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BREVE ENSAIO DA ANÁLISE DO CONTO A GALINHA DEGOLADA PELO VÉIS DA

TEORIA DE MELANIE KLEIN

A Galinha Degolada
Autor: Horacio Quiroga
Tradução de Léo Schlafman

Para Melanie Klein, a fantasia é considera como uma atividade mental básica,

a qual está presente desde o nascimento e é fundamental para o desenvolvimento

mental da criança, e, podendo ser apresentada não apenas como forma defensiva, é

vista como função principal de sua teoria. Para ela, ainda, as fantasias se manifestam

de forma corporal quando são profundas e primitivas, porém, parte destas podem

tornar-se verbais quando ocorre projeção e introjeção.

Klein, desenvolve seus estudos acerca disso trabalhando com crianças,

entendendo a necessidade de aproximar-se ao inconsciente destas, quando denota a

forma contínua em que elas fantasiam, e não apenas mediante frustrações reais.

A autora frisa a fantasia de uma visão distinta de Freud, pois, para ele a

fantasia fora vista como um aspecto fictício para a satisfação de um desejo. Já para

Klein, é um aspecto imaginativo da própria fantasia. Entendendo a mesma como um

pensamento e um sentimento, visto que as crianças pensavam, na maioria das vezes,

utilizando a imaginação e não a razão, presentes nas relações objetais primitivas.

Para ela, há outro pensamento que implica com o de Freud, quando entende

que ao invés da criança ter a sexualidade como inata, têm-se a agressividade.

Acrescenta ainda à sua teoria períodos de desenvolvimento em que todas as crianças

passam ao longo de suas vidas, e são os conceitos de posição esquizo-paranóide e

depressiva. Essas fases dão-se através das necessidades em que as crianças se

encontram e não por maturação biológica, como coloca Freud.


Quando a criança nasce, é possível observar as seguintes características:

fragmentação do ego, divisão do objeto externo (seio da mãe), agressividade e a

realização de ataques sádicos dirigidos à figura materna, essa posição é chamada de

esquizo-paranóide. Quando essa fase é superada e consolidada, a criança passa para

a posição depressiva, que engloba: a integração do ego e do objeto externo,

sentimentos afetivos e defesas relativas à posição perda do objeto (Simon, 1986).

O conto “A Galinha Degolada” (Quiroga, 1917) narra a história de um casal

jovem, o casal Mazzini-Ferraz. A mãe, Berta, dá à luz a seu primeiro filho logo depois

de se casar com Mazzini. Porém, ao completar um ano e oito meses de vida, um mal

súbito acomete o bebê e o torna demente. Houve outras duas tentativas de terem

filhos saudáveis, porém todos os meninos (incluindo os gêmeos que nasceram por

último) também foram acometidos pelo mesmo mal. Os quatro filhos eram um

completo desgosto sendo mal-cuidados, mal alimentados e nem mesmo banhados.

Não havia afeto na pouca relação com os pais. Contudo, com o casamento frustrado e

os quatro filhos dementes, ainda pulsava no casal a ideia de ter um filho que fosse

igual a todos os outros. Então nasce uma menina, saudável e linda. Bertita era seu

nome. O mal não a alcançara e então ela se torna o alvo de todo o amor e cuidados

dos pais. Um dia, logo após verem a empregada degolar e dessangrar uma galinha

lentamente na cozinha, os quatro filhos mais velhos, considerados e vistos como

idiotas, ficaram vislumbrados com o sangue vermelho. Os pais e Bertita, a filha sadia,

saem depois do almoço e, na volta, os pais param na casa de um vizinho para

cumprimentar e a menina, Bertita, segue sozinha até a casa. É então que os irmãos,

que os olhos só brilhavam quando viam a luz do sol, a puxam do muro em que Bertita

havia subido e a levam para cozinha, fazendo o mesmo que a empregada fez com a

galinha horas mais cedo.

Quando observamos a maneira como os quatro primeiros filhos eram isentos

do afeto e cuidado de seus pais, podemos pensar na teoria das relações objetais de
Melanie Klein como condicionante do comportamento do sujeito. Lendo o conto,

pensa-se que o final trágico está completamente ligado à suposta demência dos

quatro meninos. Porém, na teoria de Klein, se dá maior importância aos pais e aos

padrões de relação que o individuo desenvolve com as pessoas ao seu redor do que

propriamente os impulsos biológicos. Klein tem a abordagem mais maternal,

salientando a intimidade e o cuidado da figura materna como fatores primordiais para

o desenvolvimento do indivíduo.

