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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA
HISTÓRIA ANTIGA I

ANNA CLARA DE SOUZA MELO, GABRIEL HENRIQUE DA COSTA PEIXOTO


MARCOS ANTÔNIO DE SOUSA ATAIDES , MIRIAN BEATRIZ DOS SANTOS

A poesia homérica: o canto XXII “Anaíresis: morte de Héctor” da obra Ilíada

Goiânia - Goiás
2022
ANNA CLARA DE SOUZA MELO, GABRIEL HENRIQUE DA COSTA PEIXOTO
MARCOS ANTÔNIO DE SOUSA ATAIDES , MIRIAN BEATRIZ DOS SANTOS

A poesia homérica: o canto XXII “Anaíresis: morte de Héctor” da obra Ilíada

Atividade avaliativa solicitada na disciplina de


História do Antiga I da Faculdade de História
da Universidade Federal de Goiás, ministrada
pela Profa. Dra. Luciane Munhoz de Omena.

Goiânia - Goiás
2022
RESUMO: A atividade apresentada tem como objetivo analisar um recorte da obra Ilíada, o
canto XXII “Anaíresis: morte de Héctor”, de Homero. Nesse texto, busca-se debater a
contextualização da poesia homérica e discorrer a respeito de alguns aspectos da sociedade
grega, como a tradição da oralidade.

Palavras chaves: Poesia homérica, sociedade grega, oralidade.

ABSTRACT: The activity presented aims to analyze a clipping of the work Iliad, the song
XXII "Anaíresis: morte de Héctor", by the Greek poet Homer. In this text, we seek to discuss
the contextualization of Homeric poetry and discuss some aspects of Greek society, such as
the tradition of orality.

Key words: Homeric poetry, Greek society, orality.

___________________________________________________________________________

Ao analisar períodos anteriores ao desenvolvimento da escrita, nota-se que a tradição


oral se configura como uma ferramenta de manutenção da memória coletiva, de transmissão
de conhecimentos diversos, valores culturais e morais fundamentais para a organização social
da comunidade. Nesse contexto, está a poesia, um elemento da literatura grega bastante
estudado pelos historiadores, tendo em vista sua importância para o entendimento do mundo
grego, sua originalidade e beleza. Com o surgimento da escrita, as composições advindas das
práticas de oralidade adquirem mais resistência ao esquecimento, uma vez que essas obras se
fixam, em formato textual, como documentos que apontam particularidades daquele povo.
Através da oralidade, poetas como Hesíodo e Homero, apresentam a Verdade: uma
forma de vida humana específica. Na atividade poética, apesar de escapar da realidade
concreta, o trabalho de narrar feitos heróicos e o ato de invocar as Musas, filhas de Zeus,
exerce um papel pedagógico: de fixar na memória dos ouvintes os aspectos éticos, históricos,
sociais e religiosos daquela comunidade. A respeito disso, o historiador belga Marcel
Detienne explica que:

