Você está na página 1de 3

A terapia de crise segundo Alfredo

Moffatt: uma proposta


fenomenológico-existencial
Introdução

Alfredo Moffatt tem seu nome associado aos movimentos populares,


principalmente da luta antimanicomial e da antipsiquiatria, velam suas bases teóricas e
epistemológicas. Tendo suas propostas teóricas os pressupostos filosóficos de forma
tácita, mas com o objetivo atendimento clínico.
Para os dispositivos do plantão psicológico como forma de acolhimento das
emergências e crises pontuais, pode-se destacar os modelos de inspiração humanista
(Mahfoud, 2013), fenomenológico-existencial (Morato, H., Barreto, C., & Nunes, 2012).
Tendo sido utilizado no Brasil desde a década de 80, com aplicações em instituições
como escolas, hospitais, delegacias, entre outros, seguindo o método clínico
tradicional de fala e escuta.
O modelo de Moffatt visa o atendimento de transtornos graves executando-o na
própria comunidade dos pacientes atendidos. Em sua teoria o modo como os grupos
humanos já se organiza para se psicoterapeutizar, ressalta que precisariam ser
resgatados aspectos sadios de uma cultura nos trabalhos comunitários.

1. A temporalidade como fundamento

A teoria de Moffatt difere da psicanálise freudiana ao substituir a centralidade da


pulsão sexual pela temporalidade. Em sua terapia moffattiana, a morte é o tema mais
reprimido e central para a constituição da existência humana em particular, o principal
seria os temas de como viver, para que viver, qual será o futuro, divergindo da ideia de
adequação ou não de impulsos sexuais às imposições sociais.
Para Sartre, o ser humano é um ser-para-si, ou seja, o ser humano não tem
identidade consigo mesmo, seu ser necessita de um projeto de ser para algo. Da
mesma forma, o tempo não pode ser entendido como um ser- em-si, ou seja, que
exista independente do homem, sendo assim, as afirmações sobre o tempo têm como
ponto de partida o ser do homem que se projeta, ora no presente (como a presença a
si mesmo), ora no passado (como poderia seu ser-sido), ora no futuro.
As ideias de Moffatt são consoantes as ideias de Sartre em relação ao tempo,
sendo que para Moffatt o tempo é constituído pelo homem com base na percepção do
antes e do depois, o que existe em si é o movimento do espaço, mas sua sucessão só
pode ser constituída por um eu que se projeta imaginariamente sobre a realidade.
Portanto, o tempo seria uma atitude humana em relação ao mundo como base de uma
percepção real. Entende-se o real como o espaço das relações sociais, sejam
privadas e públicas. Moffatt também afirma que a identidade é uma resposta do outro.
Na teoria de Moffat existe o Yo Soy (presente), Yo Fui (passado), Yo seré (futuro),
estes compõem a base teórica para o modelo de atendimento às crises psíquicas. Se
a pessoa predomina sua existência no passado isso pode conduzir a estados
melancólicos por um excesso de Yo Fui, da mesma forma o deslocamento excessivo
do Yo Soy para o Yo Seré pode conduzir aos estados ansiosos e paranoicos, já que o
Yo Soy se antecipa no que ainda não é. Sendo para ambas situações o tempo como
imaginário.
Assumindo que o tempo é constituído pelo Yo Soy, ele possui uma assimilação de
recordações e a projeção de expectativas no futuro. Quando essas expectativas não
se cumprem, inicia-se a crise que ameaça a existência de Yo Soy. Portanto,
sugerindo que a patologia básica da qual derivam todas as outras, é a dissolução do
Yo Soy.
De acordo com Moffatt existem três formas de sair do circuito do tempo: o surto
psicótico, o uso de algumas substâncias psicodélicas como o LSD e a meditação zen
budista.
A empatia, seria o deslocamento do Yo Soy para o modo de ser do outro, podendo
ser utilizado no atendimento que procura resgatar o paciente do fora do circuito do
tempo para a reconstituição de sua vida com os outros no mundo empírico.

2. Modelo de atendimento à crise psíquica

Na teorias de Moffatt são estabelecidos três momentos do atendimento ao


paciente em crise psíquica:

 Contención
 Regresión
 Explicación
 Cambio
O primeiro sendo a atitude do terapeuta no sentido de empatia, permitindo assim
que o paciente recupere a ressonância de que existe no mundo compartilhado com os
outros. No segundo momento, o paciente já pode se abrir e recordar da experiencia
traumática, até que ela se torne uma realidade no tempo-espaço compartilhado e para
si-mesmo como ser-no mundo. O terceiro momento é caracterizado pelo trabalho mais
ativo do terapeuta com o paciente, focando em interpretar e dar um sentido existencial
ao ocorrido. A última etapa é a reconstrução do projeto existencial do paciente na sua
realidade cultural, etapa do Cambio.
O atendimento ocorre desde o momento de acolhimento, que propicia uma
catarse, verbalização e o retorno à cena traumática; a compreensão da situação,
através do sentido existencial que essa tem para o existente e, por fim, uma ação
concreta no mundo.
Para Moffatt a terapia deve produzir mudanças sobretudo na realidade no entorno
do paciente, não apenas na captação de seu sentido, sugerindo a necessidade de
uma terapia familiar, para testar o paciente frente a seus projetos e mudanças. Moffat
também adverte que muitas vezes a terapia apenas chega na fase de explicación, não
avançando até a fase do cambio.
Considerações finais

 As propostas de Alfredo Moffatt para a terapia de crise são bem vindas ao


contexto brasileiro;
 A obra do autor se atenta para as especificidades culturais do contexto latino-
americano que tem como marca a profunda desigualdade social e o massacre
cultural;
 Propõe recuperar a parte sana das comunidades através do trabalho
comunitário;
 Faz parte também do trabalho terapêutico o trabalho em comunidades,
possibilitando que recordem seu passado, reconstruam o sentido de seu existir
e prospectem um futuro
 A questão social e cultural é uma questão de atendimento psicoterápico, uma
vez que a práxis clínica ocorre apensas no circuito sociocultural no qual está
inserida.

Você também pode gostar