Graduação em Psicologia - ICHF Disciplina: Psicologia do Desenvolvimento II Professor: Cid (psicanálise inglesa) Aluna: Vanessa Monteiro Silva
Desenvolvimento Emocional Primitivo (1945)
D. W. Winnicott
Introdução – considerações da aluna:
Como estudante de Psicologia, meu interesse neste capítulo de
Winnicott é enorme, até mesmo por possuir uma grande admiração pela psicanálise em geral. Sendo assim, desejo ressaltar que muito me agradou esta tese de Winnicott, a qual não apenas me auxiliou na disciplina de Psicologia do Desenvolvimento II, mas, sobretudo, auxilia em minha formação como psicóloga, de modo que eu possa usufruir deste conhecimento para além desta disciplina. Fato que, aliás, já se iniciou – visto que Winnicott é o teórico principal o qual dá base à fundamentação teórica de uma pesquisa que realizado em grupo, em outra disciplina. Desejo ressaltar nas explanações a posteriori todos aqueles aspectos que ressalto como fundamentais na compreensão de Winnicott quanto ao desenvolvimento emocional primitivo. Pus-me, inclusive, a expor a questão dos fenômenos e objetos transicionais que, embora não citados neste capítulo, são fundamentais ao processo de desenvolvimento do sujeito. Não realizarei críticas às exposições de Winnicott, uma vez que não encontrei nenhum ponto em que eu discorde do autor. Pelo contrário, acredito que suas considerações são extremamente sensatas e engrandecedoras. Reitero e afirmo que, nas palavras abaixo, assinalarei os pontos mais fundamentais da tese de Winnicott e acrescentarei minhas interpretações e compreensões acerca do tema. O desenvolvimento emocional primitivo:
No capítulo XII do livro “Da Pediatria à psicanálise”, Winnicott se
interessa em discorrer sobre o desenvolvimento emocional primitivo, primariamente debruçado sobre os problemas emocionais da criança e do bebê, com ênfase na análise da psicose. Antes de iniciar a explicação quanto ao desenvolvimento emocional primitivo, Winnicott introduz muito bem o tratamento psicanalítico: expõe que grande parte do trabalho da análise deve levar em consideração os relacionamentos do paciente com outros indivíduos, tal como suas fantasias conscientes e inconscientes. Através destes elementos, uma análise é possível. Quanto a este aspecto, ressalta a importância na análise das fantasias que os pacientes tem de si mesmos, ou seja, de sua própria organização interna:
“Essa nova ênfase nas fantasias do paciente sobre si
mesmo inaugurou o vasto campo da análise da hipocondria, no qual as fantasias do paciente sobre seu mundo interno incluem a fantasia de que este se localiza no interior de seu corpo. Tornou-se possível relacionar, na análise, a mudança qualitativa no mundo interno do indivíduo às suas experiências instintivas. A qualidade dessas experiências instintivas dá conta da natureza boa ou má do que se encontra lá dentro, bem como de sua existência.” (WINNICOTT, 1945, pág. 219).