“Que memória não era necessária naqueles tempos?! Quantas medicações eram
dadas sobre os meios de identificar os lugares, sobre os momentos propícios aos
empreendimentos, sobre os sacrifícios que haveriam de ser feitos aos deuses…sobre
os monumentos dos heróis, cuja localização era secreta e muito difícil de ser
encontrada em regiões tão distantes da Grécia.” Uma civilização oral exige um
desenvolvimento da memória, ela necessita da execução de técnicas de memória
muito precisas. (DETIENNE, 1988, p.16)
A poesia oral se transforma em um elemento imprescindível na estruturação da cultura
dos gregos arcaicos. Como já foi dito anteriormente, por intermédio dessas composições
líricas criadas pelos poetas, os helenos aprenderam noções jurídicas, localizações
geográficas, práticas de agricultura, rituais religiosos e valores morais fundamentais para o
funcionamento do corpo social e para o exercício da cidadania.
A principal figura histórica atribuída à formação ética e pedagógica da sociedade
grega é Homero. Segundo Heródoto, Homero teria vivido 400 anos antes dele, isto é, no
século -IX. Estudiosos modernos situam, no entanto, a data de composição da Ilíada e da
Odisseia no fim da Idade das Trevas (c. -750) ou no início do Período Arcaico (-750/-713), e
estudos recentes tendem a trazer a data para o início do século -VII ou mesmo para o final do
século -VI. O uso mais dominante do dialeto jônico, sugere que Homero poderia ter nascido
na Jônia. Ele era um aedo cego, por conta de que naquela época uma pessoa de boa memória
como ele, era comumente cega, pois assim essas pessoas teriam uma capacidade maior de
lembrar dos acontecimentos.
Seu nome, Homero, ainda está em debate até os dias de hoje, por não se ter um
registro que prove seu nome, alguns historiadores julgam que Homero nem tenha existido.
Independentemente da fama e das inúmeras citações de estudiosos antigos, não há evidências
de que Homero realmente existiu ou escreveu qualquer uma das duas epopeias,
tradicionalmente chamadas de poemas homéricos. Ilíada é a mais antiga e grande obra
atribuída a Homero, assim como também é a obra mais antiga na cultura ocidental.
Pressupõe-se que a Ilíada tenha sido uma composição oral, memorizada e recitada em
ocasiões especiais, como banquetes, composta entre -750 e -725 (JANKO, 1982 apud
RIBEIRO JR., W.A. 2022). Somente no final do século VI, dois séculos mais tarde, os versos
foram colocados na forma escrita.
O assunto da obra, cobre apenas um período de mais ou menos 45 dias do décimo ano
da Guerra da Tróia. O tema principal é a ira do herói Aquiles que, afrontado por Agamêmnon,
filho de Atreu, comandante do exército grego, retira-se da luta. Privados do auxílio de seu
mais poderoso combatente, os gregos sofrem revés sobre revés e são acuados pelos troianos
diante de suas próprias naus. No último momento, porém, Aquiles se reconcilia com
Agamêmnon, volta ao combate e rechaça o inimigo. Para melhor compreensão será feito um
recorte de Ilíada e será feito um estudo baseado no Canto XXII.
A poesia épica, nome atribuído às poesias homéricas, tem como característica a
celebração heróica e feitos grandiosos, por esta razão a obra Ilíada reforça os atos bélicos e as
aventuras extraordinárias que ocorreram durante a Guerra de Tróia. Sendo assim, o poeta nos
conecta com as crenças da comunidade, resgatando aspectos da cultura antecessora que
valorizava a oralidade, enquanto aborda temas importantes para os gregos, como rituais
religiosos, lendas e teorias. O herói dos poemas épicos se caracterizava por demonstrar
responsabilidade social, lealdade a uma causa maior, devoção à liberdade e a preservação de
sua terra natal, atribuído aos guerreiros da Grécia Antiga.
A sociedade grega tinha grande apreço ao heroísmo nas batalhas, tanto que os jovens
guerreiros eram ensinados desde crianças como se comportar a situações terríveis e de
sofrimento, assim como aprendiam também a guerrear para se tornarem grandes vitoriosos
nas guerras. Usufruir tal braveza e honrar o povo lealmente era visto como algo normal ao
herói épico, sendo visto até mesmo como alguém sagrado, necessitando de ser cultuado,
espalhando suas histórias para seus sucessores, mostrando suas conquistas e ganhando um
lugar de destaque na história.

