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UM OLHAR SOBRE O TEATRO GREGO E A EDUCAÇÃO DOS HOMENS

Oliveira, Alice
Gonçalves, Marlene
Universidade Federal de Mato Grosso

RESUMO

A comunicação é o resultado de uma pesquisa bibliográfica realizada em 2007 e


ampliada em 2008/1 e aborda a influência do teatro grego na educação da sociedade do
período clássico. Estabelece-se um paralelo entre os acontecimentos decorrentes do
surgimento da arte de representar e sua importância na formação e transformação de um
povo, pois crê-se que o teatro é o reflexo desse tempo, sofrendo também influências de
ordem religiosa, política e filosófica, as quais são evidenciadas em cada período da
história teatral: Homérico, Arcaico, Clássico e Helênico. Nesses mesmos períodos
analisam-se os pensamentos dos grandes escritores dos gêneros Tragédia e Comédia,
ambos de grande importância cultural e filosófica para a história de um povo. Percebe-
se que, a partir da decadência da polis e do domínio e ascensão de Roma o teatro passou
a ser de domínio da igreja, e as encenações de cunho religioso, considerando as
características de cada gênero e os pensadores de cada época, tiveram como objetivo
torná-lo uma arte da e para sociedade. Os resultados desta pesquisa demonstram a
relação entre as fases constitutivas do processo de desenvolvimento do teatro,
evidenciando o seu papel na formação do homem da Grécia Clássica.

Palavras-chave: História, Teatro, Educação.


UM OLHAR SOBRE O TEATRO GREGO E A EDUCAÇÃO DOS HOMENS

OLIVEIRA, ALICE1
GONÇALVES, MARLENE2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

A grande civilização grega desenvolveu-se no Sul da Europa, uma região com


muitas ilhas no litoral, e dela herdamos os conceitos de cidadania e democracia; além de
um grande legado cultural.
Iniciemos o estudo da história da Grécia, com a distinção estabelecida por
Moraes (1993) a respeito dos períodos constitutivos dessa história:
Período Homérico (do século XII ao XVIII a.C.): caracterizado pelas
comunidades rurais. Período Arcaico (do século VIII ao VI a.C.): formação
das cidades-estados (polis) gregas. Período Clássico (do século V ao IV a.C.):
consolidação da polis e apogeu da cultura grega. Período Helenístico (do
século IV ao século II a.C.): decadência das polis e domínio da Macedônia e
de Roma sobre os gregos

O PERÍODO CLÁSSICO E O HELENISMO


Período é marcado por conquistas, conflitos, guerras. Vejamos a análise desse
mesmo autor sobre esse aspecto:
O período conhecido como Grécia Clássica corresponde ao apogeu da cultura
grega [principalmente de Atenas], interrompido pela conquista macedônica,
mas abrangem também acontecimentos como as guerras externas [contra os
persas] e internas [Atenas x Esparta]. A cidade de Atenas atingiu seu apogeu
no século V a.C. durante o governo de Péricles [sucessor de Dário]. No seu
governo [...] o escravismo chegou ao auge, dando condições econômicas para
o desenvolvimento da cidade [...] permitindo uma maior participação dos
cidadãos mais pobres nas assembléias e nas decisões do governo [...]. A
cidade foi reurbanizada e embelezada, foram construídos grandes
monumentos; a produção artística e literária da época é fantástica. Por tudo
isso, o século V a.C. conhecido como a idade do ouro (p.60, 62).
A produção cultural da sociedade grega foi o que determinou a formação da
mentalidade do Ocidente, influenciando diversos campos da vida do homem ocidental.
A propósito, Moraes, explica que “até hoje a filosofia, a política, a matemática, a
medicina, a estética e o teatro são profundamente influenciados pela produção
intelectual dos gregos”.
Podemos observar também algumas características religiosas da época, em que
uma profusão de mitos, lendas, deuses, semideuses davam unidade ao mundo grego.
Acerca disso Cotrim (1997) afirma ter sido através dos relatos da vida desses deuses e