A partir desta compreensão, tornou-se importante para a
psicanálise estudar relacionamentos ainda mais primitivos. Em outras palavras, até cerca de 1930 a psicanálise ainda era extremamente Freudiana, baseada na abordagem Edipiana. No entanto, após este período apareceram pacientes que não se beneficiavam com esta abordagem: depressivos graves e/ou hipocondríacos. A característica básica dos hipocondríacos é a sua visão distorcida e destruída de si; uma desestruturação do ego. A tarefa da psicanálise, portanto, é estudar os mecanismos da construção do ego, o que leva a estudar a construção psicodinâmica dos psicóticos. Isto ocorre devido aos questionamentos de ‘se não seria ideal analisar também o momento mais anterior ao Édipo’, os processos mais primitivos, os quais são conhecidos como psicóticos. Feita esta observação quanto ao desenvimento do pensamento psicanalítico, um ponto que Winnicott ressalta é a importância do analista perceber seus próprios sentimentos de amor e ódio, pois é compreendendo os sentimentos destrutivos de seu próprio amor que compreenderá os do paciente. Também é fundamental que o analista saiba lidar com a ambivalência em relacionamentos externos e com a repressão simples, além de estar preparado para lidar com a posição depressiva, as defesas contra a depressão e as idéias persecutórias que deverão ser interpretadas conforme a evolução do paciente. Assim, o analista poderá prosseguir rumo à análise das fantasias internas e externas do paciente e de todos os aspectos da depressão deste. Com estas considerações, Winnicott introduz o estudo do desenvolvimento emocional primitivo a partir de uma primeira observação sobre os bebês. Segundo ele, geralmente após os seis meses o bebê é capaz de, por exemplo, levar um objeto à boca e dar continuidade a este gesto, deixando-o cair no chão. Até certo ponto, tal fato consiste em uma questão de desenvolvimento físico que começa já desde a gestação, mas também indica que o bebê nesta fase já é capaz de compreender que tem um interior e que os objetos vem do exterior. Da mesma forma, o bebê também assume que a própria mãe possui um interior; isto aponta para o fato de ele que se percebe como alguém que se põe em relação com o mundo exterior e com outras pessoas, as quais também possuem o próprio interior. Winnicott apresenta a sua tese de que o desenvolvimento emocional primitivo do bebê, antes mesmo deste se distinguir do seu exterior e de se compreender como uma unidade, é vitalmente importante para a análise do desenvolvimento humano, inclusive para o entendimento da psicose. Propõe, então, três processos de desenvolvimento: Integração, Personalização, Realização. Na situação de psicose, os processos de integração, personalização e realização não se desenvolveram na tenra infância, de modo que a percepção do eu e do outro-que-não-eu tenha sido falha, sendo ainda falha na vida adulta; são casos de não-integração primária. Este estado não- integrado é base para a desintegração e fragmentação do sujeito, enquanto o atraso na integração leva a uma pré-disposição a isto. É dependendo do modo como o mundo é apresentado à criança que seu desenvolvimento será mais ou menos saudável. Cabe informar que a não integração acarreta uma dissociação; por exemplo, inicialmente o bebê não sabe que “a mãe por ele construída durante os seus momentos de quietude é ao mesmo tempo a força por trás do seio que ele está decidido a destruir” caso seu desejo (pelo seio) não seja imediatamente atendido. Na realidade, os três processos citados por Winnicott são profundamente conectados, ficando difícil limitar suas fronteiras. A integração propriamente dita seria um processo básico e global que ocorre em função da complexificação do desenvolvimento fisiológico anteriormente iniciado (como exemplos: os processos de percepções sonoras, táteis e de movimento...). Nesta primeira fase, em cada evento que ocorre para o bebê, ele cria experiências – por exemplo a experiência da primeira mamada). Neste processo, as memórias de antes de depois de nascer são acontecimentos mentais. Ou seja, Winnicott, quanto a este aspecto, pressupõe que já existem marcas mnêmicas anteriores a este processo e que, no momento da integração, o bebê as organiza. A tendência a integrar-se, segundo o autor, é auxiliada pela técnica através da qual alguém – especialmente a mãe – cuida do bebê (no sentido de como o mantém aquecido, firme, alimentado; no modo como o chama, nina ou dá banho...) e pelas experiências instintivas do próprio bebê (que aglutinarão, internamente, a personalidade). A personalização, por sua vez, seria um tipo específico em que a criança