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ESCOLA ESTADUAL

MOREIRA DIAS

DISCIPLINA: FILOSOFIA

PRIMEIRA SÉRIE DO ENSINO MÉDIO

PROFESSOR: Edilson Damasceno

MOSSORÓ-RN
PRIMEIRO BIMESTRE

CAPÍTULO 02: As origens da Filosofia


CAPÍTULO 03: Natureza e Cultura
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1 A consciência mítica do desejo humano de compreendê-lo, afugentando a
insegurança, os temores e a angústia diante do
O m é a forma mais remota de crença, por meio da
desconhecido e da morte.
qual os povos se relacionam com o sobrenatural. De
modo geral, o mito está impregnado do desejo
humano de afugentar a insegurança, os temores e a 2 A mitologia grega
angústia diante do desconhecido, do perigo e da
morte. Para tanto, os relatos míticos se sustentam pela A passagem da consciência mítica para a filosofia
crença em forças superiores, cuja existência não deveu-se a um longo processo de transformações
precisa ser comprovada. São elas que protegem ou políticas, sociais e econômicas que culminaram no
ameaçam, recompensam ou castigam. aparecimento dos primeiros sábios gregos no século VI
a.C. Vamos investigar as características do
Etimologia pensamento mítico, que predominava antes do
advento da filosofia na Gr cia e que ainda permanece
Mito. Do grego mythos, signifi ca “palavra expressa”, vivo nos costumes das sociedades tradicionais.
“narrativa”. A consciência mítica é predominante em
culturas de tradição oral, que transmitem o A civilização grega teve início por volta do século XX
conhecimento verbalmente. a.C. (entre 2000 e 1900 a.C.), quando invasores de
origem indo-europeia ocuparam a Península
Balcânica, entre o Mar Tirreno e a Ásia Menor. Por
Examinando racionalmente os mitos, tendemos a
conta do terreno acidentado, a nova civilização
concluir que não passam de lendas, histórias
espalhou-se por diversas regiões que, embora
fantasiosas, portanto inverossímeis. No entanto, para
autônomas, preservaram alguma identidade cultural,
os greos anti os, os povos indí enas e outras
como a língua e as crenças.
comunidades tradicionais, trata-se da maneira como
A religião dos gregos era politeísta e os deuses
se responde às perguntas sobre a origem dos deuses e
eram imortais, embora apresentassem características
do mundo. Podemos dizer que o mito vivido é uma
humanas.
verdade. Não na concepção atual do que é a verdade,
mas como relato que não necessita de comprovações, Na Grécia antiga, os mitos eram recitados de
porque o critério de adesão ao mito é a crença, a fé. memória em praça pública pelos aedos e rapsodos,
cantores ambulantes e poetas, como Homero e
O mito é, portanto, uma intuição compreensiva da
Hesíodo. Porém, nem sempre é possível identificar a
realidade, cujas raízes se fundam nas emoções e na
autoria desses poemas, por resultarem de produção
afetividade. Expressa o que desejamos ou tememos,
coletiva e anônima.
representa a nossa atração ou repulsa pelas coisas.
Esse “falar sobre o mundo” (mítico) está impregnado
Periodização da história da Grécia antiga Eemst ae lsicnahlaa tdeo tpeoral.mpo não
foi organizada
Vaso micênico a.C., partiram Na transição de um mundo
(c. 1400 a.C.). Museu Agamêmnon, Aquiles e essencialmente rural, os
Metropolitano de Arte, Ulisses para sitiar e senhores enriquecidos
Nova York conquistar Troia formaram a aristocracia
resent o de proprietária de terras, que fez
homem e centauro recrudescer o sistema
Civilização micênica
em estatueta g g escravista. Nesse período teria
(do século XX ao XII a.C.).
(século VIII a.C.) Museu vivido Homero éculo IX ou VIII a
esenvolveu-se desde o
Metropolitano de Arte, C)
início do segundo milênio Nova York Pintura em ânfora culo VI
a.C. O período leva esse a.C. representando a
nome pela importância da disputa de Hércules e Apol
cidade de Micenas, de Período homérico o pela p se do
onde, por volta de 1250 século XII ao VIII a.C.). trip de Delfos

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Museu Metropolitano Com a formação das comércio e a expansão da
de Arte, Nova York cidades-Estado (pólis), colonização grega. No início
ocorreram grandes desse período teria vivido
alterações sociais e Hesíodo. No século VI a.C.,
Período arcaico (do
políticas, bem como o filósofos
século VIII ao VI
desenvolvimento do
a.C.).
Homero A obra Ilíada trata do último ano da guerra de
Troia. Segundo a tradição mítica, o conflito foi
Os poemas épicos Ilíada e Odisseia são atribuídos a motivado pelo rapto da grega Helena por um príncipe
Homero, embora existam controvérsias a respeito da troiano. Ilíada é uma palavra aportuguesada da
época em que o poeta teria vivido – século IX ou VIII expressão Ílion, o nome grego atribuído à cidade de
a.C. – ou até mesmo se ele existiu. Para alguns Troia.
A Odisseia narra o retorno de Ulisses ou Odisseu à
intérpretes, a dúvida sobre sua existência se justifica
sua terra natal, Ítaca. Essa viagem foi repleta de
pela diversidade de estilos dos dois poemas, o que peripécias, por isso costumamos dizer que uma
indicaria terem sido recolhidos por diversos autores aventura mirabolante é uma odisseia.
em períodos históricos diferentes. Para refletir
Na vida dos gregos, as epopeias desempenhavam O conceito de virtude variou entre os fi lósofos,
um papel pedagógico significativo. Narravam mas em geral designa uma disposição ética para
episódios da história grega – o período da civilizaão realizar o bem, o que supõe autonomia e não mais
micênica – e transmitiam os valores culturais imposição do destino. Você saberia indicar algumas
virtudes desejáveis para o convívio entre as pessoas
mediante o relato das realizações dos deuses e dos
nas sociedades contemporâneas?
antepassados. Por expressarem uma concepção de
vida, desde cedo as crianças memorizavam passagens
desses poemas.
As ações heroicas relatadas nas epopeias
Hesíodo
mostravam a constante intervenção dos deuses, ora Hesíodo é outro poeta que teria vivido por volta do
para auxiliar o protegido, ora para perseguir o inimigo. final do século VIII e princípios do VII a.C. r Teogonia,
Nessas histórias, o indivíduo é presa do destino, relatou as origens do mun-
concebido como imutável. do e dos deuses, em que as forças emergentes da
O herói vivia, desse modo, na dependência dos natureza vão se transformando nas próprias
deuses e do destino, faltando a ele a noção de vontade divindades. Por isso a teogonia é também uma
pessoal, de liberdade. Mas isso não o diminuía diante cosmogonia, na medida em que narra como todas as
das pessoas comuns, ao contrário, ter sido escolhido coisas surgiram do Caos para compor a ordem do
pelos deuses era sinal de reconhecimento e de que ele Cosmo.
se diferenciava por deter a virtude do guerreiro belo e Ainda que suas obras refletissem o interesse pela
bom, que se manifestava pela coragem e pela força, crença nos mitos (de caráter geral), Hesíodo
sobretudo no campo de batalha. desenvolveu um estilo pessoal, capaz de revelar
Diferentemente do que hoje entendemos por particularidades do poeta, que tendem a superar a
virtude, para os gregos esse valor correspondia poesia impessoal e coletiva das epopeias. Essas
excelência e à superioridade, objetivo supremo do características novas são indicativas do período
herói guerreiro. Essa virtude se expressava igualmente arcaico, que então se iniciava.
na assembleia dos guerreiros, pelo poder de EmTeogonia, Hesíodo relata que no princípio surge
persuasão do discurso. o Caos que dá origem às divindades primordiais: Gaia
ou Geia (a Terra) e Eros. Gaia gerou Urano e, unida a
ele, deu origem aos gigantes, ciclopes e titãs.
Para saber mais

Caos: para os gregos, é o vazio inicial.

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Etimologia Para saber mais
Virtude. Do latim vir virtus; primitivamente, vir signifi A partir da conquista romana, no século II a.C., os
ca “o homem viril”, “forte”, “corajoso”. deuses gregos foram apropriados e reelaborados
Teogonia.Do grego théos, “deus”, egonos, “origem”; pelos romanos. Por exemplo, a divindade grega
signifi ca “genealogia dos deuses”. Cronos foi identifi cada com Saturno, Zeus com Júpiter,
Cosmogonia. Do gregokósmos, “Universo”, egonos Atena com Minerva, Afrodite com Vênus, Eros com
“origem”; designação dada às teorias que têm por Cupido, Ares com Marte.
objeto explicar a formação do Universo.

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Aspectos sombrios dos mitos são vislumbrados nos esse saber não se desprendia do componente mítico-
preconceitos – expressões negativas de convic ões não religioso.
fundamentadas. Por exemplo, a crença de Hitler na Em contraposição, os primeiros filósofos gregos,
pureza da “raça” ariana desencadeou movimentos mesmo quando sofriam influências religiosas,
apaixonados de perseguição que culminaram no problematizavam a realidade: buscavam explicitar o
genocídio de judeus, ciganos e homossexuais. princípio constituinte das coisas. uestionavam, por
Onde quer que a filosofia surja, ela se opõe ao exemplo: qual é o r de todas as coisas? Quando as
mito. Não para destruí-lo, mas no sentido de caminhar coisas mudam, existe algo que permanece idêntico? O
em outra direção, com base em pressupostos que é o movimento? Que tipos de mudança existem?
diferentes. Na nova racionalidade, o pensamento e a As respostas dadas a essas questões sustentavam-se
ação não possuem o caráter de sobrenaturalidade que pela razão (logos). O logos integra toda teoria que
caracteriza o mito. precisa ser fundamentada com argumentos. Por isso,
dizemos que a Grécia foi o berço da filosofia.
Para refletir É interessante observar que a primazia concedida
pelos re os ao racional ocorreu i ualmente com a
Os arianos são um subgrupo indo-europeu das geometria. Foram os filósofos gregos Tales e Pitágoras
estepes da Ásia que se expandiu pela Europa. Segundo
a concepção racista do nazismo, deles descenderiam
que ampliaram e deram um sentido diferente a esse
os alemães, constituintes de uma “raça pura”. Você já tipo de conhecimento, não apenas por interesse
notou como as doutrinas racistas consideram prático, mas também para ela orar demonstrações
inferiores pessoas ou grupos que são apenas racionais e a stratas. Embora egípcios, hindus e
diferentes?
chineses de épocas mais recuadas também
identificassem diversas propriedades geométricas,
essas eram apenas aplicadas a conhecimentos
empíricos – com base na ex eriência –, visando
4 A filosofia nasceu no construir estruturas muitas vezes grandiosas.
Ocidente
Logos: palavra; linguagem; razão; discurso; norma ou regra; a uilo
O pensamento filosófico surgiu na Grécia, no ue é fundamental. O conceito a resenta várias acepções. Termos
derivados: diálogo; dialética; lógica.
século VI a.C., mais propriamente nas colônias gregas,
com os primeiros pensadores: Tales de Mileto,
Pitágoras de Samos e Heráclito de Éfeso. Embora Para saber mais
reconheçamos a importância de outros sábios que
Sábios que viveram no Oriente no século VI a.C.:
viveram no Oriente durante o mesmo período, suas
Confúcio e Lao-Tsé (China), Sidarta Gautama, o Buda
doutrinas ainda não eram propriamente filosóficas.* (Índia) e Zaratustra (Pérsia, atual lrã).
Em que aqueles sábios se distinguem dos pensadores
gregos?
A diferença está no fato de que os sábios orientais
não se aprofundaram em questões abstratas. Eles se Uma nova ordem humana
concentraram na formulação de doutrinas que Alguns autores chamaram de “milagre grego” a
estimulavam a boa conduta para facilitar o convívio passagem da mentalidade mítica para o pensamento
harmônico. Em outras palavras, tratava-se de uma crítico racional e filosófico, destacando o caráter
sabedoria vinculada a aspectos práticos do repentino e único desse processo. Outros estudiosos,
comportamento humano, e não propriamente porém, criticam essa visão simplista e afirmam que a
teóricos ou argumentativos. Além disso, muitas vezes filosofia na Grécia não foi fruto de um salto, de um
“milagre” realizado por um povo privilegiado, mas o

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coroamento de um processo gestado ao longo do No período arcaico (do século VIII ao VI a.C.), a
tempo. Grécia passou por transformações muito específicas
nas relações sociais e políticas, proporcionando a lenta
passagem do mito para a reflexão filosófica.
* Para mais informações sobre a sabedoria oriental, consultar: Além desse efeito político de democratização de
YUTANG, Lin. A sabedoria da China e da Índia Rio de Janeiro:
Irmãos Pongetti Editores, 1966.
um valor, a moeda sobrepunha aos símbolos sagrados
A nova visão do mundo e do indivíduo que então se o caráter racional de sua concepção: a moeda é uma
esboçava resultou de inúmeros fatores, analisados convenção humana, noção abstrata de valor que
pelo estudioso francês Jean-Pierre Vernant, como estabelece a medida comum entre valores diferentes.
apresentamos na sequência. c) A lei escrita
a) A redescoberta da escrita Até então, a justiça dependia da interpretação da
Na Grécia, a escrita já existira no período vontade divina ou da arbitrariedade dos reis, mas os
micênico, mas desapareceu no século XII a.C., para legisladores Drácon, Sólon e Clístenes sinalizaram uma
ressurgir apenas entre os séculos IX e VIII a.C., por nova era, porque, com a lei escrita, a norma se tornava
influência dos fenícios. Nesse ressurgimento, a comum a todos e sujeita à discussão e à modificação.
escrita assumiu uma nova função. Enquanto os As reformas da legislação fundaram a pólis sobre
rituais eram cheios de fórmulas mágicas, os escritos nova base, porque, ao expressarem o ideal igualitário
passaram a ser divulgados em praça pública, da democracia nascente, a unificação do corpo social
sujeitos à discussão e à crítica. Isso não significava enfraqueceu a hierarquia do poder aristocrático das
que a escrita se tornasse acessível a todos, muito famílias.
pelo contrário, já que a maioria da população era Assim afirma Jean-Pierre Vernant:
constituída de analfabetos. O que ocorria era a
dessacralização da escrita, ou seja, sua Os que compõem a cidade, por mais diferentes
desvinculação do sagrado. que sejam por sua origem, sua classe, sua função,
A vantagem da escrita é que ela fixa a palavra aparecem de uma certa maneira “semelhantes” uns
para além de quem a proferiu, o que exige maior aos outros. Esta semelhança cria a unidade da pólis.
rigor e clareza, e estimula o pensamento crítico. [...] O vínculo do homem com o homem vai tomar
Desse modo, a escrita traz a possibilidade de maior assim, no esquema da cidade, a forma de uma
abstração, de reflexão aprimorada. b A moeda relação recíproca, reversível, substituindo as
Na época da aristocracia rural, a economia relações hierárquicas de submissão e de domínio.
grega era pré-monetária, pois a riqueza estava VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego
2. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Difel, 1977. p. 42.
baseada em terras e rebanhos. As relações sociais,
impregnadas de caráter sobrenatural, eram
fortemente marcadas pela posição social de d) O cidadão da pólis
pessoas consideradas superiores em razão da
O nascimento da pólis (a cidade-Estado grega), na
origem divina de seus ancestrais. No entanto, o
passagem do século VIII para o século VII a.C., foi um
desenvolvimento do comércio marítimo favoreceu
acontecimento decisivo. O fato de ter como centro a
a expansão do mundo grego e a colonização da
ágora (praça pública), espaço onde eram debatidos
Magna Grécia (sul da Península Itálica e Sicília) e da
assuntos de interesse comum, favorecia o
Jônia (hoje litoral da Turquia). A moeda, surgida por
desenvolvimento do discurso político. Elaborava-se
volta do século VII a.C., facilitou os negócios e
desse modo o novo ideal de justiça, pelo qual todo
enriqueceu os comerciantes, o que acelerou a
cidadão tinha direito ao poder. A noção de justiça
substituição dos valores aristocráticos por valores
assumia caráter político, e não apenas moral, ou seja,
da nova classe em ascensão.

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não se referia apenas ao indivíduo e aos interesses Assim ficava garantido o princípio da isonomia a
da tradição familiar, mas à sua atuação na igualdade perante a lei, do mesmo modo que o da
comunidade. isegoria, a igualdade do direito à palavra na assem-
Faces de moeda de rata n m do interesse de todos os cidadãos. Designa também a praça
r i ni n principal da pólis, onde se instalava o mercado.
(c. 440 a.C.), nas quais foram gravadas
as representações da deusa Atena e da
coruja de Minerva.
ia. De fato, a pólis se construiu Etimologia
pela autonomia da Isonomia. Do grego í , “igual”, e nómos, “lei”; signifi ca
“igualdade de direitos”. Isegoria.Do grego ísos, “igual”,
Assembleia: em grego se diz ágora; é o eagoreúein, “discursar em praça pública (ágora)”;
local de reunião para decidir assuntos signifi ca “igualdade para discursar na assembleia”.

