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APONTAMENTOS SOBRE A IMPORTÂNCIA DAS FUNÇÕES MATERNA E

PATERNA NA CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO

Estudar a psicossomática da criança e do adolescente me ajudou a

compreender a importância da relação mãe-bebê. Pude entender que a gênese

dos os modos de funcionamento do ser humano é quase que totalmente, se não

totalmente, determinada por suas primeiras experiências com o outro. É na relação

com a mãe ou com o cuidador, que o bebê se constitui como ser humano.

O bebê nasce desprovido de aparelho psíquico, a instauração desse

aparelho acontece na relação com o outro. É a partir dos investimentos maternos

que o bebê vai criar as primeiras fantasias que possibilitarão a ele um

desenvolvimento mais saudável.

Para que isso aconteça, a mãe deve funcionar como um objeto pára-

excitador, que aplaca as excitações internas e externas do bebê, já que ele ainda

não possui um aparelho psíquico capaz de metabolizar nem os estímulos

produzidos pelo seu próprio corpo nem os oriundos do ambiente.

Ao cuidar do bebê, embalar, cantarolar, alimentar, aconchegar a mãe

protege e oferece sentido para os excessos de excitação internas e externas e

dessa forma inscreve a partir de sua subjetividade os primeiros traços mnêmicos

no aparelho psíquico do bebê.

Os registros das primeiras experiências do bebê são recursos que

instrumentalizam a satisfação auto-erótica, protótipo da fantasia, a qual o bebê


poderá recorrer nos momentos angústia.

O auto-erótismo possibilita que o bebê tenha experiências de satisfação

alucinatória na ausência do objeto e facilita o alcance de estágios mais elaborados

do desenvolvimento.

A satisfação alucinatória cria espaço para que a criança desenvolva a

capacidade de fantasiar e mais tarde de sonhar, que é um modo especial de

realização alucinatória do desejo e que também funciona como guardião do sono,

função necessária tanto para a organização somática quanto para a psíquica.

Além da satisfação alucinatória, a capacidade de fantasiar auxilia no

processo de compreensão da realidade, contribui para que a criança suporte a falta

do objeto durante um determinado espaço de tempo e para que aprenda o

funcionamento do ambiente.

Para que o aprendizado sobre o ambiente aconteça de maneira

satisfatória é necessário que exista uma lógica constante na realidade externa ao

bebê, assim não será necessário que ele tenha de lidar precocemente com

sobrecargas de excitação, o que poderia acarretar segundo Winnicott, em uma

dissociação da mente - psicossoma, Isto é para lidar com os excessos o bebê

desenvolve precocemente os processos mentais em detrimento da integração

psicossoma.

A falta do objeto, que causa angústia no bebê não é totalmente satisfeita

de forma alucinatória, o que é estruturante, pois é fundadora do desejo. Portanto, o

desenvolvimento saudável do bebê supõe que o outro da maternagem “falhe” para

que o psiquismo seja constituído.

As falhas nos cuidados maternos devem ocorrer na medida em que o


bebê tenha registros de experiências satisfatórias e possa recorrer aos recursos

auto-eróticos e as suas fantasias para suportar a falta.

Entretanto as falhas nos cuidados maternos devem ser gradativas, na

medida em que o bebê tenha alcançado uma certa organização pulsional, onde

consiga metabolizar os excessos de excitação, sejam eles internos ou externos.

Deve haver uma relação de equivalência entre a capacidade do bebê de suportar a

angústia, a falta e a falha materna.

Por isso, Winnicott diz que a mãe deve ser suficientemente boa, isto é

no início da vida do bebê deve ser capaz de “adivinhar” suas necessidades, por

meio dos processos preocupação materna primária, deve colocar o objeto no lugar

da necessidade da criança, para que ela tenha a ilusão de que o criou e aos

poucos, a mãe deve falhar para que o bebê possa começar compreender a

realidade e a existência do outro.

Para esse autor é preciso que o bebê tenha experiências de ilusão de

onipotência e desilusão para que seu aparelho psíquico seja constituído. Se isso

não acontece, isto é, se a função materna não é suficientemente boa, ou em

função da falha precoce ou do excesso, ocorrem problemas no desenvolvimento da

criança.

