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Boletim Bibliográfico - março de 2023 - Agustina Bessa - Luís

Agustina Bessa Luís, é um dos grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea. A


Guimarães Editora considera-a a maior escritora portuguesa. Agustina mais que uma escrito-
ra é uma força da natureza, uma respiração sublime sobre os elementos desconexos e con-
traditórios que é a própria vida. De uma lucidez desconcertante, a sua obra constrói uma ca-
tarse sobre o papel do homem na sociedade humana. Com ela descobrimos em diversos li-
vros os alicerces históricos e biográficos de uma cultura, nomeadamente nos seus timings
contemporâneos.
Se todos somos a circunstância geográfica e cultural do sítio onde nascemos e vivemos, a
obra de Agustina é o produto de uma região. Conhecedora da comédia humana, encontra-
mos nela aforismos representativos de uma simplificação da vida. Maria Ordoñes, nome on-
de se escondeu um universo literário e cultural complexo e deslumbrante, começou a sua
viagem a 15 de Outubro de 1922. Filha de uma senhora de Zamora e de um pai que pertencia
à aristocracia rural do Porto, viveu entre o campo e a cidade, ficando por esta fascinada. Estu-
dou nas Doroteias e divertiu-se nos serões de espectáculos geridos pelo pai e que tanto rece-
bia cinema, como cafés concerto. Aos vinte e dois anos escolheu marido num anúncio de jor-
nal, onde “procurava corresponder-se com alguém inteligente e culto”. O afortunado, com
quem partilha a vida há mais de sessenta anos, Alberto Luís, ordenou a sua escrita e deu-lhe
letra de máquina.
Agustina, de coração amarantino, o que ousada e modernamente já tinha dado a Amadeo,
os contornos de uma ambição futurista da vida, no sentido mais livre possível, deixou-nos em
letras apertadas de cadernos manuscritos personagens e atmosferas que nos são familiares.
Iniciou-se na escrita, com Mundo Fechado, de 1948 e teve em Sibilia, de 1954, o romance que
lhe deu visibilidade. Soubemos há um ano, que no início da década de 40, a escritora concluía
os até agora desconhecidos Ídolo de Barro e Deuses de Barro, dois livros assinados com nome
de ressonâncias maternas: Maria Ordoñes. Ferreira de Castro dizia dela que praticava “a de-
puração das palavras” e Eduardo Lourenço, que escrevia com “a novidade de um olhar insóli-
to veemente e desarmante”. Escreveu como quem respira, em doses imensas de palavras e
livros (mais de sessenta), em romances nada convencionais, o que somos como modo de ser.
Dos seus textos saiu a matéria-prima de filmes, como Francisca, Vale Abraão ou o Convento.
Participou na vida cívica de modo intenso, tendo dirigido o 1º de Janeiro e o Teatro Nacional
D. Maria II. Disse-nos em entrevistas cheias de sabedoria, que gostando dos aplausos, prefere
ter graça a ter fama e revela-nos que sendo conhecida, não é muito lida. Dá-nos os seus livros
como memória de uma ideia, de uma forma de humanidade, pois uma longa vida não se des-
creve, pois ninguém a vê passar.
Agustina é uma escritora criadora de figuras de uma dimensão muito peculiar e tem-nos
dado a voz de uma geografia física e humana capaz de compreender a relação do Homem
com os mitos, o simbolismo do seus valores. Criadora de palavras que nos conduzem a cami-
nhos onde se identificam os percursos da Humanidade, acima do contexto histórico, na pro-
cura de uma identidade que o é por si. Da sua obra de ficção, à poesia, ao teatro, às crónicas,
ao livro de viagens, aos ensaios a sua obra é uma referência pelo sentido de humor das suas
representações, mas pelo modo também frontal como nos faz encarar a realidade. Há nela a
procura de entender o quotidiano usando uma sabedoria própria, tirada de uma determinada
realidade, mas também uma imensa liberdade que se assume como essencial para se afirmar
e descobrir. A liberdade como uma das mais belas concretizações do Homem, embora torne-
ada de elementos nem sempre claros e construídos sobre si próprio. Retemos dela uma ideia
de uma luz de quem caminhou ao contrário, da maturidade para a infância, de quem nos en-
sinou que a vida é demasiado importante para ser levada a sério e que por isso nada mais
difícil do que o gesto grave, a dureza do caminho, para os que procuram um lugar de felicida-
de, de conquista de individualidade. Por isso as fórmulas rápidas e fáceis são inexpressivas de
qualquer verdade, pois em cada ser há uma respiração diferente. Nas suas obras, as mulheres
de diferentes gerações revelam essa aspiração de humanidade, que condensam o que vive-
ram, o que sonharam, em luta com o real sem se saber se se ousou o suficiente, se a afirma-
ção foi suficiente para chegar a esse momento quase final em algo que se compreendeu.
Agustina Bessa-Luís é uma figura maior da nossa escrita, a que convidamos a descobrir e por
isso ela foi escolhida para ser alvo de destaque como escritora do mês na Biblioteca da Escola
Dr. Manuel Laranjeira. O seu olhar como figura humana pode ser encontrada biograficamen-
te em muitos dos seus livros, como por exemplo em Sonho de Cão ou Dentes de Rato, entre
“Não são os crentes que se salvam; são os que esperam em
outros. Destacamos pois Agustina, em Maio, pela sua dimensão como figura da cultura portu-
plano de igualdade com o que é eterno - a vida humana e a
guesa deste século. Pela escrita, pelos temas, pelo humor e por aquele sorriso de quem já
realidade dos seus direitos. Devo acrescentar aqui alguma
parece ter percebido o sentido das coisas e por isso sorri para o horizonte, como a criança
coisa que sempre me pesou: acima dos amigos eu tive o
acabada de nascer. O final de Sibila dá-nos essa dimensão de uma forma clara, que se obser-
pensamento; além da gratidão, eu pus o amor forte e gene-
vam nestas suas palavras, “o mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num
roso pela vida”.
raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão,
Agustina Bessa-Luís, "Os amigos",
não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada
in O chapéu das fitas a voar,
continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem no-
me».
Boletim Bibliográfico - março de 2023 - Agustina Bessa - Luís

“Todos os meus livros são, afinal, só isso, a oportunidade de milhões de almas,


únicas, todas elas, almas de sapinhos cheios de importância de viver. [...] Uns
partem um pouco depois de dizerem bom dia, outros ficam até morrer. Todos
se continuam naquilo que têm de profundamente entre si - a vocação para
serem sós, porém aceites por cada um dos outros. Porque a solidão que me
acusam de impor aos meus personagens, como uma grilheta, é apenas a sua
individualidade biológica, a exclusividade, a reivindicação superior da sua pró-
pria luta. Um homem jamais corresponde a outro homem; as suas reacções e
conclusões não equivalem a vivência de outra alma, a experiência do outro eu.
O mistério do eu cumpre-se em cada homem de forma única".
Agustina Bessa-Luís, in Revista "Lusíada", Porto, Outubro - 1955

“Como é possível, resistindo e opondo-nos embora no plano das ideias e da


sua prática, não ser submergido pela beleza torrencial desta escrita, que não
tem igual na literatura portuguesa deste tempo? Como é possível ficar indife-
rente a certas bruscas iluminações que vão mais longe e mais fundo, no senti-
do do conhecimento de si e do outro, que todo o material de análise que co-
mumente manuseamos? Como é possível não reconhecer e declarar que se há
em Portugal um escritor onde habite o génio ( vá esta palavra, ainda que peri-
gosa e equívoca) esse escritor é Agustina Bessa-Luís?”.
José Saramago, Seara Nova, 1968

"Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação de um dia de
Verão que declina, e temos 11 anos e sabemos que o dia seguinte é fundamen-
tal para que os nossos desejos se cumpram. Quem conservar este sentimento
pela vida fora está predestinado a um triunfo, talvez um tanto sedentário, mas
que tem o seu reino no coração das pessoas".
Agustina Bessa-Luís, As Pessoas Felizes

“Não são os crentes que se salvam; são os que esperam em plano de igualdade
com o que é eterno - a vida humana e a realidade dos seus direitos. Devo
acrescentar aqui alguma coisa que sempre me pesou: acima dos amigos eu
tive o pensamento; além da gratidão, eu pus o amor forte e generoso pela vi-
da”.
Agustina Bessa-Luís, "Os amigos", in O chapéu das fitas a voar,

«Cada voz está só e é única e é contra o coração dos outros, vertiginosamente,


que ela ressoa».

Inês Pedrosa num texto de grande valor explicou-nos no aniversário de Agusti-


na, aquando da exposição na casa Fernando Pessoa a alma essencial do sonho
que verte as obras de Agustina, com o elemento que agrupa a acção e o quoti-
diano. As mulheres têm nos livros de Agustina um papel e um destaque superi-
or ao dos homens, porque meus amigos, a surpresa no mundo está-lhes muito
mais perto, na esperança, no sonho, como possibilidade dos dias. Os livros de
Agustina são “frescos” num tempo curto, dessa dimensão mais longa que é a
vida, oscilada entre um presente de lutas, um passado a descobrir e um futuro
a erguer. Os seus livros são, como o eram, embora em pressupostos diferentes,
os de Sophia, a consagração da Arte, como forma de perspectivar a realidade.
A construção da Arte é nela uma experiência filosófica, pois ela tem sobre a
vida, as pessoas, um olhar de observação felino, sobre as suas incertezas apai-
xonadas que formam a sua obra. O que havemos da vida como experiência, é
essa a maior criação da Arte. Há nas suas descrições e análises uma ideia de
continuidade, que é o da nossa humanidade, o que nos torna peculiares num
território e num universo difícil. A Arte de Agustina é a de compreender o olhar
humano e aceitá-lo, como uma criança que olha o mundo e nele procura entrar
Ficha Técnica: como uma festa de descobertas. O que a Arte de Agustina descreve é a univer-
Redacção: Equipa da Biblioteca salidade do desejo humano, da ambição, do poder, as aparências de liberdade
Biblioteca: AEARS que são vendidas como conquistas particulares.
Periodicidade: Mensal Nela mora o fermento para repensarmos o que poderemos ser.
Distribuição/Publicitação:
(Afixação na BE / Plataformas digitais)

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