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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

SUBJETIVIDADE E PÓS-MODERNIDADE

ÍTALO MAZONI DOS SANTOS GONÇALVES

Trabalho Apresentado à
professora Geovana Borrione
na disciplina Seminários I, do
curso de Psicologia.

SALVADOR – BAHIA
DEZEMBRO DE 2007
SUBJETIVIDADE E PÓS-MODERNIDADE

Vivemos no presente um mundo veloz, onde a estabilidade é um desejo como


outro qualquer: realizado com o talão de cheques e substituído na próxima liquidação.
Nascemos sob os efeitos da globalização, somos interconectados, vivemos aqui, mas
virtualmente próximos de qualquer lugar ou pessoa no globo terrestre. Não há valores
permanentes e toda identidade é fragmentada. O poder é exercido sem fronteiras pelas
organizações, e nada é realmente previsível. Diante de tantas diferenças entre os dias de
hoje e o período histórico denominado de Modernidade, não se pode crer que as
subjetividades engendradas antes das Grandes Guerras permaneçam as mesmas até o
agora. Deste modo é sob esse cenário que este texto pretende traçar uma reflexão acerca
das relações existentes entre o homem e seu tempo, neste caso entre os sujeitos e a
contemporaneidade.

A subjetividade

O construto subjetividade não é nada consensual, assim como todo construto


teórico. A circunscrição de seu significado é interdisciplinar e varia de acordo com o
referencial adotado (Oliveira, 2006). Na esfera das ciências humanas uma concepção
possível de subjetividade vincula seu significado à constituição do sujeito a partir de
suas relações sócio-históricas e culturais, e que de uma forma ou de outra circunscrevem
zonas de determinação no espaço de experiência do sujeito e em suas dimensões de
interação.
A subjetividade assim considerada pressupõe o sujeito como “portador” de um
conteúdo subjetivo (não adotando aqui uma dicotomia entre sujeito e objeto) que pode
variar de acordo com os tipos de relações e trajetórias vividas em um espaço de
experiência próprio da existência limitada deste sujeito. Não há então subjetividade que
não seja relacional, que não esteja permeada por todas as dimensões dadas e vividas
durante a existência do sujeito. Assim, em épocas diferentes a subjetividade individual
emerge e é vivida dialeticamente de formas distintas (Rey, 2003). As dimensões
históricas, culturais e locais experimentadas pelo homem nascido na idade média
certamente diferem daquelas existentes para um homem nascido em qualquer outra
época delimitada.
A questão que se pretende aqui refletir indaga sobre as singularidades da
subjetividade que se configura em nossos dias. Ou seja, de que modo emerge em nossa
época a relação entre o que é singular ao sujeito – sua dimensão afetiva, seus sentidos
subjetivos – e o que é socialmente compartilhado – significados, símbolos, mitos e
cultura, etc.?

A pós-modernidade

O período histórico que se tem denominado como pós-modernidade tem suas


características iniciais situadas no pós-Segunda Guerra, onde inúmeras transformações
nos campos da política, economia e ciência desencadearam uma crise de valores sociais
e culturais: “o desencanto que se instala na cultura é acompanhado da crise de conceitos
fundamentais ao pensamento moderno, tais como ‘Verdade’, ‘Razão’, ‘Legitimidade’,
‘Universalidade’, ‘Sujeito’, ‘Progresso’, etc.” (CHEVITARESE, 2001 apud Oliveira,
2006, p. 16). Este conjunto de transformações que compreende a contemporaneidade
tem sido estudado desde os anos 60, quando surgem as teorias pós-modernas nos
campos da arte, da literatura e mais tarde no meio acadêmico com o livro A condição
pós-moderna (1979), de Jean-François Lyotard (LEITÃO; NICOLACI-DA-COSTA,
2003).
Há dois eixos de ênfase interpretativa a respeito destas transformações, por um
lado a discussão se dá a respeito das condições contemporâneas de produção de
conhecimento e por outro se envereda pelas condições de produção da ordem
capitalista contemporânea. De modo geral o debate da pós-modernidade em torno do
primeiro eixo entende as transformações deste período como decorrentes da utilização
maciça das tecnologias da informática e do acesso cada vez mais amplo e rápido ao
crescente contingente de informações disponíveis. Segundo Vattimo (1998a , 1998b
apud LEITÃO; NICOLACI-DA-COSTA, 2003) as tecnologias da informação estão na
base do rompimento com o modo moderno de produção de conhecimento. Já na outra
perspectiva a pós-modernidade decorre de um modelo de capitalismo tardio ou
neoliberal onde o modo de produção está organizado em torno do consumo de bens
materiais, de informação e de cultura. Para Bauman:

