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Eneida de Virgílio

A Eneida é a grande contrapartida literária dos poemas homéricos. Este facto torna-se
evidente quando se analisa a estrutura da epopeia. Esta pode ser dividida em 2 partes
iguais, a primeira que vai do primeiro ao sexto canto é a parte "odissaica" uma vez que
retrata um estilo e conteúdo temático semelhante a essa obra (consiste em aventuras). A
segunda que vai do sétimo ao décimo segundo é a parte "iliádica", que apresenta um estilo
semelhante ao do primeiro poema homérico (consiste principalmente em guerras). Esta
divisão da obra não é inocente e revela conhecimento dos dois poemas homéricos por
parte de Virgílio.
Até nas próprias palavras iniciais do épico se conjugam a palavra-chave da Ilíada com as da
Odisseia ("As armas e o varão eu canto" - Eneida 1,1). Existem muitas semelhanças entre os
poemas homéricos e a Eneida, como:

 O esquema geral;
 O metro utilizado;
 O uso de símiles;
 O lançamento da narrativa in medias res e a regressão épica;
Algo inovador nesta obra que surge em relação à Ilíada e à Odisseia é o facto de ser Virgílio
a assumir claramente a narração, não sendo instrumento de uma musa como se observa
nos poemas homéricos.

Resumo da obra:
Canto I
A Eneida, tal como os poemas homéricos lança o leitor in medias res (começa no meio dos
acontecimentos). No canto I, Eneias encontra-se numa tempestade que em vez de os levar
para Itália, leva para Cartago. Esta tempestade é obra de Juno, ajudada pelo rei dos ventos.
Em cada epopeia há sempre um deus adverso sendo neste caso Juno (Hera) que persegue
os troianos porque:

 No julgamento de Páris não foi escolhida;


 Ganimedes (filho de Tróio) ter feito Júpiter (Zeus) apaixonar-se;
 Juno era protetora dos cartagineses, sendo que havia uma profecia de que os
romanos (que iriam surgir de Eneias) iriam derrotar esse povo;
Neste canto, dá-se um episódio de makarismós (alguém que olha para outra pessoa e vê
outra pessoa como feliz, invejando o seu destino) onde o herói diz que felizes foram
aqueles que morreram em Tróia por não terem de explorar estas dificuldades (“Oh, três e
quatro vezes ditosos aqueles que, diante dos olhos de seus pais, sob as altas muralhas de
Troia, a sorte concedeu que baqueassem!” - Eneida 1, 94-96).

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Isto é o contrário do que se espera de um herói épico sendo que por isso Eneias surge
quase como um anti-herói. Esta escolha para a personagem de Eneias revela muito sobre
Virgílio e a sua obra: Eneias é um herói com muitas dúvidas e contradições algo que revela
que Virgílio, ao invés de valorizar o fator bélico que explora as contradições e o íntimo de
cada personagem.
Vénus, após Eneias naufragar, vai ao Olimpo queixar-se a Júpiter das ações de Juno e este
profetiza que Eneias teria um futuro brilhante que o esperava a si e aos seus
descendentes. Em Cartago há uma inscrição que Eneias encontra que diz: "Mesmo aqui, as
homenagens devidas ao valor. Há lágrimas para o infortúnio, e o destino dos mortais
comove os corações" - Eneida 1.461-462. Quanto a estes versos, há duas interpretações: ou
esta seria mostra de simpatia de Cartago para com os troianos ou então seria uma forma
de oferecer a Hera algo que lhe agrada: a destruição dos troianos.
A seguir a Eneias encontrar estas inscrições e se emocionar com os frescos com a história de
Tróia, a figura de Dido aparece. Existem muitos “antefacta” (antecedentes/ prólogo da
tragédia) ao longo deste canto que nos vão sendo revelados por Vénus, em forma de
humana, vestida de caçador e a calçar coturnos, o calçado dos atores de tragédia. Vénus
tem, por isso, um papel de “prologizon”, isto é, alguém que profere o prólogo de uma
tragédia e revela os “antefacta”. Existem, à partida, algumas semelhanças entre a figura de
Dido e a de Eneias:

