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Neurose obsessiva e feminilidade

Esthéla Solano-Suarez

A clínica nos confronta com sujeitos femininos cujo sintoma se enquadra no tipo
clínico relativo à neurose obsessiva. Nesse caso eles são colocados por nós do lado do
“obsessivo”, no masculino. Então, podemos resumir nosso propósito afirmando que há
mulheres cujo tipo clínico se enquadra na neurose obsessiva, o que as leva a
encontrarem-se tipificadas do lado dos tipos. Existe uma causa estrutural para isso? A
posição das mulheres obsessivas na estrutura faz parte de um modo de gozo que se
inscreveria do lado masculino? Podemos articular, portanto, que o sintoma obsessivo
qualifica para essas mulheres uma certa modalidade de “fazer o homem”,
diferentemente do modo presentificado pela histérica? Essas questões nos colocam a
interrogar a posição sexuada do sujeito do lado feminino no que se amarra no nível da
Zwang.

Escolhi trabalhar esse ponto a partir da clínica freudiana. Se o caso princeps de


neurose obsessiva em Freud diz respeito a um homem – aliás, seu nome clínico ficou
para sempre fixado ao do homem acoplado aos ratos – é certo que em Freud
encontramos um número não insignificante de observações clínicas que ilustram a
neurose obsessiva feminina. A releitura de dois desses casos se viu animada de um
sentido renovado por um efeito de encontro imposto pelos fatos da experiência que me
conduziram a interrogar o ponto que eles levantam.

O primeiro exemplo é o da “mulher da toalha” – nome que devo à M.C. Hamon


e que figura em sua excelente obra [1]. O caso nos é relatado por Freud em 1907 uma
primeira vez e uma segunda vez dez anos mais tarde, quando ele examina o sentido do
sintoma. O segundo exemplo, que poderíamos chamar “a senhora das lavagens”, figura
em um texto de 1913 e serve a Freud para ilustrar a disposição à neurose obsessiva.

Esses dois casos nos confrontam com a revelação tardia de uma neurose
obsessiva produzida a partir de um acontecimento que passa a atuar como fator
desencadeador: a impotência do marido. Por que o sintoma do lado do homem seria
eficaz em gerar em sua parceira uma resposta sintomática de compulsão obsessiva?
Parece-nos que esses dois casos colocam em evidência uma articulação entre o sintoma
como resposta ao mal-entendido entre os sexos e mais particularmente o fato de que
para uma mulher a impotência do homem abre-se para ela em um questionamento sobre
seu ser, como o disse tão felizmente M.C. Hamon a propósito desse caso, para sustentar
sua posição sexuada, ela deve “confiar na boa vontade do parceiro...”. Assim, a falha
que concerne à sua feminilidade, que se introduz pela falência do órgão masculino, abre
a hiância que a neurose demanda preencher por intermédio do sintoma. Vamos
examinar mais de perto apenas um dos casos, o da “mulher da toalha”, e tirar a lição que
convém. Recordemos brevemente o caso: trata-se de uma mulher de trinta anos que
sofria, segundo Freud, de uma obsessão muito grave, e cuja ação obsessiva, que ela
realizava várias vezes ao dia, era a seguinte: “Ela ia de seu quarto ao quarto vizinho,
postava-se ali em local determinado, junto da mesa que se erguia no centro do cômodo,
tocava a sineta para chamar a empregada, confiava-lhe uma tarefa qualquer, ou mesmo
a dispensava sem nada solicitar, e voltava, por fim, a seu quarto” [2].

A leitura operada por Freud a partir das associações que foram fornecidas pela
mulher é a seguinte: aqui a ação obsessiva se dá como representação e repetição de
outra cena que havia acontecido dez anos antes, quando a noite de núpcias se torna
traumática. Nessa ocasião, recordemos, o marido se mostra impotente, pois “passou a
noite correndo do seu quarto para o da esposa, para repetir a tentativa, mas a cada vez
sem sucesso. Pela manhã, ele disse contrariado: „eu vou sentir vergonha da empregada,
quando ela vier arrumar a cama‟. Dito isso, apanhou um frasco de tinta vermelha que se
encontrava por acaso no quarto, e derramou o conteúdo sobre o lençol, mas não no lugar
preciso onde seria de se esperar encontrar as manchas de sangue” [3].