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Período helênico: civilização e cultura que se desenvolveram fora da
5 Primeiros filósofos: os pré- Grécia por influência do pensamento e cultura gregos.
socráticos O princípio de todas as coisas
A filosofia grega antiga corresponde a um longo A principal indagação dos filósofos pré-socráticos
período que começou por volta do século VI a.C. e se era o movimento. Para os gregos, o conceito de
estendeu até o século III d.C. Os primeiros filósofos movimento tem um sentido bem amplo, podendo
foram chamados de pré-socráticos devido a uma significar mudança de lugar, aumento e diminuição,
classificação posterior da filosofia antiga que tinha qualquer alteração substancial quando alguma coisa é
como referência a figura de Sócrates. gerada ou se deteriora. Então alguns se perguntavam:
Perdeu-se grande parte das obras dos primeiros o que faz com que, apesar de toda mudança, haja algo
filósofos, restando-nos apenas fragmentos e na realidade que sempre permaneça o mesmo? Assim,
comentários feitos pelos filósofos posteriores, que sob a multiplicidade das coisas, eles buscavam a
constituem a doxografia. O centro de suas identidade, um princípio original e racional (em grego,
investigações era a natureza, por isso são conhecidos arkhé). Nesse contexto, o termo princípio pode ser
como naturalistas, ou filósofos da physis (termo grego entendido como “origem” ou “fundamento”.
para “mundo físico”, “natureza”). Sabemos também Observe como a filosofia nasce de um problema, de
que geralmente escreviam em prosa, abandonando a uma indagação nova, que procura ir além do já sabido.
forma poética característica das epopeias, dos relatos Por isso, existe uma ruptura entre mito e filosofia,
míticos. porque o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se
Que novidades trouxeram os primeiros filósofos? questiona, enquanto a filosofia problematiza e convida
Naquele momento, em vez de explicar a ordem à discussão. A filosofia rejeita explicações baseadas no
cósmica pela interferência divina, os filósofos sobrenatural. Mais ainda, busca a coerência interna e
buscavam respostas por si mesmos, por meio da razão. a definição rigorosa dos conceitos, organizando-se em
Portanto, as questões tornaram-se cosmológicas: o um pensamento abstrato.
sufixo “logos” denota o predomínio da razão, da Dissemos que todos os pré-socráticos buscavam o
explicação argumentativa. princípio de todas as coisas, mas que, por pensarem de
modo autônomo, divergiam entre si no elemento em
Etimologia que o identificavam.
Os mais antigos filósofos viveram na Jônia e,
Doxografi a. Do grego doxa, “opinião”, e gráphein
“escrever”. É a compilação de doutrinas, princípios e
posteriormente, na Magna Grécia. Costuma-se
ideias de pensadores. Pode-se conhecer um fi lósofo classificá-los como monistas ou luralistas, conforme o
não sópor suas obras, mas também pelo testemunho número de elementos constitutivos definidos por eles:
de pensadores do seu tempo ou posteriores. um ou vários.
a) Os monistas identificavam apenas um elemento
constitutivo de todas as coisas. Por exemplo, para
Para saber mais Tales de Mileto (c. 640-548 a.C.), a arkhé é a água.
Períodos da fi losofi a re Além dele, destacaram-se Anaximandro (c. 610-547
Pré-socrático (século VI a.C.). Os primeiros fi a.C.), Anaxímenes (c. 588-524 a.C.), que viveram em
lósofos ocupavam-se com questões cosmológicas, Mileto, e Heráclito (c. 544-484 a.C.), que se
iniciando a separação entre a fi losofi a e o estabeleceu em Éfeso, ambas as cidades
pensamento mítico.
pertencentes à Jônia. Encontram-se ainda nessa
Período clássico(séculos V e IV a.C.). Ampliação dos
temas e maior sistematização do pensamento. Época
tendência Pitágoras (século VI a.C.) – que nasceu na
dos sofi stas, de Sócrates, Platão e Aristóteles. Pós- Jônia mas mudou-se para a Magna Grécia – e
socrático (do século III a.C. ao III d.C.). Durante o Parmênides (c. 544-450 a.C.), também estabelecido
período helênico, preponderou o interesse pela física na Magna Grécia.
e pela ética. Surgiram as correntes fi losófi cas do
b) Para os pluralistas, não existe um único princípio
estoicismo, do hedonismo e do ceticismo.
compondo todas as coisas da physis, mas múltiplos.
Os filósofos mais representativos dessa tendência
são Empédocles (c. 483-430 a.C.), Anaxágoras (c.
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499-428 a.C.) e os atomistas Leucipo (século V a.C.) coisas mudam sem cessar, e o que temos diante de n s
e Demócrito (c. 460-370 a.C.). Por exemplo, para em dado momento diferente do que foi h pouco e do
Empédocles, nascido em Agrigento, cidade da que ser depois: “Nunca nos banhamos duas vezes no
Magna Grécia, na atual Sicília, tudo que existe mesmo rio”, pois na segunda vez não somos os
deriva de quatro elementos: terra, água, ar e fogo. mesmos, e tamb m as uas mudaram.
A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA

Zenão Demócrito
MAR NEGRO
Parmênides Protágoras

Xenófanes Leucipo Anaxágoras Observe no mapa os


Aristóteles principais filósofos gregos
Epicuro Zenão que correspondem ao
Estagira Abdera Pitágoras período pré-socrático.
Pirro Identifique em que região
Empédocles Eleia JÔNIA Heráclito (Jônia ou Magna Grécia)
MAGNA e em que cidade eles se
GRÉCIA Clazômenas Éfeso estabeleceram. Em seguida,
Agrigento Élida Atenas Mileto observe que os fil sofos do
Rodes Cítio período clássico (Sócrates,
Platão Platão) viviam em Atenas.
Sócrates Embora Ari tenha
Tales Panécio nascido em Estagira,
Anaximandro Posidônio cidade da Macedônia, foi
Anaxímenes em Atenas que undou sua
Filósofos da Grécia Antiga escola. Localize também os
Período pré-socrático filósofos do helenismo, que
Período clássico se deslocaram da Grécia
Período helenístico 230 km continental e se espalharam
pelas ilhas.

Fonte: ABRÃO, Bernadete Siqueira et al. Enciclopédia do estudante. História da filosofia: da Antiguidade aos
pensadores do século XXI. São Paulo: Moderna, 2008. p. 17. v. 12.
6 Heráclito e Parmênides Para Heráclito, o ser é o múltiplo, não apenas no
sentido de que há uma multiplicidade de coisas, mas
Entre os pré-socráticos citados, muitos deles foram por estar constituído de oposições internas. O que
fundamentais para a história da filosofia e ainda mantém o fluxo do movimento não é o simples
despertam o interesse de estudiosos e leigos, como aparecer de novos seres, mas a luta dos contrários,
Pitágoras e Demócrito. No entanto, optamos por pois “A guerra é pai de todos, rei de todos”. É da luta
destacar Heráclito e Parmênides pela influência que que nasce a harmonia, como síntese dos contrários.
exerceram no pensamento posterior, claramente
Para ele, o dinamismo de todas as coisas pode ser
percebida em Platão e Aristóteles. Essa importância
explicado pelo fogo primordial, expressão visível da
decorre da maneira rigorosa com que levantaram e
instabilidade, símbolo da eterna a ita ão do devir: “O
discutiram algumas questões, como o movimento e a
fogo eterno e vivo, que ora se acende e ora se apaga”.
imobilidade ou a unidade e a multiplicidade do ser.
Assim diz Marilena Chaui:

Heráclito: tudo flui


Não se trata do fogo (ou do quente ou do calor)
Heráclito nasceu em Éfeso, na Jônia, e procurou que percebemos em nossa experiência. O fogo-
compreender a multiplicidade do real. Ao contr rio de quente-calor de nossa experiência é uma das
seus contemporâneos – como Parmênides –, Heráclito qualidades determinadas e múltiplas do mundo,
não rejeitava as contradições e queria apreender a juntamente com o frio, o seco, o úmido. O fogo
realidade na sua mudança, no seu devir. Todas as primordial – que Heráclito também chama de logos
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– é aquilo que, por sua própria natureza e força Com esse pressuposto, Parmênides criticou a
interna, se transforma em todas as outras e é nelas filosofia heraclitiana. Ao “tudo flui” de Heráclito,
transformado sem cessar. contrapôs a imobilidade do ser: é absurdo e
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia dos pré-
socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 68-
69. v. 1. A ponte de Heráclito (1935), de
René Magritte. Nessa tela, a
ponte se interrompe ao tocar a
névoa, mas o seu reflexo mostra
Para saber mais uma ponte completa, o que faz
o espectador duvidar da própria
Costuma-se dizer que Heráclito teve a intuição da percepção. Essa ponte duvidosa
atravessa o rio que, segundo
lógica dialética, que no século XIX foi elaborada por
Heráclito, está em constante
Hegel e depois reformulada por Marx na teoria do transformação, assim como o
materialismo dialético. A lógica dialética admite a indivíduo que nele se banha. A
contradição entre uma tese e sua antítese. pintura parece dizer que até
mesmo a ponte se
Os eleatas: a imobilidade do ser transformaria, expondo a
multiplicidade das coisas.
Parmênides e Zenão (c. 490-430 a.C.) atuaram na
cidade de Eleia, sul da Magna Grécia, e eram
conhecidos como filósofos . Principal característica da impensável afirmar que uma coisa pode ser e não ser
escola: admitir a imobilidade do ser. ao mesmo tempo. À contradição, opõe o princípio
Alguns estudiosos atribuíram a Xenófanes (c. 570- segundo o qual “o ser é” e “o não ser não é”. O ser,
475 a.C.) a fundação da Escola Eleática. Nascido na para Parmênides, é único, imutável, infinito e imóvel.
Jônia, Xenófanes viveu exilado na Magna Grécia como Não há como negar, entretanto, a existência do
um sábio errante, um aedo, que recitava suas obras movimento no mundo, pois as coisas nascem e
em vários lugares. Era conhecido pelas críticas à morrem, mudam de lugar e se expõem em infinita
religião pública (de Homero e Hesíodo) e às multiplicidade. Para Parmênides, porém, o movimento
convenções, o que o caracteriza também como um existe apenas no mundo sensível, e a percepção pelos
cético. sentidos é ilusória, porque se baseia na opinião e, por
Parmênides influenciou de modo decisivo o isso mesmo, não é confiável. Só o mundo inteligível é
pensamento ocidental. Sua importância decorre da verdadeiro.
guinada em busca do princípio de todas as coisas: Uma das consequências da teoria de Parmênides é
para ele, as coisas são entes a identidade entre o ser e o pensar: ao pensarmos,
Assim explica o filósofo espanhol Julián Marías: pensamos algo que é, e não conseguimos pensar algo
que não é. Desse modo, os eleatas abriram caminho
para a ontologia (estudo do ser), área da filosofia que
As coisas [...] mostram aos sentidos múltiplos será objeto dos filósofos do período clássico.
atributos ou propriedades. São coloridas, quentes
ou frias, duras ou moles, grandes ou pequenas,
animais, árvores, rochas, estrelas, fogo, barcos 7 Avaliação do período dos pré-
feitos pelo homem. Mas consideradas com outro
socráticos
órgão, com o pensamento (noûs), apresentam uma
propriedade sumamente importante e comum a Os pré-socráticos deram o primeiro impulso à
todas: antes de ser brancas ou vermelhas, ou atividade do filosofar: buscaram a unidade na
quentes, o. São, sim esmente. A arece o ser como multiplicidade, examinaram a relação entre o ser e o
uma propriedade essencial das coisas, [...] que só se pensar, desenvolveram a dialética – a arte da
manifesta para o noûs discussão –, deram os primeiros passos em direção à
MARÍAS, Julián. História da filosofia. São Paulo: Martins
lógica e estimularam a argumentação.
Fontes, 2004. p. 26. Observe como as discussões dos filósofos foram
adquirindo maior nível de elaboração e rigor, se
comparadas às primeiras reflexões da filosofia
nascente. Vale lembrar que os últimos filósofos pré-

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socráticos já adentravam o século V a.C. Tanto é que pelos diálogos de Platão, sabemos que Sócrates,
Anaxágoras foi mestre de Péricles (c. 495-429 a.C.) e, quando jovem, teria encontrado Parmênides.

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Colóquio Contraste e aproximação
No primeiro texto, o professor Danilo Marcondes primeira consciência extensiva e unanimista foi
destaca como o nascimento da filosofia afastou o substituída por uma consciência mítica segunda, mais
pensamento mítico, enquanto no segundo o filósofo secreta, e como que nos bastidores do pensamento
francês Gusdorf argumenta que convivemos de certa racional. [...]
forma com ele, apesar do desaparecimento de O papel crescente da literatura e sua progressiva
algumas de suas características. Não se trata, porém, difusão devem ser relacionados com o recuo das
de textos contraditórios, mas complementares. crenças religiosas. A exigência mítica teve de se fi xar
Depois da leitura, responda às questões. em meios novos de expressão. O aspecto formal da
literatura importa menos do que sua signifi cação
Texto 1 material. O estilo valoriza os elementos mais arcaicos
do ser no mundo, cuja permanência justifi ca o sucesso
“Um dos aspectos mais fundamentais do saber que do poema e do drama, assim como motiva a expansão
se constitui nessas primeiras escolas de pensamento, das obras-primas da literatura universal. O prodigioso
sobretudo na Escola Jônica, é seu caráter crítico. Isto desenvolvimento do romance, que é o aspecto mais
é, as teorias aí formuladas não o eram de forma signifi cativo da vida literária contemporânea, deve-se
dogmática, não eram apresentadas como verdades sem dúvida ao fato de que o romance põe o mito ao
absolutas e defi nitivas, mas como passíveis de serem alcance de todos sob o revestimento de uma história
discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, fácil de seguir. Eliade assinalou a sobrevivência dos
de permitirem formulações e propostas alternativas. arquétipos míticos como claves da literatura. ‘As
Como se trata de construções do pensamento provações, os sofrimentos, as peregrinações do
humano, de ideias de um fi lósofo – e não de verdades candidato à iniciação, [...] por exemplo, sobrevivem no
reveladas, de caráter divino ou sobrenatural –, estão relato dos sofrimentos e dos obstáculos que o herói
sempre abertas à discussão, à reformulação, a épico ou dramático deve superar (Ulisses, Enéas,
correções. O que pode ser ilustrado pelo fato de que, Parsifal, este ou aquele personagem de Shakespeare,
na Escola de Mileto, os dois principais seguidores de Fausto e outros), antes de atingir os seus fi ns. [...]’. O
Tales, Anaxímenes e Anaximandro, não aceitaram a próprio romance policial, que constitui um dos
ideia do mestre de que a água seria o elemento aspectos mais singulares do folclore contemporâneo,
primordial, postulando outros elementos, prolonga, sob as aparências do duelo entre o detetive
respectivamente o ar e o ápeiron, como tendo esta e o criminoso, a inspiração dos romances de capa e
função. Isso pode ser tomado como sinal de que nessa espada, que foi mais remotamente aquela dos
escola fi losófi ca o debate, a divergência e a romances de cavalaria, e remonta a muito mais atrás
formulação de novas hipóteses eram estimulados. A ainda na noite dos tempos, isto é, até as raízes do
única exigência era que as propostas divergentes inconsciente.”
pudessem ser justifi cadas, explicadas e GUSDORF, Georges. Mito e metafísica. São P Convívio, 1979. p.
268-269.
fundamentadas por seus autores, e que pudessem,
por sua vez, ser submetidas à crítica.”
Ápeiron: para Anaximandro, é a matéria indeterminada e
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da
ilimitada que dá origem a todos os seres materiais. Unanimista:
filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio
que é unânime; que resulta de acordo geral.
de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 27.
Eliade: Mircea Eliade (1906-1986), historiador romeno
estudioso das religiões. Clave: chave.

Texto 2

“A consciência mítica primitiva, que garantia a Questões


coerência rígida das primeiras comunidades humanas,
1. De acordo com o texto de
desapareceu em face do progresso da crítica racional
e das técnicas sustentadas pela ciência. Mas esta

26
Danilo Marcondes, explique por que podemos 3. Como Gusdorf nos revela a presença atual dos
contrapor mito/ dogmatismo e filosofia/crítica. mitos?
2. Como o mesmo autor exemplifica a 4. Com base no texto de Gusdorf, explique como
característica crítica da filosofia? os arquétipos reaparecem em novelas e filmes
de ação

27
28
29
30
31
1 O mundo humano dos Um exemplo notável para esclarecer esse processo
ocorreu nos Estados Unidos com Helen Keller (1880-
símbolos 1968), célebre escritora ue, nascida com deficiência
visual e auditiva, não teve condições de a render a
alguns temas de antropologia filosófica, como cultura, falar. Assim ermaneceu até a idade de 7 anos, quando
linguagem, tra alho, consumo e lazer. Trata-se de seus pais contrataram a professora Anne Sullivan,
reflexões que propõem investigar o que é o ser responsável por introduzir Helen ao mundo humano
humano, quais são as características do seu pensar e das significações. De início, pelo sentido do tato, Anne
agir, como constrói sua existência e o processo de dedilhava sinais nas mãos da menina e relacionava-os
aculturação pelo qual ele passa. com os objetos, sem saber se a criança percebia a
relação entre sinal e coisas. Certo dia, ao bombearem
Aculturação: no contexto, processo por meio do qual cada a água de um poço, Helen deu o passo definitivo na
indivíduo apreende, desde a infância, a cultura da sociedade em
que vive. direção da linguagem. Na autobiografia, a escritora
relata:

Para saber mais


[...] minha professora colocou minha mão sob o
O termo antropologia origina-se do grego jorro. À medida que o fl uxo gelado escorria em
anthropos, “homem”, e logos, “teoria”, “ciência”. Esse
minha mão, ela soletrou na outra a palavra água
conceito, inicialmente usado pela fi losofi a, foi
apropriado pela ciência, sobretudo a partir do fi nal do primeiro devagarzinho e depois mais depressa.
século XIX. Surgiram então a antropologia Fiquei quieta; toda a minha atenção concentrava-se
científi ca, a etnologia, a etologia etc., que se ocupam no movimento de seus dedos. De repente senti uma
do estudo de campo de diferentes culturas nos mais nebulosa consciência de algo como que esquecido
variados aspectos. Esses níveis de estudo investigam, – uma impressão de retorno do pensamento; e de
por exemplo, os diversos tipos físicos e biológicos,
comparando duas ou mais culturas e o
alguma forma o mistério da linguagem me foi
comportamento humano com o de outros animais. revelado. Soube então que á-g-u-a si nifi cava a
Investigam também os diferentes tipos de civilização maravilhosa coisa fria que deslizava pela minha
existentes ao longo da história. mão. [...] Saí do poço ansiosa por aprender. Tudo
tinha um nome, e cada nome dava origem a um
novo pensamento.
Linguagem, a porta de entrada para o Citado em: SAGAN, Carl. Os dragões do Éden
especulações sobre a evolução da inteligência humana. Rio
humano de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p. 90.