 Ambos perderam um familiar:


o Dido perde o seu marido, Siqueu, que era riquíssimo e e havia sido morto por
Pigmaleão, rei de Tiro e irmão de Dido;
o Eneias perde Creúsa;
o Tanto Siqueu como Creúsa apareceram, para lhes dizerem o que devem
fazer (por exemplo, Siqueu revela a Dido onde estão as suas riquezas e
Creúsa profetiza o destino de Eneias);
 Ambos assumiram o estatuto de líder por força das circunstâncias;
 Ambos viajam pelo mar e comandam a sua expedição:
o Apesar desta semelhança, surge aqui uma pequena diferença. Enquanto
Dido já está a fundar Cartago, Eneias ainda tem de fundar a cidade de
Lavínio (masculino de Lavínia, que viria a ser a sua mulher).;
As semelhanças não só preparam o encontro entre ambos, como justificam o interesse do
troiano por alguém tão semelhante a si. Em Eneida 1.490-504, Dido é descrita como uma
amazona e tem perfil de líder, sendo empenhada na construção da cidade e dando ordens
às pessoas. Esta descrição revela um grande contraste com o fim que vai sofrer no canto IV.
Vénus planeia fazer Dido apaixonar-se por Eneias. Para isso, faz o Cupido assumir a forma
de Ascânio, aproveitando assim o instinto maternal de Dido que não tinha tido filhos com
Siqueu. Este amor é como um fogo que a consome e atua como veneno "quando te
envolver em abraços e te pregar beijos de meiguice, às escondidas lhe atiçares o fogo e a
desvairares com teu veneno.” - Eneida 1.719-720".

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Canto II
Dido solicita a Eneias que lhe relate a queda da lendária cidade de Tróia. O herói então
conta o célebre episódio do Cavalo de Tróia, a batalha que sucedeu durante a noite e o
incêndio começou a devorar a cidade que seria tomada pelos Aqueus.
Conta-se ainda, a história de Laocoonte que, querendo evitar que entrasse na cidade a falsa
oferenda, é sufocado por serpentes, juntamente com os filhos, a morte de Príamo às mãos
de Neoptólemo.
No desespero, Eneias decide lutar até morrer e, ao tentar matar Helena, Vénus aparece e
diz-lhe para este procurar o pai, a mulher, o filho e abandonar a cidade. Ao procurar a sua
mulher, Creúsa, nas ruas, encontra o fantasma dela. Com muita ternura esta profetiza que
ele irá fundar uma nova cidade. Após este encontro, Eneias consegue fugir com o seu pai
às cavalitas (imagem recorrente na arte da altura) e com o seu filho pela mão.
Canto III
No canto III, Eneias continua a contar a Dido as suas peripécias para chegar à península
Itálica (acontecendo aqui uma analepse), até aportar em Cartago acidentalmente. Fala
também do seu encontro com Andrómaca (viúva de Heitor) e o falecimento do seu pai,
Anquises.
Canto IV
O canto IV é um dos mais célebres cantos da Eneida e onde acontece o trágico episódio do
suicídio de Dido. Começa o canto com: "Mas a rainha, longo tempo enferma de sério
desassossego, alimenta a ferida que lhe corrói as veias e deixa-se devorar por um fogo
invisível." - Eneida 4.1-2. Ou seja, o exagero da paixão de Dido que vai sendo plantada
desde o canto I é representado pela imagem do amor como uma ferida e um fogo invisível.
É também no início do canto IV que se dá um diálogo entre Dido e a sua irmã Ana que é um
exemplo de um diálogo domina-nutrix. Num diálogo domina-nutrix (senhora-ama) uma
personagem dialoga com outra personagem, que é um prolongamento de si mesma:

 A personagem que assume o papel de "nutrix" no diálogo não tem densidade


psicológica;
 A personagem “nutrix” serve apenas para substituir um monólogo da personagem
“domina” por um diálogo;
 Exemplos de personagens “domina” e “nutrix” são:
o Dido e Ana, sua irmã;
o Eneias e Acates;
Neste diálogo com Ana, Dido lembra que tinha jurado fidelidade a Siqueu, mas agora
estava angustiada pelo amor que sentia por Eneias. Ana argumenta então que a relação
com Eneias convém a Dido pela sua juventude e pelos perigos que são representados pelos
reis e reinos que a circundavam.