A mulher se encontra, portanto, submetida à compulsão de chamar a criada para


“corrigir” a cena, diz Freud, pois ela convoca o olhar dessa mulher para a mancha da
toalha e, assim, ela mostra que não há do que ter vergonha, pois a cena inteira é
montada para corrigir a dolorosa impotência do marido. Freud nos indica que é no lugar
do marido, se identificando a ele, que a mulher reproduz a cena no sintoma para corrigir
o fracasso do homem, e então a significação da cena é assim atualizada: “Não, não é
verdade, ele não tinha do que ter vergonha, ele não ficou impotente”. A mulher, pelo
sintoma, faz o homem, e de seu lugar ela o protege e o sustenta na plena posse de seus
atributos. A leitura freudiana dessa ação obsessiva se detém aí, no ponto onde ela se
revela como tendo o valor de negar ou desmentir a impotência do marido. Essa cena nos
parece dessa forma ter se tornado transparente; no entanto, quando terminamos a leitura
temos a impressão de que ela tanto esconde quanto revela.

Tínhamos chegado com Freud no ponto onde a mulher, se colocando no lugar do


marido, vem fazer Um com ele e dessa solidariedade fálica, chama a empregada. A qual
lugar ela é convocada? Essa mulher obsessiva recorre a uma Outra mulher, não para
interrogar nela o mistério da feminilidade conforme a estratégia da histérica, mas para
fazê-la testemunha como Outro diante do qual a mancha pode ser tomada como um
semblante que faz valer seu poder de evocação do falo. Assim a mulher do quarto é
incluída no sintoma que a convoca a esse lugar, para que ela se deixe atrair pela
mancha, no lugar onde ela preenche a hiância da castração, lá onde a ausência de ereção
evidencia a solidariedade entre gozo fálico e gozo do órgão.

Nessas condições, podemos isolar uma função do sintoma coordenada com a


mancha, enquanto ela se dá a ver pela empregada a fim de que ela possua valor para o
homem – aqui o marido – como sendo o véu que cobre seu recuo face ao Outro sexo.
Assim a esposa, pelo sintoma, põe em ação o valor de quase fetiche da mancha, e dessa
forma ela restitui ao marido o seu ter, a fim de poder, por sua vez, se assegurar do ser.
Ela adivinhou a posição do marido, diríamos, e é por isso que a corrige através do
sintoma: se a questão se passou entre “ser” e “ter” o falo, e se o marido, por sua
impotência, revela que, para ter, é preciso renunciar à pretensão de ser, se essa falha
nele a faz cair do lugar que a presentifica como podendo ser o falo, então, na cena
compulsiva, ela se coloca no lugar do marido, isto é, ela tem, e ela corrige o fracasso da
noite de núpcias, isso quer dizer que ela é, e por aí, ela fecha a hiância que a falta a ter
faz ressoar como falta a ser.

Só a ação obsessiva toma como tarefa colocar no mesmo saco a conjunção


impossível desse binário. O que só pode destinar-se ao fracasso e, por isso,
infinitamente recomeçado.

Nós destacamos o lado da impotência da cena a fim de opô-la em seu avesso


com o lado de impossível que traremos adiante. Assim podemos dizer que se a mulher
obsessiva convoca a empregada, é também para mostrar a ela a mancha sob um outro
olhar. Ela chama essa mulher não-toda, de não-saber de-todo, ela a faz chegar e assim a
obsessiva faz dessa empregada a substituta dela mesma, na medida em que ela vai lhe
mostrar exatamente o que foi eficaz na noite fatídica fazendo-a cair no não-sentido.

Então a obsessiva pela sua ação obsedante levanta o dedo e indica para a
empregada o poder medusante da impotência quando, fazendo cair o órgão do lugar de
semblante supremo da vida, ela mesma se encontra trazida de volta nessa queda.
Podemos aqui nos perguntar qual é a natureza dessa queda que implicou a necessidade
do sintoma para introduzir aí uma cessação. Somos levados aqui a supor, a partir da
existência do sintoma, que houve um apelo feito ao semblante para vir suturar a hiância
que foi aberta.

