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Comédia latina - Minicurso

1. Comédia Néa e Plauto


Tendo sucumbido a Comédia Antiga, concomitantemente ao fim da democracia ateniense,
e após um período de transição, em que figura a Comédia Média, entra em cena a chamada
Comédia Nova, a qual é marcada por um novo contexto histórico e social, em que prevalece o
ideal de família. Ilustra as obras cômicas no contexto da Comédia Nova, a peça intitulada O
Díscolo, de Menandro, autor grego que, juntamente com os romanos Plauto e Terêncio,
pertence ao grupo de poetas que incorporaram essa nova roupagem. Suas obras, nas quais
figuram os tipos caricaturais, apresentam um tom burguês e caracterizam-se pelo trato de
questões do âmbito particular, diferentemente da Comédia Antiga, na qual figuravam
questões de ordem política.
Considerado um dos principais poetas da comédia latina, Plauto viveu aproximadamente
entre 254 e 184 a.C, cuja biografia não é muito precisa e até seu próprio nome se torna uma
incógnita. Nascido em Sarsina, na Úmbria, o poeta é oriundo de família pobre e ficou
reconhecido como “um verdadeiro homem de teatro, desempenhando simultaneamente todas
as funções relacionadas com a arte cênica.” (CARDOSO, 2011, p. 28). Suas comédias se
filiam à tradição da Comédia Nova e fizeram muito sucesso na época que foram escritas,
repercutindo e impactando até os palcos modernos. Pensando nessa repercussão, objetivamos
traçar comparações entre a Aulularia, de Plauto e O santo e a porca, do paraibano Ariano
Suassuna e analisar a figura do velho avarento nas duas obras.
2. Aulularia e O Santo e a porca: breves comparações
Em Aulularia, assim como em outras produções plautinas, a história é contada nos moldes
da fabula palliata, que versa sobre assuntos alegadamente gregos, cujas situações ocorrem
em espaços gregos e têm como personagens figuras com nomes gregos. Apesar de toda essa
ambientação vinda da matriz grega, nota-se em Aululária características romanas. Por
exemplo, de início surge no prólogo a divindade romana Lar, sem correspondente no panteão
grego; a gravidez de Fedra foi gerada em festas de Ceres, há ainda referência a divindades
itálicas, como a Fides (deusa da fidelidade, da palavra dada) e à divindade Silvano (protetor
dos bosques), dentre outros elementos típicos de Roma, tais como o próprio ritual do
casamento.
Tal romanização do espaço grego é um dos elementos que sem dúvida conferem certa
originalidade à peça, e, também, ao que parece, uma maior proximidade com o público a que
se destinava. Dessa forma, Plauto, ao mesmo tempo em que imitava peças gregas, e que
mantivessem um ambiente grego (normalmente Atenas), promovia certa nuança romana em
seus textos escritos em latim. Isso fazia com que a audiência, ainda que não conhecesse o
modelo grego de que provém a peça, pudesse entender a história contada, rir e se deleitar com
ela.
No que diz respeito às personagens de Aulularia, estas se enquadram numa galeria de tipos
comumente utilizados por Plauto (com correspondentes no que resta da comédia nova grega).
Dentre eles estão, por exemplo, o velho (senex), o jovem enamorado (adulescens), o escravo
(seruus), além de personagens femininas, como a meretriz (meretrix), a mulher casada e de
meia idade (matrona), a moça de família (virgo) e a escrava (serua). De uma maneira
semelhante à de Plauto, em suas peças teatrais Ariano Suassuna, especificamente O santo e a
porca, também se utiliza de uma galeria de tipos: os cangaceiros, os velhos coronéis, os
rapazes apaixonados, as matriarcas, as mocinhas casadoiras, além de algumas mulheres
sedutoras que terminam por enganar certos apaixonados incautos. O dramaturgo nordestino,
porém, diferentemente do que fazem Plauto e outros autores da fabula palliata com as peças
gregas, não ambienta sua comédia no espaço do modelo.
Com o intuito de compreender como autores tão afastados temporal e geograficamente
podem, em suas produções, trazer características que, de certa maneira, os aproximam,
elaboramos a tabela abaixo para melhor observação:

Aulularia O santo e a porca

O pano de fundo da história é a Grécia; A história se passa em Taperoá - PB;