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Uma diferença notável entre o primeiro canto e o canto IV está na forma como Dido é
descrita: enquanto que no primeiro é uma figura irreverente, poderosa e de liderança
agora é uma figura vulnerável comparada a um animal que vai ser alvo de caça (passa de
caçadora para caça), havendo até um um símile que compara Dido a uma corça ferida. Esta
ferida é o amor e Dido vai ser caçada sendo que esta imagem encerra os antecedentes da
tragédia anunciados por Vénus através do seu vestuário de caçadora no canto I.
Após este episódio, Juno, durante uma caçada organizada por Dido (mais uma vez o uso da
caça para aprofundar esta ideia), onde Eneias participa, faz aparecer uma tempestade que
faz Dido e Eneias juntarem-se numa gruta. Deste encontro Dido "casa" (simbolicamente)
com Eneias (Eneida 4.165-172).

 Aqui, a deusa substitui os rituais típicos do casamento Romano com elementos


naturais:
o Os relâmpagos substituem as tochas nupciais;
o O ulular das Ninfas substitui os cantos nupciais;
 Os personagens entendem este episódio de maneira diferente:
o Dido assume inteiramente o seu compromisso para com Eneias;
o Eneias mantém sempre uma atitude dúbia (de certo modo, parece que
Eneias não consegue amar uma mulher);
O fogo da paixão vai consumindo Dido cada vez mais ao longo deste canto, sendo que esta
se dispôs de tudo por Eneias, enquanto que Eneias mantém sempre uma atitude muito
menos certa em relação a Dido. Devido à assimetria da relação, a esperança (spes) que Dido
alimenta, na realidade trágica, é um sentimento que não é positivo uma vez que vai adiar o
destino infeliz e torná-lo ainda mais infeliz.
Após o episódio da gruta, Júpiter envia Mercúrio a Eneias para lhe lembrar que o seu
destino é encontrar o Lácio e fundar uma nova cidade que substitua a cidade de Troia
destruída e que governe as demais cidades do mundo. Eneias tenta sair de Cartago sem
que Dido se aperceba, mas esta encontra-o e implora que este fique o herói fique a seu
lado. Eneias, no entanto, tem de cumprir o seu dever e ir para Itália apesar dos apelos
desesperados de Dido para que ele fique. “Itália não é de minha vontade que a demando”
(Italiam non sponte sequor) - Eneida 4.360-361. Daqui surge o outro verso da moeda da
tragédia de Dido: a irredutibilidade Eneias que é até comparada a um carvalho num símile.
Dido, em raiva, profetiza que alguém nascerá de Cartago para a vingar ("Nasce de meus
ossos, quem quer que sejas, vingador que a ferro e fogo hás de perseguir os colónios
dardânios" - Eneida 4.625-626) este é Aníbal Barca que esteve envolvido na Batalha de
Canas de 216 a.C.
Sentindo-se abandonada, enganada, furiosa e ensandecida pelo amor não retribuído, Dido
suicida-se enquanto os navios troianos partem e Eneias vê ao longe o fumo a sair da pira
fúnebre do palácio da rainha.

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Canto V
Eneias desembarca na Sicília e decide realizar jogos fúnebres em honra do seu pai Anquises
no primeiro aniversário da sua morte. Enquanto eles jogam, as mulheres troianas pegam
fogo aos navios para não terem de defrontar novos perigos. Júpiter intervém mandando
uma vaga de chuva para evitar o desastre.
De noite Anquises, aparece nos sonhos do filho e manda-o ir a seu encontro debaixo da
terra, a fim de lhe dar conhecer o futuro. Este capítulo é importante para o estudo da
antropologia dos romanos porque dá indicações de como eles se relacionavam com a
morte.
Canto VI
Este canto é dedicado à catábase de Eneias, um dos episódios mais famosos da obra. Depois
de Eneias ter partido da Sicília fez escala em Cumas onde consulta uma sacerdotisa (uma
sibila — antes o termo era empregado como nome próprio e com o tempo passou a ser
usado como comum para todas aquelas que servissem a um deus) de Apolo.
Desse encontro, obtém permissão de descer ao mundo dos mortos. Este episódio, de certo
modo, lembra outras descidas famosas ao mundo dos mortos:

 O episódio de Orfeu e Eurídice;