Qual é essa hiância? Primeiro podemos localizá-la no imaginário, e dizer que a


impotência do marido fez valer para ela a aniquilação do seu valor como objeto do
desejo, o que podemos escrever como ϕo. [phi zero].
Se ela não tem o valor de suscitar nele o desejo, então seu nome fálico se
encontra aniquilado, isto é, o nome que ela pode receber do simbólico: ser sua mulher.
Não poderíamos dizer que a impotência do marido teria funcionado para essa mulher
como o ao-menos-Um desse nome simbólico suspenso?

Isso implica a báscula do sujeito fora do sentido em direção ao sem-nome, pois


não há significante que seja próprio para nomear seu ser de mulher e ela cai no buraco
presentificado como sendo a ausência do Outro: S(A).

O desprendimento fálico do homem a deixa desamarrada, confrontada com o


impossível da estrutura, lá onde a falha de existência – “não há” - que pode se escrever

como , se faz propícia para abrigar em seu vazio a aniquilação pela qual o
simbólico, pelo seu poder de negação, se conjuga com a morte.

Por não se ver aspirada pelo buraco do Outro, que se escreve S(A), fonte de toda
dúvida, para impossibilitar a verdade da verdade de sua posição feminina, a obsessiva se
acopla ao sintoma que restitui a função fálica, de uma maneira não-toda bem sucedida.
Por isso ela terá de recomeçar, como Sísifo, um número infinito de vezes. Dessa
maneira ela terá evitado “a completa desvalorização sofrida por sua via genital por
causa da impotência de seu insubstituível marido”[4], mas ao fazê-lo, ela terá mostrado
também à empregada essa mancha em sua função de olhar, lá onde ela enquanto objeto
vem desempenhar para o homem “o papel daquilo que vem no lugar do parceiro que
falta”[5]. Assim, ela apenas chama a Outra mulher para lhe dizer: “veja você, o que nos
interessa é o que ele goza” [vois-tu, ce qui nous regarde est ce dont il jouit]. Ao fazer
isso ela mostra qual é o verdadeiro parceiro para um homem. Portanto, não transforma
ela o gozo fálico em derrisão? Vamos deixar assim a “mulher da toalha”, não sem
agradecê-la pela lição que pudemos tirar de seu caso. Assinalemos também, antes de
terminar, que a ação obsessiva se inscreve no oposto do ato de uma verdadeira mulher,
aquela que, como Medéia ou Madeleine, vai ao fundo da desfalicização e desfere um
golpe mortal em seu ter.

A obsessiva não sacrifica seu objeto patológico. Ela o segura. Ela segura seu
único e insubstituível marido, ao ponto de ficar sentada ali. Para ilustrar essa expressão,
evoquemos aqui o sentido de uma outra Zwang da “mulher da toalha”, compelida a se
assentar sempre sobre a mesma cadeira, quase sem poder sair dela. Ela revela a Freud
que “é difícil separar-se de algo (marido, cadeira) em que já nos sentamos”. Assim, à
questão “O que é um marido para uma mulher?”, ela nos responde: “Uma cadeira difícil
de sair”.

Ela designa com isso uma posição feminina, aquela da mulher sentada,
imortalizada para sempre pelo pintor, que consiste em um sistere* cujo ponto de apoio
lhe é dado pelo marido.

Isso nos adverte suficientemente sobre o fato de que devemos olhar duas vezes
antes de desalojar o obsessivo feminino de seu assento fálico. O que não quer dizer que
deixaríamos de fazê-la dar uma voltinha a fim de ela possa se levantar e ver atrás dessa
cadeira.

Tradução:

Arryson Zenith Jr.

Notas:

1- HAMON M.C., Pourquoi les femmes aiment-elles les hommes ? Paris, Seuil,
1992, p. 24.
2- FREUD S., Introduction à la psychanalyse (1917), Paris, Payot, 1987, p. 243.
3- FREUD S., op. cit. pp. 243-244.
4- FREUD S., « La disposition à la névrose obsessionnelle » (1913), Névrose,
psychose et perversion, Paris, P.U.F., 1973, p. 192.
5- LACAN J., Le Séminaire, Livre XX, Encore, Paris, Seuil, 1975, p. 58.
* sistere: verbo em latim que significa ficar, parar, se deter, permanecer imóvel

Extraído de: Névrose obsessionelle et feminité, Revue de La Cause Freudienne, 23,


p. 16-19, jun 1993.

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