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Odisseia

de Homero, em quadrinhos

MANUAL DO
PROFESSOR

Tradução por imagens de Tereza Virgínia


Ribeiro Barbosa e Piero Bagnariol
Revisão de Manuela Ribeiro Barbosa
Peirópolis, 2018
índice

I. Contextualização
da obra e do autor
3 Odisseia
4 Resumo
5 Personagens principais e mitológicos
6 Contextualização da obra em seu tempo
6 Sobre Homero
6 Os autores

II. Orientações para as aulas


de Língua Portuguesa
7 Material de apoio pré-leitura
7 Paratextos
8 Recursos de linguagem: tradução por imagens
9 Figuras retóricas
10 A jornada do herói
12 Material de apoio pós-leitura
12 Posfácio da HQ
12 Sugestão de atividades - Língua Portuguesa

III. Orientações gerais para uma


abordagem interdisciplinar
13 Iconografia
15 Produção de HQ
16 Sugestão de atividades - Artes, História e Geografia
17 Sugestão de percursos temáticos interdisciplinares:
Língua Portuguesa, Artes, História, Geografia.

30 Bibliografia

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I. Contextualização do autor e da obra

Odisseia

A Odisseia é um dos primeiros poemas escritos da história de nossa O texto inaugura um gênero literário chamado “nóstos” (poemas de
cultura e uma das principais referências da literatura universal. Nasceu retorno). Os recursos narrativos e as figuras de linguagem empregadas
no entorno do Mar Mediterrâneo. por Homero são usados até hoje no cinema, na literatura, nos discursos
políticos, etc. Os mais interessantes e divertidos, para nós, são:
Este poema narra uma história de superação a partir do tema da
jornada do herói, de suas aventuras e peripécias, termo técnico criado composição em anel ou ring composition: o poeta parte de um ponto e
pelo filósofo Aristóteles, no seu tratado de poesia, a Poética. Para ele, retorna a este mesmo ponto, depois de discorrer um pouquinho em sua
peripécia é “a mudança dos acontecimentos em seu contrário”. narrativa; ele pode usar frases, palavras ou temas idênticos para fechar
em círculo uma micronarrativa;
Assim, a história é sobre Odisseus, também chamado Ulisses, ele cena típica: o desenho de um conjunto de ações que se repetem com
faz seu trajeto empenhado em superar obstáculos de todo tipo para personagens variados;
cumprir sua tarefa. Sua história proporciona diversos níveis de leitura analepse ou flashback: narrativa que volta a um tempo passado;
e interpretação; a mais imediata é aquela que entende seu percurso metamorfose: por ação de algum deus, o herói, ou o próprio deus, se
como metáfora da vida e do caminho para o autoconhecimento e para o transforma em animal ou em alguma pessoa;
conhecimento do diferente (seres humanos, monstros, terras e mundos símile: uma comparação prolongada, estendida.
extraordinários).
Estes recursos permeiam o tecido de obras antigas e modernas.

Estudo de composição em anel Eu sou como a garça triste


para a página 41: a prática Que mora à beira do rio,
remete à percepção circular As orvalhadas da noite
do tempo característica dos Me fazem tremer de frio.
povos da Antiguidade, a qual
Me fazem tremer de frio
se opõe à ideia de um tempo
Como os juncos da lagoa;
histórico e linear, mais ligada
Feliz da araponga errante
ao surgimento da escrita.
Que é livre, que livre voa.
Castro Alves usa esse recurso Que é livre, que livre voa
em uma canção de uma Para as bandas do seu ninho,
escrava no poema intitulado E nas braúnas à tarde
“Tragédia do Lar”: Canta longe do caminho... (etc.)

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Resumo

O livro trata do retorno de Ulisses-Odisseus para seu palácio, em O poema é complexo, um grande quiasma – figura de linguagem
Ítaca, 20 anos após sua partida para a guerra de Troia. Ele será o muito utilizada na Bíblia que joga com um raciocínio que cruza em X
último dos gregos a chegar à pátria depois de ter navegado por mares dois pares, assim: “os que semeiam chorando, colhem cantando” ou
desconhecidos, enfrentado perigos e conquistado amigos. Na sua viagem “enquanto você vem com o fubá eu já tenho o bolo”. O quiasma maior é
ele perdeu tudo que tinha; os amigos feácios, porém, deram-lhe muitos o jogo que se faz entre o real e o fantasioso e pode ser formulado assim:
presentes e o ajudaram a voltar para casa. “os que vão fazer muita fantasia, chegam a muitas realidades”.

Quando Odisseus retorna, precisa enfrentar um derradeiro desafio, Real Fantasioso
pois sua casa foi ocupada por príncipes pretendentes à mão da
rainha Penélope, sua mulher. Eles passam o dia comendo e bebendo,
consumindo as riquezas de Odisseus e de seu filho Telêmaco e cobiçando F R
Penélope. Este é um dos bons motivos para sua volta.
Além do paralelismo entre Odisseu e Telêmaco, seu filho, há o
Mas há um motivo poético mais forte que esse, escondido nas palavras paralelismo cruzado entre Odisseu e Agamêmnon (que volta e é morto
do poeta. Odisseus deve voltar para ‘narrar’ sua própria história e ficar pela mulher) e entre Telêmaco e Orestes (que vinga Agamêmnon). O
famoso. Pela palavra e pela poesia ele vai garantir sua glória. Neste grande suspense é se Penelope vai fazer ou não o que Clitemnestra fez
sentido, o poeta valoriza os aedos, poetas cantadores do mundo antigo com Agamêmnon.
que guardam afinidades com os repentistas nordestinos.

A história, em sua estrutura narrativa, tem o que se costuma chamar de


“tempos mortos”, ou seja, momentos de repouso para o ouvinte ou leitor,
quando o poeta repete, palavra por palavra, uma mesma mensagem ou
história proferida anteriormente. Esses trechos acabam por mostrar a
duração da ausência de Odisseus.

As aventuras podem ser verídicas, dentro da ficção e até dentro de uma


leitura simbólica do real, e podem ser invenção mentirosa de marinheiro,
isto é, uma discussão sobre o que é a essência da arte. Sua viagem,
inclusive a descida aos infernos, pode ser uma introdução ao estudo da
moral.