Comecemos por identificar o que há de comum e


de desigual entre o ser humano e os animais. As
No mesmo dia, Helen associou inúmeras outras
especificidades do nosso gênero deixam claro que as
“palavras” a objetos que podia tocar. Com o tempo,
diferenças existentes não estão apenas nos graus
aprendeu a falar, a ler e a escrever. Tornou-se uma
diversos de inteligência, pois, enquanto os animais
escritora e conferencista conhecida mundialmente.
permanecem mergulhados na natureza, somos
capazes de transformá-la em cultura. E a cultura torna- Esses relatos nos propõem al umas reflexões: seria
se possível graças à nossa capacidade de simbolizar. a linguagem o elemento que caracteriza
Alguns exemplos, a seguir, nos ajudarão a fundamentalmente a cultura humana e distingue o ser
compreender melhor como se dá o processo de humano do animal? Mas os animais também não
humanização. Segundo relatos, por volta de 1920 utilizam certo tipo de linguagem?
foram encontradas na Índia duas meninas que teriam
crescido entre lobos. Essas crianças não possuíam A linguagem dos animais
quaisquer das características humanas: não choravam, Sabe-se que as abelhas utilizam uma espécie de
não riam e, o mais im ortante, não falavam. Seu dança para indicar umas às outras onde encontraram
rocesso de humanização só teve início quando pólen, o que caracteriza um tipo de comunicação.
passaram a participar do convívio em sociedade. Animais como macacos e cães, organismos mais
complexos que os insetos, muitas vezes nos
21
surpreendem com reações semelhantes às dos ensinar de 100 a 200 expressões a uma chimpanzé
humanos. Esses animais são capazes de demonstrar batizada de Washoe, que foi capaz de formar frases
amor e raiva, alegria e tristeza, além de tantas outras com sujeito e predicado para pedir água, comida ou
características comuns aos humanos, descobertas no brinquedo.
nosso convívio com eles. Por isso mesmo, indagamos: No entanto, mesmo que identi iquemos nas
será que meu cachorro pensa? E se pensa, em que o respostas dadas pelos animais algo de semelhante à
“pensamento” dele se distingue do meu? comunicação humana, trata-se de uma linguagem
Para refletir

Ativistas protestam
contra as tour em
Medellín na Colômbia. Foto
de 2015. O país sul-
americano herdou essa
prática dos colonizadores
espanhóis, mas há um
amplo movimento
contrário a
ela. Em 2012, o prefeito de
Bogotá proibiu a realização
de touradas na capital
colombiana.

Os animais têm direitos? Não uns em relação aos outros (o leão não viola os
direitos da gazela que ele devora, nem o pardal os da minhoca). Mas nós, sim,
temos deveres para com eles: o dever de não os fazer sofrer inutilmente, de não
os exterminar, de não os humilhar, de não os martirizar... O sofrimento comanda,
é isso que a compaixão signifi ca. Os animais são capazes de compaixão? Ao que
parece, não. O que não nos dispensa de ser humanos com eles, que não o são.
COMTE-SPONVILLE, André. Dicionário filosófico. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 44.

Com seu colega ao lado, discuta a respeito dos direitos dos animais, assunto que, cada vez
mais, ganha espaço no mundo contemporâneo. Procurem informações sobre atitudes
promovidas pela sociedade em defesa da vida animal. rudimentar, que não alcança o nível de elaboração
simbólica de que somos capazes.
De fato, alguns animais, geralmente organismos
No caso das abelhas, estamos diante de uma
mais complexos, têm uma inteligência que lhes
linguagem rudimentar, programada biologicamente,
permite agir diante de fatos concretos. Mas apenas o
idêntica em todos os indivíduos da espécie. No
ato humano pode ser considerado voluntário e
exemplo do cão, o rosnar também é uma reação
consciente da finalidade, isto é, o ato existe antes
instintiva de defesa. No entanto, ele é capaz de outros
como pensamento, como possibilidade, e a execução
comportamentos mais elaborados, como entender os
resulta da escolha de meios necessários para atingir os
comandos de seu dono, o que supõe certo tipo de
fins a que se propõe. Isso é possível porque a
inteligência
inteligência humana utiliza a linguagem simbólica.
Para entender a linguagem animal, foram
A linguagem humana intervém como forma
realizadas diversas pesquisas com chimpanzés. Na
abstrata que nos permite reorganizar a experiência
década de 1960, o casal de psicólogos Beatrice e
vivida em outro contexto, conferindo-lhe novo
Robert Gardner, sabendo que a faringe e a laringe do
sentido. É pela palavra que nos situamos no tempo,
chimpanzé não são apropriadas à linguagem humana,
para lembrar o que ocorreu no passado e poder
recorreu à linguagem de sinais empregada por
vislumbrar o uturo. A linguagem, utilizando a
deficientes auditivos. Realizaram então a façanha de
22
representação simbólica e abstrata, nos possibilita agir A palavracultura pode significar cultura da terra ou
sobre o mundo e transformá-lo. Portanto, esse tipo de cultura de uma pessoa letrada, “culta”. Em
representação é um divisor de águas entre a natureza antropologia, cultura significa tudo o que o ser
dos homens e a dos animais. Somos seres que falam, e humano produz ao construir sua existência: as
a palavra encontra-se no limiar do universo humano. práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais
e espirituais. Se o contato com o mundo é
Inteligência: de modo amplo, capacidade de resolver problemas intermediado pelo símbolo, a cultura é o conjunto de
práticos de maneira flexível e eficaz. No sentido estritamente símbolos elaborados por um povo.
humano, capacidade de solucionar problemas por meio do
pensamento abstrato (raciocínio, simbolização). As culturas são múltiplas, dada a infinita
Limiar: no contexto, o primeiro momento; começo; início. possibilidade humana de simbolizar. Variam as formas
A esse respeito, confira a interpretação dos de pensar, de agir, de valorar; são diferentes as
filósofos frankfurtianos Theodor Adornoe Max expressões artísticas e os modos de interpretação do
Horkheimer: mundo, como o mito, o senso comum, a filosofia ou a
ciência. A ação cultural, por ser coletiva, é exercida
O mundo do animal é um mundo sem conceito. como tarefa social, na qual a palavra adquire sentido
Nele, nenhuma palavra existe para fi xar o idêntico ao ser inserida em um diálogo.
no fl uxo dos fenômenos, a mesma espécie na É evidente que essa condição de certo modo
variação dos exemplos, a mesma coisa na fragiliza o ser humano, pois ele não se encontra, como
diversidade das situações. Mesmo que a recognição os demais animais, em plena harmonia com a
seja possível, a identifi cação está limitada ao que natureza. Ao mesmo tempo, o que seria fragilidade
foi predeterminado de maneira vital. No fl uxo, transforma-se justamente na característica humana
nada se acha que se possa determinar como mais nobre: a capacidade de produzir sua própria
permanente, e, no entanto, tudo permanece história e de se tornar sujeito de seus atos.
idêntico porque não há nenhum saber sólido acerca
do passado e nenhum olhar claro mirando o futuro. Tradição e ruptura
O animal responde ao nome e não tem um eu, está
Ao nascer, a criança encontra-se diante de valores
fechado em si mesmo e, no entanto, abandonado;
já estabelecidos, porque a cultura é um sistema de
a cada momento surge uma nova compulsão,
significados construídos ao longo de uma tradição e
nenhuma ideia a transcende. [...] Na alma do animal
transmitidos por gerações mais velhas a gerações mais
já estão plantados os diferentes sentimentos e
novas. A codi icação deu-se antes de seu nascimento:
necessidades do homem e, inclusive, os elementos
a língua que a criança aprende, bem como a maneira
do espírito, sem o apoio que só a razão
de se alimentar, a postura corporal, o jeito de andar,
organizadora confere.
correr, brincar, o tom de voz nas conversas, as relações
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max.Dialética do esclarecimento. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 230-231. familiares etc. Até na emoção, que nos parece uma
manifestação tão espontânea, ficamos à mercê de
regras que educam a nossa expressão desde a infância.
É a educação que nos insere no mundo da cultura e
Recognição: reconhecimento de uma coisa ou pessoa.
permite a transcendência humana.
Compulsão: tendência irresistível de realizar determinado ato.

Para refletir

2 A cultura como construção humana


O mundo que resulta do pensar e do agir humanos
não pode ser chamado de natural, pois se encontra
modificado e ampliado por nós. Diferentemente dos
outros animais, nós saímos do universo onde apenas a
natureza atua e mergulhamos também na dimensão
cultural.

23
O melhor de Calvin (1990), tirinha de Bill Cena do filme estadunidense Na natureza selvagem (2007),
Watterson. dirigido por Sean Penn. Ele retrata a vida do jovem Christopher
McCandless, que abandona uma rotina confortável decidido a
A reação da mãe de Calvin diante da sua intenção se isolar no Alasca. A recusa dos valores da sociedade e a
subsistência dessa sociedade rejeitada, apesar das tentativas
de sair nu denota uma atitude modelada pela cultura a
de afastá-la, são uma constante no filme.
que pertencem. Discuta com seu colega como variam,
conforme o tempo e o lugar, as regras sobre o cobrir-
se e o desnudar-se.
Como o processo de humanização ocorre por meio
de relações interpessoais, a consciência de si emerge
Todas as diferenças existentes no comportamento justamente dos impasses e confrontos com o outro.
modelado em sociedade resultam da organização das Por isso, é importante manter viva a contradição
relações entre os indivíduos. É por meio delas que se fecunda de polos que se opõem – herança social e
estabelecem os valores e as regras de conduta, individualidade –, mas não se excluem. Ou seja, ao
norteadores para a construção da vida social, mesmo tempo que nos reconhecemos como seres
econômica e política. sociais, também somos pessoas singulares, o que nos
E a questão da individualidade diante do peso da distingue das demais.
herança social? Haveria sempre o risco de perda da
liberdade e da autenticidade? Martin Heidegger,
filósofo alemão contemporâneo, alerta para o que 3 Diversidade cultural
chama de mundo do “se”, pronome reflexivo que Muitas vezes noscausam estranhezaoscostumes de
equivale ao impessoal “a gente”. Veste-se, come-se, outros povos ou de pessoas de diferente nível social ou
pensa-se, não como cada um gostaria, mas como a religião. Mas não é preciso ir tão longe: no interior de
maioria o faz. Será que esses sistemas de controle da uma mesma família pode haver estranheza quando os
sociedade aprisionam o indivíduo numa rede sem
filhos pensam ou agem fora dos padrões de educação
saída? recebidos dos pais, por exemplo. Como reagimos
A massificação e a homogeneização de diante da grande diversidade cultural desvendada pelo
comportamentos podem decorrer da aceitação mundo globalizado?
acrítica de valores impostos pelo grupo. Essa herança O estranhamento em si não é em ecilho ara as
social sufocaria, portanto, a autenticidade. Mas, por
relações humanas, a não ser quando se torna motivo
outro lado, a vida mais autêntica se constrói na de exclusão ou de preconceitos. São as atitudes de
sociedade e por meio dela. Justamente aí discriminação que impedem o reconhecimento de
encontramos o paradoxo de nossa existência social. todos os seres humanos como pertencentes à mesma
humanidade. O grande risco da não aceitação do
Para refletir diferente encontra-se em gerar violência e exclusão,
Um ermitão pode se considerar verdadeiramente como ocorre nos casos de
solitário? Na verdade, o afastamento radical da , racismo, de preconceito de
comunidade em que vive revela, em cada ato seu, a classe social ou contra a mulher.
negação e, portanto, a consciência e a lembrança da
sociedade rejeitada. Seus valores, erguidos contra os
da sociedade, se situam também com base nela. Nesse Etimologia
caso, perguntamos: a recusa de se comunicar não seria
ainda um modo de comunicação? Xenofobia e homofobia. Os prefixos gregos xenos e
homo significam respectivamente “estrangeiro” e
“semelhante”. E o sufixo phóbos, “medo”, “pavor”.
Trata-se, portanto, de conceitos que representam a
rejeição a estrangeiros (geralmente imigrantes) e a
homossexuais.

4 Uma nova sociedade?

24
Em todos os tempos e lugares sempre ocorrem Por trás das técnicas agem e reagem ideias,
mudanças introduzidas de maneira gradativa, embora projetos sociais, utopias, interesses econômicos,
as chamadas sociedades tradicionais fixem hábitos estratégias de poder, toda a gama dos jogos dos
mais duradouros que organizam a vida de maneira homens em sociedade. Portanto, qualquer
padronizada, com estilos de comportamento atribuição de um sentido único à técnica só pode
resistentes a alterações. ser dúbia. A ambivalência ou a multiplicidade das
No entanto, os parâmetros que orientam o modo signifi cações e dos projetos que envolvem as
de pensar, valorar e agir de nossa sociedade técnicas são particularmente evidentes no caso
começaram a entrar em crise no final do século XIX, digital. O desenvolvimento das cibertecnologias é
processo acelerado na segunda metade do século XX. encorajado por Estados que perseguem a potência,
em geral, e a supremacia militar em particular. É
A sociedade da informação
também uma das grandes questões da competição
Vivemos a sociedade da informação e do econômica mundial entre as fi rmas gigantes da
conhecimento, que está transformando de maneira eletrônica e do software, entre os grandes
radical todos os setores de nossas vidas. A influência conjuntos geopolíticos. Mas também responde aos
da mídia e da informática acelerou o processo de propósitos de desenvolvedores e usuários que
globalização, com uma rede de comunicação que nos procuram aumentar a autonomia dos indivíduos e
coloca em contato com qualquer pessoa ou grupo em multiplicar suas faculdades cognitivas. Encarna, por
qualquer lugar do planeta. fi m, o ideal de cientistas, de artistas, de gerentes
Os textos que circulavam nos livros, revistas e ou de ativistas da rede [...].
jornais se integraram às imagens e aos sons, primeiro LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo:
Editora 34, 1999. p. 24.
pelo cinema e pela televisão e, em seguida, por todos
os canais que as descobertas tecnológicas tornaram
disponíveis no campo da automação, robótica e
microeletrônica. Para refletir
Os computadores pessoais hoje são janelas para o Em um país como o Brasil, onde o analfabetismo
mundo. Possibilitam troca de arquivos, acesso a ainda apresenta índices elevados, em plena era da
informação, é grande o número de pessoas que não
bancos de dados internacionais, divulgação de
têm acesso a computadores, os “analfabetos digitais”.
pesquisas, correio eletrônico e discussão em tempo Discuta esse tema com seus colegas.
real de variados temas na mídia digital e nas redes
sociais. Aparelhos eletrônicos cada vez menores são
continuamente modernizados, desde celulares com
inúmeros recursos até as mais inovadoras A charge faz alusão às denúncias de Edward
Snowden, ex-analista da Agência de Segurança
ferramentas, que surgem a cada momento e nos Nacional estadunidense (NSA – National Security
surpreendem por suas múltiplas possibilidades. Agency). O episódio marcou 2013, quando
As grandes transformações iniciadas no final dos Snowden revelou documentos secretos
apontando que a NSA monitorava, em rede,
anos 1960 e meados da década de 1970 criaram, entre
informações sigilosas a respeito de fi guras
outras inovações, uma estrutura social dominante: a políticas e grandes empresas espalhadas pelo
sociedade em rede. O desafio dos tempos de hoje é mundo. Em nome da segurança, é questionável o
selecionar a informação e refletir sobre seu prejuízo da privacidade individual, o que indica a
significado. necessidade de códigos internacionais que
legislem sobre o uso dessas informações.
No trecho a seguir e também na “Leitura
complementar” do capítulo, Pierre Lévy, filósofo
dedicado a estudar a relação entre sociedade e
informação em tempos de comunica ão em rede (o
ciberespa o), apresenta elementos fundamentais para Mineração de dados
a reflexão sobre o tema. 2013 , charge de Tom
Toles.

25
Leitura Educação e cibercultura complementar

“Qualquer refl exão sobre o futuro dos sistemas individual e coletiva mudam profundamente os de educação
e de ormação na cibercultura deve ser dados do roblema da educação e da formação. O fundada em uma análise
prévia da mutação contem- que é preciso aprender não pode mais ser planejado porânea da relação com o saber.
Em relação a isso, nem precisamente defi nido com antecedência. Os a primeira constatação diz respeito à
velocidade de percursos e perfi s de competências são todos sinsurgimento e de renovação dos saberes e savoir-
faire gulares e podem cada vez menos ser canalizados Pela primeira vez na história da humanidade, a maioria em
programas ou em cursos válidos para todos. das competências adquiridas por uma pessoa no início
Devemos construir novos modelos do espaço dos
de seu percurso profi ssional estará obsoleta no fi m de conhecimentos. [...]
sua carreira. A segunda constatação, fortemente ligada
à primeira, diz respeito à nova natureza do trabalho, Sem fechamento dinâmico ou estrutural, a web cuja parte
de transação de conhecimento não para de também não está congelada no tempo. Ela incha, se crescer.
Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, move e se transforma permanentemente. A World transmitir
saberes e produzir conhecimentos. Terceira Wide Web é um fl uxo. Suas inúmeras fontes, suas constatação: o
ciberespaçosuporta tecnologias intelec- turbulências, sua irresistível ascensão oferecem uma tuais que amplifi
cam, exteriorizam e modifi cam nume- surpreendente imagem da inundação de informação rosas funções
cognitivas humanas: memória (banco de contemporânea. Cada reserva de memória, cada dados
hiperdocumentos, arquivos digitais de todos os grupo, cada indivíduo, cada objeto pode tornar-se tipos),
imaginação (simulações), percepção (sensores emissor e contribuir para a enchente. A esse respeito, digitais,
telepresença, realidades virtuais), raciocínios Roy Ascott fala, de forma metafórica, em segun o (inteligência artifi
cial, modelização de fenômenos ilúvio. O dilúvio de informações. Para melhor ou complexos). Essas tecnologias
intelectuais favorecem: pior, esse dilúvio não será seguido por nenhuma va-
zante. Devemos, portanto, nos acostumar com
essa por hiperdocumentos, caça à informação através profusão e desordem. A não ser em caso de catástrofe
de mecanismos de pesquisa, [...] exploração con- natural, nenhuma grande reordenação, nenhuma autextual
através de mapas dinâmicos de dados;
toridade central nos levará de volta à terra fi rme nem
às paisa ens estáveis e bem demarcadas anteriores
tais como a simulação, verdadeira industriali- à inundação.” zação da experiência do pensamento, que não
advém nem da dedução lógica nem da indução LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, a partir da experiência.
1999. p. 157-158, 160-161.

Como essas tecnologias intelectuais, sobretudo as memórias dinâmicas, são objetivadas em docu- Savoir-
mentos digitais ou programas disponíveis na rede literalmente, significa “saber
faire expressão de origem francesa que,
fazer”; habilidade; (ou facilmente reproduzíveis e transferíveis), podem competência. (Pronuncia-se /savuár-fér/.) ser
compartilhadas entre numerosos indivíduos, e Ciberespaço: espaço das comunicações por redes de computação.
aumentam, portanto, o potencial de inteligência
Hiperdocumento: softwares nterat vos que usam
coletiva dos grupos humanos. áudio, vídeo, foto ou textos, permitindo ao usuário criar
O saber-fluxo, o trabalho-transação de co- seus próprios caminhos de navegação para aprofundar-se nhecimento, as novas
tecnologias da inteligência no assunto.

Questões
1. Como o ciberespaço tem revolucionado o modo de viver e o
relacionamento entre as pessoas?
26
2. Em que medida as modificações produzidas pela cibercultura têm
alterado o processo de educação?
3. Com a classe dividida em dois rupos, escolha entre expor os
benefícios e as conquistas da cibercultura ou explicitar seus riscos.