Cenário grego Cenário nordestino

Deus Lar Santo Antônio

Euclião, o velho avarento Euricão, o velho avarento


As locuções interjetivas: “Por Pólux”, “Por As locuções interjetivas: “Santo Antônio!”,
Hércules!” e “Por Castor” “Ai a crise” e “Meu Deus”

2.1 A figura da avareza

Afunilando para a análise de personagem, a seleção do corpus, por sua vez, baseia-se na
figura da avareza, vício cômico que já era criticado desde a comédia clássica, e que, por sua
representatividade como traço inerente à comédia, merece estudo pormenorizado. Além
disso, a escolha por Aulularia (escrita em 191 a.C), de Plauto, refere-se ao fato de ser uma
das mais antigas obras a que se tem acesso de forma quase integral que traz ao palco a
personagem avarenta, dando-lhe destaque. É, também, a partir do avarento dessa peça
plautina que nascem muitos outros, a exemplo daquele que se encontra em Suassuna.
Mais uma vez, esboçamos um quadro com algumas semelhanças em relação à figura do
velho avarento em ambas obras:

Aulularia O santo e a porca

Situação de engano: gravidez de Fédria X Situação de engano: Dodó fica sozinho


roubo da panela com Margarida no quarto X roubo da
porca
Euclião - Por que, sem minha ordem, tocaste
nela que é minha? Licônides - Por causa do EURICÃO - Como é que você teve coragem
vício do vinho e do amor é que eu fi z isso. de tocar naquilo que não lhe pertencia? [...]
[...] Licônides - Mas eu venho DODÓ - A culpa foi das circunstâncias e eu
espontaneamente suplicar-te que perdoes não já vim pedir desculpas?
minha loucura. Euclião – Não gosto dos EURICÃO - Não gosto desses criminosos
homens que vêm desculpar-se depois que fi que prejudicam os outros e depois vêm pedir
zeram o mal. Tu sabias que ela não era tua; desculpas. Você sabia que ela não era sua,
não a devias ter tocado. [...] Euclião – Por não devia ter tocado nela!
Hércules, vou já agarrar-te e levar-te ao DODÓ - Mas eu não já disse que o que
pretor e mover contra ti um processo, se tu aconteceu foi coisa tola? EURICÃO - Coisa
não ma devolves. Licônides – Devolver-te o tola o quê? Você não veio confessar? E
quê? [...] Euclião – A minha panela de ouro, depois, de repente, começa a se desdizer,
estou dizendo, é o que reclamo de ti, a que dizendo que não tocou nela! [...]
tu me roubaste, como tu confessaste. (Pl. (SUASSUNA, 2010, p. 137-138).
Aul. IV. 10. 743 – 764)

Significado do nome Significado do nome

Essa avareza, por sua vez, é anunciada no Eurico, de origem germânica, "rico em
nome da personagem. Etimologicamente, liberdade", é também Euríguio ou Euricão Á
Euclião deriva do grego eû-kléos ou de eu- rabe ou ainda Euricão Engole-Cobra. Cada
kleío, o que corresponde, respectivamente, a apelido assume uma significação especial no
boa fama e aquele que esconde (COSTA, desenvolvimento das tensões.
1967, p. 30).

“Pobre de mim!” “Ai a crise! Ai a carestia”

Expressão que demonstra a queixa de Expressão que demonstra a queixa de


Euclião e desmascara o caráter avarento. Euricão e desmascara o caráter avarento.

3. Considerações finais
Podemos concluir, pois, que tanto em Aulularia quanto em O santo e a porca, figuram o
riso festivo e alegre e também o riso de zombaria. Exemplos do primeiro são as situações em
que o riso decorre das interferências, as quais acabam por levar aos enganos e também o riso
provocado pela repetição de expressões. Já como ilustração da ocorrência do riso zombador,
temos aquele riso que é provocado pela avareza de Euclião, em Aulularia, e de Euricão, em
O santo e a porca, funcionando como uma espécie de correção de um defeito, que deve ser
corrigido.
Por fim, entendemos que há muitas semelhanças entre ambas peças, principalmente
porque a obra de Suassuna é uma adaptação da peça de Plauto, mas que também que as duas
obras possuem singularidades que as definem como únicas. Contudo, fica a certeza de que
seria difícil explicar o presente sem as valiosas contribuições da cultura clássica greco-
romana.

Referências bibliográficas

COSTA, Aída. Introdução. In: PLAUTO. Aulularia. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
1967.
SUASSUNA, A. O Santo e a Porca, Rio de Janeiro, José Olympio, 2010.

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