Estudo para representação


visual do quiasma da página
16 com os caminhos cruzados
que proporcionam o encontro
de Nausicaa com Odisseus.

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Personagens principais

Odisseus é versátil, tem muitos modos de ser, é Aedo cantador e músico, está sempre
um polytropos (poli = muitos + tropos = modo) acompanhado da lira e representa Homero:
um Macunaíma, um tipo MacGyver. Um sujeito como ele, todos os aedos da história são cegos,
virador, bom de papo, mentiroso, feio, inteligente, pois seguem uma inspiração interior. De alguma
prudente, baixinho e cambota, com pernas em forma, ao contar sua história, o próprio Odisseus
arco como as do Garrincha. Além disso ele tem o torna-se um Aedo.
pé no chão, não se vê como um deus. Quando fica Epíteto: Divino.
bonito, é porque Atena interveio. Como marinheiro
é um pouco pirata, mas fracassa, pois perde todos
os companheiros e deixa a mulher 20 anos só e
quase a perde junto com seu reino. Mas Odisseus é tenaz, o único que
não embarca no ópio dos lotófagos, que resiste ao churrasco das vacas
de Hélios. Ele tem um segredo com Penélope: a cama deles é feita sobre
uma árvore e não pode ser mudada de lugar. Isto é significativo: os dois
Personagens Mitológicos
têm uma ligação forte – são espertos, maliciosos e sedutores. Não se
Atena é a grande deusa do poema. É a deusa da
trata de um ‘amor romântico’, mas de uma parceria para a realização do
inteligência estratégica, ela é associada à coruja
projeto de preservar Ítaca.
porque pode até ver no escuro. Só protege
Epíteto: Engenhoso, divino, sofrido... Odisseus, porque ele vale a pena: é como ela,
estrategista, e assim pode honrar o nome dela.
Penélope a rainha de Ítaca e esposa de
Atributos: A coruja – no livro, sempre que a ave
Odisseus é dissimulada como ele, um alter ego
aparece, Atena está presente.
do protagonista. De dia tece e de noite desfaz a
trama da mortalha com a qual enrola todos os Epíteto: Viso-Murucututu – referência a uma
pretendentes. Não há provas de que foi fiel, mas conhecida canção de ninar.
também não há provas de que foi infiel. Penélope
é também uma espécie de poeta do pano, ela, de Poseidon o deus do mar que ficou ofendido por
dia, tece a trama e de noite, destece. É como uma causa da agressão que Ulisses fez contra seu
bordadeira que escreve a história em seu bordado. filho, o ciclope Polifemo, é por isso que ele se
Epíteto: Ajuizada. opõe à volta do marinheiro. Observe: os deuses
são representados com contornos azuis ou
Telêmaco deve se tornar outro Odisseus, deve coloridos para indicar que não estão presos ao
crescer em coragem e força moral. Suas histórias mundo dos homens. Atributos: o tridente
são paralelas. Telêmaco ainda é um meninão, Epíteto: Trevoso-remoinho
precisa se tornar adulto para vingar o pai e matar
os pretendentes. Há alguns teóricos que dizem que Hermes é mensageiro dos deuses, é também o
ambas as histórias (pai e filho) são uma viagem condutor das almas no além, ajuda Odisseus em
do conhecimento sobre o próprio eu. Eles precisam diversas ocasiões.
viajar, sair do lugar para se encontrar. Odisseus Atributos: O caduceu e as sandálias aladas
deve resgatar seus domínios. Telêmaco deve se Epíteto: Vara d’Ouro.
tornar adulto.
Epíteto: Ajuizado.

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Contextualização da obra em seu tempo Os Autores

A guerra de Troia, narrada na Ilíada e imediatamente anterior à Odisseia, Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa é professora titular de Língua
é situada cronologicamente por volta de 1182 a.C., em plena época e Literatura gregas na Universidade Federal de Minas Gerais, onde
Minóica e anterior, portanto, ao ápice da civilização grega do século VI graduou-se em Português/Grego. Ela se dedica a pesquisar a tradição
a.C. antiga e a retomada dos gregos na literatura e no teatro brasileiros,
entre outros temas. Participou da elaboração do Dicionário Grego-
A Odisseia remonta também a um período de formação dos alfabetos e Português e desenvolve trabalhos, também, nas áreas de Teorias da
da escrita, traçando uma ponte ideal entre o fim dos povos nômades da Tradução, Lexicografia, Semântica e Análise do Discurso. Traduziu as
Idade do ferro, pastores e caçadores, e a implementação definitiva da peças Icneutas, de Sófocles, Medeia, Electra e Orestes, de Eurípides.
civilização agrícola com suas cidades, administração e leis (a elaboração
do Pentateuco – os primeiros cinco livros do Antigo Testamento – é Piero Bagnariol nasceu na Itália e veio para o Brasil em 1992.
pouco anterior, remontando aproximadamente a 1200 a.C.). Quadrinista e grafiteiro, é um dos fundadores da revista Graffiti 76%
quadrinhos, que edita desde 1995, e autor do álbum Um dia uma morte,
Junto à epopeia de tradição acádia, o Gilgámesh, a Ilíada e a Odisseia com roteiro de Fabiano Barroso. Com Barroso e outros autores publicou
são os poemas épicos mais antigos conhecidos no Ocidente, eles também o Guia ilustrado de graffiti e quadrinhos. Em parceria com seu
remetem a memórias cantadas de povos muito antigos, no tempo em pai, o médico Giuseppe Bagnariol, abraçou o desafio de transpor A Divina
que existiam os aedos, poetas de corte que se acompanhavam com a Comédia de Dante em quadrinhos para a Editora Peirópolis.
lira. Personificação de todos os aedos, Homero teria sido responsável por
organizar de forma escrita este conjunto de tradições.

Sobre Homero

A autoria da Odisseia – e da Ilíada – é atribuída, tradicionalmente,


a Homero, poeta épico do qual dispomos de poucas informações e
cuja real existência é questionada. Ele teria nascido em Esmirna, na
atual Turquia, localidade próxima ao local onde o arqueólogo Heinrich
Schliemann encontrou, em 1870, algumas ruínas identificadas com a
cidade de Troia. Mas diversas cidades reivindicam ter sido a pátria do
poeta, que, segundo alguns historiadores, teria vivido no século XI a.C.
e, segundo outros, por volta do século VII a.C.

