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O SANTO E A PORCA
Ariano Suassuna
1. Introdução
Desde o momento que o Professor Ton, propôs o trabalho de análise de um texto dramático, me veio
a intenção de analisar o texto “O Santo e a Porca” de Ariano Suassuna e que já montei junto com meu grupo
de teatro – Fulano di Tal – aqui na cidade de Campo Grande, com apresentações por várias cidades do
interior do Estado, aberturas de festivais, com êxito de público e crítica, e que é muito especial para mim
Em 2013 o grupo completaria 10 anos de existência e sentíamos que nos faltava uma produção
diferente da que vínhamos fazendo, sempre na área do humor cotidiano, apesar do grande êxito de público,
queríamos mais, queríamos um desafio. Ele chegou e resolvemos levar aos palcos a peça “O Santo e a
Porca”, de Ariano Suassuna, que tem como tema central a avareza e todos os problemas sociais e
A escolha do espetáculo deu-se pela agilidade do texto, pela mensagem e também por ser uma peça
teatral do gênero comédia, escrita pelo escritor paraibano em 1957, abordando o tema da avareza. O texto,
segundo o próprio Suassuna, é "uma imitação nordestina" da peça “Aulularia”, também conhecida como
a “Comédia da Panela”, do escritor romano Plauto. A peça relata o casamento da filha de um avarento, sendo
que o "santo" do título é Santo Antônio e a "porca" é um cofrinho, símbolo do acúmulo de dinheiro e tão
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Durante o trabalho vou fazer alguns relatos pessoais da nossa montagem do texto do Ariano e que
ficou em cartaz no repertório do grupo por 5 anos, realizando mais de 50 apresentações e produzido e
Ariano Vilar Suassuna (1927-2014), é paraibano da capital João Pessoa e muito conhecido por sua
obra-prima adaptada para o cinema e televisão “O Auto da Compadecida”. Foi poeta, romancista, ensaísta,
dramaturgo, professor e advogado. Em 1989, foi eleito para a cadeira n.º 32 da Academia Brasileira de Letras.
Em 1993, foi eleito para a cadeira n.º 18 da Academia Pernambucana de Letra e em 2000, ocupou a cadeira
Assim como nosso poeta Manoel de Barros, Ariano gostava de falar do seu quintal: o nordeste. Rico
em causos e histórias e também da gente sofrida do sertão, ou os amarelos, como ele bem gostava de retratar
em suas obras, como João Grilo, Chicó e Caroba. Seu estilo simples de escrever reúne o humor e a sátira
O autor traz uma visão cristã sem se aprofundar em discussões teológicas, denunciando o
preconceito, a corrupção e a hipocrisia. No texto em que estamos analisando, retrata a dicotomia entre
religiosidade e avareza, quando o protagonista Euricão fica dividido o tempo todo entre os “personagens” que
Os períodos históricos em que suas peças são escritas apresentam características semelhantes:
agravante dos fatores naturais que tornam a vida do sertanejo muito difícil.
Reforça a religiosidade demonstrando a manipulação que o clero exerce sobre o povo mais simples,
compactuando com os interesses econômicos representados por coronéis e bispos; as figuras de diabos,
anjos, santos, Jesus e Nossa Senhora ganham destaque sem suas obras devida a evolução de linguagem.
Segundo o autor, “O Santo e a Porca” não é uma obra original sua, mas sim uma adaptação de Plauto,
escritor latino do período antes de Cristo. Na peça “Aululária”, o protagonista é “Euclião”, que encontra uma
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panela de ouro deixada por seu avô. Esse ‘achado’ aliado ao casamento de sua filha com um velho rico origina
o mote central de um texto ágil cheio de encontros, desencontros e ambiguidades’. Suassuna adaptou o texto
de Plauto, mas desenvolveu uma releitura dentro do contexto nordestino da literatura de cordel e criou uma
Segundo GOMES (2010) “(...) a singularidade de Ariano Suassuna se dá, sobretudo, pelo fato de o
escritor tomar emprestado da literatura popular seus temas, seus modelos poéticos, assim como também,
sua estética nova e diferenciada, marcada pelo improviso epor uma estética em movimento, que se alimenta
das próprias obras e das obras de outrem, em um infinito ciclo de retomadas e de empréstimos”.
“O Santo e a Porca” apresenta a traição que a vida, de uma forma, ou de outra, termina fazendo a
todos nós. A vida é traição, uma traição contínua. Traição nossa a Deus e aos seres que mais amamos.
Traição dos acontecimentos a nós dentro do absurdo de nossa condição, pois, de um ponto de vista
meramente humano, a morte, por exemplo, não só não tem sentido, como retira toda e qualquer possibilidade
de sentido à vida.
