Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O escritor Melvin Udall (“Melhor é impossível”), seu colega de profissão Mort Rainey
(“A janela Secreta”) e golpista Tom Ripley (“O talentoso Ripley”) são três personagens
que servem para exemplificar as formas de lidar com o recalque na constituição das
estruturas neurótica, psicótica e perversa, com base na teoria psicanalítica.
A questão de estruturas psíquicas sempre foi tema recorrente dos estudos freudianos
e sua compreensão demanda retomar ao estado que Freud acreditava ser crucial na
constituição das estruturas psíquicas, o estado pré edípico.
Calsavara (2006) sugere que para Freud, muitos elementos desse estado interferem
na construção das estruturas posteriores. Uma vez que a criança, ao nascer não noção
de tempo, nem espaço, nem unidade corporal, o referencial desta está em sua relação
de fusão com a mãe. E é a partir do distanciamento e da diferenciação com a mãe que
se forma o Eu da criança, através de identificações (imaginárias) com modelos
parentais. Os estudos iniciais freudianos estiveram em muito atrelados a análise de
pacientes, em especial de histéricas, a partir da qual desenvolveu sua teoria sobra a
sexualidade infantil.
No complexo de Édipo, a noção de falo é referencia a própria figura paterna. Com a
entrada do pai na díade mãe-bebê, a mãe que era até então fálica (já que satisfazia o
desejo, eliminando o desprazer) é castrada dessa posição, já que o pai tem o atributo
falo, a qualidade de ser objeto de desejo da mãe, posição que até então a criança
ocupava. Assim se entende que a criança afasta-se da posição que ocupava a partir da
castração, ou seja, da frustração. É exatamente a noção de falta, vivenciada na
castração, que possibilita a criação de um objeto fálico, que surge na insistência da
criança de que falta algo a ela.
Nessa elaboração do complexo edípico, percebemos que há um momento de
oscilação da criança em ser ou não ser o objeto fálico da mãe, que é exatamente o que
permite a entrada do pai na díade. Quando isso não acontece, ou seja, quando há uma
recusa à castração, acontece o que se denomina fixação perversa.
Desde os escritos iniciais de Freud, encontra-se uma preocupação com a estrutura
perversa, que no início dos estudos encontrava-se ligada ao caráter de anomalia,
baseado nos padrões psicanalíticos ainda muito atrelados ao discurso médico e da
normatização enquanto conduta sexual sadia, que compreendia a perversão enquanto
desafio.
Com os estudos acerca da Sexualidade Infantil, Freud (1905) apresenta a uma visão
de ausência de um objeto pré-determinado para a pulsão sexual, que faz com que ele
a considere perversa e polimorfa na infância. Assim a perversão é concebida, em Três
ensaios sobre a sexualidade infantil (1906), como uma qualidade da sexualidade
infantil, caracterizada pela anarquia e desorganização das pulsões, devido às
numerosas formas de satisfação.
Freud (1996) caracteriza ainda nesse momento a constituição da sexualidade infantil
enquanto resultado do recalque de alguns elementos dessa sexualidade infantil
perversa. E, apoiando-se nessa ideia, a perversão adulta é compreendida enquanto a
fixação de uma parte da pulsão, que de tão intensa, escapa ao recalque.
É num artigo de 1919, intitulado Uma criança é espancada: uma contribuição ao
estudo da origem das perversões sexuais, que Freud reformula essa concepção de que
na perversão as fantasias são atuadas conscientemente e sem culpa, já que constata
através do estudo de casos de espancamento, que a fantasia desses traumas eram na
realidade resíduos do conflito edipiano, são resquícios desse processo. Há, portanto
uma reavaliação da diferença entre neurose e perversão, sendo essa ultima agora
considerada ainda enquanto uma forma de infantilismo sexual, todavia não mais
enquanto uma forma de manifestação livre dos conteúdos que na neurose encontram-
se recalcados. Assim Freud diferencia a perversão polimorfa infantil de uma escola de
recusa à castração, ou seja, compreende que diante da ameaça de castração, o
perverso realiza uma ação de recusa, instituindo-se o fetiche. Dessa forma entende-se
que a organização perversa constitui-se de uma forma de lidar com o complexo de
Édipo, buscando evitar a angústia de castração (Freud, 1996).