O problema da real autoria do poema ou mesmo da existência histórica


de Homero é conhecido como “Questão Homérica”.

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Material de apoio pré-leitura

II. Orientações para as aulas de Língua Portuguesa

Paratextos

Na orelha do volume, introduzimos, a título de prelúdio, uma paródia


montada com textos de Carlos Drummond de Andrade e Manuel
Bandeira, na qual buscamos indicar a ciranda amorosa a que Odisseus
poderia se submeter, arriscando-se a perder Penélope, caso não fosse
esperto. Os poemas nos serviram igualmente para garantir um certo
erotismo textual inegável no poema grego.

A situação trágica de amantes enredados por suas traições (como as


que perpetraram Clitemnestra, sua irmã Helena e a deusa Afrodite
contra seus maridos Agamêmnon, Menelau e Hefesto), sustentou-se,
mais firmemente, nos poemas “Tragédia Brasileira”, de Bandeira, e
“Quadrilha”, de Drummond que nos serviram de base para a paródia.

Assim, para colocar o leitor mais à vontade com o contexto constituinte


da trama, buscamos compor um texto-resumo da história a título de
propedêutica.

Na capa o aluno se depara com o azul do Mediterrâneo, mar aberto, e


o labirinto circular e movediço dos “caminhos molhados” das aventuras
de Odisseus. Nas beiras das ondas que limitam o entorno do navio, vai
escrito o primeiro verso da Odisseia em português e em grego. O texto
imagético recupera um vaso grego muito famoso: Dioniso e os golfinhos.
No lugar do Dioniso, colocamos Ulisses-Odisseus.

Pousada, no alto da vela, está uma sereia grega (que não tem rabo de
peixe, pois as sereias gregas são uma mistura de mulher e pássaro e
por isso cantam encantadoramente); Odisseus tem consigo uma lira que
associa as suas narrativas fantásticas aos cantos de um aedo. Como
se dá nas “matrioskas russas”, as narrativas do aedo se inserem nas
narrativas de Odisseu que, por sua vez, se inserem nas narrativas de
Homero.

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Recursos de linguagem: tradução por imagens
do artigo: Uma tradução cultural da Odisseia em quadrinhos ou os fios
sutis e tenazes que amarram a modernidade e a antiguidade
por Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa e Piero Bagnariol
https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6048649

Decidimos traduzir culturalmente e em quadrinhos a Odisseia para Seguimos também a sugestão do poeta inglês Wystan Hugh Auden,
recuperar a força imagética do texto antigo. No processo não foi que afirmou haver na poesia elementos traduzíveis e outros tantos
privilegiado o conteúdo narrativo, mas, antes, o estilo e os recursos intraduzíveis: “No rol dos primeiros estariam os símiles e as metáforas,
retóricos típicos da linguagem homérica utilizados no texto grego. porque derivam ‘não de hábitos verbais locais, mas de experiências
Assim, nos dedicamos a associar a linguagem dos quadrinhos, a retórica sensoriais comuns a todos os homens’”, passíveis portanto de apreensão
antiga e a música, especificamente a música brasileira, com o processo imediata.
narrativo alargando possibilidades de leitura do poema épico grego e
traduzindo-o para nossa cultura. O grande Ariano Suassuna, de forma independente e voltado para
seu próprio ofício de romancista, segue o mesmo caminho e postula a
Trabalhamos de modo a desenvolver uma transposição criativa do rebeldia desconstrutora do pensamento hegemônico no sistema literário
grego homérico para o português com os insights audaciosos e úteis traduzido, ao propor a inversão do tempo, defendendo, em “A Pedra do
dos tradutores concretistas. É o que Haroldo de Campos chamou de Reino”, que o brasileiro precedeu o grego. Assim, ele afirma, fazendo
coreografia sintática, conceito este que nos fez perceber claramente o troça, que o tradutor brasileiro Odorico Mendes (autor da tradução que
jogo visual das figuras de linguagem utilizadas em Homero. Suassuna leu e conheceu antes de ler e conhecer a obra em grego) é
o verdadeiro criador da Ilíada e da Odisseia. Ao afirmar que “Homero é
o tradutor de Odorico”, ele faz burla também sobre a famosa questão
homérica.

Ariano Suassuna, pela boca de seu personagem Samuel, afirma que,


quando um Poeta brasileiro ou português traduz uma obra estrangeira, o
original fica sendo o trabalho dele.

Storyboard das primeiras


páginas do livro

~~
Figuras retóricas

Para quadrinizar a Odisseia, selecionamos os trechos e traduzimos Antiguidade, caracterizados por um percurso único obrigatório que se
diretamente do grego algumas passagens. Fizemos isso para identificar afasta e aproxima do centro alternadamente. Operamos distinções entre
na obra as figuras retóricas que faziam ver movimento, cor, textura, o labirinto circular, análogo ao perambular nômade dos povos caçadores
formato, peso, etc. da narrativa. Tínhamos em mente os versos de e coletores e o labirinto quadrado de Cnossos, que remete à divisão
efeito, as fórmulas, as metáforas estruturadoras, as hipérboles, mas geométrica da cidade e dos campos dos povos agricultores. Da mesma
queríamos alcançar uma tradução cultural eficaz. forma, nota-se que, no plano simbólico, o círculo do firmamento é
justaposto ao quadrado, que representa as quatro direções e estações do
Como imagem chave do livro escolhemos o labirinto. A razão dessa mundo material.
escolha foi imposta pela própria Odisseia devido a sua essência
labiríntica do ponto de vista estrutural e narrativo. Ulisses é um homem Protótipo de todos os labirintos, a construção de Dédalo em Creta
que está perdido no mar da vida. O caminho de Odisseus segue o fluir serve para encerrar os instintos encarnados pelo Minotauro, o monstro
das correntes e o capricho dos deuses: decidido ou relutante, como que é metade touro, metade homem, como metáfora de um percurso
nos episódios com Éolo e Calipso, o herói afasta-se da meta assim que interior e, por conseguinte, esta estrutura efetiva expediente narrativo
dela se aproxima. Segue, em suma, o mesmo trajeto dos labirintos da de aproximar os protagonistas Odisseus e Telêmaco do leitor. A busca
do santuário escondido no centro do labirinto, a vitória sobre monstros
de todo tipo que surgem na narrativa devem proporcionar tanto a
purificação e o aperfeiçoamento do herói quanto, por identificação, a
transformação do próprio leitor ao longo da história.

A viagem às margens da civilização é um discurso ficcional sobre o


contexto urbano referencial dos povos agricultores. Servimo-nos dele
para reforçar o substrato histórico e literário que acompanha a Odisseia,
com a passagem da tradição dos aedos para a escrita. Assim, os tempos
e os fios que tecem a Odisseia se entrecruzam.

Na história, os deuses se materializam como jovens que brincam na


praia com seus castelos de areia ou, em metamorfoses, se fazem visíveis
em forma de corujas, polvos, nuvens, águias. Se tais divindades querem
entrar em contato com o mundo dos heróis, elas devem tomar forma
humana e se encaixar no espaço da página, pois o que vale é o homem.
Afinal, Odisseus rejeita a imortalidade oferecida por Calipso para ser
simplesmente o rei da pequena Ítaca.

Acrescentamos, enfim, trechos originais em grego: charadas a serem


resolvidas e que devem provocar uma sensação de estranhamento no
leitor que, como Odisseus, está longe de casa.

Estudo para a primeira página do livro: o percurso


de Odisseu em forma de labirinto marinho.

~~
A jornada do herói: os percursos paralelos
de Odisseu e Telêmaco

Os quatro primeiros cantos da Odisseia, conhecidos como Telemaquia, Neste momento as histórias se juntam: Telêmaco vai ouvir em Esparta
narram a história de Telêmaco, que aparece em paralelo com a de o que ocorreu com seu pai, enquanto Odisseus narra sua própria
Ulisses e de Orestes. Eles seguem a estrutura da jornada do herói com peregrinação aos feácios. Para reforçar o paralelo utilizamos um
as seguintes etapas: expediente visual, com o aedo Demódoco descendo da parte superior da
página (onde está Odisseus) para o rodapé (onde se enontra Telêmaco
- partida para cumprir uma tarefa - pág. 26)
- enfrentamento de provas
- prova final com vitória sobre a morte (metafórica ou literal) Telêmaco escuta e deleita-se com o phármakon (um opioide) ministrado
- retorno por Helena, enquanto Odisseus – geração saúde – se exercita nos jogos
- reconhecimento do herói da corte dos feácios. O contraste é notório: donde se extrai que o jovem
precisa crescer mais, largar suas amarras e tornar-se como o pai. Na
A jornada de Telêmaco em busca do pai desaparecido está começando, corte dos feácios, a fuga das dores e das labutas se alcança através do
ao passo que Odisseus se apronta para o retorno. A iniciação de jogo e da arte (contação de histórias, dança e música).
Telêmaco, a partida de Odisseus de Ogígia e sua chegada a Esquéria,
foram quadrinizadas em forma de narrativa sincrônica, de maneira que Como prelúdio ao relato das viagens de Odisseu, Homero,
uma só página contivesse partes de histórias diferentes. cuidadosamente, modula – pela boca do aedo Demódoco – a traição
de Afrodite, esposa de Hefesto, episódio que privilegiamos com duas
A página foi dividida para narrar a trajetória do pai Odisseus e do filho páginas panorâmicas. A narrativa dos amores de Ares (deus da guerra) e
Telêmaco. A história de Odisseus na parte superior da página, a de Afrodite (deusa do amor) é apenas vista, não narrada com palavras.
Telêmaco embaixo. Este expediente, que reforça o paralelismo das A conjugação das imagens com versos populares das modinhas
duas jornadas, foi possível nos quadrinhos pelo emprego simultâneo da brasileiras cumpriu a função da narrativa linear do trecho simulando a
imagem que foge à linearidade da escrita. rede invisível que o deus ferreiro, marido de Afrodite, teceu para prender
o casal traidor.
Como em toda história, muitos obstáculos deverão ser enfrentados
antes de se alcançar o objetivo. Como quis Homero, deixamos Odisseus Essas histórias permitiram uma transladação cultural criativa. Por isso,
naufragar e ser socorrido por Nausícaa, filha de Areta e Alcínoo, reis dos deixamos a narrativa grega para recuperá-la por meio dos versos das
feácios. Enquanto isso, o filho de Penélope chega a Esparta e desfruta da cançonetas que cumpriram a função dos cordões da rede invisível do
beleza e dos prazeres da casa de Menelau. canto (significante desenhado), armadilha de Hefesto que surpreende os

Telemaquia: acompanhado por Mentor/Atena, Telêmaco começa sua jornada pelo mundo grego em vasos e ânforas característicos dessa civilização.

~ 10 ~
dois amantes num flagrante adultério.

A esta altura, Odisseus e Telêmaco escutam, cada um em seu lugar,


a história do Cavalo de Pau, derradeiro estratagema de Ulisses que
põe fim à guerra de Troia. Ambos se comovem e o rei de Ítaca revela,
finalmente, sua identidade aos feácios, assume a lira e narra suas
aventuras: o ciclope, o rei dos ventos, Circe, a descida ao Hades, o
inferno grego, as sereias e os monstros marinhos.

A narrativa constrói Odisseus como indivíduo e firma seu papel na


sociedade (por isso é importante que cada um saiba narrar a sua própria
história). Telêmaco, por outro lado, é alertado por Menelau sobre os
riscos do retorno: o chefe-mor dos gregos, Agamêmnon, foi morto pela
esposa e pelo amante após seu regresso, isso não deve acontecer com
Odisseus.

Odisseus e Telêmaco voltam e se encontram em Ítaca. Com a ajuda do


filho, Odisseus supera a derradeira prova do arco que abre caminho para
o massacre dos pretendentes. Dentro da estrutura da jornada do herói
ocorre também o tríplice reconhecimento de Odisseus: por parte do cão
fiel, Argo, da ama que reconhece a cicatriz do rei e da própria Penélope,
com a qual ele compartilha o segredo da cama nupcial esculpida na
árvore.