27
28
SEGUNDO BIMESTRE

CAPÍTULO 05: Trabalho, consumo e


lazer
1 Trabalho: humanização ou Para refletir

tortura? Para se emancipar, a mulher precisou ter amplo acesso


ao mercado de trabalho, não só para garantir sua
autonomia fi nanceira em relação ao homem – pai ou
transformada mediante o esforço coletivo para marido –, mas também para construir uma nova
arar a terra, colher seus frutos, domesticar identidadeetornar-se maislivreem suasescolhas.Com os
animais, modificar paisagens e construir cidades. seus colegas, procure exemplos que indiquem se essa
mudança ocorre – ou não – no ambiente em que vivem.
Do trabalho surgem instituições, como a família, o
Estado, a escola; e obras de pensamento, como o 2 Concepções sobre o trabalho
mito, a ciência, a arte, a filosofia.
Desde as mais antigas civilizações existe a divisão entre
Podemos dizer que o ser humano se faz pelo
os que mandam e os que apenas obedecem e executam, o
trabalho, porque, ao mesmo tempo que produz
que abriu caminho para a divisão social, para as relações
coisas, torna-se humano, constrói a própria
de dominação e a desigual apropriação dos frutos do
subjetividade. Ao se relacionar com os demais,
trabalho.
aprende a enfrentar conflitos e a exigir de si
Entre os antigos gregos e romanos, que viviam em
mesmo a superação de dificuldades. Ao passar por
sociedades escravagistas, era nítida a separação entre
esse processo, ninguém permanece o mesmo,
atividades intelectuais e braçais, com a evidente
porque o trabalho modifica e enriquece a
desvalorização destas últimas. Um dos indícios da divisão
percepção do mundo e de si próprio.
social era a educação, por ser ela privilégio dos que
Porém, o trabalho desperta sentimentos possuíam bens.
ambíguos. Enquanto para alguns representa um
desafio instigante e prazeroso, para outros não Teorias da modernidade
passa de uma obrigação a que prefeririam não
Até a Idade Média, a riqueza se restringia à posse de
dedicar tanto tempo.
terras, mas ao final desse período e durante a Idade
Talvez você já tenha visto camisetas que Modernaasatividades mercantise manufatureiras
trazem estampados o simpático (e preguiçoso) adquiriram importância, pois a burguesia emergente
gato Garfield e a frase “Odeio segunda-feira!” derivou de antigos servos libertos.
representando o sentimento quase universal de O desenvolvimento das máquinas exercia grande
desânimo diante do trabalho. De fato, enquanto o fascínioeatécnicatransformavaotrabalho. Noséculo XVII,
próximo e desejado final de semana não chega, Pascal inventou a primeira máquina de calcular, Torricelli
busca-se alento no r como se a “hora feliz” só construiu o barômetro e Edmund Cartwright inventou o
existisse no tempo após o trabalho. primeiro tear mecânico. No mesmo espírito, Galileu Galilei
Confirmando esse sentido negativo, a própria inaugurou o método das ciências da natureza, que recorria
palavra r deriva do latim tripalium, tripálio, um à técnica e à experimentação.
instrumento formado por três paus, próprio para O que diziam os pensadores da modernidade a respeito
atar os condenados ou para manter presos os dessas mudanças, que atravessaram o século XVII e podem
animais difíceis de ferrar. A origem comum ser notadas até hoje?
identifica o trabalho tortura.
Francis Bacon (1561-1626), com o seu lema “Saber é
Se a vida humana depende do trabalho, que poder”, criticou o conteúdo metafísico da física grega e
causa tanto desprazer, poderíamos concluir que, medieval, por não apresentar resultado prático ao
no contexto do trabalho como tortura, o ser homem, realçando o papel histórico da ciência nascente e
humano estaria condenado à infelicidade. do saber instrumental, capaz de agir sobre a natureza e
Essas duas concepções trazem um impasse: o controlá-la.
trabalho é tortura ou emancipação? Se voltarmos Escolhendo um caminho semelhante, René Descartes
nosso olhar à história para ver como as pessoas (1596-1650) antevia o momento em que os seres humanos
trabalham e o que pensam sobre essa atividade, viriam a se tornar “senhores e possuidores da natureza”.
teremos uma percepção mais clara dessa Começava aí o ideal rometeico da ciência. Embora
contradição. Bacon e Descartes seguissem linhas de reflexão diferentes
e em certos pontos antagônicas, ambos Rousseau, o poder popular é inalienável, porque só a ele
destacavam que a ciência e a técnica são capazes pertence. Vejamos agora o sentido político elaborado pelo
de “dominar a natureza”. marxismo.
No século XIX, o conceito de alienação foi utilizado por
Modernidade: (ou Idade Moderna) é o período que começa
no Renascimento em oposição à tradição medieval,
Karl Marx (1818-1883) ao analisar a
valorizando o espírito crítico e a racionalidade científica.
Principais re resentantes no século XVII: Francis Bacon, Galileu
Galilei e René Descartes.
Prometeico: relativo a Prometeu, figura da mitologia grega que
roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos seres humanos.
Simboliza a valorização da técnica e do trabalho humano.

57

No campo político e econômico, estavam


sendo elaborados os princípios do liberalismo.
Quais as consequências das ideias liberais para o
trabalho? Superando as relações de dominação
entre senhores e servos, foi instituído o contrato
de trabalho entre indivíduos livres, o que significa
o reconhecimento do trabalhador no campo
jurídico.
Uma das novidades das ideias liberais é a
valorização do trabalho. Assim escreveu John 58
Locke 1632-1704 : exploração dos operários nas fábricas criadas a partir da
Revolução Industrial. As condições de extensas jornadas
Embora a terra e todas as criaturas inferiores de trabalho, em péssimas instalações, os
sejam comuns a todos os homens, cada homem salários baixos e a arregimentação de crianças e mulheres
tem propriedade em sua própria pessoa; a esta como mão de obra mais barata denunciavam uma grave
ninguém tem qualquer direito senão ele questão socia . Esse esta o e coisas senca eou os
mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra de movimentos socia istas e anarquistas.
suas mãos, pode dizer-se, são propriamente Nesse panorama, Marx reforçou a temática do trabalho
dele. [...] Desde que esse trabalho é como condição de liberdade: é pelo trabalho que o ser
propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum humano se confronta com as forças da natureza e, ao
outro homem pode ter direito ao que se juntou, mesmo tempo que as modifica, transforma a si mesmo,
pelo menos quando houver bastante e humaniza-se.
igualmente de boa qualidade em comum para Em contrapartida, negou que a nova ordem econômica
terceiros. do capitalismo fosse capaz de possibilitar a igualdade
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo:
Abril Cultural, 1973. p. 51-52. (Coleção Os Pensadores) entre as partes, porque o trabalhador perde mais do que
ganha, já que produz para outro: a posse do produto lhe
escapa. Nesse caso, é ele próprio que deixa de ser o centro
de si mesmo. Não escolhe o salário – embora isso lhe
3 Trabalho como mercadoria: a apareça ficticiamente como o resultado de um contrato
livre –, não escolhe o horário nem o ritmo de trabalho e é
alienação
comandado de fora, por forças que não mais controla.
ç
O resultado é que o trabalhador torna-se “estranho”,
.Em
“alheio” a si próprio: trata-se do fenômeno da alienação.
todos eles, há em comum a noção de perda: do
ponto de vista jurídico, perde-se a posse de um Para Marx, portanto, a alienação não é puramente
bem; para a psiquiatria, o alienado mental perde a teórica. Como na economia capitalista prevalece a lógica
dimensão de si na relação com os outros; segundo do mercado, tudo tem um preço, ou seja, ao vender sua
força de trabalho mediante salário, o operário reina... Contamos 50 rocas duplas [...] ocupadas por
também se transforma em mercadoria. 100 fiandeiras e o mesmo tanto de dobradeiras, tão
Vale frisar que a alienação não se aplica apenas disciplinadas como tropas
à produção do trabalhador, mas também às formas PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e
prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 57-58.
do consumo, como veremos mais adiante.1

1O
A historiadoradestacaem itálicoa nova maneirade
tema da alienação encontra-se ampliado no capítulo 21,
“Teorias socialistas”. trabalhar, representada por dois modelos disciplinares: o
religioso (silêncio) e o militar (hierarquia, disposição em
Etimologia fileiras). A disciplina é mantida pelos supervisores, que
avaliam a qualidade do serviço, evitam brigas e fazem
Alienação. Do latim alienare cumprir os severos regulamentos por meio de proibições
“afastar”; alienus, “que (não falar alto, não dizer palavrões, não cantar), regras de
pertence a outro”; alius,
“outro”. Portanto, alienar, sob
horários (começa a “tirania” do relógio para entrada, saída
determinado aspecto, é tornar e intervalos) e ainda penalidades, como multas,
alheio, transferir para outrem advertências, suspensões, demissões, de acordo com a
o que é seu. gravidade da “falta”.
Na nova estrutura, o “olhar vigilante” sobressai de
maneira decisiva. A organização do tempo e do espaço
A usina de laminação de ferro (1875), imposta na fábrica não é, porém, um fenômeno isolado.
pintura de Adolph Menzel. Nessa tela, o Para Foucalt, nos séculos XVII e XVIII, formava-se a
calor do ferro fundido, única fonte de
ilumina ão no interior da fábrica, parece “sociedade disciplinar”, com a criação de instituições
agitar o corpo exausto dos operários. Todo fechadas, voltadas para o controle social, como pri sões,
o cenário pintado pelo artista revela as
condições insalubres a que os trabalhadores
orfanatos, reformatórios, asilos de miseráveis e
estavam submetidos no século XIX. “vagabundos”, hospícios, quartéis e escolas.
4 Disciplina: o olhar vigilante Assim escreveu Michel Foucault:
Pensadores contemporâneos investigaram as
mudanças decorrentes do capitalismo e do Esses métodos que permitem o controle minucioso
nascimento das fábricas, analisando-as sob outro das operações do corpo, que realizam a sujeição
ângulo, o da instauração da era da disciplina. Con constante de suas forças e lhes impõem uma relação e
orme Michel Foucault, um novo tipo de disciplina oci i a e-uti i a e, são o que po emos c amar as
facilitou a dominação mediante a “docilização” do “disciplinas”. Muitos processos disciplinares existiam
corpo. há muito tempo [...]. Mas as disciplinas se tornaram
Para exemplificar, vamos recuar até a França nodecorrer dosséculos XVII e XVIII fórmulas gerais de
do século XVIII. A historiadora francesa dominação. [...] O momento histórico das disciplinas é
contemporânea Michelle Perrot retoma o relato o momento em que nasce uma arte do corpo humano,
de um inspetor de manufaturas, no qual ele que visa não unicamente o aumento de suas
descreve uma oficina têxtil com cerca de 100 habilidades, nem tampouco aprofun dar sua sujeição,
metros de comprimento, pavimentada por lajes e mas a formação de uma relação que no mesmo
iluminada por cinquenta janelas com tela branca: mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é
mais útil, e inversamente. [...] A disciplina fabrica assim
No meio dessa sala [em] um canal coberto corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A
com lajes entreabertas cada fiandeira vai, em disciplina aumenta as forças do corpo (em termos
silêncio tirar a água de que precisa [para a econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas
fiação]. Essa oficina, à primeira vista, forças (em termos políticos de obediência).
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis:
surpreende o visitante pela quantidade de Vozes, 1987. p. 126-127.
pessoas aí empregadas, pela ordem pela
limpeza e pela extrema subordinação que aí
Penitenciária de Stateville, inspirada no Panopticon, de Jerem Quem é?
Bentham. Estados Unidos, 2002.

Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês, desenvolveu


Para descrever os mecanismos disciplinares,
Foucault retomou a descrição que o jurista Jeremy um m de investigação hist rica e filos fica que chamou de ge
Bentham (1748-1832) fez de um projeto denomi nealogia. Examinou a mu dança dos comportamentos Michel
nado Panopticon (literalmente, “ver tudo”), em que Foucault. no início da Idade Moderna, Foto de 1967. sobretudo
imagina uma construção de vidro, em anel, para nas instituições prisionais e nos hospícios. Ele buscava
alojar loucos, doentes, prisioneiros, estudantes ou compreender os processos de produção dos saberes que
oper rios. Controlados de uma torre central com tornaram possível o controle por meio do que chamou de
absoluta visibilidade, o resultado é a interiorização microfísica do poder. Suas principais obras são
do olhar que vigia, de modo que cada um não tenha Históriadaloucura na Idade Clássica As palavras e as coisas
consciência da própria sujeição. História da sexualidade Vigiar e punir Microfísica do poder

59
5 De olho no cronômetro trabalho, isto é, entre o projeto e sua realização, entre
o pensar e o fazer.
E no século XX, teriam melhorado as relações de
A mesma intenção de aumentar a produtivi dade
trabalho, após as críticas que lhes foram feitas? O
levou Henry Ford, também estadunidense, a introduzir
poeta brasileiro Mário Quintana, no poema Das
a esteira da linha de montagem e o processo de
ampulhetas e das clepsidras, diz o seguinte:
padronização ou estandardização da produção em
série na sua fábrica de automóveis.
Antes havia os relógios d’água, antes havia os A divisão de tarefas reduz a atividade a gestos
relógios de areia. O Tempo fazia parte da natureza. mínimos, o que aumenta a produção de maneira
Agora é uma abstração – unicamente denunciada notável, mas também torna o ofício um trabalho “em
por um tic-tac mecânico, como o acionar contínuo migalhas”: cada operário produz apenas uma parte do
de um gatilho numa espécie de roleta-russa. Por produto. Um dos problemas desse processo é que,
isso é que os antigos aceitavam mais naturalmente além da monotonia que reduz a ação a operações
a morte. simples, detecta-se a fragmentação do conhecimento.
QUINTANA, Mário. Das ampulhetas e das clepsidras. In:
Porta giratória. 3. ed. São Paulo: Globo, 1997. p. 61.
Enquanto o antigo artesão cuidava de todas as etapas
da confecção de um produto, o operário perde a noção
do todo e, com isso, o conhecimento prático da
Dialogando com o poeta, acrescentamos que fabricação de um objeto.
somos “feitos” de tempo: sem memória (passado) e A chamada racionalização do processo de trabalho
sem projetos (futuro), o nosso presente deixaria de ser trouxe em si uma irracionalidade básica, ao
propriamente humano. Portanto, o ue dizer de um desvalorizar o ritmo do corpo, o sentimento, a
tempo de velocidade preestabelecida ue não respeita imaginação, a inventividade humana. Não é fácil
a cadência do próprio corpo nem as diferenças submeter o operário ao trabalho rotineiro e repetitivo,
individuais? Na era capitalista, eficácia, organização e mas com o taylorismo a coação visível de um chefe foi
padronização transformam-se em palavras de ordem substituída por maneiras mais sutis de
e todo movimento passa a ser controlado externa e constrangimento. Por exemplo, as orientações vindas
artificialmente. Mas se artificializamos demais os do “setor de planejamento” tornam a ordem
ritmos vitais, nem poderemos “morrer bem”, já que impessoal, o que facilita a submissão do operário. Ao
vivemos tão mal! lhe retirar toda iniciativa, modela seu corpo segundo
Foi isso que aconteceu quando os proprietários das critérios exteriores, “científicos”, e faz que ele
fábricas, na busca de maior produtividade, interiorize a norma.
implantaram sistemas de “racionalização”, que, em
última análise, significam economizar tempo,
transformando-o em mercadoria. Como foi possível tal
proeza?

Taylorismo: o trabalho "em migalhas"


O estadunidense Frederick Taylor, no início do
século XX, elaborou uma teoria conhecida como
taylorismo. Partindo do princípio de que os operários
são indolentes e não sabem usar seus gestos de modo
econômico, Taylor estabeleceu um “controle
científico” por meio da medição com cronômetros,
para que a produção fabril fosse cada vez mais simples
e rápida.
Defendeu a criação de um setor de planejamento
responsável pelo “saber como produzir”, que deixava
nítida a separação entre a concepção e a execução do

62
Linha de montagem do modelo Ford T Park, Michi an, nos produtivas visa atingir níveis sempre mais altos de
Estados Unidos. Foto de 1913. A produ ão de carros e os
lucros de Henr Ford aumentaram verti inosamente, produtividade e de competitividade.
submetendo o operário ao trabalho fracionado e repetitivo.
No entanto, quando a técnica é fator preponde
6 Crítica à sociedade administrada rante, a pessoa deixa de ser fim para se tornar meio de
Sobre a questão do trabalho alienado, qualquer coisa que se encontre fora dela. O ser
debruçaram-se inúmeros filósofos, entre os quais os humano torna-se instrumento para a exploração in
pensadores da Escola de Frankfurt, que elaboraram a discriminada dos recursos ambientais e perde o exer
corrente filosófica chamada teoria crítica na década de cício de suas características propriamente humanas.
1930 na Alemanha. Horkheimer critica o predomínio da razão
Para os frankfurtianos, o capitalismo chegou ao pragmática, que provoca a alienação do trabalhador e
impasse diante da técnica – apresentada de início o esgotamento de recursos naturais, e adverte:
como libertadora –, mas que, afinal, revelou-se artífice
de uma ordem tecnocrática e opressora. Na A história dos esforços humanos para subjugar a
“sociedade da total administração”, conforme a natureza é também a história da subjugação do
expressão de Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor homem elo homem.
Adorno (1903-1969), os conflitos são dissimulados e a HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. São Paulo: Centauro,
oposição desaparece. 1976. p. 109.

A técnica aplicada ao trabalho tem provocado a


alienação do trabalhador e o esgotamento dos Essas críticas não negam a importância da razão
recursos naturais. De fato, a exaltação do progresso instrumental, que permite produzir a técnica, mas
indiscriminado não tem respeitado o que atualmente visam recuperar o que se perde em termos de
chamamos de desenvolvimento sustentável. A relação humanização quando a razão técnica prevalece sobre
do ser humano com a natureza, que deveria ser de a razão cognitiva e vital. O cerne da questão está na
harmonia, passa a ser de dominação. reflexão moral e política sobre os fins das ações
humanas no trabalho, no consumo, no lazer, nas
A razão instrumental relações afetivas, a fim de observar se estão a serviço
Ao submeter-se passivamente aos critérios de do ser humano ou de sua alienação.
produtividade e desempenho no mundo competitivo
do mercado, regido por princípios aparentemente
"racionais", o indivíduo perde muito do prazer de sua
atividade. Por isso, Max Horkheimer, na obra Eclipse
da razão, distingue dois tipos de razão: a cognitiva e a
instrumental. A razão cognitiva, como o nome diz,
busca conhecer a verdade e diz respeito ao saber viver,
à sabedoria. Por sua vez, a razão instrumental é
operacional e seu ponto central consiste em agir sobre Fornos de carvão em situa ão irre ular em
distrito do município de Catalão (GO),
a natureza e transformá-la. destruídos por e uipe comandada pelo
A razão instrumental é a razão pragmática, que Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis
serve para qualquer fim, sem averiguar se traz (Ibama). Foto de 2014. Além de causar
benefícios ou malefícios aos indivíduos. Na sociedade danos ao meio ambiente, derrubando
árvores nativas e expelindo gases nocivos,
capitalista, os interesses definem-se pelo critério da as carvoarias exploram a mão de obra
eficácia, uma vez que a organização das forças empregada em níveis similares ao do
trabalho escravo.