 A nekya de Odisseu, no canto XI da Odisseia;
No mundo dos mortos Eneias vê vários fantasmas. Um deles é o de Dido que, junto de
Siqueu, o seu primeiro marido, não lhe responde. Para além deste encontro com a antiga
rainha de Cartago, vê os seus companheiros de armas e os aqueus e ouve a descrição de
Sibila dos castigos do Tártaro.
Dirige-se depois aos campos elísios, onde Anquises lhe explica o sistema do mundo e lhe
mostra os futuros heróis romanos e os seus descendentes (sendo aqui onde Júlio César e
Augusto aparecem na obra, logo a seguir a Rómulo, o fundador de Roma). Anquises dá
ainda importantes informações a Eneias sobre a sua viagem e faz uma longa profecia sobre
o futuro glorioso de Roma.
Canto VII
Após a atribulada viagem de Eneias, este finalmente chega à Itália. Neste canto, Eneias está
em Lácio (“Latium”, província romana onde Roma se situará) e manda ao rei Latino
presentes, pedindo-lhe acolhimento. Latino não só lhe oferece acolhimento, como também
lhe concede a mão da sua filha, Lavínia, que sabe pelos oráculos que terá de ser dada a um
estrangeiro.
É Turno, rei dos Rútulos que, apaixonado pela princesa, se opõe à união. Depois desse
tenso confronto, Juno aparece num sonho de Turno e instiga-o a entrar em conflito
armado contra Eneias.

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Canto VIII
O canto VIII começa com o rio Tibre a falar com Eneias, que lhe diz que este deverá fazer
uma aliança com Evandro e o seu povo. Eneias e os troianos vão então ao encontro do rei e
são recebidos por este com um banquete de consagração a Hércules. Depois do banquete,
Evandro leva Eneias a uma visita guiada, mostrando-lhe a cidade.
De seguida, Vénus suplica armas a Vulcano, seu marido. Vulcano forja então o Escudo de
Eneias (remetendo-nos para o episódio do escudo de Aquiles, da Ilíada de Homero) onde
estão representados os grandes acontecimentos da futura história de Roma com a batalha
de Áccio no centro. Ao partirem, Palante, filho de Evandro vai então para a guerra com
Eneias na condição de aliado. Evandro suplica aos deuses que não permitam que o seu filho
morra.
Canto IX
Eneias encontra-se ausente da ação, a pedir auxílio aos Etruscos, a conselho de Evandro.
Turno aproveita então essa ausência do herói e invade o seu acampamento. Neste canto
surge o episódio admirável de amizade entre Euríalo e Niso. Turno entra na cidade pelo
portão, e luta até ao rio Tibre, para o qual é forçado a saltar ainda armado, e nada até ao
seu acampamento.
Canto X
Este canto abre com o concílio dos deuses, no qual Júpiter decide manter-se neutro no
conflito. Eneias regressa com o apoio dos Etruscos e Palante é morto por Turno, que se
reveste das suas armas. Mezêncio, antigo tirano dos etruscos, e Lauso, seu filho, são
mortos por Eneias que se sente comiserado pela ação de Lauso de tentar proteger o pai.
Canto XI
Eneias manda o cadáver de Palante ao seu pai, Evandro, que sofre com a sua perda e
Eneias marcha sobre Laurento.
Canto XII
Turno desafia Eneias para um combate singular. Os termos são aceites e juram-se tréguas
para que se realize o combate, mas Juturna, uma ninfa irmã de Turno, provoca um tumulto
entre os latinos o que fere Eneias. No entanto, Vénus, de forma milagrosa, cura-o
imediatamente.
Eneias ordena o assalto de Laurento e a rainha Amata suicida-se de desespero devido à
ordem do troiano. Turno combate com Eneias e, deste conflito, Júpiter e Juno chegam a
um acordo quanto ao destino dos troianos. Eles vão unir-se aos latinos cujo nome e
costumes irão manter.
Entretanto, Eneias derrota Turno que suplica pela sua vida. Estando prestes a poupar a
vida ao contendor por a súplica do mesmo, Eneias vê brilhar o boldrié de Palante e então
desfecha o golpe final a Turno, sendo com a morte deste que o poema termina.

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Teorias sobre o destino na Eneida
O que é o destino na Eneida, a natureza estoica ou não desse mesmo e se os deuses têm
algum controlo sobre este é ainda um tema no qual não há concordância unânime
existindo diversas teorias em relação a este assunto:

