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Consulta

Terapêutica
Dr. Gilberto Safra
A atitude de ser psicólogo
Adaptação:
Dra. Renata Coelho
Projeto Apoiar Online
IP-USP
XL Colóquio do LEFE: "Consulta Terapêutica" - 2/6/2017
Laboratório de Estudos em Fenomenologia Existencial e Prática em Psicologia
4 de set. de 2017
Instituto de Psicologia da USP

PROMOÇÃO
LEFE-USP
Email: lefe@usp.br | www.ip.usp/lefe

COORDENAÇÃO
Profa. Dra. Henriette T. P. Morato

ORGANIZAÇÃO
Heloisa Antonelli Aun, Vitor Sampaio e Pedro Vitor Milanesi|
PSA - Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade

"Consulta Terapêutica"
Palestrante: Prof. Dr. Gilberto Safra
Professor titular da Universidade de São Paulo. Experiência na área de Psicologia, com ênfase em Intervenção Terapêutica, atuando principalmente nos
seguintes temas: Psicanálise, Psicologia da Religião, Intervenções e Consultas terapêuticas. Trabalho na perspectiva da Psicanálise inglesa (Winnicott,
Milner) em diálogo com a filosofia e a literatura russa.

XL Colóquio do LEFE: "Consulta Terapêutica" - 2/6/2017 - YouTube


Uma consulta
- transformações extremamente profundas com uma consulta
- em processos regulares levaria alguns anos - a consulta em algumas
situações pode promover alteração da interioridade de grande
envergadura, desde que princípios e procedimentos possam ser
contemplados
contexto - aspectos
- ocorrer no momento em que a demanda acontece - condições subjetivas que
possibilitam que a consulta seja realizada de forma efetiva - ponto de urgência -
em que há disponibilidade muito específica da pessoa que solicita atendimento
- no momento da solicitação de um atendimento - em um pico de urgência
(muitas vezes a própria existência, nossa rede sócio cultural nos ajudam a
atravessar impasses, crises)
- privações sócio culturas, relacionais não permitem encontrar o repertório
simbólico que pudesse transformar a experiência em algo significativo - pedido
de ajuda - se dá conta que o modo de vida não foi suficiente - necessidade
profunda de interlocução, testemunho - risco de buscar ajuda de alguém
(experiências de encontros-desencontros, abuso, humilhação, de destituições,
tem patrimônio experiencial - nem sempre o tipo de profissional oferta o que a
pessoa precisa - e pode encontrar uma representação de destituição
Qualquer primeiro encontro de ajuda
Três determinantes de encontros interhumanos, intensificados na procura de ajuda:

1. Esperança - possibilidade de ainda conceber que ainda é possível um encontro que possa significar uma
experiência de mudança na vida - compreende um certo sonho - necessidade de sonhar do futuro -
(somos guardiões do futuro dessa pessoa pela confiança-esperança que depositou em nós)
2. Memória presente do passado - está no modo de ser de alguém - o passado é memória presente -
memória dos encontros e das destituições - memória faz encontro com psicólogo ser atravessado pela
ansiedade - intensidade da ansiedade fala das destituições profundas da pessoa (como um cachorro
maltratado - consulta terapêutica com cachorro e com gato) - fala das marcas - aponta a dimensão do
cuidado
3. Expectativa - disponibilidade do outro avaliada pelo paciente

Somente no primeiro encontro esses elementos estão presentes. Então, saber qual é o patrimônio
relacional da pessoa - na consulta terapêutica posso falar desse patrimônio de modo profundo, como não
poderia na terapia a curto prazo.

A dimensão da urgência é fundamental - atender imediatamente.