O autor se diz criador de um teatro realista: "Mas à maneira de nossa maravilhosa literatura popular,
que transfigura a vida com a imaginação para ser fiel à vida". Não aceita o que alguns críticos afirmam como
ilógico um avarento que ignora que o dinheiro perde seu valor, pois ainda que isso não pudesse ocorrer na
Suassuna ainda comenta que "meu teatro é onde um cangaceiro se deixa enganar por uma flauta e
um conto-do-vigário - no caso, o Padre Cícero - e onde os anjos se vestem de judeus e os diabos de frades
ou de vaqueiros”.
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▪ Ato 3 (noite): Confusões e Revelações.
À primeira leitura o texto nos passa um tom engraçado, mas tem um contexto filosófico e não se apoia
só no riso, mas também por sua visão crítica, pois a trama é muito simples, porém trata de algo mais complexo
Os anos 50 no Brasil (época em que o texto foi escrito) é marcado pelo governo de Juscelino
Kubitschek e que fez obras importantes e marcantes para o Brasil como a construção de Brasília em 1956,
através do seu plano e governo: 50 anos em 5. Ainda houve a abertura às empresas multinacionais e a criação
da Petrobrás. Período em que o rock influenciou muito o país, adaptado ao nosso clima tropical. Há ainda a
explosão do rádio com programas musicais e radionovelas, e ainda, a criação da Bossa Nova.
A história pode facilmente ser transportada para qualquer época, pois se demonstra atemporal, tanto
que não há nenhuma indicação sobre o período (ano/década) em que a história é contada, pois todo seu
Suassuna baseou sua história a partir da peça Aulularia de Plauto, fazendo alusão a comédia clássica
e a seu conteúdo crítico que tinha como alvo o sistema político-social vigente e os cidadãos típicos que o
integram. A cultura nordestina estrutura-se sobre valores tradicionais e regionais mantidos por uma tradição
folclórica e religiosa, assemelhando-se com a cultura clássica estruturada sobre os mitos de seus triunfos
Utiliza-se do sertão nordestino como pano de fundo demonstrando as agruras de um povo sofrido e
dependente dos patrões que aproveitam dessa situação tendo domínio sobre seus empregados, como
acontece com Caroba empregada de Euricão e Pinhão empregado de Eudoro. Ambos sonham em juntar um
dinheiro que nunca recebem para poder se casar, como bem relata Caroba em uma de suas falas: “Eu quero
é dinheiro, coisa que nunca vi em minha vida”; ou também como é visto em um de seus golpes onde ela, num
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É muito presente essa relação abusiva de patrão e empregado, presente também na obra “O Auto da
Compadecida” em que o autor faz clara referência aos coronéis do sertão, que por vezes, teem seus
“O Santo e a Porca” é uma comédia em três atos. Aproxima-se da literatura de cordel e dos
folguedos populares do Nordeste. Na trama, Suassuna narra a história de um velho avarento conhecido por
Euricão Árabe. Ele é devoto de Santo Antônio e esconde em sua casa uma porca cheia de dinheiro. Cheia
O autor se utiliza da fábula para inventar sua história, que na concepção latina, é uma narrativa de
caráter mítico. Aristóteles chama de fábula a reunião das ações, dos acontecimentos que estruturam uma
obra. Portanto, a fábula é o enredo, o material narrativo de que se origina o texto dramático.
A imagem de Santo Antônio e da porca de madeira são representativas no enredo. Santo Antônio,
além de ser o santo casamenteiro e estar associado aos diversos casamentos que acontecem na obra, está
relacionado à procura de objetos perdidos. Quando Euricão perde sua porca, é para Santo Antônio que ele
pede ajuda e é atendido. Mas o santo dá uma lição em Euricão por este ter preferido a porca a ele, e faz com
“Ser poeta é muito bom porque eu não tenho nenhuma obrigação de veracidade.
Eu posso mentir à vontade, cientista é que não pode.”