Ilíada e o canto XXII transmitem como a falta de um sepultamento honroso afeta uma
família. O corpo morto possuía demasiada notoriedade na sociedade grega e era
imprescindível o extremo cuidado com o mesmo, principalmente após a morte, em seu
sepultamento. Era necessário a realização de rituais, a fim de trazer dignidade ao corpo
falecido, pois apenas desta forma o morto não seria esquecido, o pior dos castigos de acordo
com a sociedade grega. O corpo do falecido não poderia ser profanado, visto que desonraria a
morte da pessoa, a humilhando da pior forma e condenando o morto ao esquecimento, caso a
ausência do ritual fosse perdida. Algumas maneiras de ultrajar são: sujar o corpo de poeira,
dilacerar a pele, esquartejamento do corpo, dar os pedaços do corpo a animais, deixar o corpo
decompor a céu aberto, a ausência do ritual.
Ao ser arrastado pela cidade, Heitor, já falecido, tem seu corpo profanado, o que gera
tristeza e abala a família do mesmo. Aquiles o arrastando pela cidade, causa tanta comoção e
choque aos cidadãos gregos, que tal ato não foi esquecido. Heitor não cai no esquecimento tão
temido, porém seria lembrado da pior maneira, quando seu corpo havia sido profanado por
toda cidade. De forma a qual sua memória não estava sagrada e sim manchada por um
acontecimento trágico, não causando honra a seu nome.
Lembrar, para os vivos, os mortos. Este era o lema pregado por Homero, tanto quanto
para o pensamento grego, que construía grandes esculturas a seus antepassados em forma de
homenagem, além de histórias contínuas passadas oralmente de geração a geração, para evitar
a ausência na construção da sociedade grega e dos feitos históricos realizados pelos
mesmos.“Manter viva, para os vivos e através da palavra viva do poeta, a lembrança gloriosa
dos mortos, nossos antepassados outrora vivos e sofredores como nós” (GAGNEBIN, 2006:
27).
A canto XXII “Anaíresis: morte de Héctor” da obra Ilíada retrata a morte de Héctor,
filho de Príamo e de Hécuba, um dos maiores guerreiros troianos. E sobre a profanação de seu
cadáver. O canto homérico é protagonizado pelo confronto entre Aquiles e Héctor, que resulta
na morte do troiano.
O canto tem início com uma discussão entre Aquiles e Apolo, que estava disfarçado
para chamar a atenção de Peleide e tentava ajudar os troianos. Os cidadãos de Tróia
conseguem fugir para dentro das muralhas porém Héctor fica de fora. Aquiles se enfurece
com o deus e diz a ele que se fosse possível o puniria por ter-lhe tirado a glória de matar
vários troianos. E continuou se movendo para as muralhas da pólis.
Príamo foi o primeiro a perceber a presença de Aquiles próximo aos muros. Suplicou
ao filho para que não lutasse contra o guerreiro, pressentindo o pior. Lembrou de seus outros
filhos mortos, também por Aquiles. O aconselhou a voltar e salvar as troianas. Comentou
sobre a morte, honra para um jovem guerreiro mas desonra para um velho. Hécuba, mãe de
Héctor, chorava implorando para o filho não duelar. Mostrou seu seio em uma tentativa de
lembrá-lo que o oferecia para alimentá-lo, também o acalmando. Ela temia o ultraje do
cadáver de seu filho. Mas Héctor ignora os pedidos de seus pais e continua à frente dos
portões de Tróia.
Enquanto espera por Aquiles uma dúvida surge em sua mente, imaginou o que seu
povo pensaria de sua pessoa se ele não guerreasse contra o guerreiro. Mas, por fim, decide
lutar seja para matá-lo ou para morrer. Contudo, ao ver Aquiles aproximando na sua direção
se sente fraco e foge. Zeus, que assistia a luta com outros deuses, pensa em ajudar o troiano
mas Atena lembra-o que o destino de Héctor era a morte naquele momento. Atena se disfarça
de Deífobo, irmão do troiano, para enganar Héctor e fazê-lo lutar contra Aquiles.
A luta entre os dois guerreiros começa. E quando o troiano não vê seu irmão próximo
a ele, percebe que foi enganado e que seu destino será concretizado conforme o desejo dos
deuses. Aquiles dispara sua lança que acerta o vão de armadura perto do ombro. Héctor tenta
firmar um pacto, o vencedor não ultrajara o corpo do outro, mas Aquiles não aceitou. O
informou que seu cadáver nunca seria entregue aos seus, que os cães e abutres o devorariam
enquanto o corpo de Pátroclo receberia todos os ritos fúnebres. Ao perceber que seu pedido
não será realizado, Héctor o diz que por sua atitude os deuses podem o perseguir. O troiano
decide abraçar a morte e aceitar seu destino, tentando ter uma morte gloriosa. Sua alma foi
levada para Hades. Após o óbito, Aquiles amarra os tornozelos do cadáver de Héctor no carro
e sua cabeça ao solo. O corpo era arrastado pelas ruas para todo o povo assistir. Príamo e
Hécuba lamentavam e gemiam ao ver o filho morto ser arrastado, causando um desconforto
em toda cidade. Andrômaca, esposa de Héctor, desaba ao ver a cena. Pensa em seu filho, que
terá um futuro oprimido devido a memória da morte e ausência do pai. Andrômaca lamentou
a morte de Héctor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HOMERO. Ilíada. Trad. de Haroldo de Campos. São Paulo: ARX, 2003.

DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia arcaica. Trad. de Andréa Daher. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.

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Editora Unb, 199

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https://periodicos.ufrn.br/principios/article/view/498. Acesso em: 18 ago. 2022.

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UFPB/ Zarinha, 2007.

Morte e sacrifício na Grécia antiga [manuscrito] : a morte acolhida de Heitor, Antígona e


Sócrates / José Gonçalves Poddis. – 2010.
Morte e vida na Grécia Antiga : olhares interdisciplinares / Camila Diogo de Souza, Maria
Aparecida de Oliveira Silva (organizadoras). – Teresina : EDUFPI, 2020.

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1968.

RIBEIRO JR., W.A. Homero/Ilíada. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. URL:
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JANKO, Richard. Homer, Hesiod and the Hymns: Diachronic Development in Epic Diction.
Cambridge University Press, 1982.

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