63
64
No entanto, o consumo também envolve a relação um produto para torná-lo conhecido do consumidor,
com outras pessoas, como a decisão de comprar facilitando o escoamento adequado da produção. No
apenas de empresas que não exploram mão de obra entanto, muitas vezes o objetivo principal é provocar
escrava nem abusam de trabalhadores artificialmente a “necessidade” da compra.
subempregados; não adquirir produtos piratas; evitar Assim nasceu a sociedade de consumo com seus
o hábito do consumo exacerbado que leva ao patrocinadores e anunciantes, com facilidades de
desperdício; e agir tendo em vista a sustentabilidade crediário e campanhas publicitárias veiculadas, no
do planeta, entre outras expressões de início, pelo rádio, e hoje, por inúmeros veículos
conscientização do consumidor. digitais. Desse modo, não só é lançado um produto na
Além da compra de produtos, vale lembrar que praça, mas tamb m são “produzidos” o consumidor e
“consumimos” também ideias veiculadas pela mídia. A suas “necessidades”.
preferência pela leitura de determinada revista, jornal O consumo alienado degenera em consumismo
ou blog pode orientar fortemente nosso modo de quando se torna um fim em si e não um meio,
pensar, caso não busquemos fontes diferentes que provocando desejos nunca satisfeitos. A ânsia do
comparem e interpretem o mesmo fato. Por isso, a consumo perde toda relação com as necessidades
pluralidade de veículos difusores de notícias é salutar reais, o que leva as pessoas a comprar além do
na democracia, e toda censura ou concentração da necessário e, às vezes, mais do que seu poder
mídia nas mãos de oucos é considerada erniciosa. aquisitivo permite.
A indagação que levantamos é a de saber se somos Herbert Marcuse, um dos filósofos da Escola de
Com base nas informações do texto abaixo, discuta com um colega sobre os riscos da
concentração das mídias nas mãos de poucos.

No Brasil, o Sistema Central de Mídia é estruturado a partir das redes nacionais de


televisão. Mais precisamente, os conglomerados que lideram as cinco maiores redes
privadas [...] controlam, direta e indiretamente, os principais veículos de comunicação
no país. Este controle não se dá totalmente de forma explícita ou ilegal. Entretanto, se
constituiu e se sustenta contrariando os princípios de qualquer sociedade democrática,
que tem no pluralismo das fontes de informação um de seus pilares fundamentais.
DONOS DA MÍDIA. As redes de TV. Disponível em <www.donosdamidia.com.br/redes>. Acesso em
25 nov. 2014.
ca azes de decidir de maneira autônoma, ara que o Frankfurt, confere o nome de unidimensionalidade à
consumo nunca seja um fim em si, mas sempre um perda da dimensão crítica, o que impede o indivíduo
meio para outra coisa qualquer. Caso contrário, ele se de perceber a exploração de que é vítima. O filósofo
transforma em consumismo. alerta para a distinção entre necessidades vitais e
falsas necessidades, para que a satisfação dos
Consumo alienado indivíduos não se reduza a uma “euforia na
No mundo da produção e do consumo, o infelicidade”.
investimento em publicidade tem em vista a Assim diz Herbert Marcuse:
divulgação de
A maioria das necessidades comuns de
Para refletir
descansar, distrair-se, comportar-se e consumir de
Charge da cartunista Laerte acordo com os anúncios, amar e odiar o que os
sobre os “rolezinhos”,
encontros em shopping centers outros amam e odeiam, pertence a essa categoria
marcados por jovens i i m i de falsas necessidades. Tais necessidades têm um
baixas. A charge de 2013 m rí i
ri ri conteúdo e uma função sociais determinados por
muitas vezes preconceituosos forças externas sobre as quais o indivíduo não tem
adotados para definir quem pode
circular livremente nesses centros
controle algum; o desenvolvimento e a satisfação
consumo. dessas necessidades são heterônomos.
Independentemente do quanto tais necessidades

62
possam ter se tornado do próprio indivíduo, marketing e de preços mais baixos, os bens se
reproduzidas e fortalecidas pelas condições de sua tornaram acessíveis a um maior número de pessoas,
existência; independentemente do quanto ele se inclusive para as de menor poder aquisitivo, ávidas de
identifique com elas e se encontre em sua compras nas grandes lojas de departamento.
satisfação, elas continuam a ser o que eram de Surgiu, então, uma nova fase de consumo mais
início – produtos de uma sociedade cujo interesse intimista e personalizada. Por destacar no con sumo o
dominante exige repressão. processo de personalização, Lipovetsky recusa-se a
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial o
homem unidimensional. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973. p. 26.
aplicar à sociedade pós-moderna o conceito
marcuseano de unidimensionalidade. Também critica
Foucault, ao afirmar que houve uma redução
O comércio facilita a satisfação dos desejos ao progressiva do processo disciplinar no trabalho.
possibilitar o parcelamento das compras, promover
Para Lipovetsky, “no rastro da extrema
liquidações e ofertas de ocasião, estimular o uso de
diversificação da oferta, da democratização do
cartões de crédito, de compras pela internet etc. As
conforto e dos lazeres”, o acesso às novidades
mercadorias saem de moda rapidamente porque seu
mercantis tornou-se mais comum, diluindo de certo
design se tornou antiquado ou porque um novo
modo as regulações de classe. Além disso, “os
produto se mostrou “indispensável”, seja televisão,
consumidores mostram-se mais imprevisíveis e
geladeira, computador, celular, carro etc.
voláteis, mais à espera de qualidade de vida, de

Cola em do presidente
eleito (1961), de James
Rosen uist, representante da
pop art. Nesta obra, o artista
estadunidense equipara a
campanha
presidencial de John F.
Kennedy à publicidade de
produtos consumíveis.
Etimologia comunicação e de saúde, têm melhores condições de
fazer uma escolha entre diferentes propostas da
Heterônomo.Do gregohetero, “diferente”, enómos
“lei”. Aquele que é comandado por outrem, que está
oferta”, determinando que o consumo ordene-se
sujeito a uma lei exterior. O contrário de autônomo. “cada dia um pouco mais em função de fins, de gostos
Para saber mais e de critérios individuais”.2 Nessa ase a mercantilização
das necessidades deixa de ser institucionalizada e
Ao olhar as vitrines, se pudéssemos examinar os
torna-se mais subjetiva e emocional.
“bastidores” da abricação de muitas roupas “de
marca”, encontraríamos tecelagens que produzem Apesar de considerar o consumidor mais cr tico,
rápido à custa da exploração de mão de obra barata, Lipovetsky reconhece o poder massificador da
principalmente de mulheres. É o que ocorre em países publicidade e os malefícios do hiperconsumismo
como Guatemala, Honduras, Argélia, Turquia, Malásia
entendido como a ilusão de que a mercadoria nos
e tantos outros, inclusive o Brasil.
garantiria a felicidade. Ao contrário, o que nos
preenche a vida é o que permite ao ser humano
“inventar-se a si mesmo e inventar coisas”. O risco é
Sociedade pós-moderna: o deixar que o consumo se converta no sentido principal
hiperconsumo da vida das pessoas.
Nem todos os pensadores, porém, encaram o O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925) não
fenômeno contemporâneo do consumo e do lazer de é tão otimista e diz que o consumismo “aposta na
massas como predominantemente alienados e irracionalidade dos consumidores, e não em suas
alienantes, conforme preconizaram os frankfurtianos. estimativas sóbrias e bem-informadas”. Mesmo
É o caso do filósofo francês Gilles Lipovetsky porque “a sociedade do consumo prospera enquanto
(1944), que prefere não demonizar o consumo, mas consegue tornar perpétua a não satisfação de seus
aceitá-lo como fenômeno do nosso tempo. Ele observa membros”. Basta observar como os objetos de desejo
que, desde o final dos anos 1970, devido às técnicas de
63
são facilmente descartáveis para que um novo desejo desembaraçar-se das obrigações profissionais,
imperioso se imponha. familiares e sociais.
DUMAZEDIER, Joffre. Lazer e cultura popular
São Paulo: Perspectiva, 1973. p. 34.
Para saber mais
O pensamento pós-modernoé representado por
diversos filósofos com diferentes enfoques. Alguns Há, portanto, três funções solidárias no lazer:
consideram que os valores centrais da modernidade
encontram-se esgotados (os pós-modernos, como
Jean-François Lyotard). Outros admitem que o projeto
moderno não se esgotou (os neomodernos, como
Jürgen Habermas). Mas todos compartilham a ideia de
tanto, uma complementação que dá equilíbrio
que nas últimas décadas do século XX as
transformações ocorridas na economia, na tecnologia
psicológico, compensando o esforço no trabalho. O
e consequentemente no modo de viver exigem novos lazer oferece a oportunidade de expansão da vida
modos de pensar. imaginária, por meio da mudança de lugar, de
ambiente, de ritmo, quer seja em viagens, quer seja
em jogos ou esportes. Ou ainda, por atividades que
privilegiam a ficção, o sonho, a crítica, como
9 Uma “civilização do cinema, teatro, literatura, espetáculos.
lazer”?
O lazer é uma criação da civilização industrial e sibilidade de desenvolvimento pessoal; procura
apareceu como fenômeno de massa com desinteressada de amigos, de aprendizagem
características específicas que nunca existiram antes voluntária, o que estimula a sensibilidade e a razão,
do século XX. As reivindicações dos trabalhadores além de facilitar condutas inovadoras.
sobre o alargamento do tempo de lazer obtiveram
alguns êxitos muito lentamente, como descanso 2 Trechos extraídos de: LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal:
semanal, redução da jornada de trabalho para oito ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo:
horas diárias e férias. Iniciava-se assim uma nova era, Companhia das Letras, 2007. p. 41.
Frank & Ern t entretenimento televisivo ue aposta no enfra uecimento do senso crítico do
espectador.
3 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das
a civilização do lazer, que tendia a tomar contornos
pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p.
mais definidos com a intensificação da automação do 64-65.
trabalho. ativo não é um simples “deixar passar o
A diminuição da jornada de trabalho criou o tempo tempo livre”, mas aquele no qual a pessoa pode
liberado. O tempo propriamente livre, de lazer, é o que escolher algo prazeroso que ao mesmo tempo a
sobra após a realização de todas as funções que modifique como ser humano. Não se pretende
exigem obrigatoriedade. prescrever antecipadamente o que seria uma boa ou
má ocupação do tempo livre: qualquer tipo de lazer é
Características do lazer ativo quando somos seletivos, sensíveis aos estímulos
recebidos e compreendemos de modo crítico o que
O que é lazer, então? O sociólogo francês Joffre
vemos, sentimos e apreciamos. Por exemplo, duas
Dumazedier (1915-2002) diz:
pessoas que assistem ao mesmo filme podem ser
ativas ou passivas, dependendo da maneira pela qual
[...] o lazer é um conjunto de ocupações às quais se posicionam para comparar, apreciar, julgar e decidir
o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja por si mesmas, independentemente de modismos ou
para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e de propagandas massificadoras.
entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua
informação ou formação desinteressada, sua Obstáculos ao lazer
participação social voluntária ou sua livre
O tempo de lazer tem adquirido importância cada
capacidade criadora, após livrar-se ou
vez maior, configurando-se como um dos grandes
64
desafios do terceiro milênio. Essa é a aposta do erecidos pela indústria de lazeres são bastante
sociólogo italiano Domenico de Masi (1938), que consumidos pela sociedade, mesmo que eles não
lembra como foi terrível o longo período em que o sejam talvez tão necessários à sua vida como o pão
capitalismo amontoou empregados em fábricas, e a carne. Eles servem, como se diz, para passar o
segregando de modo brutal trabalho e vida. Segundo tempo, e o tempo vago que é passado assim não é,
ele, nossa sociedade teria todas as condições de propriamente falando, o tempo do ócio – isto é, o
realizar o sonho do não trabalho e do ócio criativo, isto tempo em que somos livres de todo cuidado e
é, do ocupar-se com atividades sem premência de atividade necessários para o processo vital, e,
tempo e que permitissem o desenvolvimento pessoal portanto, livres para o mundo e sua cultura; é
e a produção de ideias.4 Seria esse um sonho possível? apenas o tempo que sobra.
A questão está em saber se a indústria cultural ARENDT, Hannah. La crise de la culture. Paris: Gallimard, 1992.
p. 262-264. (Tradução nossa)
propicia alternativas de escolhas ou se as cidades
oferecem infraestrutura que garanta aos mais pobres
a ocupação do seu tempo livre em atividades gratuitas
ou menos dispendiosas:
10 Para onde vamos?
Para mais informações sobre o ócio criativo, consultar: DE Nas últimas décadas presenciamos transformações
MASI, Domenico. O ócio criativo. Rio de aneiro: Sextante, 2000. extremamente rápidas, que alteraram de maneira
lugares onde ouvir música, praças para passeios, drástica nosso modo de vida.
clubes populares, locais para a prática de esportes e de
Apesar dos benefícios alcançados pela nossa
integração social espontânea. Caso não sejam
civilização, há um grande número de pessoas excluídas
oferecidas essas alternativas de escolha, as
do sistema, e a questão ecológica agrava-se a cada dia
possibilidades de lazer ativo, não alienado, ficam
pelo consumo descontrolado dos recursos naturais. O
reduzidas.
importante é sempre verificar em que medida as
A filósofa Hannah Arendt adverte: atividades de trabalho, consumo e lazer estão a serviço
da humanização e da sustentabilidade do planeta,
A sociedade de massas [...] não busca a cultura, além de indagar quando se desviam desses objetivos
mas azeres (entretenimento), e os pro utos o principais.

65
66
Colóquio O trabalho alienado incapazes para tais trabalhos, mas aptos para a vida de
cidadãos.”
ARISTÓTELES. Política. 3. ed. Brasília: Editora UnB, 1997. p. 17-19.

que desvalorizava o trabalho manual. No primeiro Texto 2


texto, expõe argumentos para justificar a escravidão, “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o
embora tenha em outros momentos reconhecido a homem e a natureza, um processo em que o homem,
injustiça da escravização, como no caso de prisioneiros por sua própria ação, medeia, regula e controla [...] a
de guerra. O segundo texto foi extraído da obra de Karl natureza. [...] Ao atuar, por meio desse movimento,
Marx, a quem coube criar, no século XIX, outra sobre a natureza externa a ele e ao modifi cá-la, ele
concepção de trabalho, que defendia o conceito de modifi ca, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele
humanização pelo trabalho livre e estendido a todos. desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o
jogo de suas forças a seu próprio domínio. Não se trata
Texto 1 aqui das primeiras formas instintivas, animais, de
trabalho. O estado em que o trabalhador se apresenta
“[...] um ser humano pertencente por natureza não
no mercado como vendedor de sua própria força de
a si mesmo, mas a outra pessoa, é por natureza um
trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos o
escravo; uma pessoa é um ser humano pertencente a
estado em que o trabalho humano não se desfez ainda
outro se, sendo um ser humano, ele é um bem [uma
de sua primeira forma instintiva. Pressupomos o
propriedade], e um bem é um instrumento de ação
trabalho numa forma em que pertence
separável de seu dono. Em seguida deveremos
exclusivamente ao homem. Uma aranha executa
investigar se existe, ou não, alguém que seja assim por
operações semelhantes às do tecelão, e a abelha
natureza, e se é conveniente e justo para alguém ser
envergonha mais de um arquiteto humano com a
um escravo ou se ao contrário toda escravidão é
construção dos favos de suas colmeias. Mas o que
antinatural. Não é difícil atinar teoricamente com a
distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor
resposta ou aferir-lhe a certeza pelo que realmente
abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes
acontece. Mandar e obedecer são condições não
de construí-lo em cera. No fi m do processo de
somente inevitáveis mas também convenientes.
trabalho obtém-se um resultado que já no início deste
Alguns seres, com efeito, desde a hora de seu
existiu na imaginação do trabalhador, e portanto
nascimento, são marcados para ser mandados ou para
idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação
mandar, e há muitas espécies de mandantes e de
da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo
mandados [...], pois em todas as coisas compostas,
tempo, na matéria natural, seu objetivo, que ele sabe
onde uma pluralidade de partes, seja contínua ou
que determina, como lei, a espécie e o modo de sua
descontínua, é combinada para constituir um todo
atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. E
único, sempre se verá alguém que manda e alguém
essa subordinação não é um ato isolado. Além do
que obedece, e, essa peculiaridade dos seres vivos se
esforço dos órgãos que trabalham, é exigida a vontade
acha resente neles como uma decorrência da natureza
orientada a um fi m, que se manifesta como atenção
em seu todo. [...]
durante todo o tempo de trabalho.”
Na verdade, a utilidade dos escravos pouco difere
MARX, Kar . O capita : crítica da economia política. São Paulo: Abril
da dos animais; serviços corporais para atender às Cultural, 1983. p. 149-150. (Coleção Os Pensadores)
necessidades da vida são prestados por ambos, tanto
pelos escravos quanto pelos animais domésticos. A
intenção da natureza é fazer também os corpos dos
homens livres e dos escravos diferentes – os últimos
fortes para as atividades servis, os primeiros eretos, Questões

62
1. Aristóteles propõe “investigar se existe,
ou não, alguém que seja assim por
natureza, e se é conveniente e justo para
algu m ser um escravo ou se, ao contrário,
toda escravidão antinatural”. Qual a
conclusão de Arist teles questão que ele
pr rio se propôs?
2. Os textos de Aristóteles e de Marx estão
separados por vinte e três séculos. Qual é
a diferença fundamental entre eles?
3. Transcreva o trecho em que Marx
identifica o caráter humanizador do
trabalho.
4. Ex l ue o ue Marx uis dizer ao com arar ar
uitetos a abelhas e o tecelão à aranha.