Quando a mãe falha em sua função de pára-excitação, o bebê

pequenininho, que ainda não tem aparelho psíquico, portanto, incapaz de

metabolizar mentalmente os excessos internos ou externos não adoece

psiquicamente, não fica neurótico nem psicótico. Em contra partida, diante de

sobrecargas de estímulos, o bebê adoece fisicamente ou desenvolve o transtorno

global do desenvolvimento, ou o autismo.


Para que a organização pulsional ocorra, o bebê precisa de alguém o

coloque no lugar de objeto de desejo, que aposte nele e o olhe como uma potência

para se constituir como um ser humano inteiro. Libidinizar o bebê significa então

que durante o estágio inicial da vida ele seja “sua majestade o bebê”, que no

imaginário do outro da maternagem ele seja tudo de bom, forte, potente, grande,

bonito. Nesse processo, instaura-se o que Freud chamou de narcisismo primário.

É a partir da constituição do narcisismo primário que a organização

pulsional acontece, é a partir do investimento libidinal que a pulsão de vida vai se

constituir, que o bebê deixa de ser um monte de partes para ser um bebê inteiro,

integrado.

Nesse sentido, Winnicott acrescenta que não basta libidinizar o bebê,

esse autor entende que atingir o narcisismo primário não é suficiente para a

constituição do eu verdadeiro. Para alcançar o verdadeiro self é necessário que a

libidinização do bebê seja feita de acordo com as suas necessidades, e não

segundo as necessidades da mãe.

A mãe suficientemente boa deve ser capaz de a partir da sua

subjetividade e da sua devoção entender as necessidades da criança para que

essa se constitua verdadeiramente.

Os bebês assimilam os modos de funcionamento do outro, isto é

“copiam” e podem portanto copiar os comportamentos neuróticos da mãe. Não se

trata de identificação, já que a criança ainda não passou pelo complexo de Édipo,

mas de uma espécie de espelhamento do comportamento materno.

E por falar em complexo de Édipo, não menos importante que a função

materna no desenvolvimento do bebê é a função paterna. Entretanto, muito antes


da criança atingir o complexo de Édipo o pai precisa “tirar” a mãe da fusão com o

bebê e levá-la de volta para a realidade. Ao mesmo tempo que o pai estabelece a

falta materna ele salva a criança dos excessos de maternagem.

Ao chamar a mãe para a vida além do bebê o pai institui a falta e

possibilita a instauração do desejo. Se isso não acontece, o bebê não desenvolve o

processo de satisfação alucinatória, não aprende a fantasiar e consequentemente

fica impedido de sonhar.

As conseqüências do excesso de maternagem são tão graves quanto

sua falta. Nesse primeiro caso, as descargas de excitação tendem a ser puras

atuações que acontecem no estado de vigília ou no sonambulismo.

As falhas na função fantasmática, que se instauram pela falta da

experiência da realização alucinatória, cria buracos na defesa psíquica do sujeito,

tornando-o vulnerável ao adoecimento somático por falta de representação.

A fusão mãe - bebê que ultrapassa a necessidade natural do processo

de desenvolvimento, também é altamente prejudicial, pois impede que o bebê

experimente o mundo e estranhe os objeto externos, isto é que ele aprenda o que é

ele e o que é o outro. O que deveria ser experimentado como estranho na mente é

deslocado para o corpo como reação alérgica.

Por outro lado a falta de cuidados, de investimento narcísico ou os

cuidados de má qualidade também são causadores de adoecimentos graves, como

o merecismo, anorexia do bebê, depressão, depressão branca ou comportamento

vazio.

A psicossomática da criança mostra que as doenças da criança são

muito graves e de ordem relacional. Entretanto são reversíveis quando as relações


são cuidadas a tempo, mas para isso é necessário que haja além de amor

reconhecimento das necessidades do bebê. O bebê deve ser objeto de desejo de

seus pais e não objeto para satisfação das necessidades desses. LEON

KREISLER E WINNICOTT

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