1
Acadêmica do 2º ano do Curso de Pedagogia, UFMT.
2
Professora da UFMT.

1
heróis que os gregos criaram uma rica mitologia (conjunto de lendas e crenças,
integrantes da cultura de um povo e que utiliza elementos simbólicos e sobrenaturais
para explicar a realidade e dar sentido à vida humana), os quais serviram depois de
inspiração para diversas obras da arte no mundo ocidental. Nesse sentido, o teatro foi
considerado por alguns autores como uma das artes literárias de maior expressão na
Grécia:

TEATRO GREGO E SUA ORIGEM


Segundo Berthold (2004), “O teatro é uma obra de arte social e comunal; nunca
isso foi mais verdadeiro do que na Grécia Antiga”.
A palavra teatro vem do latim theatrum, cuja raiz é grega theatron, por evolução
de theaomai, que significa “ver” e thea “uma vista”.
Na antigüidade grega o teatro representou uma cultura de extrema importância,
como nos mostra Cambi (1999, p.79):
Até os deuses são cidadãos [...] que protegem e inspiram a vida da
comunidade, que são exaltados nas grandes festas urbanas por sacerdotes
que não formam uma casta, mas são “leigos” ou oficiais de Estado “no
mesmo sentido que generais, tesoureiros ou comissários e mercadores,
com a mesma base de família, de riqueza, de experiência” [...]. E são
“semelhantes aos homens” cuja história ou mitos “explicavam” o ritual e
davam uma interpretação complexa ao mundo. A religião era também
“um assunto do Estado ou da comunidade” cuja vida ela regulava, embora
se caracterizasse em sentido local, com poucos vínculos com os cultos das
outras cidades.
Os rituais religiosos começaram com danças, cantos e pantomimas, em louvor a
Dionísio 3, e aos poucos outros elementos foram sendo introduzidos como a descrição de
feitos heróicos e acontecimentos trágicos. Esses ritos deram origem às tragédias gregas,
musicais religiosos que já possuíam uma representação teatral, contando com a
participação de poetas.
Os gregos adoravam vários deuses e representavam-nos sob a forma humana,
sendo os ritos uma forma de comunicarem-se com essas divindades. Havia também os
jogos olímpicos, dedicados a Zeus, durante os quais as guerras eram interrompidas e os
participantes eram respeitados como pessoas sagradas.
Além dessas manifestações, a população camponesa celebrava o culto de
Dionísio (Deus do vinho). Em Atenas, durante os festivais dionisíacos, o comércio era
fechado; os tribunais entravam em recesso e os presos eram soltos da cadeia; o preço da

3
“Dionísio, a encarnação da embriagues e do arrebatamento, é o espírito selvagem do contraste, a
contradição extática da bem-aventurança e do horror. Ele é a fonte da sensualidade e da crueldade, da
vida procriadora e da destruição letal”. (BERTHOLD, 2004, p.104).

2
entrada era dispensado para quem não pudesse pagar; e as mulheres, que nunca
participavam dos acontecimentos públicos, eram bem recebidas no teatro. Nesse sentido
Cambi (1999, p.79) acentua que:
Os jogos agonísticos [...] e a atividade teatral, ambos ligados às
festividades religiosas e momentos eminentemente comunitários, vinham
desenvolver uma função educativa no âmbito da polis [...]. Já Tucíclides
reconhecia que “a cidade é uma empresa educativa” referindo-se,
sobretudo a Atenas [...] uma atividade educativa total e permanente, que
faz da polis inteira uma comunidade pedagógica.
Um dos instrumentos fundamentais dessa educação comunitária é o
teatro, [...] a Tragédia e a Comédia que é um espelho da comunidade e
que enfrenta os seus problemas [...]. No teatro, a comunidade educa a si
mesma [...].
Notamos que essas festas eram uma manifestação de abrangência nacional, as
quais, com o passar do tempo, foram ficando cada vez mais elaboradas. Deram origem
aos diretores de Coro e, ainda, ao uso da máscara nos atos de representação dos deuses,
tanto femininos quanto masculinos, já que somente os homens tomaram parte dessas
encenações e devido ao enorme número de participantes, de sorte que a platéia pudesse
visualizar o sentimento das personagens da cena através das máscaras.