O que podemos entender então é que a organização perversa está pautada no
mecanismo de deslocamento do investimento da energia libidinal, do pênis para outra
parte do corpo, em uma formação defensiva frente à angústia da castração, na busca
de preservar a crença no falo da mãe. Segundo Castro e Rudge (2003):
“Dessa maneira, alternam no inconsciente duas representações opostas: “a mãe
(mulher) tem pênis” e “a mãe (mulher) não tem pênis”, sem que uma anule a outra,
pois, neste sistema, não vigora o princípio da não-contradição. Assim sendo, pode-se
concluir que o fetichista não apenas recusa, mas também admite a castração”.
Entende-se então que para manter-se livre da angústia, o perverso está em constante
recusa de evidências na realidade em relação à castração, o que demanda grande
desprendimento de energia, que Rudge (1999), apresenta enquanto um enorme
trabalho, que surge nas formas de sedução e controle e que, apesar de ser considerada
muitas vezes como um compromisso com o desejo, é uma atividade constante
contrária ao desejo, um esforço defensivo contra o desejar, já que o desejo faz
referência à angustia da castração, da qual tenta se esquivar com todas as forças.
Tom Ripley pode ser considerado exemplo de perverso à medida que está
constantemente negando o fato de estar fora da alta sociedade, ou seja, evita com
todos os esforços as frustrações da vida medíocre e para estar dentro de determinado
circulo social, faz qualquer coisa, inclusive matar. Ripley apresenta as características de
um real perverso como a persistência, a falsidade a capacidade de intimidar, ser
violento e passar-se por inocente e amigável. Além de ser um verdadeiro sedutor, que
utiliza-se da vida de outra pessoa para fugir das angustias de sua própria vida. Outro
traço bastante marcante é o fato de todos os personagens estarem dentro do mundo
de Ripley, que assim como todo perverso, está sempre precisando de confirmação da
efetividade de sua recusa.
Inicialmente a teoria freudiana defendia que a etiologia da perversão estava em uma
pulsão parcial especialmente intensa, capaz de escapar ao recalque e nesta visão,
segundo Castro e Rudge (2003), apoiava-se a máxima de que a perversão era o
negativo da neurose. O que se desenvolveu com o avanço da teoria foi justamente a
compreensão da formação de estruturas perversas e neuróticas a partir de resíduos do
conflito edípico.
Na neurose o individuo não recusa a castração, como acontece na perversão, pelo
contrário, A estrutura neurótica constitui-se a partir do recalque, que gera constante
sentimento de desadaptação. O neurótico, ao passar pela castração, não consegue
extinguir a frustração que é apenas reprimida no inconsciente.
A partir do estudo do caso “O Homem dos Ratos”, a teoria freudiana considera que o
recalque em pacientes neuróticos é efetuado mediante uma ruptura de conexões
causais, que acabam por resultar em autocensuras, já que o afeto liga-se a causas
errôneas. Isso acontece também em decorrência da característica do neurótico em
atribuir onipotência a seus pensamentos, que pode decorrer da confirmação na
realidade de fantasias da criança, em relação à morte ou a danos a outras pessoas,
conteúdos que teriam sido recalcados, como a raiva. O que se percebe então é que o
neurótico está em constante recusa ao retorno dos conteúdos recalcados, que dá
origem às suas atitudes obsessivas, como os rituais.
A estrutura neurótica deriva em grande medida de um superego bastante enrijecido,
que resulta numa compulsão pelo controle do mundo numa projeção que assume
diversas formas. Como proposto por Melanie Klein:
“No neurótico obsessivo, a coerção infligida contra outras pessoas é o resultado de
uma projeção multiforme: Tenta se livrar da compulsão intolerável que esta sofrendo –
trata seu objeto como se fosse o id ou seu superego e deslocando a coerção para fora;
Assim, satisfaz seu sadismo – atormenta e subjuga seu objeto; Esta pondo para fora
em seus objetos externos, seu medo de ser destruído por seus objetos introjetados.
Esse medo despertou nele uma compulsão de controlar e governar suas imagos” –
(Melanie Klein –1997)
Referência Filmográfica:
A Janela Secreta. Título Original: Secret Window. David Koepp, baseado no livro de
Stephen King ,2004 (EUA).
Melhor é impossível. Título Original: As Good As It Gets. James L. Brooks. 1997 (EUA)
O Talentoso Ripley. Título Original: The Talented Mr. Ripley. Anthony Minghella. 1999
(EUA)