No conto, é possível ver o tratamento brutal e cheio de desprezo da mãe para

com seus quatros primeiros filhos, chamados de idiotas e tratados de forma até

mesmo bestial. A teoria das relações objetais (Klein, 1963) mostra que a busca por

relacionamento é a motivação principal do comportamento humano. A motivação

humana é vista nas necessidades das crianças e é por isso que é o objeto que atende

às tais necessidades. As relações objetais são as relações que a criança cria com os

objetos ligado a satisfação de suas necessidades e de seus desejos. Os objetos poder

ser parte de pessoas (como o seio materno), pessoas ou até mesmo coisas

inanimadas. Porém, não é sobre uma necessidade por satisfação de impulsos sexuais

ou instintos agressivos. A necessidade é de alguém que vai abastar duas coisas

importantes: em primeiro lugar o contexto e em segundo o foco. O foco significa

aquela relação direta, olho no olho, que a mãe (ou figura materna) oferece. É assim

que a criança aprende a vivenciar e se relacionar e só então aprende a pensar a

respeito dessa relação. Já o contexto entende-se que a mãe oferece ao filho uma

relação de segurança, na qual ela pode manter-se tranquila.

No conto, porém, não há para nenhum dos quatro primeiros filhos de Berta

afeto ou cuidado que disponha contato humano. Os meninos não tiveram em Berta o

objeto que lhes traria estabilidade e segurança. Não há figura materna que forneça

nem o foco nem o contexto. Isso faz com que os quatro meninos fiquem sem qualquer

tipo de relação de segurança. Consequentemente, não há o entendimento elaborado


sobre essa relação. O único lugar que os pertence é o banco do quintal, longe do

núcleo familiar, marcando assim esse lugar de desamparo, desafeto e isolamento.

Ainda que Quiroga trouxesse ao leitor a crença de que os quatro meninos não

tinham sentimentos, é no acontecimento da cozinha que o leitor entende o tamanho do

quanto o desprezo dos pais e o abandono familiar levam os quatros meninos à esse

lugar de violência e insanidade. Mesmo que no conto não se perceba de forma

explicita, os quatro meninos são capazes de perceber a diferença entre a relação

deles com os pais e com a irmã. Klein explica que a criança procura por

autovalorização através do olhar materno ou da figura materna (não necessariamente

a mãe) sendo qualquer pessoa que estabeleça qualquer tipo de vínculo com a criança.

Com os meninos, a aprovação através do olhar da figura materna nunca foi

materializada deixando assim, nas crianças, a insatisfação quanto ao reconhecimento

materno. Nem mesmo a empregada tinha um pouco de afeto ou atenção que os

fizesse experimentar minimamente um relacionamento significativo.

Klein diz que o ser humano busca sempre diminuir a tensão que é causada por

desejos insaciados e, no caso de crianças pequenas, o que reduz essa tensão é a

pessoa ou a parte da pessoa.

O que mostra, no conto, a crueldade não é apenas o fato que os quatro

meninos mataram sua irmã de uma forma de extrema violência. O fato é que o

abandono paterno é visto desde o começo da narrativa. O final trágico da família é

marcado justamente pela falta de afeto, cuidado e amor que os pais manifestam pelos

quatro meninos. A forma bestial não está na demência das crianças nem em sua

doença, mas sim maneira disforme em que os meninos são criados. O fim trágico

poderia teria sido evitado, provavelmente, se os pais considerassem apenas o que

havia de positivo no que o médico lhes disse (dar-lhes a educação possível e ignorar o

diagnóstico de caso perdido). De acordo com a teoria de Melanie Klein, o meio e o


relacionamento com os primeiros objetos são cruciais para o desenvolvimento

psíquico do indivíduo.

Referências:
Klein, M. (1996) A psicoterapia das psicoses. (p.266)

Celes, L. A. M., Alves, K. C. M, Santos, A. C. G. (2008). Uma concepção psicanalítica


de personalidade: teoria das relações objetais de Fairbairn.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722008000100007

Oliveria, M. P. (2007). Melanie Klein e as fantasias inconscientes.


http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
432X2007000200005

Quiroga, H. (1917) A Galinha Degolada.

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