Os pretendentes são dizimados. Em nossa tradução, as almas deles vão


para o reino dos mortos como libélulas, mariposas e morcegos – assim
as concebiam os gregos – que seguem as ordens do caduceu de Hermes.
No chão, ao redor da árvore, um prado de asfódelos. Numênio de
Apameia aponta para a interpretação alegórica da Odisseia (no sentido
de um dos temas centrais para a filosofia neoplatônica e neopitagórica):
a descida da alma (no exílio da terra) para a geração e sua volta em
direção à verdadeira pátria.

Depois de tudo resolvido, uma grande Atena, ex-machina, fecha a


epopeia quadrinizada com uma paródia de trechos do “I-Juca-pirama” de
Gonçalves Dias. A paródia, mais uma vez, veiculou uma tradução cultural
do épico antigo.

Esperamos que tais recursos aproximem, desde a infância, os gregos e


troianos dos baianos, paraibanos, paulistanos e lusitanos, dos mineiros e
de todos nós pelo país afora, os brasileiros.
No rodapé da última página o quiasma, figura de linguagem em forma de
X, explicita o paralelismo invertido entre Odisseus e Agamêmnon e entre
Telêmaco e Orestes (que vinga Agamêmnon).

~ 11 ~
Material de apoio pós-leitura

Posfácio da HQ

Para uma introdução aos recursos de linguagem empregados no livro


sugerimos a leitura do posfácio com os alunos.

Sugestão de atividades - Lingua portuguesa


Filosofia. Phílos = amor + sophía = pensamento, conhecimento. Amor
ao pensamento. A filosofia surge no contexto das cidades gregas a
• Elaboração de histórias individuais ou em grupo utilizando epítetos e partir da observação da natureza, da reflexão e das discussões entre
figuras de linguagem como recurso mnemônico. Paralelos com o rap pensadores e cidadãos em encontros públicos.
e o repente. O emprego de epítetos para descrever positivamente uma
pessoa (Ronaldo Fenômeno, o Rei Pelé, Maria Bonita, “Getúlio, o Pai dos Política. Pólis = a cidade grega + T = consoante de ligação + -ikos =
Pobres”, “Corinthians, o campeão dos campeões” etc) ou para denigrir sufixo formador de adjetivo. A arte de estar na cidade.
e discriminar alguém, o que pode ser um ponto de partida para uma
conversa sobre bullyng. Outros termos:

Anomalia. A = prefixo de privação + nómos = regra, lei + ia.


• Análise de obras de outros contextos culturais que utilizam a jornada Arqueologia. Arkhé = princípio + vogal de ligação ‘o’ + lógos = tratado,
do herói como pano de fundo. Em diversos casos é possível observar palavra, discurso + ia.
referências diretas à Odisseia.
Aristocracia. Áristos = melhor + crátos = poder + ia.
Exemplos na literatura: Ulisses (James Joyce), A Divina Comédia Bíblia. Biblíon/biblía = papiro, livro.
(Dante Alighieri) e Macunaíma (Mário de Andrade), Percy Jackson e os Biologia. Bíos = vida + lógos = tratado, palavra, discurso + ia.
Olimpianos (Rick Riordan) e no cinema de animação: Procurando Nemo Cronológico. Khronos = tempo + lógos = discurso, narrativa + sufixo
(Pixar), Kiriku e a feiticeira (M. Ocelot), A viagem de Chihiro (Hayao ikos. Narrativa conduzida pelo tempo.
Miyazaki).
Economia. Oikós = casa + nómos = regra, lei + ia.
Ecologia. Oikós = casa + lógos = tratado, palavra, discurso + ia.
• Abordagem temática a partir da etimologia grega de termos em Física. Physis = natureza + ikos/a = sufixo formador de adjetivo.
língua brasileira: Geografia. Gê = terra = + vogal de ligação ‘o’ + grafo = escrevo + ia.
Xenofobia. Xénos = estrangeiro + phobos = medo, fobia + ia = sufixo Ginecologia. Gyné/ginaikós = mulher + lógos = tratado, palavra,
formador de substantivo.. Odisseus é estrangeiro na terra dos feácios. discurso + ia.
Como os gregos consideravam o hóspede? Como os estrangeiros se História. H = investigação, informe, notícia.
integraram à população brasileira ao longo do tempo? Qual a relação dos Mania. Mania = loucura.
países com “o outro” num momento de grandes migrações populacionais Matemática. Máthema = ciência, lição + ikos/a.
como hoje?
Música. Mûsa = divindade inspiradora da poesia (palavra cantada) +
Democracia. Dêmos = povo + crátos = poder + ia. Os gregos ikos/a.
implementaram a democracia ao discutir suas questões em assembleias Pedagogia. Paidós = criança + agogé = conduzir + ia.
públicas. Como funciona hoje a democracia e a política num contexto Xerox. Xerós = seco. Fotografia a seco.
diferente do das cidades gregas?