OS GÊNEROS: TRAGÉDIA E COMÉDIA


TRAGÉDIA
A tragédia grega surgiu logo após as duas guerras pérsicas (490 a.C e 480 a.C-
479 a.C).
Ésquilo, soldado e poeta (lutou contra os persas na batalha de Maratona) é
considerado um mestre e sua obra se concentra nos problemas da vida dos homens, na
guerra e na paz. Suas personagens são criaturas coloridas, sobrenaturais, orientais ou
bárbaras, e as falas são cheias de metáforas. Seus primeiros trabalhos contaram com a
participação dos corais, passando depois a ações dramáticas. Deixando de lado os temas
homéricos, Ésquilo escreveu Os Persas (472 a.C.), peça que, focalizando a vitória
ateniense sobre Xexes4, foi feita para despertar o fervor patriótico.
Entre realidades e mitos, as histórias das tragédias eram conhecidas por todos;
falavam de heróis legendários, em luta contra o destino, e deuses, sempre presentes para
recompensar a coragem e punir a rebeldia.
O Teatro da Atenas clássica, mesmo conservando seus rituais, passava a acolher
uma platéia. Antes, nas celebrações em homenagem ao deus Dionísio, esse espaço era
povoado pelos cantos e danças embalados pela fartura de vinho, os quais cederam

4
Rei Persa, filho de Dário I, o qual herdou o trono por designação do pai.

3
espaço a um respeitoso silêncio. Nesse momento, os olhos do público se voltaram para o
palco, onde os atores fingiam emoções e ações alheias, submetendo os expectadores à
catarse, fenômeno que, segundo o filósofo Aristóteles ([384 a.C.?] -322 a.C.), purifica a
alma das paixões sufocantes. (CIVITA, p.16).
Justamente nesse ponto percebemos que ocorreu a transformação da
mentalidade, em que o mito deu lugar à razão.
Muito se discute até que ponto os poetas trágicos gregos tiveram consciência do
fenômeno, mas aceitaram-no, e não apenas eles, como também todos os dramaturgos
dos séculos seguintes. Embora o teatro ao longo dos tempos tenha mudado de forma,
conteúdo e estilo, ele sempre fala aos sentimentos do homem.

COMÉDIA
A palavra comédia vem do grego komoidía. Dividindo-se em “komos”
(procissão jocosa), e “oidé” (canto). Havia dois tipos de procissão, denominadas komoi:
a primeira era uma espécie de cordão carnavalesco, do qual participavam os jovens
fantasiados de animais observando-se, nessa tradição, três das onze peças de
Aristófanes, todas levando nomes de animais e insetos: As Vespas, As Rãs e As Aves.
Outro tipo de komoi era de natureza religiosa, ocorrendo nas festas dionisíacas e em
cuja procissão era celebrada a fertilidade da natureza.
O grande autor do gênero foi Aristófanes, que nasceu em Atenas (457 a.C),
viveu toda sua juventude sob o governo de Péricles e testemunhou o início do fim da
grande Atenas. Ele viu de perto o papel nocivo dos demagogos na destruição
econômica, militar e cultural de sua cidade-estado.
Nessa época, florescia ali a sofística (a arte da persuasão), que subvertia os
conceitos religiosos, políticos, sociais e culturais da civilização.
O teatro de Aristófanes, da Comédia Antiga, era um manifesto contra os
elementos que ele julgava responsáveis pela decadência de Atenas, e ele via com
desprezo a forma pela qual os cidadãos gregos deixavam-se levar pelos demagogos.
Aristófanes, para o teatro, foi essencialmente político.
Sua comédia As Nuvens foi encenada quando Sócrates tinha 47 anos de idade,
sendo retratado como um sofista (sábio itinerante de todas as partes do mundo grego),
um corruptor da juventude. O próprio título da peça é uma ironia, em que Aristófanes
acusa os modernistas de sua época de estarem abandonando o culto aos verdadeiros
deuses e introduzindo o ateísmo ou culto a divindades estranhas como o éter, o ar, a

