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A Eneida é a grande contrapartida literária dos poemas homéricos. Este facto torna-se
evidente quando se analisa a estrutura da epopeia. Esta pode ser dividida em 2 partes
iguais, a primeira que vai do primeiro ao sexto canto é a parte "odissaica" uma vez que
retrata um estilo e conteúdo temático semelhante a essa obra (consiste em aventuras). A
segunda que vai do sétimo ao décimo segundo é a parte "iliádica", que apresenta um estilo
semelhante ao do primeiro poema homérico (consiste principalmente em guerras). Esta
divisão da obra não é inocente e revela conhecimento dos dois poemas homéricos por
parte de Virgílio.
Até nas próprias palavras iniciais do épico se conjugam a palavra-chave da Ilíada com as da
Odisseia ("As armas e o varão eu canto" - Eneida 1,1). Existem muitas semelhanças entre os
poemas homéricos e a Eneida, como:
O esquema geral;
O metro utilizado;
O uso de símiles;
O lançamento da narrativa in medias res e a regressão épica;
Algo inovador nesta obra que surge em relação à Ilíada e à Odisseia é o facto de ser Virgílio
a assumir claramente a narração, não sendo instrumento de uma musa como se observa
nos poemas homéricos.
Resumo da obra:
Canto I
A Eneida, tal como os poemas homéricos lança o leitor in medias res (começa no meio dos
acontecimentos). No canto I, Eneias encontra-se numa tempestade que em vez de os levar
para Itália, leva para Cartago. Esta tempestade é obra de Juno, ajudada pelo rei dos ventos.
Em cada epopeia há sempre um deus adverso sendo neste caso Juno (Hera) que persegue
os troianos porque:
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Isto é o contrário do que se espera de um herói épico sendo que por isso Eneias surge
quase como um anti-herói. Esta escolha para a personagem de Eneias revela muito sobre
Virgílio e a sua obra: Eneias é um herói com muitas dúvidas e contradições algo que revela
que Virgílio, ao invés de valorizar o fator bélico que explora as contradições e o íntimo de
cada personagem.
Vénus, após Eneias naufragar, vai ao Olimpo queixar-se a Júpiter das ações de Juno e este
profetiza que Eneias teria um futuro brilhante que o esperava a si e aos seus
descendentes. Em Cartago há uma inscrição que Eneias encontra que diz: "Mesmo aqui, as
homenagens devidas ao valor. Há lágrimas para o infortúnio, e o destino dos mortais
comove os corações" - Eneida 1.461-462. Quanto a estes versos, há duas interpretações: ou
esta seria mostra de simpatia de Cartago para com os troianos ou então seria uma forma
de oferecer a Hera algo que lhe agrada: a destruição dos troianos.
A seguir a Eneias encontrar estas inscrições e se emocionar com os frescos com a história de
Tróia, a figura de Dido aparece. Existem muitos “antefacta” (antecedentes/ prólogo da
tragédia) ao longo deste canto que nos vão sendo revelados por Vénus, em forma de
humana, vestida de caçador e a calçar coturnos, o calçado dos atores de tragédia. Vénus
tem, por isso, um papel de “prologizon”, isto é, alguém que profere o prólogo de uma
tragédia e revela os “antefacta”. Existem, à partida, algumas semelhanças entre a figura de
Dido e a de Eneias:
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Canto II
Dido solicita a Eneias que lhe relate a queda da lendária cidade de Tróia. O herói então
conta o célebre episódio do Cavalo de Tróia, a batalha que sucedeu durante a noite e o
incêndio começou a devorar a cidade que seria tomada pelos Aqueus.
Conta-se ainda, a história de Laocoonte que, querendo evitar que entrasse na cidade a falsa
oferenda, é sufocado por serpentes, juntamente com os filhos, a morte de Príamo às mãos
de Neoptólemo.