63
TERCEIRO BIMESTRE
Capítulo 01: A ética no mundo
contemporâneo.

QUARTO BIMESTRE

Capítulo 02: Política não se


discute?
CAPÍTULO
A ética no mundo
1 contemporâneo
Em 2019, ocorreu um lance inusitado em uma partida de futebol na
Dinamarca. As equipes do Vejle e do AGF disputavam um jogo para fugir
do rebaixamento. Em determinado momento, a partida foi
interrompida quando a bola estava com o AGF. O time do Vejle como
manda o fair play, deveria devolver a bola aos jogadores do AGF.
O atacante do Vejle, porém, chutou a bola em direção ao campo
adversário e surpreendentemente marcou um gol. A situação criou uma
grande confusão, já que era um gol que poderia mudar o futuro das duas
equipes. Os jogadores começaram a discutir e precisaram entrar em um
acordo para solucionar o impasse da forma mais justa possível. A
solução foi permitir que o AGF marcasse um gol para reestabelecer a
igualdade no placar.
Essa situação é um exemplo de como a ética é um campo de reflexão
muito importante para a vida cotidiana. Os jogadores das duas equipes
iniciaram uma discussão em torno de valores. O objetivo disso era
determinar o que era justo e o que era injusto.
O que transforma essa discussão em um problema ético é o fato de
■ Cena de partida de que não havia uma solução predeterminada para o conflito entre as
futebol disputada equipes. As regras do futebol não estabelecem o que fazer em uma
entre as equipes do situação como essa. Além disso, o juiz da partida não tinha elementos
Vejle e do AGF, em
prévios para resolver o conflito e estabelecer a decisão mais justa.
Vejle, Dinamarca,
2019. Assim, a decisão dos jogadores foi tomada a partir da reflexão em
Consultar as torno do problema, visando ao comportamento mais adequado. Essa
Orientações para o decisão criou um valor ético, que foi respeitado por todos. Ao final, a
professor para obter
mais informações
partida foi reequilibrada e o AGF venceu o adversário por 4 a 2. Mesmo
sobre o capítulo e derrotada, a equipe do Vejle jogou a partida de forma ética.
sobre o trabalho com Neste capítulo, vamos refletir sobre o conceito de ética e analisar
as atividades.
como ele é importante para a vida de todos nós.

12
O que é ética?

BECK, A. Armandinho Sete. Florianópolis: Edição do autor, 2015. p. 70.

A reflexão ética coragem. Ela examina a conduta humana do ponto de vista da ação.
está sempre A reflexão ética se dedica a entender o que são os valores, como se
presente em nossas formam e como podem ser aplicados à vida cotidiana. Cabe à ética
vidas. Por isso, refletir sobre o significado da justiça, do dever, da virtude e de outros
falamos em ética valores morais. No próximo tópico, veremos a diferença entre a ética e
no trabalho, ética a moral.
nos esportes, ética Nesse sentido, é importante observar que, para a reflexão ética, os
jornalística, ética valores não são regras fixas e definitivas. Assim como os costumes
nos mudam com o tempo, os princípios éticos também estão em constante
relacionamentos e transformação.
também em Vamos ver um exemplo dessa situação? Quando os cientistas
bioética. trabalham na criação de um novo medicamento, eles precisam fazer
A ética pode ser testes para avaliar sua eficácia. Uma forma de fazer esses testes é
compreendida utilizar animais criados em laboratório, como camundongos. Há
como o campo da pessoas, porém, que desaprovam essa prática, já que os experimentos
reflexão humana submetem os animais a sofrimento e, muitas vezes, os levam à morte.
que se dedica a Temos aí um impasse. O que é possível fazer para resolver essa
analisar os valores questão, já que não existe uma regra fixa e definitiva para decidir qual é
morais, como o o melhor caminho a seguir? Pode-se, por exemplo, criar um comitê de
bem, a verdade, a bioética para avaliar os experimentos e tomar a decisão de como agir, a

13
fim de assegurar o Deliberação
avanço do Reflexão visando à resolução de um problema. Teocêntrico
Que tem Deus como ponto de convergência de todas as coisas.
conhecimento
científico sem Ética e moral são a mesma coisa?
provocar
sofrimento aos
animais. É esse o
trabalho da
reflexão ética.
Bioética
Campo de estudo que
se refere às
implicações éticas e
filosóficas de
procedimentos,
tecnologias e
tratamentos médicos
e científicos, como
transplantes de Enquanto a ética analisa os valores morais e o comportamento
órgãos e engenharia humano do ponto de vista da ação, a moral consiste no conjunto de
genética, entre
outros. valores, regras e normas de conduta de uma sociedade. A diferença
■ A ética e a moral entre uma regra moral e a ação ética é que a segunda se forma a partir
estão presentes em de uma reflexão consciente daquele que a pratica. A ética passa pela
nosso cotidiano e deliberação do indivíduo, enquanto a moral tem a finalidade de
muitas vezes se
determinar o modo de agir dos indivíduos em comunidade.
confundem, mas é
essencial Os valores e as normas de conduta variam de acordo com a época
diferenciá-las. Na e/ou a sociedade. Ao longo da história, as sociedades humanas criaram
foto, cena do diferentes códigos morais. Na Idade Média, no Ocidente, os valores
programa Café cristãos não podiam ser questionados, e a moral cristã era considerada
Filosófico sobre
a única possível e verdadeira. Essa visão teocêntrica do mundo, baseada
ética no cotidiano,
com os filósofos na fé e na noção de bem e mal, impunha regras rígidas de
Mario Sergio comportamento social.
Cortella e Clóvis de Nesse caso, os valores se transformam em um conjunto de regras
Barros Filho. morais. Sendo regras, nem sempre são questionadas.

14
A reflexão ética organização da vida em sociedade. Por meio dela, os indivíduos podem
é um exercício da elaborar novas soluções para conflitos e determinar a melhor maneira
liberdade e é de agir diante dos mais variados problemas. Ela é também uma
fundamental para a importante ferramenta de crítica das regras morais, contribuindo para
a transformação da sociedade.
> MEUS NÃO ESCREVA

ARGUMENTOS NO LIVRO • A ética está diretamente relacionada com nossas ações.


Não basta refletir sobre ética sem aplicar a reflexão àquilo que fazemos
cotidianamente. Imagine que a justiça comprove que uma loja da qual você é cliente costuma vender
roupas produzidas por meio de trabalho análogo à escravidão. Reflita como agir de forma ética diante
dessa situação e elabore um texto, no seu caderno, justificando seu posicionamento.

Ética no dia a dia


Como vimos, a ética reflete sobre as ações humanas.
Por isso, muitos pensadores entendem a ética como uma
forma de saber prático. Isso significa que a reflexão ética
não trata apenas de problemas abstratos, mas de situações
concretas que afetam a vida e as relações entre os
indivíduos.
A palavra ética se origina do termo grego ethos, que
significa lugar de convívio. Na Grécia antiga, considerava-se
ético aquilo que visasse ao bem comum e ao do lugar em
que se vivia. Para o filósofo grego Aristóteles (385 a.C.-323
a.C.), a ética e a política seriam os dois principais saberes
práticos da vida humana.
Para Aristóteles, todo ser humano busca a felicidade e o
bem-estar a partir da realização de seus objetivos e
projetos de vida. Segundo o filósofo, existe uma relação
entre a felicidade e as virtudes necessárias para a condução
da vida individual.
Aristóteles considera princípios centrais de uma vida
ética a realização das tarefas cotidianas, o empenho nos

15
estudos e o exercício das atividades profissionais com ■ BAGDATOPOULOS, afinco. Para isso, o
filósofo grego aconselha a prudência e o desenvol- W. S. Aristóteles vimento da capacidade de
escolher a melhor opção entre as diversas ensinando aos pés da possibilidades que surgem ao
longo da vida. Acrópole em Atenas.

Assim, para ele, a ética seria uma forma de reflexão que poderia ajudar Litografia colorida que
ilustra a obra de Arthur os indivíduos a alcançar uma vida feliz, além de auxiliar na construção de
Mee, The children's relações sociais harmoniosas. encyclopedia ("A
enciclopédia das
Bem-estar segundo a estatística, 2010 crianças"), publicada em
c 1930.
R$ 11,3 mil/mês:
ponto a partir do qual mais dinheiro Proporção

■ A felicidade é um valor
relativo. Na atualidade,
muitas pessoas associam
a felicidade ao bem-estar
material, como apontam
os dados do gráfico da
pesquisa realizada nos
Estados Unidos, em
dos não significa mais felicidade 2010. Para Aristóteles,

felizes e contentes com a vida

nenhum estresse

1,4 2,8 5,6 11,3 22,6 Renda mensal em R$ mil


Fonte: MIOTO, R. Felicidade custa R$ 11 mil por mês, aponta estudo. Folha de S.Paulo, São Paulo, porém, a felicidade
7 set. 2010. Disponível em: https://m.folha.uol.com.br/ciencia/2010/09/795092-felicidade-custa-
r-11-mil-pormes-aponta-estudo.shtml. Acesso em: 5 set. 2020.
está ligada à vida
virtuosa.
A ética como um caminho para a felicidade, conforme concebida por Aristóteles, teve grande
importância na história do pensamento filosófico e influenciou muitos pensadores, da
Antiguidade até o presente.
Um exemplo é a forma como o filósofo holandês Baruch de Spinoza, ou Bento de Espinosa
(1632-1677), refletiu sobre a ética. Para ele, uma vida ética é baseada na busca da felicidade e
da liberdade, e um aspecto central dessa busca é o modo como os indivíduos lidam com seus
afetos.
Segundo Espinosa, todos os
seres vivem em constante interação. Essas interações podem ser
positivas, potencializadoras (afecções alegres), aumentando a

16
capacidade dos seres de agir sobre
o mundo, ou negativas,
despotencializadoras (afecções
tristes), diminuindo essa
capacidade. Para esse filósofo,
quanto maior a alegria de um ser,
maior sua liberdade de ação. Dessa
forma, uma vida ética se constrói a
partir da alegria compartilhada.
Assim como Aristóteles e
Espinosa, vários outros pensadores
analisaram a importância da ética
na vida cotidiana.
O filósofo francês Jean-Paul
■ Sartre (1905-1980) analisou o
problema ético a partir da ideia de
que a liberdade é a característica
central do ser humano.
Para Sartre, os seres humanos
não nascem com uma função
determinada. Cada indivíduo vai
definir aquilo que é a partir de suas
escolhas, e essas escolhas são da
responsabilidade de cada um.
Assim, ao longo da vida, o indivíduo
toma uma série de decisões que
lentamente vão construindo aquilo
que ele é.

■ A vida ética está implícita


na relação com o outro. Na foto,
adolescentes trabalham em
grupo voluntário. Ucrânia, 2018.

17
Entretanto, se o indivíduo é livre, há
sempre o risco de suas escolhas se
chocarem com as escolhas de outros
indivíduos. É a partir dessa ideia que
nasce o problema da ética para Sartre.
Ele defende que toda escolha implica não
apenas a construção da liberdade
individual, mas um modelo de ação para
os demais.
Assim, um indivíduo que ingressa na
vida política e, livremente, decide agir
apenas de acordo com seus interesses,
desviando dinheiro público, estaria
afirmando não apenas que sua liberdade
é mais importante que a dos demais, mas
enfatizando que todos podem agir da
mesma forma.
Segundo essa perspectiva, uma vida
ética corresponde àquela na qual a
■ Para Sartre, todos
liberdade individual é construída a partir do fortalecimento da liberdade
nascem livres para
de todos, o que implica necessariamente escolhas individuais que decidir aquilo que
respeitem o outro. farão de suas vidas.
A verdade também é um problema ético que nasce da relação com o São as escolhas
outro. O compromisso em dizer e agir de forma verdadeira está feitas ao longo do
tempo que fazem de
estreitamente associado a uma vida ética. Essa questão, discutida por
nós aquilo que
pensadores desde a Antiguidade, ganhou um novo sentido na somos.
contemporaneidade.
Diversos cientistas sociais contemporâneos afirmam que vivemos a Fake news
era da pós-verdade, em que a disseminação de fake news vem Termo utilizado para se
enfraquecendo a credibilidade dos meios de comunicação e dos referir a notícias falsas,
que podem ser
pesquisadores. Com a facilidade de circulação de informações pelas inteiramente
redes sociais e aplicativos, muitas pessoas ignoram canais que divulgam fabricadas ou distorcer
notícias com base em fontes confiáveis e dados científicos, passando a um conteúdo real. Suas
fontes são duvidosas
compartilhar mensagens falsas, sem fonte ou de fontes duvidosas.
(veículos de mídia sem
credibilidade) ou
> DE MÃOS NÃO ESCREVA NO LIVRO
inexistentes.
DADAS • Segundo Espinosa, existem interações positivas e negativas entre os
seres, afetos alegres e afetos tristes. Assim, para esse pensador, uma vida ética está

18
Enganados pelas fake news, 2018

Porcentagem dos que admitem ter acreditado em


relacionada com ações que uma notícia falsa na internet
Países

promovem a alegria em
nós mesmos e nos outros.
Como é possível aplicar
essa ideia em sua vida
cotidiana?
Converse com seus colegas
sobre esse tema.
■ O gráfico

demonstra a força
das fake news em
alguns países. O
Brasil é o país com
o maior número de
pessoas que
admitiram já terem
sido enganadas por
notícias falsas.
Fonte: FANTINI, F. Para além das fake
news: os fake numbers, escreve Flamínio
Fantini. Poder 360, 22 jul. 2019. Disponível em:
https://www.poder360.com.br/ opiniao/midia/para-alem-das-fake-news-
os-fake-numbers-escreve-flaminio-
fantini/. Acesso em: 10 jun. 2020.

Ações como compartilhar uma notícia nas redes sociais sem confirmar a
procedência da informação contribuem para enfraquecer a credibilidade das fontes
confiáveis e estimular comportamentos que ameaçam a democracia e mesmo a vida de
outras pessoas.
Assim, problematizar as fake news e valorizar o conhecimento científico e a
informação baseada em fatos e pesquisas é também uma forma de agir eticamente na
sociedade em que vivemos. Nesse sentido, o conceito de maioridade intelectual
proposto pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) nos ajuda a refletir sobre
essa questão.
Segundo Kant, quando o indivíduo é incapaz de usar sua capacidade de
entendimento para agir por si próprio, guiando-se pelo pensamento alheio, ele está
vivendo numa condição de menoridade intelectual. Para ele, o indivíduo só conquista a
maioridade intelectual quando consegue pensar e agir de maneira autônoma, livre da
tutela dos outros.
Nesse sentido, a maioridade intelectual pode ser entendida como a postura ética
diante das informações que recebemos, distinguindo as notícias falsas das verdadeiras
e agindo sempre de modo a evitar a disseminação de inverdades.

19
Como vimos , os valores se transformam ao longo do tempo. Por
isso, algumas ideias consideradas corretas no passado são vistas
atualmente como práticas criminosas que devem ser combatidas. O
estudo da ética é muito importante nesse processo, já que ele pode ■ Ilustração
ajudar a avaliar as transformações dos valores de modo a não reproduzir representando a
preconceitos ou práticas violentas que eram consideradas moralmente "Árvore Eugenia" e a
corretas em outras épocas. ideia de evolução
humana por meio das
O texto a seguir, escrito por um juiz dos Estados Unidos em 1927, é raízes, que extraem
um exemplo. Leia atentamente e responda ao que se pede: materiais de diversas
fontes. O cartaz foi
utilizado como
É melhor para todo mundo se, em vez de esperar para executar os descendentes
símbolo do Segundo
degenerados por algum crime ou deixar que morram de fome por causa da imbecilidade,

a sociedade possa prevenir aqueles que são manifestadamente inaptos de se Congresso


reproduzirem. O princípio que sustenta a vacinação obrigatória é suficientemente amplo Internacional de
para cobrir o corte das trompas de Falópio. [...] Três gerações de imbecis são Eugenia, realizado em
suficientes. Nova York (Estados
Fonte dos dados: LANG-STANTON, P.; JACKSON, S. Eugenia: como movimento para criar seres
Unidos), em 1922.
humanos ‘melhores’ nos EUA influenciou Hitler. BBC News Brasil, 23 abr. 2017. Disponível em:
https://www.bbc.com/ portuguese/internacional-39625619. Acesso em: 10 jun. 2020.

1. Tendo em vista o atual conhecimento científico, por que a proposta do juiz


não se justifica? Caso julgue necessário, pesquise informações para
fundamentar sua resposta.

2. Do ponto de vista ético, por que a proposta do juiz é incorreta? Apresente


argumentos para justificar seu posicionamento.

20
Vivemos uma crise ética?
Nas últimas décadas, um tema tem aparecido com frequência nos
meios de comunicação, nas redes sociais, nos debates entre
especialistas e nas rodas de conversa: a crise ética do mundo
contemporâneo. Vários pensadores defendem a ideia de que a ação e a
reflexão ética perderam espaço em nossa sociedade.
No Brasil, por exemplo, muitos especialistas afirmam que vivemos uma profunda crise ética
na política. Isso fica claro quando observamos os dados alarmantes sobre corrupção e uso das
ferramentas e instituições públicas para beneficiar agentes privados.
O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) é medido pela
Transparência internacional, que classifica 180 países com base em quão
corrupto o setor público é percebido
Brasil: índice de percepção da corrupção, 2018 por especialistas e
executivos. A nota vai
Posição no de 0 a 100, do mais
ranking corrupto ao mais
íntegro. A média dos
países em 2018 foi 43.
Índices abaixo de 50
indicam preocupação
no combate à
corrupção.
A corrupção não é
o único exemplo de
manifestação da crise
ética no mundo
contemporâneo. A
questão dos
Em pontos refugiados é outro
A nota vai de 0 a 100; quanto mais alta, melhor. indício desse
fenômeno. Milhões de
pessoas, em diferentes regiões do mundo, são forçadas a deixar suas
terras por causa de conflitos ou problemas ambientais. Contudo,
nem sempre elas são acolhidas de forma digna por outros países.
Fonte: ÍNDICE de percepção da corrupção 2018. Gazeta do Povo, 29 jan. 2019.
Disponível em: https://infograficos.gazetadopovo.com.br/politica/indice-de-
percepcao-da-corrupcao-2018/. Acesso em: 11 jun. 2020.

> DE MÃOS NÃO ESCREVA

DADAS

21
NO LIVRO • Você presencia exemplos de ações em sua comunidade que demonstram a crise ética
da atualidade? Converse sobre o assunto com seus colegas e pensem conjuntamente em ações que
possam ajudar a superar essa situação.

A modernidade líquida e a crise ética


O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) foi um dos pensadores que
analisaram as causas da crise ética contemporânea. Em muitas de suas obras, ele
refletiu sobre a importância da ética e investigou como as transformações na
sociedade afetam os princípios éticos nas relações entre os indivíduos.
Bauman criou o conceito de modernidade líquida para definir uma nova forma
de organização das relações sociais, econômicas e produtivas que teve início na
segunda metade do século XX. Esse conceito designa uma época na qual todas essas
relações se tornaram frágeis, efêmeras e flexíveis.
Para o sociólogo, durante muito tempo, as relações sociais se mantiveram
estáveis e duráveis. Isso significa que as pessoas desempenhavam papéis
predeterminados na sociedade, as estruturas familiares eram rígidas e havia poucas
possibilidades de mudança no modo de vida dos indivíduos.
Em meados do século XX, muitas pessoas tinham a expectativa de iniciar sua
carreira profissional em uma empresa e nela permanecer até se aposentarem. O
casamento era considerado uma instituição sólida, em geral concebida como algo
indissolúvel.
Lentamente, a solidez das relações humanas foi se desfazendo em vista das
mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais ocorridas no mundo. Com isso,
as relações duráveis e estáveis foram sendo aos poucos substituídas por relações
líquidas. Por meio dessa metáfora, Bauman expressa a ideia de que os papéis sociais
se tornaram fluidos, transformando-se com rapidez.

■ Para Bauman, na
modernidade
líquida a amizade
deixou de ser uma
relação sólida e
duradoura, que é
construída
lentamente, para se
tornar algo
superficial e
passageiro, que

22
pode ser criado e
desfeito
rapidamente nas
redes sociais.

Na modernidade líquida, os relacionamentos se tornam mais instáveis e de curta


duração, os indivíduos têm maior liberdade para mudar de profissão ou de trajetória
profissional, os laços familiares se enfraquecem e o individualismo é valorizado.

23
Em um território onde a localização dos serviços essenciais, como

Outra forma de pensar a questão da crise ética é analisar as desigual-

postos de saúde, escolas, parques e locais de diversão, entre outros, é


deixada à mercê da lei do mercado, tudo colabora para que as
desigualdades sociais aumentem.

24
Nas cidades brasileiras, quanto mais distantes as pessoas residem das áreas
centrais e/ou mais valorizadas, menor é o acesso aos serviços essenciais. Para Milton
Santos, os bens públicos de serviço deveriam ser acessíveis à população de forma
igualitária, a fim de garantir a todos uma vida digna.
Os investimentos públicos deveriam ser distribuídos de modo a atender às
necessidades de toda a população. Segundo o geógrafo, é possível trazer bem-estar
a uma grande quantidade de pessoas por meio de uma repartição espacial não
mercantil dos serviços, baseada exclusivamente no interesse público.
Assim, a falta de políticas públicas que ajudem a combater as desigualdades, que

marca nossa sociedade. de esgoto sanitário no estado do Rio de Janeiro.

25
Apesar de ser um item essencial para a manutenção da saúde e a promoção do
bem-estar da população, os investimentos públicos são baixos. A falta de ações
concretas para assegurar condições igualitárias de saneamento básico e de outros
serviços públicos demonstra uma realidade política e social marcada pelo descaso
com o outro.
A ética pode contribuir para sensibilizar a sociedade com relação às questões
sociais e mobilizar a população para exigir do poder público política s igualitárias de
organização do território.
ATIVIDADES NÃO ESCREVA

NO LIVRO 1. Retome o

mapa da página anterior e depois responda às questões:

a) Como o saneamento básico se relaciona com o bem-estar das pessoas?


b) No seu município, a distribuição espacial dos serviços públicos revela desigualdades?
Pesquise.
c) Qual é a relação entre ética e desigualdades socioespaciais? 2. O trecho reproduzido a
seguir foi escrito por Zygmunt Bauman. Leia-o atentamente e responda ao que se pede:

Numa vida de contínuas emergências, as relações virtuais derrotam facilmente a “vida real”. Embora
os principais estímulos para que os jovens estejam sempre em movimento provenham do mundo off-line,
esses estímulos seriam inúteis sem a capacidade dos equipamentos eletrônicos de multiplicar encontros
entre indivíduos, tornando-os breves, superficiais e sobretudo descartáveis. As relações virtuais contam
com teclas de “excluir” e “remover spams” que protegem contra as consequências inconvenientes (e
principalmente consumidoras de tempo) da interação mais profunda.

BAUMAN, Z. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. E-book.

a) Que relação pode ser estabelecida entre o texto e o conceito de modernidade líquida?
b) Qual é o peso das relações on-line em sua vida cotidiana? Você concorda com a ideia de que as relações
virtuais derrotam a “vida real”? Justifique sua resposta.
c) Bauman afirma que as relações virtuais podem ser facilmente excluídas, como mensagens de spam.
De que forma esse tipo de situação se relaciona com o fortalecimento do individualismo e com a crise
ética na perspectiva do sociólogo polonês?
d) Para Zygmunt Bauman, o consumismo é um dos sintomas da crise ética contemporânea. De acordo
com esse pensador, o consumo é utilizado para construir uma imagem positiva de nós mesmos. Vestir
uma roupa de grife ou ter um celular caro seria, segundo ele, uma forma de construir uma falsa
imagem de superioridade. Você considera essa análise adequada para pensar o mundo em que
vivemos? Justifique sua resposta.
e) Você sabe qual é a diferença entre consumo e consumismo? Consumo é o ato de adquirir produtos
realmente necessários para a nossa sobrevivência, enquanto o consumismo é caracterizado pela
compra não consciente e desnecessária, motivada por impulso para a satisfação de desejos. Segundo

26
Zygmunt Bauman, o consumismo na sociedade contemporânea transformou os indivíduos em
mercadorias. Com base na sua experiência, você concorda com essa crítica do sociólogo?
Etapa

DIAGNÓSTICO DA REALIDADE 1
De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) em escolas de todo país, Brasília é a capital na qual o bullying
ocorre com maior frequência, atingindo 35,6% dos estudantes. Curitiba ocupa o
segundo lugar, com 35,2%. Ainda de acordo com essa pesquisa, 32,6% das vítimas
de bullying são do sexo masculino e 28,3%, do sexo feminino.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), nas escolas brasileiras os estudantes estão duas vezes mais suscetíveis ao
bullying do que a média geral das instituições de ensino em 48 países. Em um
levantamento da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na
sigla em inglês), realizado em 2018, 28% dos diretores das escolas brasileiras de
ensino fundamental afirmam que o bullying ocorre semanal ou diariamente nas
escolas, e 18% dos administradores das instituições de ensino médio dizem o
mesmo.
No entanto, não existe apenas um tipo de bullying. Pesquisadores da área identificam
três tipos:

[1º] diretos e físicos, que inclui agressões físicas, roubar ou estragar objetos dos
colegas, extorsão de dinheiro, forçar comportamentos sexuais, obrigar a realização de
atividades servis, ou a ameaça desses itens;
[2º] diretos e verbais, que incluem insultar, apelidar, "tirar sarro", fazer comentários racistas ou que
digam respeito a qualquer diferença no outro;
[3º] indiretos que incluem a exclusão sistemática de uma pessoa, realização de
fofocas e boatos, ameaçar de exclusão do grupo com o objetivo de obter algum
favorecimento, ou, de forma geral, manipular a vida social do colega.
Fonte de dados: ANTUNES, D. C.; ZUIN, A. A. S. Do bullying ao preconceito: os desafios da barbárie à educação.
Psicologia & Sociedade, v. 20, n. 1. Porto Alegre, jan./abr. 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo. php? script=sci_arttext&pid=S0102-
Além disso, um tipo de
71822008000100004&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 6 ago. 2020.
violência muito comum nos dias de hoje é o chamado cyberbullying, no qual os
agressores utilizam a tecnologia e as redes sociais para difamar, ofender e agredir
outras pessoas.
Para começar nosso projeto, reúna-se com mais três ou quatro colegas e
conversem sobre as definições de bullying apresentadas acima. Procurem
diferenciar os tipos de bullying e relatem se já presenciaram ou praticaram algum
deles. Nesse caso, evitem fazer julgamento ou juízo de valor, tendo em vista que
muitas vezes agimos sem pensar criticamente nas consequências de nossos atos. O
importante é identificar os problemas e consequências desse tipo de ação e
modificar nossas atitudes diante da realidade, a partir de uma reflexão mais crítica

27
sobre a forma como agimos na comunidade escolar. Anotem suas conclusões em
seus cadernos.
Em seguida, busquem, em fontes confiáveis, mais dados sobre bullying em sua
cidade, região e/ou estado, identificando as consequências dessas ações. Por
exemplo: muitos estudantes que são vítimas dessa prática passam a ter menor
rendimento escolar, se isolam, mudam de escola, desenvolvem doenças e há até
casos de suicídio. Anotem as informações mais relevantes obtidas na pesquisa e as
respectivas fontes.

28

Consultar as Orientações para o professor para obter mais informações sobre o capítulo

29
contemporâneo.
São muito comuns
nas redes sociais os
casos de usuários que
xingam, ofendem ou
praticam cyberbullying
contra pessoas que
defendem visões
políticas diferentes das
suas, ignorando
argumentos

■ Atualmente, muitos influenciadores digitais e personalidades utilizam as Como veremos ao


redes sociais para discutir temas políticos. Exemplo disso foi a série de
longo do capítulo, esse
lives Beabá da política, em que a cantora Anitta entrevista a advogada e
comentarista de política Gabriela Prioli, em 2020. tipo de atitude intolerante pode resultar em
uma forma de negação da política. Para entender isso, é importante
analisar o que é a atividade política, qual é sua origem e como ela se
relaciona com o poder.
Arendt (1906-1975)
O que é política? afirma que “a política
A palavra política deriva do grego politikós, que, por sua vez, se trata da convivência
origina de pólis, cidade-Estado, na Grécia antiga. A pólis é a cidade entre diferentes”.
organizada, formada por cidadãos, pessoas livres que têm isonomia, A atividade política
princípio que estabelece a igualdade perante as leis, e isegoria, direito é uma forma de relação
de se expressar e opinar livremente nas assembleias. que exige negociação e
Frequentemente, a palavra política é empregada para designar o discussão entre os
conjunto de atividades referentes ao Estado, exercidas por indivíduos indivíduos. Para
que ocupam cargos políticos, porém esse é apenas um de seus diversos encontrar soluções que
significados. Todo indivíduo pratica diferentes ações políticas ao longo atendam aos
da vida. Um grupo de estudantes que se reúne com professores e com a diferentes interesses
direção da escola para propor mudanças nas normas da instituição está das pessoas, é
fazendo política, assim como trabalhadores que se mobilizam para necessário construir
discutir suas condições de trabalho ou reivindicar direitos. Nós também argumentos que
fazemos política quando compartilhamos informações sobre o país nas justifiquem
redes sociais ou discutimos notícias com colegas, amigos ou familiares. determinadas escolhas.
A política está presente em nosso cotidiano e se relaciona com os Imagine, por
problemas que nascem do convívio entre indivíduos com necessidades, exemplo, que uma
aspirações e desejos distintos. Por essa razão, a filósofa alemã Hannah turma do último ano do
Ensino Médio precise

30
decidir como será feita a celebração de formatura. Esse evento é uma ■ Washington, DC
etapa importante na vida de todos, e cada um pode ter uma ideia própria (Estados Unidos), 2018.
ROB CRANDAL/SHUTTERSTOCK.COM
para organizá-lo.
■ As manifestações pacíficas são uma forma de exercício da política. Marcha
por Nossas Vidas, em protesto contra a violência armada. Os jovens
levantam cartazes com letras que formam a palavra enough, que significa
“basta”, em português.
> MEUS NÃO ESCREVA

ARGUMENTOS

31
NO LIVRO • A argumentação está no cerne da ação política. Uma boa argumentação deve ser
fundamentada em informações consistentes, capacidade de síntese e identificação de fragilidades no
discurso do interlocutor, lembrando que é essencial manter o respeito. Seguindo essa orientação,
elabore um texto argumentativo com base na seguinte frase: “Direito de expressão não dá direito à
agressão”.

32
■ ■

33
Política e justiça
Como vimos no capítulo anterior, para Aristóteles, a política era
colocada ao lado da ética como a prática social mais importante, pois
ambas permitiam organizar a comunidade de modo a assegurar o bem-
estar e a felicidade dos cidadãos.
Para Aristóteles, o ser humano se diferencia dos demais animais por
ser um animal político. Segundo esse pensador, apenas vivendo em
comunidade o indivíduo pode se desenvolver e viver de acordo com sua
natureza. Um indivíduo isolado ou alheio às
questões políticas de sua comunidade não é
capaz de desenvolver suas virtudes e viver de
forma justa.
Um dos elementos necessários para uma
vida justa, na visão de Aristóteles, é o
exercício da justiça distributiva. De acordo
com o filósofo grego, a tarefa principal da
atividade política é assegurar uma divisão dos
recursos da comunidade de forma igualitária
entre os iguais e desigual entre os desiguais.
Isso significa que a justiça distributiva defende
uma concepção de justiça que vai além da
ideia de igualdade, atingindo o princípio da
equidade.
Não seria justo, por exemplo, dividir os
recursos do governo de forma igualitária
entre ricos e pobres. Para assegurar a
distribuição justa dos recursos, segundo a
perspectiva aristotélica, seria necessário
assegurar que os mais pobres recebessem
uma parcela maior desses recursos, e que os
mais ricos contribuíssem com mais recursos
na forma de impostos e tributos.

■ A justiça normalmente é representada como


uma mulher de olhos vendados segurando nas
mãos uma espada. Nesta escultura, chamada
Sobrevivência do mais gordo (2002), o
dinamarquês Jens Galschiot representou uma
justiça obesa, carregada por um homem pobre,

34
esquelético e cansado. Ringobin (Dinamarca),
2018.
• Em grupo, desenvolvam um projeto para assegurar a estudantes com deficiência o
princípio da equidade no ambiente escolar. Avaliem essa questão sob a ótica da
organização espacial e de outros elementos necessários: equipamentos, acolhimento
e boa convivência. Sigam estas etapas:
a) Façam um levantamento bibliográfico, a fim de identificar os recursos exigidos para cada
tipo de deficiência. Por exemplo: Quais recursos devem ser providenciados para que um
estudante que use cadeira de rodas possa usufruir a escola da melhor forma possível?

35
b) Identifiquem na escola a existência de estudantes com deficiência e perguntem se eles
consideram adequado o atendimento que recebem da comunidade escolar e as
condições de acessibilidade do espaço.
c) Com base na pesquisa, na entrevista e na observação da estrutura escolar, produzam um
relatório indicando possíveis ações para atender aos estudantes portadores de
necessidades especiais, a fim de que eles tenham condições adequadas de acesso à
educação.
Ao final, com a orientação do professor, agendem uma reunião com a comunidade escolar
e apresentem as propostas.

36
Política e cidadania
A p olítica tal qual foi concebida pelos gregos exerceu grande influência em
diversas culturas ao longo do tempo. Os valores gregos influenciaram outros povos
da Antiguidade, como os romanos, e foram retomados em diferentes períodos da
história.
O modelo de política como uma forma de resolução de conflitos em que os
cidadãos participam da tomada de decisões se tornou a base das democracias
modernas. Assim como os gregos, os países democráticos organizam suas decisões
coletivas por meio de diferentes instituições formadas por cidadãos.

Fonte: INSTITUTO INTERNACIONAL PARA LA DEMOCRACIA Y LA ASISTENCIA ELECTORAL. Índices del estado global de la
democracia. Estocolmo: Idea, 2020. Disponível em:
https://www.idea.int/es/%C3%ADndices-del-estado-global-de-la-democracia. Acesso em: 9 jun. 2020.

Essas instituições visam a assegurar que as decisões serão tomadas de forma coletiva em um
Estado democrático, impedindo que um indivíduo imponha suas decisões à sociedade.
É importante destacar que existe uma diferença importante entre a concepção
de cidadania na Grécia antiga e na atualidade. Entre os gregos, apenas uma parcela
da população era considerada cidadã: os homens livres nascidos nas cidades. Os
estrangeiros, as mulheres e as pessoas escravizadas não eram considerados
cidadãos, portanto não participavam das decisões políticas da pólis.
Atualmente, nos países democráticos, todos os indivíduos são considerados
cidadãos e têm o direito de participar de diferentes formas das decisões políticas. A

37
participação dos cidadãos nas decisões políticas é fundamental para a criação de
uma sociedade mais justa, que garanta o bem-estar de todos.

DLINGUAGENS E LEITURASÁLOGOS
Ver nas Orientações para o professor observações sobre o caráter multimodal da página.

A seguir, temos três documentos: uma charge, um quadro informativo de atendimento

hospitalar e um excerto da Constituição Federal. Após a leitura, responda ao que se pede.

38
Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade [...]
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020].
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 jul. 2020.

1. Que ideia a charge transmite?

2. Qual é o objetivo do quadro de classificação de risco do hospital?

3. O que o artigo 5o da Constituição Federal determina?

4. Dos três documentos, qual deles está de acordo com a justiça distributiva? Justifique sua resposta,
apresentando argumentos referentes a cada um dos documentos.
A imagem abaixo estabeleçam relações entre si em liberdade, regulamentando os
expressa a ideia de assuntos por meio do diálogo e do convencimento recíproco.
um professor que
Existe uma relação entre o exercício da política e o do poder, mas o
exerce pleno poder
sobre sua turma de poder não é exercido apenas por meio da política. Quando um adulto
estudantes, ordena a seus filhos pequenos que não pratiquem determinada ação,
inserindo não está fazendo política, mas exercendo sua autoridade para garantir
conhecimento em o bem-estar das crianças. É uma forma de exercício do poder que não
suas mentes sem
passa por negociação e convencimento.
questionamentos ou
resistências. A relação que se estabelecia entre senhores e trabalhadores
Ilustração de 1910, escravizados durante o período de vigência da escravidão no Brasil
de uma série também não era política. Essa relação era marcada pela violência e não
havia preocupação em convencer o escravizado a realizar tarefas por
Política e meio de argumentos.
poder Existem diferentes formas de poder, e a política é apenas uma delas.
Diversos pensadores estudaram o conceito de poder, já que ele é muito
A ação política importante para analisar as sociedades e as relações estabelecidas entre
é baseada na os indivíduos ao longo do tempo.
negociação.
Segundo Hannah
Arendt, o sentido
O poder está em toda parte
da política é que os O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) foi um desses
indivíduos pensadores.
de ilustrações francesas
publicadas entre 1899 Uma de suas contribuições essenciais para a reflexão sobre poder e política
e 1910, representando foi a afirmação de que o poder não é algo controlado apenas pelo governo
uma visão de como ou por um pequeno grupo de pessoas.

