A questão como devemos viver? sempre permeou a mente do ser humano. A vida humana é social por que é um processo contínuo e coletivo de descobrir como viver. A antropologia então é o estudo que assume para si a responsabilidade de aprender com a maior variedade de abordagens possível, buscando-se apoiar na questão de como viver, na sabedoria e na experiência de todos os habitantes do mundo. A antropologia será sempre uma disciplina em aberto, pois ela não pode se constituir de um modo mais definitivo do que a vida social que ela se ocupa. Portanto, a história da antropologia não pode ser narrada do início ao fim. O problema de como viver também pertence ao campo da filosofia, afinal, trata-se de questão que toca no alicerce da existência humana. Contudo, os filósofos tendem a pensar acerca do interior ao invés de se envolverem diretamente com as realidades desordenadas da vida cotidiana. Os antropólogos, ao contrário, praticam sua filosofia no mundo. Estudam com os povos entre os quais eles elegem para trabalhar, por meio do envolvimento profundo da observação, do diálogo e da prática participativa. Na minha definição, antropologia é a filosofia com pessoas dentro. Esse tipo de filosofia é extremamente necessário para o momento em que vivemos, onde mais de 7 bilhões de pessoas povoam o planeta. A globalização de produtos e serviços, o cultivo de grãos em áreas de floresta, a cadeia produtiva do petróleo, e a contaminação de solos e oceanos por plásticos imperecíveis, que enriqueceu a poucos e deixou milhões na pobreza, causou uma destruição ambiental global sem precedentes. Não sem razão, alguns declararam o início de uma nova era na história terrestre: o Atropoceno, uma vez que esses impactos humanos, irreversíveis que são, provavelmente sobreviverão ao mandato de nossa espécie neste planeta. Como Karl Marx observou, os seres humanos são autores da sua própria história, mas sob circunstâncias que não são da sua escolha. Não podemos escolher viver em outro momento. As condições atuais foram moldadas pelas ações das gerações passadas e que não podem ser desfeitas, assim como as nossas próprias ações, por sua vez, conformarão irremediavelmente as condições do futuro. Como, então, devemos viver agora para que haja vida para as gerações futuras? Temos muito a aprender se nos permitirmos ser ensinados por outros com experiências a partilhar. Todo estudo demanda observação, contudo, na antropologia, a observação se dá não pela objetificação dos outros, mas, prestando atenção a eles, vendo o que fazem e escutando-os. Estuda-se sobre as pessoas ao invés de fazer estudos sobre elas. Esse modo de trabalho se chama “observação participante”, um dos fundamentos dessa disciplina. A observação participante demanda tempo, pois o trabalho de campo é diferente do trabalho em um laboratório. No campo, é preciso aguardar que as coisas aconteçam, é um exercício fundado na generosidade, em receber de bom grado o que é oferecido. No laboratório, por outro lado, é um lugar engenhosamente montado com equipamentos e instrumentos por meio dos quais as coisas são levadas a revelar seus segredos, conhecidos pela ciência como “Dados”. Deve-se considerar, então, a observação participante como um método de para coletar dados quantitativos ao invés de qualitativos, como em um laboratório? No momento em que transformamos a qualidade em um dado, o fenômeno é isolado, separado da matriz de sua formação. A palavra que os antropólogos usam para descrever as pessoas é etnografia. A observação participante é um método para se chegar à etnografia? Muitos dizem que sim, porém o autor discorda. A observação participante é uma forma de estudar com as pessoas, não se trata de descrever outras vidas, mas de unir-se a elas na tarefa comum de encontrar uma forma de viver. Assim, para o antropólogo, a observação participante não é um método para coleta de dados, é um compromisso de aprender fazendo, semelhante ao do aprendiz. Em resumo, o objetivo primordial da antropologia não é etnográfico, mas educativo. A importância da antropologia reside no seu potencial de educar e de, através dessa educação, transformar vidas. Mas esse potencial apenas se concretizará se estivermos dispostos a aprender com eles. E não aprendemos nada se não os levarmos a sério. Levar as pessoas a sério é a regra número um da antropologia que o autor faz. Isso não significa apenas atentar ao que dizem e ao que fazem. Devemos encarar os desafios que colocam às nossas concepções como as coisas são, o tipo de mundo que vivemos e como nos relacionamos com ele. A história vergonhosa da antropologia oferece muitos exemplos de estratégias para evitar o conhecimento desses povos, como a pretensão de que são irracionais ou incapazes de pensamento lógico, de que eles são reféns de sua superstição ancestral, de que seu pensamento é característico de estágios anteriores ao desenvolvimento humano, da inocência infantil à maturidade, de que eles operam com base em informações falsas ou equivocadas, de que eles são incapazes de distinguir fato de imaginação ou de estabelecer limite entre o literal e o metafórico. Assumir uma dessas posições é negar que as palavras e as ações dos outro, especialmente quando contrariam nosso entendimento, tenham qualquer relação com a realidade. Isso também é uma estratégia para nos protegermos, para nos convencermos de que, indenpendemente do que esses povos dizem ou fazem, a realidade como a conhecemos permanece intacta. Declaramos que o mundo percebido e encenado pelos povos, e que para eles é totalmente real, é, na verdade, uma construção feita de conceitos, crenças e valores que compõem o que comumente é chamado de sua cultura. As questões em jogo vão além daquelas a respeito de como podemos conhecer o mundo. Fundamentalmente, elas são questões sobre como pode haver um mundo a ser conhecido. Não há uma verdade objetiva. Não podemos nunca falar sobre com certeza sobre o mundo, como se a o conhecêssemos, não porque nossas hipóteses sobre ele possa acabar sendo falsas, mas porque a estrutura e a composição do mundo nunca estão acabadas. Ao contrario, o mundo se constitui continuamente e por isso é uma fonte inesgotável de fascinação e assombro. Ao explorar a nossa percepção das correntes de formação do mundo, podemos testemunhar a vivacidade das cosias, incluindo as pedras e muito mais. Mas isso implica em conceber a vida de uma forma diferente do que a imaginada pela ciência. Trata-se de conceber a vida como a potência dos fluxos da matéra e das correntes de energia que atravessam o mundo trazendo forma à existência e mantendo- as no mesmo lugar no espaço e tempo. Assim, não é que a vida esteja nas pedras, mas as pedras estão na vida. Na antropologia, esse entendimento da existência e da transformação das coisas é conhecida por animismo. Antes desprezado como a mais primitiva das religiões, baseado na crença equivocada da espirirualidade dos objetos, o animismo é agora considerado uma poética da vida que supera inclusive a ciência em sua compreensão da plenitude da existência. É isso que implica levar os outros a sério. Não podemos nos dar ao luxo de sermos tão complacentes hoje em dia, pois, como nunca, tornou-se evidente que as certezas existenciais sobre as quais a era moderna foi fundada levaram o mundo ao limite. Precisamos forjar abordagens alternativas ao problema de como viver, que possam sanar a ruptura entre os modos de conhecer o mundo e os de habitá-lo, entre a ciência e a natureza. Não se trata de catalogar a diversidade de modos de vida humanos, mas de unir-se no diálogo, onde todos aqueles que participarem estão prestes a serem transformados. Em suma, o propósito da antropologia é estabelecer um diálogo da vida humana mesma. Esse diálogo não é sobre o mundo, ele é o mundo.