No desespero, Eneias decide lutar até morrer e, ao tentar matar Helena, Vénus aparece e
diz-lhe para este procurar o pai, a mulher, o filho e abandonar a cidade. Ao procurar a sua
mulher, Creúsa, nas ruas, encontra o fantasma dela. Com muita ternura esta profetiza que
ele irá fundar uma nova cidade. Após este encontro, Eneias consegue fugir com o seu pai
às cavalitas (imagem recorrente na arte da altura) e com o seu filho pela mão.
Canto III
No canto III, Eneias continua a contar a Dido as suas peripécias para chegar à península
Itálica (acontecendo aqui uma analepse), até aportar em Cartago acidentalmente. Fala
também do seu encontro com Andrómaca (viúva de Heitor) e o falecimento do seu pai,
Anquises.
Canto IV
O canto IV é um dos mais célebres cantos da Eneida e onde acontece o trágico episódio do
suicídio de Dido. Começa o canto com: "Mas a rainha, longo tempo enferma de sério
desassossego, alimenta a ferida que lhe corrói as veias e deixa-se devorar por um fogo
invisível." - Eneida 4.1-2. Ou seja, o exagero da paixão de Dido que vai sendo plantada
desde o canto I é representado pela imagem do amor como uma ferida e um fogo invisível.
É também no início do canto IV que se dá um diálogo entre Dido e a sua irmã Ana que é um
exemplo de um diálogo domina-nutrix. Num diálogo domina-nutrix (senhora-ama) uma
personagem dialoga com outra personagem, que é um prolongamento de si mesma:
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Uma diferença notável entre o primeiro canto e o canto IV está na forma como Dido é
descrita: enquanto que no primeiro é uma figura irreverente, poderosa e de liderança
agora é uma figura vulnerável comparada a um animal que vai ser alvo de caça (passa de
caçadora para caça), havendo até um um símile que compara Dido a uma corça ferida. Esta
ferida é o amor e Dido vai ser caçada sendo que esta imagem encerra os antecedentes da
tragédia anunciados por Vénus através do seu vestuário de caçadora no canto I.
Após este episódio, Juno, durante uma caçada organizada por Dido (mais uma vez o uso da
caça para aprofundar esta ideia), onde Eneias participa, faz aparecer uma tempestade que
faz Dido e Eneias juntarem-se numa gruta. Deste encontro Dido "casa" (simbolicamente)
com Eneias (Eneida 4.165-172).
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Canto V
Eneias desembarca na Sicília e decide realizar jogos fúnebres em honra do seu pai Anquises
no primeiro aniversário da sua morte. Enquanto eles jogam, as mulheres troianas pegam
fogo aos navios para não terem de defrontar novos perigos. Júpiter intervém mandando
uma vaga de chuva para evitar o desastre.
De noite Anquises, aparece nos sonhos do filho e manda-o ir a seu encontro debaixo da
terra, a fim de lhe dar conhecer o futuro. Este capítulo é importante para o estudo da
antropologia dos romanos porque dá indicações de como eles se relacionavam com a
morte.
Canto VI
Este canto é dedicado à catábase de Eneias, um dos episódios mais famosos da obra. Depois
de Eneias ter partido da Sicília fez escala em Cumas onde consulta uma sacerdotisa (uma
sibila — antes o termo era empregado como nome próprio e com o tempo passou a ser
usado como comum para todas aquelas que servissem a um deus) de Apolo.
Desse encontro, obtém permissão de descer ao mundo dos mortos. Este episódio, de certo
modo, lembra outras descidas famosas ao mundo dos mortos:
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Canto VIII
O canto VIII começa com o rio Tibre a falar com Eneias, que lhe diz que este deverá fazer
uma aliança com Evandro e o seu povo. Eneias e os troianos vão então ao encontro do rei e
são recebidos por este com um banquete de consagração a Hércules. Depois do banquete,
Evandro leva Eneias a uma visita guiada, mostrando-lhe a cidade.