 Heinze defende que o destino é a vontade de Júpiter, o deus supremo (tem traços
do pneuma estoico);
 Há quem defenda que deus corresponde ao fatum;
 Há quem separe os deuses do fatum sendo os deuses na Eneida só uma maquinaria
mitológica;
 Há quem negue a ligação entre Júpiter e o fatum (tese oposta a Heinze);
 Há a teoria de que através do culto aos deuses, podia-se adiar o cumprimento do
fatum, sendo que este, no entanto, tinha de ser cumprido;
 Há quem defenda que os deuses têm papéis diferentes em relação ao conceito de
destino:
o Júpiter aplica o destino;
o Apolo revela o destino;
o Juno adia a concretização do destino;
o Vénus apoia a concretização mais rápida do destino;
 Há quem acredite que o fatum da Eneida não corresponda ao fatum estoico;
 Há quem ligue estes termos aos da filosofia estoica;

Indícios na Eneida da natureza da relação dos deuses com os fados


Existem vários indícios que apontam para qual é a relação dos deuses com os fados na
Eneida:

 No canto I (Eneida 1.257-266) é revelado que Júpiter conhece os fados não se


sabendo, no entanto, se os pode alterar ou não. Nessa mesma passagem, fala
também dos feitos que Eneias e a sua linhagem irão fazer (guerras, fundar Lavínio e
reinar 3 anos - daqui seguem-se os. Do Reino de Ascânio com a fundação de
Albalonga e 300 anos dos Reis Albanos até Rómulo e Remo sendo aqui importante
notar o crescer das datas: 3, 30, 300);
 Mais adiante na obra (Eneida 3.779-784 e Eneida 10.31-35), também é revelado que
o mando de Júpiter e a força dos fados são coincidentes existem duas teorias para
o porquê de isto acontecer:
o Júpiter controla o destino;
o Júpiter apenas conhece o destino e sabe que não o pode contrariar;
 No canto VI (Eneida 6.373-376), dá-se a entender que os fados estão dependentes
da vontade dos deuses quando se usa o termo "os fados dos deuses";
 No canto VII (Eneida 7.308-316) revela-se que talvez os fados não dependam dos
deuses apenas visto que Juno não tem poder de os alterar (questão de se Júpiter
pode continua em aberto), apenas de o adiar;

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 No canto X (Eneida 10.622-627), Júpiter mostrar saber que o destino é inalterável,
mesmo que adiável mas não é claro se tal depende ou não da vontade dele;
 A determinada altura do canto XII (Eneida 12.725-727), Júpiter proíbe Juno de
continuar a guerra, ou seja, adiar o fado. Isto indica que Júpiter é um administrador
dos Fados não sendo possível concluir-se se isso implica poder alterá-lo;
 Algo que fica claro ao longo da obra é que o destino está traçado: "os fados
encontrarão o seu caminho" - Eneida 10,113:
o Ou seja, os fados farão o seu caminho pelos indiferentes da fortuna, sendo
este uma passagem que se alinha com a posição estóica do fatum e fortuna;
o "O que lhes couber em sorte de trabalhos e fortuna, que o suportem; o rei
Júpiter é para todos o mesmo para todos" - Eneida 10,111-112, Júpiter deixa
que a fortuna ponha à prova cada um e como cada um reage;
É importante, também, explorar a relação que existe entre a obra e o estoicismo para se
entender se o fatum da Eneida está relacionado ou não com o fatum estoico:

 No canto V, quando nos encontramos perto do final da parte odissaica da obra,


Eneias tem de se desfazer de tudo o que representa o passado para recomeçar de
novo. Neste canto, um comentário de Nautes, diz: "temos de superar toda a fortuna,
suportando-a" sendo este um parecer profundamente estoico;
 A própria figura de Eneias, por vários dos seus comportamentos e atitudes é visto
como um herói estoico sendo esta, no entanto, apenas uma das várias facetas desta
personagem complexa;
 Para entender qual a perspetiva estoica dos fados podemos recorrer a Séneca em
Cartas a Lucílio onde este afirma "A quem é dócil, guiam-no os fados, ao
recalcitrante arrastam-no.";

Os males do Orco (canto VI)


Ao entrar no Orco, no canto VI, existe uma personificação dos males: luto, medo, fome,
tormento, morte e velhice, sendo que esta podia ser vista como algo positiva ou negativa:
o Solón tinha uma perspetiva positiva, uma vez que dizia que envelhecia
aprendendo sempre muitas coisas;
 Para além disso, também se pode associar a velhice a uma vida livre
de paixões com mais experiência e sabedoria;
o Existe, no entanto, também a perspetiva negativa apresentada por Catão-o-
antigo que afirma que a velhice é terrível:
 Porque obsta aos exercícios da vida ativa;
 Porque traz consigo enfermidades do corpo;
 porque priva quasi totalmente de deleitações;
 Porque dista pouco da morte.
 Também se pode adicionar estas a dificuldade das pessoas velhas em
adaptar-se a situações novas.