~ 12 ~
III. Atividades interdisciplinares

Iconografia
de: Tradução por imagens de clássicos da literatura, um retorno à iconografia A técnica de reprodução de imagens em cerâmicas guarda diversos
antiga e medieval por Piero Bagnariol in: Pescando Imagens com rede pontos de contato com a narrativa em quadrinhos:
Intertextual por Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa e Andréia Guerini. São Paulo,
Peirópolis, 2012. - como as HQs a cerâmica foi considerada inicialmente uma ‘arte menor’,
destinada principalmente à decoração de objetos de uso doméstico;
Nossa opção iconográfica foi sustentada pela pesquisa dos - as duas linguagens condividem o caráter esquemático das formas, que
remanescentes da arte minoica (séculos XX-XVI a.C): os palácios exploram as qualidades gráficas do traço;
labirínticos, os pequenos jardins e os motivos animais e florais das - ambas compartilham o mecanismo de combinar imagens e textos
pinturas afresco da ilha de Creta. O reino do mítico rei Minos, do labirinto num mesmo contexto (é frequente se ver nas cerâmicas o nome dos
de Dédalo e do Minotauro acaba por volta de 1450 a.C. com a invasão personagens ao lado das figuras e, em alguns casos, a assinatura do
dos dos gregos Aqueus e com a assimilação da civilização da ilha por próprio autor dos desenhos);
parte de Micenas. A escolha teve o propósito de contextualizar a Odisseia - e ainda, ambas procuram registrar em alguns momentos sequências
num período anterior ao ápice da cultura grega e foca na localização de de imagens com cenas narrativas que podem tratar, por exemplo, de
Creta no centro do Mediterrâneo oriental, palco do poema. episódios que se desenvolvem num tempo de guerra ou simplesmente
no ordinário da vida quotidiana.
A principal referência da arte grega foi a pintura em cerâmica, da qual
temos ainda hoje um vasto repertório. Esta produção nos serve tanto Resta dizer que assim como ao quadrinista é reconhecido tardiamente
para entender passagens lacunares nos enredos míticos quanto para em seu status de artista, o pintor de cerâmica como também o poeta,
compreender a literatura tal como ela nos chegou. na Antiguidade, não gozava de uma posição de destaque na estrutura

Jasão e os argonautas: a ilustração reproduz um trecho do vaso François com a chegada dos argonautas na Cólquida (o Cáucaso).

~ 13 ~
social grega e era visto mais como um artesão que, produzindo imagens Nos quadrinhos estas soluções são empregadas em momentos
virtuosas, tentava traduzir o mundo perfeito das ideias sem lograr peculiares: a opção da perspectiva de visão do alto, geralmente no
alcançá-las. O valor da obra estava mais no sujeito retratado (Apolo, começo da história ou de uma cena, serve para mostrar o contexto
Atenas etc.) do que no autor. em que irá se desenvolver a narrativa em toda sua amplitude; os
enquadramentos de baixo para cima, ao contrário, em cenas de ação,
Os conceitos de arte e artista aparecem no Ocidente apenas na servem para conferir dramaticidade e impacto à composição.
Renascença, quando a produção grega torna-se a principal referência
de pintores e escultores que, assim como na época clássica, voltam a Mas os antigos, na poesia e na representação iconográfica, apreciavam
considerar o homem e a razão como medida de todas as coisas. Mas o os contrastes. Na linguagem, eles os fazem pela antítese de palavras
que parece consenso em relação aos gregos é que eles não tinham um isoladas que se manifestam nas antíteses propriamente ditas, nos
conceito de arte como nós a entendemos hoje. oxímoros, nos quiasmas e pelo raciocínio aparentemente contraditório, o
paradoxo. Na tradução em quadrinhos esta oposição pode ser enfatizada
O principal recurso empregado na quadrinização da Odisseia foi a pela disposição e interação das imagens. O caráter do quiasma, por
representação predominante de figuras de perfil, segundo o cânone exemplo, que comporta a disposição cruzada dos elementos, pode ser
egípcio assimilado pelos pintores gregos, no qual o corpo humano é explicitado por um arranjo visual em forma de X.
representado de forma bidimensional, com a cabeça e as pernas de perfil
e o tronco e o olho de frente, como uma pessoa que tenta se achatar ao A composição, assim, guarda afinidade com as epopeias cantadas pelos
máximo contra uma parede. aedos e com uma noção cíclica de passagem do tempo que se manifesta
na técnica da ring-composition, ou composição em anel, que consiste em
Este modelo responde a uma exigência de clareza inerente tanto aos desenvolver uma sequência de elementos e retomar o ponto inicial da
quadrinhos quanto à pintura em cerâmica: a intenção não é representar história.
aquilo que se vê na realidade mas sim deixar claro seu significado.
Nessa base torna-se possível representar cenas complicadas de forma Segundo a tradição e a cerâmica supérstite, a técnica da ‘figura preta’
compreensível. dominou dominou até cerca de 530 a.C., quando os pintores inverteram
esta modalidade e começam a pintar de preto o fundo dos vasos
Nos quadrinhos, a opção de utilizar a representação frontal apenas de deixando as figuras na cor vermelha.
maneira esporádica permitiu promover uma forte empatia no leitor,
que, em determinados momentos, é colocando frente a frente com A cor branca, característica dos vasos fúnebres, foi empregada para o
o personagem. Na cerâmica grega esta solução também tinha um rosto e os braços das figuras femininas, criaturas de medo na cultura
propósito específico: a tentativa de abolir a materialidade do suporte, no grega, tanto as mortais quanto as divinas.
caso a superfície do vaso, com a cumplicidade do observador. Esta busca
pelo realismo, porém, resulta numa perda no que concerne ao grafismo O emprego da cor serviu ainda como suporte para incorporar legendas e
e à clareza das imagens bidimensionais. referências aos desenhos. Para o nome dos deuses, assim, foi utilizado
o mesmo azul índico com o qual foram traçados os contornos das
Por esse motivo fomos parcimoniosos na utilização desse recurso na divindades, entidades que não ressentem dos rígidos limites impostos
nossa tradução de Homero e procuramos uma solução que permitisse pelo contorno preto das demais figuras. Da mesma forma, o vermelho
integrar a combinação de perspectiva com planos mais achatados. A característico das notas à margem dos manuscritos medievais foi
introdução do escorço, recurso que confere volume à cena e representa empregado para indicar os versos e capítulos originais do poema.
a perspectiva no plano bidimensional, resultou no emprego frequente de
enquadramentos pouco convencionais, com linhas do horizonte muito Finalmente, o sol escaldante e azul do Mediterrâneo tingiu
baixas ou muito altas dentro do quadro, o que corresponde a uma visão recorrentemente a tela em toda a narrativa e as auroras marcaram
das cenas a partir do nível do chão ou a uma vista aérea. luminosamente o ritmo dos acontecimentos.