De seguida, Vénus suplica armas a Vulcano, seu marido. Vulcano forja então o Escudo de
Eneias (remetendo-nos para o episódio do escudo de Aquiles, da Ilíada de Homero) onde
estão representados os grandes acontecimentos da futura história de Roma com a batalha
de Áccio no centro. Ao partirem, Palante, filho de Evandro vai então para a guerra com
Eneias na condição de aliado. Evandro suplica aos deuses que não permitam que o seu filho
morra.
Canto IX
Eneias encontra-se ausente da ação, a pedir auxílio aos Etruscos, a conselho de Evandro.
Turno aproveita então essa ausência do herói e invade o seu acampamento. Neste canto
surge o episódio admirável de amizade entre Euríalo e Niso. Turno entra na cidade pelo
portão, e luta até ao rio Tibre, para o qual é forçado a saltar ainda armado, e nada até ao
seu acampamento.
Canto X
Este canto abre com o concílio dos deuses, no qual Júpiter decide manter-se neutro no
conflito. Eneias regressa com o apoio dos Etruscos e Palante é morto por Turno, que se
reveste das suas armas. Mezêncio, antigo tirano dos etruscos, e Lauso, seu filho, são
mortos por Eneias que se sente comiserado pela ação de Lauso de tentar proteger o pai.
Canto XI
Eneias manda o cadáver de Palante ao seu pai, Evandro, que sofre com a sua perda e
Eneias marcha sobre Laurento.
Canto XII
Turno desafia Eneias para um combate singular. Os termos são aceites e juram-se tréguas
para que se realize o combate, mas Juturna, uma ninfa irmã de Turno, provoca um tumulto
entre os latinos o que fere Eneias. No entanto, Vénus, de forma milagrosa, cura-o
imediatamente.
Eneias ordena o assalto de Laurento e a rainha Amata suicida-se de desespero devido à
ordem do troiano. Turno combate com Eneias e, deste conflito, Júpiter e Juno chegam a
um acordo quanto ao destino dos troianos. Eles vão unir-se aos latinos cujo nome e
costumes irão manter.
Entretanto, Eneias derrota Turno que suplica pela sua vida. Estando prestes a poupar a
vida ao contendor por a súplica do mesmo, Eneias vê brilhar o boldrié de Palante e então
desfecha o golpe final a Turno, sendo com a morte deste que o poema termina.
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Teorias sobre o destino na Eneida
O que é o destino na Eneida, a natureza estoica ou não desse mesmo e se os deuses têm
algum controlo sobre este é ainda um tema no qual não há concordância unânime
existindo diversas teorias em relação a este assunto:
Heinze defende que o destino é a vontade de Júpiter, o deus supremo (tem traços
do pneuma estoico);
Há quem defenda que deus corresponde ao fatum;
Há quem separe os deuses do fatum sendo os deuses na Eneida só uma maquinaria
mitológica;
Há quem negue a ligação entre Júpiter e o fatum (tese oposta a Heinze);
Há a teoria de que através do culto aos deuses, podia-se adiar o cumprimento do
fatum, sendo que este, no entanto, tinha de ser cumprido;
Há quem defenda que os deuses têm papéis diferentes em relação ao conceito de
destino:
o Júpiter aplica o destino;
o Apolo revela o destino;
o Juno adia a concretização do destino;
o Vénus apoia a concretização mais rápida do destino;
Há quem acredite que o fatum da Eneida não corresponda ao fatum estoico;
Há quem ligue estes termos aos da filosofia estoica;
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No canto X (Eneida 10.622-627), Júpiter mostrar saber que o destino é inalterável,
mesmo que adiável mas não é claro se tal depende ou não da vontade dele;
A determinada altura do canto XII (Eneida 12.725-727), Júpiter proíbe Juno de
continuar a guerra, ou seja, adiar o fado. Isto indica que Júpiter é um administrador
dos Fados não sendo possível concluir-se se isso implica poder alterá-lo;
Algo que fica claro ao longo da obra é que o destino está traçado: "os fados
encontrarão o seu caminho" - Eneida 10,113:
