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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA


CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA
CAMPUS TOMÉ-AÇU

NÁDSON VIANA OLIVEIRA

HISTÓRIA, MEMÓRIA, MIGRAÇÃO E DENÚNCIA NO CONTO “JUDAS


AHSVERUS”, DE EUCLIDES DA CUNHA E “TERRA CAÍDA”, POEMA DE
CATULO, AO INSIGNE DE MÁRIO JOSÉ DE ALMEIDA: UMA LEITURA
COMPARATISTA

Tomé-Açu
2024
NÁDSON VIANA OLIVEIRA

HISTÓRIA, MEMÓRIA, MIGRAÇÃO E DENÚNCIA NO CONTO “JUDAS


AHSVERUS”, DE EUCLIDES DA CUNHA E “TERRA CAÍDA”, POEMA DE
CATULO, AO INSIGNE DE MÁRIO JOSÉ DE ALMEIDA: UMA LEITURA
COMPARATISTA

Trabalho apresentado como requisito avaliativo da


Disciplina Literatura Comparada do Curso de
Graduação em Letras – Língua Portuguesa da
Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA
(Campus Tomé-Açu).

Prof. Dr. José Francisco da Silva Queiroz

Tomé-Açu
2024
História, memória, migração e denúncia no conto “judas ahsverus”, de euclides
da cunha e “terra caída”, poema de catulo, ao insigne mário josé de almeida:
uma leitura comparatista

O conto é um gênero textual que narra historias dos temas mais complexos aos
mais simples, expressa uma forma de arte curta e concisa a qual se pode transformar de
forma minuciosa o estado bruto de seus enredos em verdadeiras obras concentradas em
determinado fato, acontecimento ou imaginação. Temos em sua estrutura elementos
fundamentais a tipologia narrativa, em que as etapas são construídas por personagens,
espaço, narrador, enredo e conflitos, oferecendo ao contista diversas formas com as
quais construir sua narrativa. Edgar Allan Poe, diz que:

um artista literário habilidoso constrói um conto. Se é sábio, não


amolda os pensamentos para acomodar os incidentes, mas, depois de
conceber com cuidado deliberado a elaboração de um certo efeito
único e singular, cria os incidentes, combinando os eventos de modo
que possam melhor ajudá-lo a estabelecer o efeito anteriormente
concebido. Se a primeira frase não se direcionou para esse efeito, ele
fracassa já no primeiro passo. Em toda a composição não deve haver
sequer uma palavra escrita cuja tendência, direta ou indireta, não leve
àquele único plano pré-estabelecido. Com tal cuidado e habilidade,
através desses meios, um quadro por fim será pintado e deixará na
mente de quem o contemplar um senso de plena satisfação. A ideia do
conto apresentou-se imaculada, visto que não foi perturbada por nada.
Este é um fim a que o romance não pode atingir. (POЕ, 2016, р. 4-5).

O poema representa um texto literário que apropria-se de manifestações artísticas,


tida como uma das formas mais graciosas de compor e expressar sentimentos, emoções e
pensamentos, seja do poeta que escreve à quem se dirige o poema, em sua estrutura básica
contém versos, estrofes, rimas e ritmos. Por meio desse gênero o poeta pode expressar de
forma artística e emocional seu particular em forma rítmica com relação a assuntos existentes
ou imaginários. Conforme Lajolo (2001):

[...] um poema é um jogo com a linguagem. Compõe-se de palavras:


palavras soltas, palavras empilhadas, palavra sem fila, palavras
desenhadas,palavras em ritmo diferente da fala do dia a dia.Além de
diferentes pela sonoridade e pela disposição na página, os poemas
representam uma maneira original de ver o mundo, de dizer as coisas[...]

Como um dos grandes nomes da literatura brasileira, jornalista, professor e


considerado um escritor pré-modernista, Euclides da Cunha se interessou por temáticas
sobre os problemas sociais vivenciados nas regiões brasileiras, dentre tais surgiu o
interesse na região amazônica, e a partir de várias leituras e artigos escritos nomeou-se
para uma viagem com o objetivo de estudar e relatar em que circunstâncias se
encontrava a região isolada pela imensidão da floresta. Euclides utilizou do gênero
conto para expressar em forma literária a denúncia e injustiça social existente na vida do
sertanejo amazônico devido sua atividade escravista. No início do conto
“Judas-Ahsverus” Euclides inicia sua narrativa explicitando como ocorria a festa do
Sábado de Aleluia nos seringais da região amazônica. Temos a descrição do desafogo da
mágoa guardada ao peito, pontos de vista oniscientes e o retrato da vingança dos dias
tristes em um ritual litúrgico.

No sábado de Aleluia os seringueiros do Alto Purus desforram-se de


seus dias tristes. É um desafogo. Ante a concepção rudimentar da vida
santificam-se-lhes, nesse dia, todas as maldades. Acreditam numa
sanção litúrgica aos máximos deslizes. Nas alturas, o Homem-Deus,
sob o encanto da vinda do filho ressurreto e despeado das ínsidias
humanas, sorri, complacentemente, à alegria feroz que arrebenta cá em
baixo. E os seringueiros vingam-se, ruidosamente, dos seus dias
tristes. (CUNHA, Euclides. Judas-Ahsverus)

A partir da catarse do seringueiro, os primeiro símbolos que se destaca é


presença do auto-reconhecimento de sua situação é a vingança ritualistas dos dias tristes
no seringal, a analogia entre o próprio nome do conto infere consigo, referências
alusivas a personagens míticos tais como o Judeu errante e ao apóstolo Judas Iscariotes.
atribuímos ao conto de euclides denuncias de praticas escravistas vivenciadas a margem
das regiões amazonicas.
. O texto em todo percurso é movido por críticas sobre questionamento do poder público,
o próprio posicionamento da igreja em relação aos seringueiros, em que a exaustão das
rotinas de trabalho exaustivas eram semelhantes à eterna paixão de Cristo. Quando se
recorda a sobre a vida dos seringueiros em “Judas Ahsverus” e no poema “Terra Caída”.
O diálogo entre o conto de Euclides e o poema de Catulo mostra traços históricos
verossimilhantes em suas obras. Nessas obras ocorre referenciadas até aqui ocupam uma
temática semelhante de caráter poético e realista. Tania Franco (1943), diz que:

No entanto, quando a comparação é empregada como recurso


preferencial no estudo crítico, convertendo-se na operação
fundamental da análise, ela passa a tomar ares de método — e
começamos a pensar que tal investigação é um "estudo comparado".
(CARVALHAL, 1943, p.07)

Enquanto o trajeto de denúncias de Euclides da Cunha nos descreve por meios


de simbologias os momentos vividos pelos seringueiros na região amazônica, no soneto
de Catulo, em seus três primeiros estrofes, conseguimos notar particularidades na
escrita/sotaque do eu lírico no poema, bem como, a possibilidade de entender de onde
vieram grande parte dos seringueiros para a região amazônica. Por meio das rimas o eu
lírico possibilita o reconhecimento das matas repletas de árvores com “muito leite” e as
dificuldades infernais em um mundo verde. a imagem manifestada pelo eu lirico revela
traços do que seria o seringal.

.Faz hoje sete janêro


que eu dêxei o Ciará,
e rumei lá prô Amazonar
a terra dos siringá.

N'aquelas mata bravia,


lá, nos centro arritirado,
as arve tem munto leite,
mas nós já tâmo cansado!

O inverno, n'aquele inferno,


é uma grande internação!
No inverno não se trabaia,
que é o tempo da alagação.
(CATULO, 1946, P. 9)

Do mesmo modo que o conto de Judas Ahsverus caracteriza a figura escravista


do seringueiro no poema de Euclides da Cunha, o mesmo se vê na composição de
Catulo da paixão, as figuras do seringueiro descritas em ânsia de sobrevivência, assim,
invisibilizadas e assumindo um papel de escravos. Por isso, entre os textos refletem e
repercute como funcionava o infortúnio entregue aqueles sertanejos.
No trecho em destaque Euclides fala sobre a identificação da criação do seringueiro com
o boneco da procissão que seguirá rio abaixo levando pedras, tiros e gargalhadas.