~ 14 ~
Produção de hq
1. Roteiro e pesquisa iconográfica 2. Criação de personagens 3. Storyboard

4. Original em lápis 5. Cor 6. Arte final em nanquim 7. Digitalização e textos: impressão!

~ 15 ~
Sugestão de atividades - Artes Sugestão de atividades - História e Geografia

• Elaboração de breves histórias em quadrinhos – ou tiras – seguindo o • A partir do mapa das viagens de Odisseus (página 56) pode ser
processo descrito: elaborada uma discussão sobre os limites do mundo conhecido na
Antiguidade, as mudanças ocorridas após a colonização das Américas e
- escolha ou elaboração de um texto ou microconto as derradeiras viagens dos exploradores do século XIX que procuraram
- decupagem na forma de roteiro na América do Sul, na África e no Pacífico os últimos territórios
- pesquisa visual inexplorados do mundo. Mais que o interesse pelo desconhecido e o
- criação de personagens exótico, as viagens de Richard Burton, Percy Fawcett e David Livingstone
- storyboard (rascunho da página) visavam a exploração comercial dos recursos naturais dessas regiões,
- lápis a colonização de novas terras e a ampliação da política colonial das
- arte final grandes potências.
- texto.
É possível identificar qual foi o impacto deste processo no Brasil e no
Análise dos recursos empregados: planos, enquadramento, mundo? Quais eram os principais produtos comercializados em diferentes
representação visual de figuras de linguagem, etc. épocas e como se dá hoje a exploração das riquezas em outros países?

• Produção de desenhos utilizando as diversas técnicas da pintura


cerâmica grega:

- Personagens de perfil
- Personagens pretos sobre fundo vermelho
- Personagens vermelhos sobre fundo preto
- Ocra sobre fundo branco.

O que muda no mesmo desenho se empregamos um recurso ou outro?

• Composição: análise do espaço vazio na cerâmica grega. A construção


bidimensional e estilizada do desenho permite composições claras e uma
leitura nítida de forma e contraforma.

• História da arte: análise das principais semelhanças e diferenças


entre a representação do homem na arte clássica, na arte bizantina, na
Renascença e na arte moderna e contemporânea.

Como mudou a representação do ser humano em diferentes épocas e o


que ela revela sobre a percepção que diferentes culturas têm do homem? Página 20: o jogo dos 7 erros.

~ 16 ~
Sugestão de percursos
temáticos interdisciplinares

A seguir, destacamos alguma páginas do livro para sugerir


aprofundamentos e eventuais abordagens interdisciplinares.

Língua Portuguesa

Artes

História e Geografia

Para ulteriores aprofundamentos remetemos a bibliografia no final


deste manual e ao blog do livro: www.odisseiahq.blogspot.com

página 4
Alfabeto grego em forma de labirinto com a
pronúncia das respectivas letras permite a leitura
de trechos do texto na língua original.

~ 17 ~
página 5 O emprego de epítetos,
Mapa da viagem de Odisseu adjetivos que sempre
em forma de labirinto acompanham o nome do
O poema começa com a personagem (o homem versátil,
tradicional invocação à Musa. Atena Murucututu, Circe
Odisseus está no centro e procura Rastafári etc.) é uma técnica
o caminho para Ítaca, ao passo mnemômica de composição oral.
que Telêmaco entrará no labirinto No Brasil, por exemplo, quando
para se tornar decifrador de falamos Maria bonita, estamos,
enigmas: é fazendo o caminho na verdade, falando da mulher
que ele vai se tornar mais forte, do Lampião e não de uma Maria
seguro e autônomo. Como o qualquer que é bonita.
labirinto, a narrativa é uma
charada a ser decifrada, assim
o enigma, no nível da narrativa,
é decifrar o mundo lendo-o (P.
Freire).

Os deuses são representados


como forças controladoras do
mundo (isto é, a violência, a
inteligência, a lucidez, o amor,
a morte...) pois ler o mundo Referência a pintura em
é entender as forças que o cerâmica grega: Dioniso
governam. e os golfinhos da copa
exequias (540 a.C.).

No começo da história Odisseus


se encontra na ilha Ogígia.
Ao chegar à terra dos feácios, irá
narrar suas aventuras anteriores
em flashback.

Anotações em letras vermelhas


remetem aos versos no texto
original.

Anotações em letras azuis


apresentam o nome dos deuses e
trechos do texto original grego e
sua tradução.

~ 18 ~
página 6 e 7 Os deuses são como
O homem é um crianças que brincam
animal político em seu castelo de
(Aristóteles) ou areia, o Olimpo.
nenhum homem é Zeus, com o raio
uma ilha. Prisoneiro na mão e Atena,
na gruta de com as sandálias
Calípso, Odisseus douradas. O coração
está cansado da da deusa em chamas
vida selvagem e materializa uma
quer voltar para a metonímia: a parte
sociedade. pelo todo.

As 4 estações são
uma metáfora da Hermes, com elmo,
passagem do tempo. caduceu e sandálias
aladas. Hera, de
alvos braços e
Hefesto, o deus
ferreiro coxo.

Atena é a coruja,
a coruja dourada é
Atena.

As imagens são inspiradas nos afrescos


minoicos do palácio de Cnossos em
Creta. Os personagens são representados
de perfil, com o olho frontal, e as mulheres
são pintadas de branco, de acordo com a
tradição pictórica dos vasos gregos.

~ 19 ~
páginas 8 e 9
Ítaca como um
labirinto quadrado,
remete a forma
dos campos e das Símile da aurora,
primeiras cidades, rododáktilos = de
com os pretendentes dedos cor de rosa.
à espreita de
Penélope.

Começa o caminho
paralelo de
Odisseus e Telêmaco,
confinado ao pé da
página nos vasos e
ânforas gregas.

Atena-coruja, deusa da
inteligência estratégica,
metamorfoseia-se em
Mentor, arquétipo da
‘inteligência-guia’ que dirige
as ações do homem. Como
um professor, irá conduzir
Telêmaco e o estudante no
labirinto das ideias.

~ 20 ~
páginas 10 e 11
Alegoria (metáfora
com várias metáforas
em volta) da ninfa
Calipso como gruta,
Referência à Venus
ente da natureza
de Willendorf,
com a qual podemos
estatueta de 28.000
nos relacionar
a.C. emblema do
emotivamente,
culto paleolítico à
metáfora do útero e
Deusa Mãe que está
do nascimento.
no Museu de História
Natural de Viena.
Calipso-Polvo não
quer que Odisseus
saia da natureza para
se tornar homem
civilizado.