o Ou seja, os fados farão o seu caminho pelos indiferentes da fortuna, sendo
este uma passagem que se alinha com a posição estóica do fatum e fortuna;
o "O que lhes couber em sorte de trabalhos e fortuna, que o suportem; o rei
Júpiter é para todos o mesmo para todos" - Eneida 10,111-112, Júpiter deixa
que a fortuna ponha à prova cada um e como cada um reage;
É importante, também, explorar a relação que existe entre a obra e o estoicismo para se
entender se o fatum da Eneida está relacionado ou não com o fatum estoico:
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Estrutura do caminho até ao Tártaro e Campos Elíseos
Orco – entrada;
Rios e lagoas:
o Aqueronte onde vive o Cérbero e onde se encontra Caronte, o barqueiro que
leva as almas para o mundo dos mortos;
o Cócito (rios);
o Estige (lagoa);
Seguem-se uma série de definições muito vagas:
o In limine primo (No limiar primeiro):
o juíz neste lugar é Minos;
É onde se encontram:
As crianças;
Os condenados por falsa acusação;
Os suicidas sendo que a colocação destes últimos no limiar
primo não é linear
o No livro VIII, uma personagem famosa de Roma, Catão
de Útica suicida-se pela República ter acabado (Júlio
César, vence Pompeu) não vai para o limiar primo,
mas sim para o juiz dos bem-aventurados.
o Arua Ultima (Os campos últimos);
o Lugentes Campi (Campo das lágrimas):
É neste lugar onde Eneias encontra Dido;
Após estes 3 lugares, surge uma bifurcação:
o De um lado os Campos Elíseos;
o Do outro, o Tártaro;
Campos elísios:
o Segundo a descrição dada pelo fragmento 129 Snell de Píndaro, este lugar é
uma continuidade da sua vida na Terra e tudo o que é descrito eles já têm na
vida antes de morrer.
o Na Eneida surge com a tipologia de um locus amoenus (lugar ameno). A
tipologia fundamental do Lócus Amoenus contém:
uma ou mais árvores;
um Prado;
uma fonte, rio ou regato;
Como elementos facultativos: aves, flores, sopro da brisa;
o Nestes Campos encontram-se os bem aventurados:
Os que foram feridos a defender a pátria;
Os sacerdotes castos;
Os profetas que disseram palavras dignas de Febo;
Os inventores e artistas (que representam a inteligência e a arte);
Todos os que deixaram memórias de si pelos seus méritos;
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Tártaro:
o Exemplo a contrario sensum dos valores que Roma defendia:
Pietas;
Fides;
Valor do casamento;
Contra o incesto;
o Eneias não pode entrar porque é puro de Coração (pietas de Eneias) sendo a
Sibila quem lhe descreve o Tártaro. Encontram-se neste espaço:
Os condenados/criminosos mitológicos célebres;
Encontram-se também aqueles que quebraram a pietas;
Os que quebraram a fides;
quem não gasta dinheiro para fazer o bem;
os que cometem adultério;
os que venderam a pátria e andaram em guerras;
Os incestuosos e adúlteros;
"um sopro, no seu íntimo, lhes dá vida, e um espírito invade suas partes e põe-lhes
em movimento a massa inteira e mistura-se na imensidão de seu corpo" - Eneida
6,726-727;
Neste canto faz-se uma descrição da parada dos heróis que segue a ordem cronológica com
a célebre exceção de César e Augusto, que aparecem a seguir a Rómulo. Virgílio, posiciona-
os assim porque Rómulo foi o fundador de Roma e estes são vistos como os “re-
fundadores” de Roma. Este posicionamento vem da "autoritas" destes líderes que trazem
uma nova idade de ouro a Roma.
Os gregos são superiores nas artes mármore ou bronze e possuem uma eloquência
maior, sendo melhores oradores.
No entanto, aos romanos cabe governar editar a paz:
o Os Romanos e que dão a paz consoante as rendições dos povos poupando
os que se submetem e abatendo os soberbos;
o No entanto, esta é uma atitude que vai contra o que Eneias faz ao matar
Turno já derrotado ia pedir piedade;
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