O judas faz-se como se fez sempre: um par de calças e uma camisa


velha, grosseiramente cozidos, cheios de palhiças e mulambos; braços
horizontais, abertos, e pernas em ângulo, sem juntas, sem relevos, sem
dobras, aprumando-se, espantadamente, empalado, no centro do
terreiro. Por cima uma bola desgraciosa representando a cabeça. É o
manequim vulgar, que surge em toda a parte e satisfaz à maioria das
gentes. Não basta ao seringueiro. Élhe apenas o bloco de onde vai tirar
a estátua, que, é a sua obra prima, a criação espantosa do seu gênio
longamente espalhado de revezes, onde outros talvez distinguam traços
admiráveis de uma ironia subutilíssima, mas que é para ele apenas a
expressão concreta de uma realidade dolorosa. (EUCLIDES, cunha,
Judas-Ahsverus)

Na mesma perspectiva Catulo da paixão diz que os seringueiros além dos fatores
de escravidão trabalhista sofrem com o clima, insetos e doenças relacionadas a
vuneravilidades que se encontram a merce. Os mesmo que saem de suas regiões em
busca de melhores condições de vida, obrigados a gastar muito antes de começar a
receber e assim não custear nem seu retorno.

E' trabaiá... Trabaiá!


E' um hôme se individá!
E' vive n'uma barraca,
n'um miserave casebre e sê ferrado
da febre queda prú lá!

E' trabaiá, trabaiá,


dênde que rompe a minha, •
prá de dia sê chupado
pulo piúm, que é marvado,
e de noite sê sangrado
pulo tá carapanãü

E' um hôme dá todo o sangue


prô mardito do piúm,
e vortá mais disgraçado,
cumo eu — o Chico Mindélo,
duente, feio e amarelo,
cumo a frô do girimúm.

Ansim, lá dos siringá,


no fim de três, de três ano,
sem um vintém ajuntá,
ia vortá prá Manáu,
tãndo fixe na tenção
de Manáu vim prô sertão
do meu quirido Ciará.
(CATULO, 1946, P. 9)
Enquanto Catulo de paixão descreve o eu lírico conseguindo voltar a sua região
o ceará, em que seguindo seu coração nunca mais voltará as dificuldades vividas na
amazônia, utilizando a imagem da missão complexa e infinita do judeus errante,
Euclides da cunha, faz a analogia aos sertanejos prosseguirem em silêncio um longo
trecho do rio, mas ao chegar a novos contornos encontrarem novamente os infortúnios,
gargalhadas e zombarias de seu destino.
Os dois autores, apesar de utilizarem gêneros e abordagem diferentes em suas
facetas para manifestar a história, ilustram de maneira verossímil o sofrimento
vivenciado pelos então sertanejos/ seringueiros da região amazônica, permitindo o
diálogo entre a temática é a reflexão história e cultural de nosso brasil.

REFERÊNCIAS

LAJOLO, Marisa. Palavras de encanta-mento. São Paulo: Moderna, 2001.

POE, Edgar Allan. Primeira resenha de Edgar Allan Poe sobre Twice-told tales,de Nathaniel
Hawthorne. Bestiário, Porto Alegre, ago, 2016, p. 1-16.

Revista: A Noite Ilustrada, Edição especial em homenagem a Catulo da Paixão Cearense


Disponivel em: https://memoria.bn.br/pdf/120588/per120588_1946_EdicaoEspecial.pdf

Literatura comparada / Tânia Franco Carvalhal. - 4.ed. rev. e ampliada. - São Paulo : Ática,
2006

CUNHA, Euclides da. Amazônia: um paraíso perdido. Manaus: Editora VALER, 2003.

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