(Ariano Suassuna)
O autor descreve claramente todos os personagens, que são considerados personagens-tipos (nos
quais são ressaltadas determinadas características para criar um ambiente cômico), que estão intimamente
• Euricão – “Engole Cobra”, Eurico Árabe; é o protagonista da peça; é pai de Margarida e irmão
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radicado no Brasil e engole cobra porque ele extraia venenos de cobra e vendia como produto
• Margarida – “flor bucólica”; filha de Euricão (a filha é o patrimônio do pai, é noiva de Dodó;
personagem que desencadeia dois pólos de interesse: material (Euricão) e sentimental (Eudoro
e Dodó);
• Benona – alusão à personagem de Plauto, Eunomia do grego EUNOMÍA (ordem bem regulada);
• Caroba – “árvore grande e forte”; empregada de Euricão; é a personagem que desenvolve toda
liberdade;
• Eudoro – “EÚDOROS” - composto por “eú” (bom,bem) e de “dôron” (o generoso); pai de Dodó;
• Dodó – redução do nome Eudoro (indica a submissão do filho ao pai); é o filho de Eudoro; noivo
de Margarida;
• Santo Antônio – santo casamenteiro, “achador de coisas perdidas” e popular; santo de devoção
• Porca – Oposição do profano frente ao religioso (Santo Antônio); é o objeto de cobiça; representa
• Euricão – Herói. Que inicia a história como um grande avarento, mas termina se redimindo a
pedindo perdão a Santo Antônio, aprendendo uma grande lição depois de todos os
acontecimentos;
• Margarida – Coadjuvante. Responsável por desencadear o interesse de Eudoro por ela, mas que
acaba causando um grande mau entendido, quando interpretam ser o maior tesouro de Euricão
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• Benona – Coadjuvante. Cabe a essa personagem a demonstração do pudor e do recato e
também a resolução do mau entendido entre Margarida e Eudoro, pois acaba reconquistando seu
muito ligada a todos os acontecimentos e reviravoltas do espetáculo; Mas é através dela que há
a redenção do Herói;
• Eudoro – Vilão. Pode ser visto assim pois ele quer se casar com Margarida, porém devido ao
mau entendido provocado pela interpretação de sua carta, acaba passando o espetáculo inteiro
(na cabeça do herói) querendo roubar o seu mais precioso tesouro: a porca.
• Dodó – Coadjuvante. Representa o amor mais inocente e puro que nutre por Margarida com
dualidade do Herói.
• Porca – Coadjuvante, Também presente durante todo o espetáculo e que movimenta a historia
Logo no início do espetáculo a principal trama já se revela ao público que é a confusão feita pelo
entendimento da carta que Eudoro envia a Euricão, falando que está interessado no seu maior tesouro, no
caso Margarida sua filha, que passou uns tempos na fazenda dele. Porém Euricão acha que o “amigo” está
A partir daí a esperta Caroba, que entende tudo desde o início, acaba usando a história a seu favor e
criando situações que a beneficie junto com seu noivo Pinhão. Ela cria um plano com Margarida e Benona
(sem as duas saberem é claro) para se dar bem em cima do mau entendido e assim resolvendo o dilema das
três: o casamento. Ao mesmo tempo que não deixa seu patrão ficar sem seu bem mais precioso: a porca!
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9. Considerações e impressões sobre o texto analisado
Eu sou um apaixonado por essa obra de Suassuna que tantas alegrias e realizações nos proporcionou
nos 5 anos que ficou em cartaz no repertório do grupo. Fomos muito bem recebidos pelo público que
A peça retrata de forma leve e cômica um tema bem espinhento: a avareza. Através de Euricão,
acompanhamos essa dualidade entre o sagrado e o profano. E ao final somos arrebatados pela consciência
do protagonista de que o apego pelo dinheiro e pela riqueza não o deixava viver o melhor da vida com sua
família o que fica claro na sua fala final com Santo Antônio em seu colo: “Obrigado Santinho! Por sempre
• “’O Santo e a Porca’ é uma trama de sentimentos comuns, com pessoas comuns, com medos e
desavenças, que não perdem a habilidade de rir e criticar as incoerências humanas.” (Yago
• “Suassuna utiliza uma trama muito simples para tratar de algo mais complexo, como a relação do
mundo material com o espiritual. A história mistura o religioso e o profano.” (Tribuna do Norte,
2019)
• “’O Santo e a Porca’, destaca-se pela agilidade da trama, imagens simples, diálogos diretos e
intensa comicidade, além de uma certa crítica social.” (O Tempo – Contagem, 2008)
• “Apesar de engraçado, o texto tem um fundo filosófico, o que não pode passar despercebido. O
texto não se sustenta só com o riso, mas sobretudo pela visão crítica.” (Passei Web, 2015)
reviravoltas. Embora seja uma comédia, a trama busca promover uma reflexão sobre a relação
do ser humano com o mundo físico e espiritual, representados pela porca e por Santo Antônio,
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10. Links Fulano di Tal
• Fotos do Espetáculo:
o https://abre.ai/c8By
• A última apresentação do espetáculo no Festival Boca de Cena (2016) organizado pela FCMS –
o https://youtu.be/7P2dBef0qIk
11. Referências:
BASTOS, Maria Lourença Ferreira de. Gênero Literário e Moralidade Filosófica n’O Santo e a Porca de Ariano
Acesso em 07/08/2021.
GOMES, Aline Aparecida de Souza. O Santo e a Porca e Ariano Suassuna: o imaginário do sertão em nova
Passei Web. O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna – Análise da obra. Disponível em: