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2º EnECI – Encontro de Ensino de Ciências por

Investigação
25 a 27 de maio de 2020
Interações com pequenos animais e o Ensino de Ciências na Educação
Infantil
Nicia Regina Ogawa1, Celi Rodrigues Chaves Dominguez2
1 Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, Professora
de Educação Infantil da rede pública municipal de São Paulo (SME/PMSP), niciaogawa@usp.br
2 Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH-USP), Universidade de São Paulo, celi@usp.br

INTRODUÇÃO
A educação infantil é um espaço de educação formal no qual, a partir dos interesses das
crianças pequenas e das interações promovidas com diferentes materialidades e com o meio
em que elas estão inseridas, pode-se proporcionar investigações sobre o mundo vivo.

A criança aprende o tempo todo, com tudo aquilo que está à sua volta, ao brincar e interagir
aprende, constrói relações e conhecimento, por isso a importância de proporcionar vivências
diversificadas, experiências que promovam o conhecimento de si e do mundo, a construção
de um contexto no qual as crianças entram em contato com diferentes linguagens, materiais
e brincadeiras para que assim se manifestem e se desenvolvam.

Assim, “ao internalizarem elementos das culturas adultas que lhes são disponibilizadas, as
crianças vão sendo introduzidas no universo cultural humano, fazendo adaptações que lhes
são necessárias e tornando-se parte dele.” (DOMINGUEZ; TRIVELATO, 2014).

Sabe-se também que as professoras tem papel relevante como mediadoras do


conhecimento e das interações das crianças com os objetos de estudo, e que a
aprendizagem é mediada por um “processo no qual cada criança constrói para si mesma as
razões, os “porquês”, os significados das coisas, dos outros, da natureza, dos
acontecimentos, da realidade e da vida” e por isso é “necessário possibilitarmos experiências
que sejam decorrentes de elaborações, mobilizem diretamente as crianças, deixem marcas
e possam ser recuperadas na vivência de outras situações semelhantes, constituindo um
aprendizado em constante movimento”. (CARVALHO; FOCHI, 2017)

Diante desse cenário, conforme Carvalho; Fochi (2017), “professores e pesquisadores da


área de educação infantil, apontam que o investimento do trabalho pedagógico deve se
concentrar na criação de contextos favoráveis para as diversas possibilidades de aprender,
sendo nele que se alcança a difícil tarefa de equacionar a repetição e a abertura ao novo,
ao emergente”.
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Dessa forma, cumpre à professora participar do primeiro contato do aprendente com novas
situações e contextos, e colocar foco na criança e seus interesses transformando a
curiosidade infantil em atividades de investigação é um dos caminhos propostos para
ressignificar o ensino de ciências na educação infantil (OGAWA, 2018).

Para Cardoso & Scarpa (2018) “O ensino de ciências por investigação deve proporcionar o
envolvimento dos estudantes com a resolução de problemas e questões; geração de
hipóteses; coleta, análise e interpretação de dados; construção de conclusões; comunicação
e reflexão acerca do processo investigativo; e continuidade do processo investigativo”.

Na prática aqui analisada, a proposta foi desenvolvida com uma turma de 20 (vinte) crianças
de 5 (cinco) anos em um Centro de Educação Infantil da rede municipal direta da cidade de
São Paulo no ano de 2018, a partir da observação de que as crianças nomeavam todos os
bichos encontrados de barata e tentavam matá-los, e cujo objetivo foi trabalhar a diversidade
biológica de pequenos animais presente dentro da unidade educacional e nos espaços
ocupados pelas crianças, a fim de que por meio do conhecimento construído as relações
delas com esses animais fossem transformadas.

METODOLOGIA

Para a análise da referida experiencia, foram revisitados os registros – planejamentos, diário


de bordo, registros fotográficos e desenhos das crianças, buscando indícios da mediação
dos conhecimentos sobre os pequenos animais com e entre as crianças.

A experiência proporcionada às crianças foi organizada em momentos coletivos de interação


com espaços e materialidades diversas, inseridos no planejamento anual e semanal (eixo
pequenos animais no Projeto “Eu e o Mundo” e semanário respectivamente) e cujas
observações foram posteriormente registradas no diário de bordo da professora.

As intervenções propostas foram inspiradas no aprendizado advindo da participação no


curso de difusão “Ciências Naturais na Educação Infantil: aproximações possíveis entre as
crianças e cultura científica” realizado na EACH-USP em 2017, são elas:

1 – estudo de meio constituído de visita a todos os espaços da unidade educacional para


observação e identificação dos animais presentes neles; 2 – levantamento de conhecimento
prévio e registro coletivo sobre todos os animais observados no estudo de meio; 3 – desenho
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de animais; 4 – investigação sobre animais com a observação da Coleção de Artrópodes,
contendo espécimes de insetos, aranhas e escorpiões, do Espaço de Ciência, Cultura e
Educação (ECCE-EACH); 5 – investigação em materiais impressos variados e outros objetos
(livros didáticos, literatura infantil, animais de brinquedo); 6 – elaboração de outro desenho
posterior às investigações.

Todos os momentos foram mediados pela professora, e contaram com a realização de roda
de conversa preparatória com apresentação do que seria realizado e a posteriori para
socialização dos achados das crianças. As intervenções 4 e 5 foram realizadas mais de uma
vez por conta do interesse das crianças e para oportunizar maior interação com os objetos
a fim de que as investigações fossem aprofundadas pelas crianças.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Nos documentos analisados foram encontradas evidências da intencionalidade pedagógica


docente de mediação dos conhecimentos sobre os pequenos animais com e entre as
crianças, com o planejamento das intervenções, bem como da pesquisa e seleção prévia de
materialidades que pudessem ser manipuladas pelas crianças.

Intencionalidade essa que vai ao encontro da proposta de Carvalho; Fochi (2017) de


oportunizar “verdadeiros laboratórios” e “experimentações diversas” às crianças com base
nas atividades da vida cotidiana, a partir da curiosidade e relação delas com a natureza e os
fenômenos naturais, ressaltando a importância de conhecer para poder intervir sobre a
realidade buscando resolver problemas.

As rodas de conversa, também serviram de conexão entre os diferentes momentos


vivenciados, caracterizando a sequência das intervenções e servindo de estímulo à
participação ativa das crianças viabilizando a comunicação e socialização de suas
descobertas, bem como de checagem dos conhecimentos construídos.

Carvalho (2018) nos traz ainda dois conceitos tido como essenciais para a criação de
condições para os aprendentes interagirem com o material e construírem seus
conhecimentos em uma situação de ensino por investigação: a liberdade intelectual e
elaboração de problemas com o uso de diferentes atividades investigativas. Entretanto,
percebe-se a importância de se trabalhar de forma mais estruturada com crianças menores,
sendo necessária a interferência de um adulto para promover uma investigação cientifica,
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explorar o ambiente de forma parecida com a dos cientistas, provendo acesso a elementos
da cultura científica.

E nesse sentido, foram vários os relatos, no diário de bordo, de interferências da professora


no sentido de direcionar o olhar das crianças, auxiliando na realização de observações mais
cuidadosas, de comparações, nos momentos com os espécimes da coleção assim como
com as figuras e ilustrações dos materiais impressos, manipulados pelas crianças, as quais
pediam o auxílio da professora, por exemplo, para leitura de legendas e textos explicativos.

No tocante às intervenções 3 e 6, quando as crianças produziram desenhos dos animais,


esses foram momentos sem grande interferência da professora, e as crianças ficaram livres
para representar o animal escolhido por elas como quisessem. O que indica a concepção da
professora de que as crianças são sujeitos potentes e capazes de pensar autonomamente
sobre o assunto proposto e que é fundamental que elas possam de expressar livremente.

Ao estudar os desenhos produzidos pelas crianças, identificamos algumas que, em ambas


intervenções, desenharam aranhas, e constatamos que as vivências de observação
contribuíram para que as crianças realizassem alterações significativas em suas
representações como: número de pernas, divisão do corpo em cefalotórax e abdômen, ponto
de inserção de pernas, presença dos pedipalpos (figura 1).

