coberto da mesma maneira do
reluzente metal. Com os olhos para o alto, pois, Eneias, procura o ramo e, depois do
encontrares, colhe-o segundo os rituais sagrados. Se os Fados te chamam, ele cederá
facilmente e deslizará até atrás de ti, mas de contrário não haverá força mortal capaz
de separá-lo do tronco a que pertence, nem o cortaria o aço mais afiado. Leva-o como
oferenda a Prosérpina (rainha dos Infernos).

Eneias demonstra ser alguém forte e valente – demonstrado no discurso com


a profetiza que lhe tenta assustar perante a catábase – para além dos rituais, é
necessário o contributo de um herói forte (virtus) que não teme a monstruosidade
do desconhecido.
Virgílio é o primeiro a dar grande pormenorização ao inferno.
Referência aos monstros que Eneias tem que se defender à entrada dos
infernos – quem desce ao mundo subterrâneo vê a alma dos mortos, a fome e a
doença.
Caronte e a sua barca (representação da viagem para o outro mundo)

• O anátema da morte que não distingue a idade – algo comum a todos;


não escolhe idade, nem estatutos sociais;
• A morte como viagem;
• A angústia dos que não foram alvo de rituais fúnebres – aqueles que
não tiveram rituais fúnebres, não conseguem atravessar o rio em paz;
• A compaixão de Eneias – um novo atributo, para além de virtus e pieta,
adicionado ao caráter de herói clássico, adicionado por Eneias.
A profetiza dá comida a Cerbero (cão monstruoso de três cabeças que
guardava a entrada do mundo inferior, deixando as almas entrarem, mas jamais
saírem e despedaçando os mortais que por lá se aventurassem) com
narcóticos/drogas, para que Eneias consiga passar e sair do rio de onde ninguém
volta.

O campo das lágrimas (ou do pranto): o espaço do Aqueronte, dos que


morreram antes do tempo, a inquietação de Dido, o cenário de manifestação do
herói pela triste condição humana. – lugar das crianças, suicidas, injustamente
castigados, mortes por amor.
Eneias vê Dido – Não há comunicação (são de mundos diferentes). A rainha
não muda a sua expressão quando Eneias lhe fala e volta para junto de Siqueu
(“onde o esposo de outrora corresponde ao seu afeto e lhe dá em troca amor
igual” – ao contrário de Eneias). Episódio muito discutido: Dido viu/ouviu, de
facto, Eneias? Ou quer “castigá-lo”? – O passado avassalador não muda, mas
reforça-se a ideia de Eneias cumprir a vontade dos deuses.

Os suplícios no Tártaro: Aqui estão os que odiaram irmãos, bateram nos


pais, armaram fraudes, apossaram-se de riquezas sem repartir pelos seus, os
que foram mortos em adultério, lutaram em guerra ímpia, faltaram a um
juramento. Para aqui vêm os pecadores, mesmo que tenham mantido os seus
crimes ocultos até à sua morte. Ex.: Salmoneu, que ousou imitar Júpiter e Tício,
cujo fígado é constantemente devorado pelos abutres. – As descrições deste
local são feitas pela Sibila a Eneias, uma vez que nenhum pios pode passar por
aquele local.
Os campos Elísios: Aqui estão os feridos a lutar pela pátria, os sacerdotes
castos, os vates pios, os que fizeram descobertas que melhoraram a vida, os
que se tornaram lembrados pelo bem que praticaram: os bem-aventurados.
Treinam na relva e na areia – antigamente lutavam; uma vez que agora não
precisavam de o fazer, exercitam-se. Dançam e cantam poemas – vida gloriosa
– banquete, música, diversão. Comem e cantam hinos a Apolo. – Idade do Ouro:
clima ameno, cidades perfeitas, não é preciso trabalhar porque a natureza dá
tudo.
Em Homero, os infernos são um Em Virgílio, os Infernos são o
mundo de sombras, de aparências, lugar onde uma justiça superior
que reproduzem o mundo real. castiga ou recompensa os
homens com base num critério
Em Homero, há uma referência aos
moral.
Campos Elísios ou Ilha dos bem-
aventurados, mas não se situam Virgílio coloca os Campos Elísios
nos Infernos. São um lugar muito nos Infernos, (Já Píndaro o
distante onde os heróis que se fizera), em contraste com a
distinguiram em vida gozam de região negra do Tártaro.
felicidade.