integra o movimento de seu próprio corpo (considerando as sensações ligadas ao corpo). Implica, assim, no sentimento de compreender-se dentro de si, sentindo que o mundo é real (o que também ocorre com auxilio da mãe, e logo será explicado). Por último, a realização se define pela construção da capacidade de percepção da externalidade. O bebê começa a perceber que existem dois mundos: o dele e o outro. Conforme o desenvolvimento, estes processos rumam para a realização, no tempo e no espaço, de outros aspectos da realidade. Portanto, os processos de desenvolvimento propostos por Winnicott implicam em um relacionamento primário com a realidade externa. Para melhor compreender esta questão, tomarei por base o primeiro capítulo de O Brincar e a Realidade, sobre os fenômenos transicionais na vida infantil. O que Winnicott aponta como questões são a primeira possessão e a área intermediária entre o subjetivo e aquilo que é objetivamente percebido. O bebê, segundo ele, possui objetos (como o seio materno, a ponta do cobertor ou um ursinho de pelúcia) aos quais tem possessão. Neste pequeno ser, ainda sem consciência de sua unidade – no sentido de separação do que é ‘eu’ e do que é ‘outro’ – o desejo de posse por estes objetos se dá devido a uma ilusão de que são continuidades de si, mas nem exatamente como algo interno, nem tampouco como algo externo. Em outras palavras, não há, ainda, o reconhecimento do objeto como ‘não-eu’. Vivendo nesta ilusão que se dá na tenra infância, vai se constituindo uma relação afetuosa entre bebê e objeto, passando a ter fundamental significado na vida do bebê; significado este que pode persistir na infância propriamente dita – ou até mesmo se transformar em objeto de fetiche que persista como característica na vida sexual adulta –, mas aos poucos vai se dissipando. Nas palavras de Winnicott:
“Seu destino é permitir que seja gradativamente
descatexizado [...] Perde o significado, e isso se deve ao fato de que os fenômenos transicionais se tornaram difusos, se espalharam por todo o território intermediário entre a ‘realidade psíquica interna’ e ‘o mundo externo tal como percebido por duas pessoas em comum’, isto é, por todo campo cultural.” (WINNICOTT, 1975, pág.18-19).
Winnicott observa que todo objeto transicional é simbólico de algum
objeto parcial (por exemplo, da mãe), mas o que mais importa não é a sua simbologia, e sim sua realidade: não ser aquele objeto é tão importante quanto o fato de representá-lo. Neste momento em que a simbologia opera, o bebê já está distinguindo fantasia e fato, objetos internos e externos, criatividade primária e percepção. O autor afirma que os fenômenos transicionais abrem caminho ‘ao processo de tornar-se capaz de aceitar diferença e similaridade’, ou seja, de se encontrar com e no coletivo. Outro ponto é que seria impossível o bebê progredir do princípio do prazer para o princípio da realidade caso não tivesse uma figura de mãe suficientemente boa. Esta mãe seria aquela que começa com uma adaptação quase completa às necessidades do bebê, iludindo-o de que há uma realidade externa correspondente à sua capacidade de criar. Iludido, o bebê acredita em leis mágicas, em que o objeto existe quando desejado por ele e desaparece quanto não mais o deseja. Existem, para ele, objetos obedientes e objetos desobedientes – os quais (na cabeça do bebê) respondem às suas fantasias e os quais não respondem, respectivamente. A tarefa da mãe é desiludi-lo gradativamente, adaptando-se cada vez menos às necessidades do filho, de acordo também com a crescente capacidade da criança em lidar com o fracasso materno. Aos poucos, o bebê tolera os resultados da frustração e começa a integrar recordações, fantasias, sonhos, passado, presente e futuro. A partir deste fato, conclui-se que a questão da relação entre aquilo que é objetivamente percebido e o que é subjetivamente concebido acompanha o ser humano desde o nascimento. Os fenômenos transicionais representam os primeiros estágios do uso da ilusão, fundamental para o momento de criação da realidade e, consequentemente, da compreensão do bebê acerca de sua unidade e sua separação do objeto. Considerando esse processo de ilusão-desilusão, Winnicott afirma: “que a tarefa de aceitação da realidade nunca é completada, que nenhum ser humano está livre da tensão de relacionar a realidade interna e externa, e que o alívio dessa tensão é proporcionado por uma área intermediária de experiência que não é contestada (artes, religião, etc). Esta área intermediária está em continuidade direta com a área do brincar a criança pequena que se ‘perde’ no brincar” (WINNICOTT, 1975, pág. 28-29).