4
persuasão. Para verificarmos esse momento de transformação, vejamos o que nos diz
Cambi (1999, p.86-87):
Nasce assim uma cultura diferente em relação ao passado. De uma
educação pública retirada da família e do santuário, que visa a formação
do cidadão e das suas virtudes (persuasão e capacidade de liderança, sobre
tudo). É uma educação que se liga à palavra e à escrita e tende a formação
do homem como orador [...] e que visa cultivar os aspectos mais próprios
do humano em cada indivíduo, levando-o a uma condição de excelência,
que, todavia não se possui por natureza, mas se adquire pelo estudo e pelo
empenho. Mas ainda: essa complexa formação (social, política, cultural e
educativa) coloca em crise o éthos tradicional da polis grega [...]. A polis
como organismo também educativo entra em crise; a ela se contrapõe o
indivíduo, o sujeito, que vive uma profunda desorientação e é levado a
buscar uma nova identidade.
Se os sofistas exemplificam bem a guinada antropológica da educação e
de como ela se torna techne da formação humana (através da linguagem),
será Sócrates quem irá mostrar a dramaticidade e a universalidade de tal
processo [...], a fim de atingir a virtude mais própria do homem, que é o
“conhece-te a ti mesmo”. Estamos já no horizonte da Paidéia, daquele
ideal de formação humana, da “formação de uma humanidade superior”
nutrida de cultura e de civilização, que atribui ao homem, sobretudo uma
identidade cultural e histórica.
AUTORES DAS TRAGÉDIAS E DAS COMÉDIAS 5
Muitas das tragédias escritas foram se perdendo no decorrer dos tempos, e
atualmente são três os tragediógrafos conhecidos e considerados importantes: Ésquilo
(ca. 525 - 456 a.C.), cujo texto principal é Prometeu Acorrentado, que tem como tema
central os deuses e os mitos e é desenvolvido por meio de narrativas de fatos a eles
ligados; Sófocles (ca. 496 – 406 a.C.), cujo texto principal é Édipo Rei, tendo como
tema central as grandes figuras reais; Eurípides (ca.484 – ca. 406 a.C. aprox.),
considerado o pai do drama ocidental e tem como texto principal As Troianas, sendo o
tema principal os regenerados, os vencidos. Já Aristófanes, dramaturgo grego ([445
a.C? – 386 a.C.?]), é considerado o maior representante da Comédia Antiga.
O que podemos observar é que o teatro grego, incluindo cada gênero com suas
características e os pensadores de cada época, teve como objetivo constituir-se numa
representação artística da e para a sociedade. Podemos dizer que, enquanto os gregos
faziam arte, praticavam também atos de política e de educação.
Acreditamos, pois, ter representado uma atitude de quem ocupava um lugar na
sociedade e tinha responsabilidades no seu dia-a-dia coletivo, fazendo-se ouvir através
do teatro e, além disso, sendo educados por meio dele. Como defende Cambi (1999):
“No teatro a comunidade educa a si mesma”.

5
http://www.vidaslusofanas.pt/eurípedes.htm - http://www.geocities.com/athens/agora/9443/comed2.htm
- http://www.geocities.com/athens/agora/9443/comed3.htm

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BIBLIOGRAFIAS

BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva,


2004.
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
CIVITA, Victor. Teatro Vivo. [S.l.]: Abril Cultura.
COTRIM, Gilberto. História Global. São Paulo: Saraiva. 1° Edição, 1997.
DELTA-LAROUSSE, Enciclopédia – Rio de Janeiro: Delta S.A. 2º Edição, 1964.
FLORENZANO, Maria Beatriz B. O Mundo Antigo: Economia e Sociedade. São
Paulo: Brasiliense. 11º Edição, 1991.
MORAES, José Geraldo Vinci de. Caminhos das Civilizações: Da Pré-História aos
Dias Atuais. São Paulo: Atual, 1993.
NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA: Encyclopaedia Britannica do Brasil. Rio de
Janeiro / São Paulo: Publicações LTDA, 2000.
ROMILLY, Jaqueline de - Tradução: Ivo Martinazzo. A Tragédia Grega. Brasília:
UNB, 1998.
http://images.googles.com.br/imgurle.http://greek.hp.vilabol.uol.com.br/epid_teatro.jpg.
Acesso em 08 ago. 2007.
http://www.vidaslusofanas.pt/eurípedes.htm
Acesso em 08 ago. 2007.
http://www.geocities.com/athens/agora/9443/comed2.htm
Acesso em 05 ago. 2007.
Http://www.geocities.com/athens/agora/9443/comed3.htm
Acesso em 05 ago. 2007.

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