A partir do verso 679, até o breve epílogo, aconteceu o encontro de Eneias


com Anquises, que fez ao filho uma dupla revelação. A primeira dizia respeito às
origens do mundo e da alma; a segunda foi o chamado cortejo dos heróis
romanos. Distanciada dos Campos Elísios e deles separada pelo rio Letes,
localizava-se a quarta região do império de Plutão: um bosque coberto de
árvores frondosas, onde uma imensa multidão de sombras se aproximava do rio.
Eram eles os espíritos dos mortos que esperavam o momento de regressar ao
mundo dos vivos para um novo destino.
Virgílio, para fazer esta profecia, cria uma “filosofia” de uma mistura de
elementos de estoicismo, orfismo e pitagorismo – reencarnação.

O cortejo dos heróis: Não são apresentados numa sequência cronológica;


centram-se na definição da época de Augusto como uma ‘idade de ouro’ que
finalmente alcança a paz. - Glorificação do imperialismo romano, da sua
missão civilizadora, um povo destinado a governar o mundo. Mas não deixa de
condenar a guerra, sobretudo se fratricida: “não filhos! Não habitueis os ânimos
a tantas guerras, nem volteis as vossas forças contra o coração da pátria…”;
“Tu, Romano, sê atento a governar os povos com o teu poder, estas serão as
tuas artes, a impor hábitos de paz, a poupar os vencidos e derrubar os
orgulhosos.”
Roma: figura alegórica; tratada quase como uma deusa; “mãe” dos heróis.
Augusto: engrandecido, como uma espécie de messias.
“sê tu o primeiro a perdoar” – clementia de Augusto sobre os vencidos.
Anquises chama ao seu filho de Romano. Eneias já é romano muito antes de
Roma existir – fundador espiritual (não fundou a urbe, mas Roma transcende o
espaço físico).
Pax, clementia, iustitia, pietas (paz, clemência, justiça, piedade):
Necessárias para a grandeza do Império Romano. Reconhecem a
superioridade dos gregos nas artes, retórica e filosofia, mas vão ser os
romanos a ditar as normas, as leis, submeter os soberbos – noção civilizada de
Roma.
A saída dos infernos é facilitada.
Mas como compreender o final da Eneida?
Sendo a obra um poema que canta a missão de Roma, a Pax Augusta, a
glorificação do Império e terminando com a morte de Turno às mãos de Eneias.
Eneias ainda hesita em matá-lo (caráter de pietas), mas quando viu o cinto
do jovem Palante aos ombros de Turno (como um troféu), sentiu a força da
vingança e matou-o. A luta entre a clementia pelo vencido e a fides em relação
ao amigo. Vence a última. Eneias é o herói romano, a fides é um valor central
para o povo romano – a lealdade é superior à clemência.
Virtus – a coragem, a valentia, coragem do herói
Pietas – sentido de responsabilidade – “vínculo que une os membros da
sociedade, que sentem responsabilidade uns pelos outros. Na imagem de
Eneias a levar o pai ao colo de Tróia, denotamos a pietas, tanto em relação
com o pai, como com o filho, os deuses e à própria cidade (quando leva os
penates). A pietas sobrepõe-se à virtus.
Labor- trabalho/esforço.
Profugus- exilado/refugiado.
Patientia - resistência no sofrimento.
Pathos – sofrimento.
Lácio – região da Itália central, onde se estabeleceram os troianos liderados
por Eneias.
Cartago- cidade da costa do norte de África, próxima às ilhas Sardenha e da
Sicília, destruída por Roma em 146 a.C, ao final das guerras púnicas.
Lavínio – cidade fundada por Eneias, na região do Lácio.
O juízo de Páris – escolhido como árbitro de beleza, numa disputa em que
Juno tomava parte, o troiano decide-se a favor de Vénus – razão pela qual
Juno odeia os troianos.
Eólia – terra dos ventos, situa-se no arquipélago vulcânico das Eólias, também
denominadas ilhas Líparis, a nordeste da Sicília.
Austros – ventos que sopram do sul, quentes e tempestuosos; aí, uma
sinédoque, figurando a totalidade dos ventos.

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