Assim como observado por Dominguez (2006), ao constatar que as crianças internalizaram
conhecimentos biológicos sobre as borboletas e também se apropriaram dos modos
específicos de representar os bichos, “ou seja, compreenderam como a ciência se usa da
linguagem visual para referir-se aos fenômenos biológicos próprios desses animais”.

Figura 1. Amostra de desenhos de aranhas de quatro crianças antes e depois das


atividades de observação e exploração das materialidades.

Dessa forma, neste caso, a professora assumiu a mediação entre as crianças e


conhecimentos da cultura científica sobre os pequenos animais ao buscar garantir que elas
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tivessem contato com esses por meio de materialidades e linguagens variadas, o que
contribuiu para a apropriação de elementos da cultura científica e construção de
conhecimento coletivo, e levou à mudança da relação das crianças com os mesmos,
alimentando a manutenção do desejo de saber, aguçando a curiosidade sobre cada um
desses pequenos seres encontrados no ambiente escolar em vez de “matar as baratas”,
reforçando a importância de conhecer para poder intervir sobre a realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda que não tenha sido organizada sob a forma de uma sequência de ensino investigativa,
entendemos que a proposta apresenta elementos do ensino de ciências por investigação, e
ilustra a tentativa inicial da professora de propor uma vivência.

Comumente, quando se fala de investigação na educação infantil se fala da investigação


como situação para a criança aprender e se desenvolver, não se fala de investigar ciências,
e faz-se urgente ressignificar e ampliar esse entendimento tendo em vista o potencial da
observação, e do engajamento na investigação para que as crianças se apropriem de
elementos da cultura científica, mesmo tendo pouca idade e não sendo alfabetizadas.

Evidenciamos a importância da escuta ativa e sensível para identificar as perguntas e/ou


interesses das crianças passíveis de investigação cientifica no âmbito do ensino de ciências
na educação infantil, “dando-lhes acesso a práticas culturais próprias do campo da ciência,
como o uso de vocabulário específico para referir-se aos animais, a observação e os modos
particulares de representar a natureza com imagens” (DOMINGUEZ, 2006), reforçando a
necessidade da valorização da formação continuada e dos diferentes saberes docentes.

AGRADECIMENTOS
Ao Espaço de Ciência, Cultura e Educação da EACH (ECCE-EACH) pelo empréstimo da
Coleção de Artrópodes utilizada na pesquisa com as crianças.

Área Temática: AT 2 - Ensino e aprendizagem baseados no ensino por Investigação


Palavras-chave: Ciências na Educação Infantil; Ensino de Ciências; Pedagogia da Infância.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARDOSO, M. J. C., SCARPA, D. L., Diagnóstico de elementos do ensino de ciências por investigação
(DEEnCI): Uma ferramenta de análise de propostas de ensino investigativas. Revista brasileira de
pesquisa em educação em ciências, p. 1025 – 1059, 2018.
CARVALHO, A. M P. DE. Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino por Investigação. Revista
Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências 18(3) p.765-794. Dezembro, 2018.
CARVALHO, Rodrigo Saballa de; FOCHI, Paulo Sergio. Pedagogia do cotidiano: reivindicações do
currículo para a formação de professores. Em Aberto, Brasília, v. 30, n. 100, p. 23-42, set./dez. 2017.
DOMINGUEZ, C. R. C. Desenhos, palavras e borboletas na Educação Infantil: brincadeiras com as ideias
no processo de significação sobre os seres vivos. 2006. 176f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
DOMINGUEZ, C. R. C.; TRIVELATO, S. L.F. Crianças pequenas no processo de significação sobre
borboletas: como utilizam as linguagens?. Ciência & Educação, v. 20, p. 687-702, 2014.
OGAWA, N. R. Estado da arte do ensino de ciências na educação infantil: um olhar a partir das atas do
encontro nacional de pesquisa em educação em ciências. In: Anais VII Enebio, 2018. Belém. Disponível
em: <https://sbenbio.org.br/wp-content/uploads/anais/anais_vii_enebio_norte_completo_2018.pdf>. Acesso
em: 02 fev 2020.

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