“todas as sociedades sempre consumiram, mas aquilo que


caracteriza a sociedade contemporânea como sociedade de
consumo é a ênfase dada a esse consumo. Os membros da
sociedade moderna definiam suas redes de sociabilidade em
torno da capacidade de produção. Já na Pós-modernidade, a
organização social se dá mais pela capacidade e pelo desejo de
consumir do que pelo que cada um de seus membros produz.”
(1997, 1998 apud LEITÃO; NICOLACI-DA-COSTA, 2003):

Considerando que a primeira perspectiva pode facilmente ser incorporada pela


segunda, na media em que se pode argumentar com Jamenson (1991) que a tecnologia é
conseqüência da expansão e da organização social em torno do consumo, adotamos
como referencial para delinear algumas características da pós-modernidade, a
perspectiva que entende este conjunto de transformações como intimamente ligado ao
desenrolar histórico do capitalismo.
Assim, são características pós-modernas: a globalização, as comunicações
eletrônicas, a mobilidade, a flexibilidade, a fluidez, a relativização, os pequenos relatos,
a fragmentação, as rupturas de fronteiras e barreiras, as fusões, o curto prazo, o
imediatismo, a descentralização e extraterritorialidade do poder, a imprevisibilidade e o
consumo. Eagleton (1996) resume alguns dos atributos distintivos do período moderno
e pós-moderno:

“Pós-modernidade é uma linha de pensamento que


questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e
objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os
sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos
definitivos de explicação. (...) vê o mundo como contingente,
gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas
ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de
ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das
normas, em relação às idiossincrasias e à coerência de
identidades” (Eagleton, 1996 Apud NICOLACI-DA-COSTA,
2004)

Na era moderna o capitalismo conheceu sua forma baseada na produção e nas


teorias econômicas liberais. A revolução industrial e técno-cientifica trouxe em seu bojo
um mundo de estabilidade, visto a através de discursos científicos unificados e
universalizados. Além disso, para garantir a sustentabilidade das necessidades
produtivas do capital industrial surgem técnicas denominadas por Foucault (1997) de
disciplinares, originadas a partir do séc. XVIII. Tais técnicas garantiam por um intricado
sistema de docilização dos corpos, baseado na disciplina e na normalização de
comportamentos, a força de trabalho necessária para manter a produtividade. Com o
advento do capitalismo neoliberal, e a mudança de foco da produção para o consumo,
surgem novas formas de exercício do poder capital, agora baseadas na vigilância
permanente (Foucault, 1997). A mudança nas formas de poder relaciona-se à mutação
do capitalismo, que deixa de ser de produção e concentração e passa a vender serviços e
ações.
Deste modo, a primazia do econômico sobre o social operou sucessivas
mudanças “primeiro do ‘ser’ para o ‘ter’, em seguida do ‘ter’ para o ‘parecer-ter’”
(DUPAS, 2001 apud Oliveira, 2006, p.32). Com a expansão e o poder dos meios de
comunicação, cria-se o fenômeno de industrialização da subjetividade produzida de
forma social “de cima para baixo, para os supostos indivíduos, que consomem os
produtos e as técnicas de subjetivação como qualquer outro produto” (BENEDIKT,
2003, p. 107, apud Oliveira 2006, p. 52). O poder associado à produção capitalista está
presente a todo o momento na pós-modernidade, o que torna a contemporaneidade um
lugar onde desponta uma liberdade controlada, que ao mesmo tempo em que
proporciona infinitas possibilidades para a trama social, canaliza esses fluxos a favor do
consumo, criando uma subjetividade permeada pela ordem capitalista.

A subjetividade na pós-modernidade

Diante das necessidades capitalistas neoliberais foi preciso forjar um novo


homem, um ser humano que atendesse as necessidades desde modo de organização
social, cultural e econômico. Assim como na era moderna havia determinadas relações
entre sujeito e dimensões sociais capazes de engendrar uma subjetividade peculiar
àquele tempo, na pós-modernidade por meio de modos de subjetivação característicos
ergue-se o indivíduo, ou melhor, um ser humano perpassado por uma subjetividade
individualizada (Mancebo, 2002).
A categoria indivíduo é a representação básica da subjetividade pós-moderna.
Ela se caracteriza por uma exacerbação da “liberdade” individual, que desconsidera as
condições concretas disponíveis para o seu exercício e é o “valor pelo qual todos os
outros valores vieram a ser avaliados e a referência pela qual a sabedoria a cerca de
todas as normas e resoluções supra-individuais devem ser medidas” (Bauman, 1998, p.
9). Se na modernidade a humanidade abria mão de certo grau de liberdade em troca de
uma segurança relativa, no pós-moderno ela prefere a liberdade em detrimento a
qualquer estabilidade.
A subjetividade individualizada implica em profundas transformações na forma
de relação entre os sujeitos. Os princípios comunitários, por exemplo, atravessam uma
profunda crise, pois se ao longo da modernidade as práticas coletivas e classistas
ganharam fôlego, diante do estímulo neoliberal de competição elas se afogam. Outra
característica é a crescente valorização da interioridade e a busca de felicidade
individual, em detrimento ao bem coletivo e ao outro (Mancebo, 2002).
Diante destas características gerais trazemos como exemplo as relações de
parentesco que se estabelecem entre os sujeitos pós-modernos. Os valores da
modernidade em contraposição aos medievais trouxeram à tona um novo modelo de
organização familiar que costuma ser chamado de família burguesa ou família nuclear -
restrito ao núcleo pai-mãe-filho(s):