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Estrutura do caminho até ao Tártaro e Campos Elíseos

 Orco – entrada;
 Rios e lagoas:
o Aqueronte onde vive o Cérbero e onde se encontra Caronte, o barqueiro que
leva as almas para o mundo dos mortos;
o Cócito (rios);
o Estige (lagoa);
 Seguem-se uma série de definições muito vagas:
o In limine primo (No limiar primeiro):
 o juíz neste lugar é Minos;
 É onde se encontram:
 As crianças;
 Os condenados por falsa acusação;
 Os suicidas sendo que a colocação destes últimos no limiar
primo não é linear
o No livro VIII, uma personagem famosa de Roma, Catão
de Útica suicida-se pela República ter acabado (Júlio
César, vence Pompeu) não vai para o limiar primo,
mas sim para o juiz dos bem-aventurados.
o Arua Ultima (Os campos últimos);
o Lugentes Campi (Campo das lágrimas):
 É neste lugar onde Eneias encontra Dido;
 Após estes 3 lugares, surge uma bifurcação:
o De um lado os Campos Elíseos;
o Do outro, o Tártaro;
 Campos elísios:
o Segundo a descrição dada pelo fragmento 129 Snell de Píndaro, este lugar é
uma continuidade da sua vida na Terra e tudo o que é descrito eles já têm na
vida antes de morrer.
o Na Eneida surge com a tipologia de um locus amoenus (lugar ameno). A
tipologia fundamental do Lócus Amoenus contém:
 uma ou mais árvores;
 um Prado;
 uma fonte, rio ou regato;
 Como elementos facultativos: aves, flores, sopro da brisa;
o Nestes Campos encontram-se os bem aventurados:
 Os que foram feridos a defender a pátria;
 Os sacerdotes castos;
 Os profetas que disseram palavras dignas de Febo;
 Os inventores e artistas (que representam a inteligência e a arte);
 Todos os que deixaram memórias de si pelos seus méritos;

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 Tártaro:
o Exemplo a contrario sensum dos valores que Roma defendia:
 Pietas;
 Fides;
 Valor do casamento;
 Contra o incesto;
o Eneias não pode entrar porque é puro de Coração (pietas de Eneias) sendo a
Sibila quem lhe descreve o Tártaro. Encontram-se neste espaço:
 Os condenados/criminosos mitológicos célebres;
 Encontram-se também aqueles que quebraram a pietas;
 Os que quebraram a fides;
 quem não gasta dinheiro para fazer o bem;
 os que cometem adultério;
 os que venderam a pátria e andaram em guerras;
 Os incestuosos e adúlteros;

Encontro de Eneias com o pai e explicação do mundo


É também no canto VI que se dá o encontro de Eneias com o seu pai. Eneias tenta abraçar
o pai, mas não consegue, uma vez que ele é uma sombra. Neste encontro, o pai tenta
comunicar a Eneias como é que o mundo funciona sendo que esta explicação se encontra
de acordo com o que a física estoica defendia uma vez que remete para os 4 elementos e
para o sopro ígneo, o pneuma, que dá a vida:

 "um sopro, no seu íntimo, lhes dá vida, e um espírito invade suas partes e põe-lhes
em movimento a massa inteira e mistura-se na imensidão de seu corpo" - Eneida
6,726-727;
Neste canto faz-se uma descrição da parada dos heróis que segue a ordem cronológica com
a célebre exceção de César e Augusto, que aparecem a seguir a Rómulo. Virgílio, posiciona-
os assim porque Rómulo foi o fundador de Roma e estes são vistos como os “re-
fundadores” de Roma. Este posicionamento vem da "autoritas" destes líderes que trazem
uma nova idade de ouro a Roma.

Comparação da cultura grega com a cultura romana


Também neste canto se faz uma comparação entre a cultura grega e a cultura romana:

 Os gregos são superiores nas artes mármore ou bronze e possuem uma eloquência
maior, sendo melhores oradores.
 No entanto, aos romanos cabe governar editar a paz:
o Os Romanos e que dão a paz consoante as rendições dos povos poupando
os que se submetem e abatendo os soberbos;
o No entanto, esta é uma atitude que vai contra o que Eneias faz ao matar
Turno já derrotado ia pedir piedade;

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