No canto superior Penélope, ao tecer e


direito, metamorfose desfazer a mortalha,
de Hermes como estica e arrasta o fio
corvo, mensageiro da narrativa. Seja
de desgraças para histórica, pessoal,
Calipso. poética ou de poder,
a narrativa pode ser
manipulada como nas
fake news.

~ 21 ~
página 16 página 19
Quiasma: Nausicaa Metamorfose de
(pequena nau), Odisseus. Ao chegar
filha d Alcínoo, é na terra do feácios,
aconselhada em mundo de ficção e
sonho por Atena: vai poesia, de arte e de
ao rio, lava a roupa, jogo, que fica acima
brinca de bola.... do mundo cotidiano,
alí está o marujo começa um processo
sobrevivente de de resiliência:
um naufrágio, que Odisseus não resiste,
também sonha. A mas se adapta para
Deusa sabe que a superar os desafios.
bola, ao caír na água,
irá juntar os dois.

Referência à Iliada
com a morte de
Heitor e Aquiles,
representados na
cor branca, atributo
dos mortos sobre o
característico fundo
vermelho.

~ 22 ~
páginas 26 e 27
O aedo Demódoco, Referência à porta
ao descer por sua dos leões em
lira dourada, deixa a Micenas, terra
cantoria dos feácios natal dos irmãos
e entra na história Agamêmnon e
de Telêmaco, na Menelau.
tira inferior, para
assumir a história
do moço focalizando
sua passagem em
Esparta (canto 4).

Palavras voadoras
(estão na boca de
todos): frases feitas,
recurso mnemônico
que liga o poeta às
narrativas dos poetas
do passado. Memória
cultural e construção
da identidade
nacional através da
poesia.

Telêmaco e Odisseus choram ao


ouvir sua própria e triste história.
O elo que os une foi proposto por
Homero: ambos, pai e filho, neste
trecho irão escutar a história do
cavalo de pau.

~ 23 ~
página 30 e 31
Os amores de Ares e
Afrodite
Traição e lealdade:
a conjugação de
imagens tecidas
com os versos das
modinhas populares
brasileiras simula a
rede invisível que o
deus ferreiro, marido
de Afrodite, teceu
para prender o casal
traidor.

O conteúdo dos versos


(significado desenhado
por letras) vai do
lamentoso que relata
abandonos amorosos e
paixões incontroláveis
aos divertimentos
pueris.

As modinhas, polcas e lundus escolhidos são de Chiquinha Gonzaga, “Atraente”; de Joaquim Manoel da Câmara, “Se me
desses um suspiro”; Ernesto Júlio Nazareth, “Bambino”; José Francisco Leal, “Esta noite”; Carlos Gomes e Francisco Leite
de Bittencourt, “Quem sabe?”; José Januario Arvellos, “Vivandeira”; Gabriel Fernandes da Trindade, “Batendo a Linda
Plumagem”.

~ 24 ~
página 32 e 33
Odisseus dos muitos
disfarces, resiliente,
não queria falar
o seu nome, por
fim assume uma
identidade. Ao
contar sua própria
história, realidade
e mentira, ele
assume um lugar na
sociedade.

O relato de Odisseus começa com


os Lotófagos, os comedores
do loto, e simboliza a falta de
memória e perda de identidade.

~ 25 ~
página 36 página 51
Hipérbole, exagero As Sereias
do desenho para representam
visualizar o medo o discurso
dos tripulantes. vazio, continuo
Odisseus enfrenta e encantador.
um problema Odisseus vence pela
maior do que ele continência: a lei que
com inteligência determina o limite,
estratégiica. em oposição à hýbris,
a falta de limite,
Interpretamos o problema social e
ciclope (cíclos = econômico.
círculo e opis = olho,
um olho circular)
Polifemo (poly =
muito + phéme = Na Grécia as sereias
fama) como uma eram pássaros com
metáfora do vulcão cabeça de mulher. A
Etna, na Sicília, onde imagem remete ao
se passa o episódio. vaso Siren (480 a.C.)

~ 26 ~
página 56
Mapa das viagens
de Odisseus e
Telêmaco, que
alcança os limites
do mundo então
conhecido. Paralelo
com os exploradores
do século XIX que,
na América do
Sul, na África e no
Pacífico, procuraram
o Eldorado, as
fontes do Nilo e os
últimos territórios
inexplorados do
mundo, em busca de
recursos comerciais.
página 59
As histórias se
encontram. Numa
nova metamorfose de
Odisseus, Telêmaco
vê o pai como
um ser perfeito,
exemplficado pelo
homem Vitruviano
de Leonardo da Vinci.

~ 27 ~
página 68 página 71
Analepse Na pintura
(flashback) de cerâmica grega a
Euricléia. A velha representação
ama reconhece frontal era associada
Odisseus pela a morte. Antes de
cicatriz, sinal da ir para a guerra os
trajetória de vida. hoplitas, cidadãos
No conto maravilhoso guerreiros, faziam
este sinal representa suas libações numa
a superação de uma taça achatada. Ao
prova por parte do acabar o vinho,
herói. deparavam-se com
o olhar frontal e
petrificante da
Medusa que remetia
a iminência da
morte. Escolhemos
esta representação
frontal dos olhos de
um vaso do museu
de arte de Cleveland
para caracterizar
o massacre dos
pretendentes.

~ 28 ~
páginas 76 e 77
A árvore. Nossa
tradução reuniu
a árvore onde foi
esculpida a cama
nupcial de Odisseus e
Penélope e a árvore
sagrada do Anel de
Nestor. Página dupla:
o lado dos vivos
mais colorido, cor
de terra e cobalto e
o lado dos mortos
esmaecido.
Guiadas por
Hermes, as almas
que abandonam
os corpos voam
para o reino dos
mortos como
libélulas, mariposas
e morcegos. A
estratégia teve
como fundamento
principal um artigo
de Víctor Monserrat
sobre a presença dos
artrópodes (cigarras,
mariposas, abelhas
etc.) na numismática
greco-romana antiga.

~ 29 ~
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~ 30 ~

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