Nesta família, mãe e pai têm funções bem definidas: a ela


caberia o cuidado com a casa, o marido e os filhos; a ele, o
sustento da família através do trabalho remunerado. Os papéis
públicos seriam associados aos homens, enquanto os papéis
privados estariam associados a mulheres e crianças, ao mundo
do trabalho doméstico e à satisfação das necessidades afetivas da
família (VAITSMAN, 1994, p. 16b apud Oliveira, 2006, p. 57).

Na modernidade, a família organizava-se de forma patriarcal, hierarquizada e


transpessoal. Predominava a regra do “até que a morte nos separe”, admitindo-se o
sacrifício da felicidade pessoal em nome da manutenção do vínculo de casamento, a
família era vista também como unidade de produção, vigorando os laços patrimoniais.
A sociedade moderna traz um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário,
passando o afeto para o lugar de mola propulsora. Deixando a família de ser
compreendida como núcleo econômico e reprodutivo, avançando para uma
compreensão sócio-afetiva, surgem novas representações sociais, novos arranjos
familiares. O casamento deixa de ser ponto referencial necessário para a proteção e o
desenvolvimento e torna-se um espaço privilegiado para que os humanos embalem os
sonhos de “completude”.
Na pós-modernidade este modelo está em crise. É crescente o número de casais
separados ou divorciados, madrastas e padrastos, mães e pais que criam filhos sem a
ajuda de um cônjuge. A mulher, não mais confinada às atividades domésticas, conquista
um espaço cada vez maior no mercado de trabalho – e culpa-se por não dedicar aos
filhos a atenção que julga dever. As famílias constituem-se de forma mais ampla,
recombinando laços de parentesco, incluindo novos parceiros (marido da mãe/esposa do
pai) e filhos e irmãos agregados. Apesar do grande número de separações, os
casamentos e recasamentos ainda prevalecem. Conseqüentemente, as relações familiares
contemporâneas tomam contornos tentaculares.
A sociedade pós-moderna aponta para uma transformação radical nas condições
da vida, que acentuou os sentimentos de insegurança e as incertezas quanto ao futuro.
Assim, colocar objetivos distantes parece não ser a atitude mais atraente: “qualquer
oportunidade que não for aproveitada aqui e agora é uma oportunidade perdida (...)”
(BAUMAN, 2001, p.187). Laços e parcerias humanos caminham neste tempo dentro da
lógica de qualquer outro objeto de consumo: compromissos do tipo “até que a morte nos
separe” hoje são contratos do tipo “enquanto durar a satisfação”, transitórios por
definição e passíveis de ruptura unilateral, sempre que um dos parceiros perceba
melhores oportunidades e maior valor fora da parceria (BAUMAN, 2001, p.187). Na
pós-modernidade a satisfação individual é a regra maior, tornando as relações
duradouras algo inviável diante de um mundo onde a cada esquina um novo produto –
ou relacionamento – pede para ser consumido.

Conclusão

Apesar dos relatos acima, não se deve tomar uma posição pessimista. A história
mostra que nas relações entre a subjetividade e seu tempo, aquela acaba sempre por
criar rupturas. Os sujeitos estão para além de meros indivíduos, seres passivos e
subjugados por sua ordem social. Neste sentido é sempre bom lembrar que a sociedade
não é um mero agrupamento de indivíduos, que não há dicotomia entre indivíduo e
sociedade e sim relações entre sujeitos. A ordem social é fruto das relações que se
estabelecem entre os sujeitos e pode, portanto, a qualquer momento ser pensada,
modificada e reestruturada.
Referências Bibliográficas

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NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. A passagem interna da modernidade para a pós-


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OLIVERA, alex vilela. Pós-Modernidade e sofrimento psíquico: análise feita a


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http://www.pucminas.br/documentos/dissertacoes_alex_oliveira.pdf>. Acesso em: 20
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