A partir destas considerações quanto ao processo de
desenvolvimento e distinção entre o mundo interno e externo, é possível concluir que a fantasia não foi criada para auxiliar o sujeito a lidar com suas frustrações quanto à realidade externa – a não ser em casos de devaneio. A verdade é que a fantasia é mais primária do que a realidade, “e o enriquecimento da fantasia com as riquezas do mundo depende da experiência da ilusão” (WINNICOTT, 1945, pág. 228). Assim, encontramos mais um ponto importante e de interesse na teoria Winnicottiana: ‘o domínio da ilusão está na base do início da experiência’, pois é o que garante a diferenciação entre o interno e o externo, o subjetivo e o objetivo, a criação e o real. E é justamente sob esta perspectiva que se estabelece a importância, por exemplo, do brincar e da arte, através dos quais há uma experimentação da alteridade que deve ser sempre continuada, por ser fundamental ao desenvolvimento da criança. Os processos artísticos permitem que não haja interrupção da constituição do sujeito no mundo coletivo.
Conclusão:
Por fim, ficou explícito nestes escritos de Winnicott como ocorre o
processo de desenvolvimento primitivo; processo que compreende a importância física e psicológica da questão. Física, porque sem a capacidade de percepção de estímulos sonoros e mecânicos que recebe e sem a capacidade de memorizar estas percepções, a criança não conseguiria passar por este desenvolvimento. Psicológico, porque sem a ilusão-desilusão pela qual o bebê passa, com ajuda da mãe, não seria possível (ou seria falha) a integração do eu, a personalização e a realização. No caso da psicose, é comum que o paciente acredite ser perseguido ou procurado por alguém que deseje matá-lo ou feri-lo, por uma característica de idéia persecutória. Muitas vezes o paciente mal compreende atitudes e palavras de pessoas a sua volta, inclusive pessoas às quais confiava de alguma forma (como médicos, familiares e amigos), e acredita que estas pessoas agora querem agredi-lo. Isto ocorre devido a uma dificuldade ou impossibilidade de apreender bem a realidade. Também em caso de alucinações visuais ou auditivas, o paciente realmente acredita que tenham ocorrido, pois não consegue compreender que aquilo que julga ter visto ou ouvido estava somente em seu pensamento, como algo interno e não como uma realidade externa. Nestes pacientes, não há separação entre próprio pensamento e mundo externo, entre sua subjetividade e o que é outro. Psicologicamente, esta patologia (a psicose) encontra origens no seu falho desenvolvimento emocional primitivo. Interessante o relato de Winnicott sobre uma paciente: em uma consulta, ela declarou que, quando criança, viu sua irmã gêmea sentada ao seu lado no carrinho e acreditou que fosse a si mesma; surpreendendo-se ao perceber que, quando alguém pegava as mãos de sua irmã, as suas (da paciente) continuavam no mesmo lugar em que estavam. Este é apenas um dos vários exemplos em que é possível constatar a importância dos processos primitivos ao desenvolvimento e a toda a vida do sujeito. É necessário ressaltar, assim, que o contato com a alteridade é muito saudável e fundamental a qualquer indivíduo, na infância e durante toda a vida, pois é o que ajuda a construir o ego. É a mãe suficientemente boa quem inicia este processo, mas também outros sujeitos virão a dar continuidade a esta formação. Sendo assim, o contato com o outro é fundamental, mesmo para os psicóticos. Fragmentados, os psicóticos não conseguem distinguir realidade interna e externa, o que é Eu e o que é Outro, o que é real e o que é imaginário. No entanto, é sempre importante que se mantenha o contato com o estranho, com o que é não-eu; pois é a partir desta alteridade que se constitui o sujeito, conforme possível interpretar a partir do postulado de Winnicott exposto nesta tese. Conclui-se, portanto, que o sujeito se unifica e se compreende no mundo coletivo apenas tendo bem constituído sua integração e personalização, sentindo-se em seu próprio corpo e diferenciando-se do outro; e este processo não é completo na infância: é sempre continuado.
Bibliografia:
WINNICOTT, D. W. Capítulo XII: Desenvolvimento Emocional Primitivo
(1945). In Int. J. Psycho-Anal., vol. XXVI, 1945. WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade (1975). Rio de Janeiro. Editora: Imago Editora LTDA, Coleção Psicologia Psicanalítica.