39
seriam as escolas no ano 2000. Para esse pensador, o poder é uma forma de relação que se

dissemina por todas as esferas da


sociedade, como vimos no exemplo
do adulto que dá uma ordem aos
seus filhos.
Foucault entende que sempre
há uma relação de poder quando
indivíduos tentam influenciar as
ações de outros indivíduos. Um
professor que chama a atenção dos
estudantes para participar da aula
está exercendo uma forma de
poder, assim como o dono de uma
empresa que dá ordens aos seus
funcionários ou o médico que passa
instruções ao seu paciente.
Poder, política e resistência
Outra contribuição importante de Foucault para a reflexão sobre o poder é sua
afirmação de que todo poder cria resistência. Para Foucault, não existe uma situação
na qual alguém possa exercer um domínio sem contestação e obrigar o outro a
obedecê-lo indefinidamente.
Os africanos escravizados que viveram no Brasil entre os séculos XVI e XIX, por
exemplo, sofriam grande violência, mas resistiam de muitas formas: lutando contra
os senhores, organizando fugas e formando comunidades, destruindo ferramentas,
trabalhando com lentidão, mantendo suas tradições e costumes, entre outras.
Muitas vezes, a resistência se torna possível a partir da organização política. Para
melhor resistir às imposições, os indivíduos podem se organizar em um grupo com
interesses comuns. Esse processo é uma forma de política.
No Brasil, por exemplo, durante a ditadura civil-militar (1964-1985), a
organização da sociedade civil contra a violência do regime gerou inúmeras ações
políticas visando ao retorno da democracia, como manifestações, greves, produção
de
obras de arte de protesto, COLEÇÃO PARTICULAR. FOTO: THE PICTURE ART COLLECTION/ALAMY/FOTOARENA entre outras.

40
Assim, mesmo quando o poder é exercido por meio da violência, é possível resistir fazendo
uso de práticas políticas. A organização de grupos que atuam de forma coletiva em prol de um
objetivo comum permite o fortalecimento dos indivíduos.

■ WAGENER, Z. Divination
ceremony and dance
(Cerimônia de adivinhação e dança). Brasil, 1630.

> DE MÃOS NÃO ESCREVA

DADAS NO LIVRO •
Como vimos, a resistência se manifesta de diferentes
formas. No presente, muitos jovens organizam ações coletivas em prol de
transformações sociais. Essas práticas podem ser entendidas como exemplos de resistência contra as
injustiças do mundo contemporâneo. Pense em exemplos de ações desse tipo organizadas por jovens
de sua comunidade ou do Brasil e discuta a importância dessas práticas com seus colegas.

Negação da política
Nas eleições de 2018, que elegeram presidente da República,

deputados estaduais e federais, senadores e governadores, houve o


menor número de eleitores jovens no Brasil desde 2002.

41
Brasil: eleitorado de 16 e 17 anos, 2002-2018

■ O gráfico mostra a
participação de eleitores
jovens nas eleições de 2002
a 2018.
Fonte: Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) apud MORENO, A. C.;
COSTA, F. Nº de eleitores jovens cai
por desilusão com política e falta de
identificação com os partidos,
avaliam
especialistas. G1, 16 ago. 2018. Disponível
em:

Com direito a voto


facultativo Com título de
eleitor

https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/ noticia/2018/08/16/no-de-eleitores-jovens-cai-por-desilusao-com-politica-e-
falta-deidentificacao-com-os-partidos-avaliam-especialistas.ghtml. Acesso em: 9 jun. 2020.

No Brasil, o voto é facultativo para pessoas entre 16 e 17 anos. Assim, a queda do número de
jovens que participaram das eleições de 2018 demonstra a perda de interesse dessa parcela da
população no processo eleitoral.
Cientistas políticos formularam diferentes hipóteses para explicar esse fato, como a
insatisfação dos jovens em relação aos rumos políticos do país, a desilusão com a democracia ou
a falta de diálogo de partidos políticos com a população, entre outros motivos.
Essa situação é apenas um exemplo de um problema mais amplo
que é a chamada negação da política. Essa expressão é utilizada para
descrever o crescente desinteresse de setores da sociedade na
participação política tradicional, por meio de eleições, organização de
partidos e associações políticas ou mesmo de envolvimento direto na
construção da democracia.
Nos últimos anos, o fenômeno da negação da política vem
crescendo não só no Brasil, mas em diversas partes do planeta, o que
representa um grave problema social. As crises sociais e econômicas
que provocam o aumento da pobreza e da desigualdade social, os
escândalos de corrupção e a incompetência dos políticos na resolução
de problemas são alguns dos fatores que provocam a desconfiança da
sociedade civil diante das instituições políticas.
Nesse contexto, surgem grupos que passam a questionar a
importância da democracia e defender ações autoritárias como forma
de resolução dos problemas.

42
Desse modo, o princípio central da ação política, a preocupação em
convencer o outro por meio da argumentação, começa a se perder e
discursos intolerantes ganham força nas redes sociais e em outros
espaços cotidianos.
Além disso, a desconfiança em relação à política é acompanhada da
perda de credibilidade dos meios de comunicação tradicionais, o que
abre caminho para a disseminação de fake news. Esse tipo de discurso
também enfraquece o diálogo, já que as falsas notícias são afirmações
não baseadas em fatos.
No lugar do diálogo e do debate democrático, com base em
evidências, muitas pessoas preferem acreditar em supostas verdades e
considerar incorretos e inaceitáveis outros pontos de vista, sem
apresentar argumentos fundamentados.
Como vimos, a política está em toda parte e todos podem exercê-la.
Quando os indivíduos perdem o interesse pela política e deixam de
participar do processo, abrem caminho para pequenos grupos ou
setores da sociedade se apropriarem do discurso político e passarem a
tomar decisões de forma autoritária, e essas decisões afetarão a vida de
todos.
É muito importante problematizar a questão da negação da política,
bem como a desconfiança em relação à democracia, pois é só a partir
da construção coletiva de soluções políticas que os problemas sociais do
presente poderão ser resolvidos de modo a atender aos interesses e
necessidades de todos.

> MEUS NÃO ESCREVA

ARGUMENTOS NO LIVRO 1. Com base no gráfico anterior, o que é possível

afirmar sobre a participação dos jovens nas eleições brasileiras?

2. Na sua opinião, o que pode ser feito para modificar a situação representada no gráfico? Apresente
seus argumentos.
ATIVIDADES NÃO ESCREVA

NO LIVRO 1. A seguir é
reproduzido o trecho de uma reportagem sobre a participação da jovem
ativista sueca Greta Thunberg no Fórum Econômico Mundial, realizado em
Davos, na Suíça, em janeiro de 2020.
Leia o texto atentamente e responda ao que se pede:

“Praticamente nada foi feito já que as emissões globais de CO 2 não reduziram”, disse Thunberg. “Será
necessário muito mais do que isso.” Mais de 43 bilhões de toneladas de dióxido de carbono foram emitidos
na atmosfera em 2019, quebrando recorde anual, estabelecido em 2018, em mais de 0,5%, segundo
estimativa prévia da organização internacional de pesquisa ambiental Global Carbon Project.
43
[...]
Segundo o relatório do Painel
Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2018, a comunidade internacional
só poderá emitir mais 420 bilhões
de toneladas de dióxido de carbono a fim de evitar que a temperatura média global
aqueça em 1,5 °C a partir de 2030. Nas condições atuais, o limite de carbono será
ultrapassado em menos de nove anos.
‘PRATICAMENTE nada foi feito’ contra emissões
de CO2, diz Greta em Davos. Veja, 21 jan. 2020.
Disponível em:
https://veja.abril.com.br/mundo/praticamente-
nada-foi-feito-contra-emissoes-de-co2diz-greta-
em-davos/. Acesso em: 9 jun. 2020.

a) É possível afirmar que Greta


Thunberg estava fazendo política no
evento do Fórum Econômico Mundial?
Justifique.
b) A jovem Greta utiliza
argumentos científicos para defender
sua posição. Qual é a importância
desse tipo de argumento para
combater a negação da política que
marca o mundo contemporâneo?
c) Greta é uma jovem ativista.
Você considera importante que os
jovens se tornem ativistas no contexto
atual? Elabore um texto
argumentativo sobre a questão.

d) O que você sabe sobre o Fórum
Econômico Mundial? Essa organização
internacional reúne os principais
líderes empresariais e políticos do
mundo, além de intelectuais e
jornalistas. Pesquise o histórico, os
objetivos e as ações dessa organização
e reflita sobre a importância que ela
tem no contexto atual.
2. O texto a seguir contextualiza
a campanha “Mais do que um voto”, que ocorreu nos Estados Unidos durante as eleições de
2020.

44
Leia o texto atentamente e responda ao que se pede:

FRANCE PRESSE. LeBron James e outras estrelas do esporte farão campanha pelo voto afroamericano. G1,
11 jun. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2020/noticia/2020/06/11/lebron-james-
eoutras-estrelas-do-esporte-farao-campanha-pelo-voto-afro-americano.ghtml. Acesso em: 14 ago. 2020.

a) De que forma é possível relacionar a campanha “Mais do que um voto” com o problema da
negação da política no presente?
b) O movimento visa mobilizar a população afro-americana a participar das eleições nos Estados
Unidos. Nesse sentido, esse movimento pode ser visto como um exemplo de ação de resistência
em uma sociedade com grande desigualdade racial como os Estados Unidos. Justifique essa
ideia.

45
c) Você acredita que no Brasil seriam importantes movimentos semelhantes ao “Mais do que um
voto”? Por quê?
d) Imagine que você vai organizar uma campanha para estimular a participação da população nas
eleições. Como você faria isso? Discuta o tema com seus colegas.
Apresentação de slam em CIEP da cidade do Rio de Janeiro (RJ), 2020.

O termo slam teve origem em Chicago, nos Estados Unidos, em 1984, e seu
significado está relacionado ao som de uma batida de porta ou janela. Atualmente,
as batalhas de slam são realizadas em mais de 500 comunidades do mundo. No
Brasil, todos os anos acontece o Slam BR – Campeonato Brasileiro de Poesia Falada,
cujo vencedor compete na Copa do Mundo de Slam, realizada anualmente na
França.

46
INVESTIG

Esse acontecimento poético dá voz a poetas da periferia, que trazem à tona


questões da contemporaneidade, convidando o público a refletir sobre os temas
abordados e provocando a tomada de consciência política.
Os temas normalmente estão relacionados à realidade das periferias, como
racismo, feminismo, desemprego, violência. Por isso, o slam é uma forma de
resistência e, como tal, uma prática política.
Com base nessas informações e em outras pesquisas, organize, coletivamente,
uma batalha de slam na escola.

47
Para iniciar essa atividade, em primeiro lugar, converse com os professores sobre
como efetivar esse evento.
Em seguida, com a ajuda de seus colegas, organize a turma em duplas ou trios
para a criação das poesias e monte as chaves para determinar a ordem de confronto
entre as duplas e trios, desde a primeira fase até a final. A ideia é que o número de
participantes se reduza a cada fase.
Após a organização do evento, escolha os professores que serão os jurados para
determinar quem venceu cada confronto. É importante discutir previamente as
regras de avaliação, de modo que todos tenham clareza dos critérios.
Com o evento planejado, é o momento de criar os slams. Para isso, os grupos
devem selecionar os temas das poesias e pesquisar informações. Também é
interessante buscar na internet exemplos de slams para ter uma ideia mais clara
sobre o formato dessa produção.
Com as poesias finalizadas, é importante ensaiar a apresentação. Caso nem
todos os membros do grupo se sintam à vontade para se apresentar, é possível
selecionar um representante. É necessário, porém, que todos os grupos apresentem
suas produções no momento do confronto.
Pronto, agora basta iniciar o evento. É importante respeitar os colegas e
acompanhar atentamente as apresentações de todos. Além disso, é interessante
registrar as apresentações por meio de fotos ou filmagem. Caso o grupo esteja de
acordo, é possível divulgar as batalhas nas redes sociais.
Ao final, organizem uma etapa de discussão com todos os participantes, para
entender como cada um interpretou os poemas e de que forma a atividade ajudou
a refletir sobre nossa sociedade.

48
■ Grande final do Slam BR 2019 – Campeonato Brasileiro de Poesia Falada, no Sesc Pinheiros,
em São Paulo (SP), 2019.

Etapa 2
PLANEJAMENTO
Reúnam-se com os demais colegas de sala e sigam os passos:
1. Identifiquem e mapeiem outras escolas públicas ou particulares da região onde vocês
estudam que tenham turmas de Ensino Médio.
2. Elaborem em conjunto um questionário sobre bullying para ser aplicado aos estudantes
da sua escola e de outras instituições de ensino. Para isso, utilizem a Escala de Likert,
que, basicamente consiste em apresentar afirmações aos entrevistados e pedir que eles
escolham uma numeração entre 0 e 10, sendo 0 correspondente a “nunca” e 10, “com
muita frequência”, ou, ainda, 0 para “discordo totalmente” e 10 para “concordo
totalmente”.
3. Vocês não irão entrevistar todos os estudantes da escola, mas fazer uma pesquisa de
amostragem, assim como fazem vários institutos de pesquisa. Para isso, é importante
saber o número de estudantes de Ensino Médio que existe em cada escola e estabelecer,
juntos, qual é a porcentagem de estudantes que serão entrevistados. Por exemplo, caso
a escola onde será feita a entrevista tenha 240 estudantes no período da manhã e vocês
queiram uma amostragem de 10%, devem entrevistar 24 estudantes. Há várias formas
de selecionar os entrevistados. Uma sugestão é pedir que os estudantes se voluntariem.
4. Ainda sobre a elaboração do questionário, criem frases simples, de fácil entendimento,
façam uma divisão para enquadrar as afirmações entre as Escalas de Likert, de 0 a 10:
“Nunca ou com muita frequência” (pode ser chamada de Pesquisa A) ou “Discordo
totalmente e concordo totalmente” (pode ser chamada de Pesquisa B). Não se esqueçam
de incluir todos os tipos de bullying identificados anteriormente e outros que vocês
julguem ter importância em relação ao tema pesquisado. Formulem afirmações que
busquem avaliar se o entrevistado já foi um agressor ou uma vítima, mais uma vez sem
emitir juízo de valor. Todos os grupos devem aplicar a mesma entrevista.
5. É possível deixar uma questão ou um espaço aberto, caso o entrevistado queira dar
algum depoimento, citar exemplos ou fazer comentários. É importante garantir que os
estudantes entrevistados tenham a opção de responder à pesquisa anonimamente para
manter sua privacidade, mas é necessário que forneçam dados como idade e ano que
estão cursando.
6. Tenham em mente que o público-alvo da pesquisa são estudantes do Ensino Médio da
própria escola e de outras escolas da região. Dividam os grupos de pesquisa para cada
escola, organizem-se para calcular quantas entrevistas devem ser aplicadas em cada
escola, avaliar as melhores datas para realizar as entrevistas e as melhores formas de
deslocamento, bem como decidir se utilizarão questionários impressos em papel ou
formulários disponibilizados pela internet. Marquem uma data final comum a todos os
grupos para apresentar os resultados coletados.
7. Como metodologia de pesquisa, vocês irão utilizar o método de amostragem, que
consiste em um estudo estatístico para investigar a experiência ou a opinião de um
determinado grupo de pessoas. Nesse caso, o universo pesquisado são estudantes do
Ensino Médio, a população da pesquisa são estudantes do Ensino Médio das escolas

49
escolhidas pela turma que se dispuserem voluntariamente a responder a pesquisa. A
proposta é que vocês entrevistem 10% da população da pesquisa. Para isso, calculem a
quantidade de estudantes que vocês devem entrevistar, anotem os nomes dos
voluntários e façam um sorteio entre eles. Os sorteados que serão entrevistados
compõem a amostra de vocês.
8. Com ajuda de um professor ou da coordenação da escola, redijam uma carta dirigida à
coordenação e aos estudantes das escolas que vocês visitarão, explicando os objetivos e
a forma como a pesquisa será feita.

> SAIBA MAIS


Depois da verdade: desinformação e o custo das fake news
Direção: Andrew Rossi. Estados Unidos, 2020. Vídeo (95 min). Disponível em:
https://www.hbogo. com.br/. Acesso em: 22 jul.2020.
Esse documentário analisa o impacto das fake news no mundo contemporâneo a partir
de exemplos ocorridos nos últimos anos nos Estados Unidos.

Entendendo ética: um guia ilust rado


Dave Robinson e Chris Garrat. São Paulo: Leya, 2017.
O livro combina uma linguagem didática com quadrinhos para explorar alguns dos
principais problemas e debates da reflexão ética ao longo do tempo. Dessa forma, é uma
excelente obra introdutória para conhecer mais sobre o campo da ética e suas
implicações para as sociedades humanas.
A náusea
Jean-Paul Sartre. São Paulo: Nova Fronteira, 2019.
O livro, que é uma das diversas obras literárias escritas pelo filósofo francês, oferece a
oportunidade de conhecer melhor suas ideias e refletir sobre suas propostas éticas.
Nesse romance, o intelectual Antoine Roquetin faz uma profunda reflexão ética ao
enfrentar o problema da ausência de sentido da vida.
Nossa casa está em chamas: ninguém é pequeno demais para fazer a
diferença Greta Thunberg et al. São Paulo: BestSeller, 2019.
Escrita de forma colaborativa por Greta Thunberg, sua mãe e seus familiares, o livro
narra o envolvimento da jovem ativista sueca na luta contra a destruição do meio
ambiente. Por meio dessa narrativa, é possível refletir sobre a importância da política na
construção de um mundo justo para todos.
Ética e vergonha na cara!
Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho. São Paulo: Papirus, 2014.
Nesse livro, os dois pensadores brasileiros refletem sobre questões éticas e políticas a
partir de situações cotidianas. A obra pode ajudar a aprofundar alguns temas estudados
na unidade.
A vida não é útil
Ailton Krenak. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
As ideias do autor constituem um exemplo de resistência às relações de poder que
marcam as sociedades contemporâneas. O livro é uma excelente introdução ao
pensamento de Krenak, que dialoga com alguns problemas éticos e políticos importantes
no mundo contemporâneo.
50
Memórias da ditadura
Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/
O site traz diversos registros de ações organizadas por diferentes setores da sociedade
civil durante a ditadura, o que ajuda a refletir sobre as práticas de resistência da
sociedade civil durante o período ditatorial no Brasil.

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Você também pode gostar