Manejo da temporalidade para fazer a consulta
- manejo da temporalidade - inclui a urgência -
- descrita em 1941 Observação de bebês em uma situação estabelecida de Winnicott - apresenta a
condição da temporalidade humana
- texto fala do jogo da espátula - bebê observava a espátula - quanto mais demorava esse momento maior
o adoecimento do bebê, período de excitação - momento de eclosão do sintoma psicossomático na
hesitação - quando ele ou a mãe tentavam facilitar também eclodia o sintoma - ele apenas esperava
sessões até a criança sair da hesitação e pegava a espátula havia superação da sintomatologia
psicossomática e psicológica - segundo momento quando a criança pegava a espátula e começava a
brincar - fundamental brincar com a criança - em seu uso do objeto - terceiro tempo - a criança brincava e
de repente se desinteressava, quando a criança jogava a espátula e não tinha mais interesse - a sessão
acabava nesse momento
- como ocorre em todo encontro: hesitação, uso do objeto e desinteresse - três tempos do encontro
humano (necessidade de encontrar e despedir)
- elementos fundamentais da existência humana: o nascer, a experiência e o morrer (jogar a
espátula-despedir: criando simbolicamente a morte mútua- morro nesse instante para você)
- tempos fundamentais na consulta - reconhecer, preservar e atuar segundo eles
Temporalidades no campo da consulta (curva de gaus)
- primeiro momento hesitação - comunicação pequena - de acordo com os patrimônios
- Obs algumas técnicas psicanalíticas terminam a sessão na hesitação, o que gera dependência,
transferência - pois a pessoa se abriu
- segundo momento - uso do objeto - comunicação profunda
- terceiro momento - despedida - é preciso preparar para a morte da despedida (assim
como houve disponibilidade para o encontro é preciso preparar a despedida - real com
a morte de ambos - indícios da pessoa se despedir - só é possível se despedir diante da
morte - simbólica ou não - com o destino do futuro
- terminar com apresentação da totalidade da experiência, uma narrativa do encontro - o que integra - se
o paciente não destina o futuro, o clínico cria um futuro, por exemplo amanhã você vai …(faço uma
narrativa do futuro)

- na consulta uma experiência completa: hesitação de comunicação, comunicação e


despedida - o que traz uma experiência subjetiva de realização de si - comunicação
significação aconteceu - reposicionamento subjetivo -
Temporalidade

Uso do
objeto

Sintomas
Destinação
Ansiedade

Nascer Experienciar Morrer


Testemunho
- Diante da comunicação significativa ir em direção ao sofrimento e poder
testemunhá-lo, reconhecê-lo e formular e dar uma dimensão possível de
relacionamento com o sofrimento
O que é o sofrimento humano?
- o sofrimento é existencial é estrutural
- Todo sofrimento é uma forma de saber - pessoa atravessada pela dor,
pelo sofrimento teve uma visita da verdade - o sofrimento é o modo
como a verdade emergiu, que é possibilidade de ser na presença do
outro - o estar com - o testemunho
- condição humana - não conseguimos dar conta do sofrimento sem estar
diante do outro
- sofrer sem a presença do outro é agonia.
Para ser uma boa mãe
- Para ser uma boa mãe é preciso ter tido uma boa mãe. É mentira racionalista.
- Para ser um bom pai é preciso que tenha tido um bom pai.
- Precisa acessar a dor de não ter tido um pai. Se acessar será um bom pai. O ser
humano aprender do não ser, aprende do negativo.
- Quem chega com seu sofrimento foi atravessado pela verdade, pelo não, pelo
não ser.
- Para o ser humano o ser é sempre relação. O ser acontece entre nós sempre -
condição clínica fundamental
- diante da pessoa que sofre reconhecer o saber que ela tem a respeito do que
viveu, poder testemunhar, poder reconhecer e junto dela verbalizar -
- Não se ouvir pelas categorias psicopatológicas - ouvir por aquilo que traz de
fundamental do sofrimento da condição humano - a narrativa não é só dele é
da condição humana - ponto de vista ontológico
exemplo de uma consulta com criança
- casal de médicos, pais de criança, menino, 4 anos, fóbico (medo escuro, de pessoas
- estava no colo do pai, encostado, com rosto no colo do pai, para parede, não olhava para o Safra.
- carrinho (espátula) no chão brincando, o pai começou a ajudar, dizia ele está brincando, continuo brincando, a criança virou no colo
olhando para terapeuta, que começou a jogar o carrinho, a distância, olha disse o pai, pega o carrinho, pegou e começou a andar com
o carrinho no colo do pai. o pai colocou a criança no chão. o terapeuta foi chegando perto com o carrinho, deu uma trombada e saiu
correndo, a criança olhou para o pai. na terceira vez, a criança bateu o carrinho no carrinho do terapeutra - superada a hesitação.
- Foi para sala ao lado, com uma mesa e muitos brinquedos, pegou os guaches perguntou se podia pegar, e pintou papel - de repente a
tinta correu na mesa, ele levou um susto e perguntou não faz mal - e fez de novo de propósito e pintou mais a mesa e perguntava se
não fazia mal. começou a pintar com as mãos a mesa - ficou feliz - do nada pega um guache e joga na parede - olhou e perguntou não
faz mal - e jogou outro guache - COMUNICAÇÃO FUNDAMENTAL - pegou um guache colocou no chão e pisava em cima esmigalhou o
pote e diz eu já contei que tenho uma irmãzinha e pulava - ele abriu o tema o terapeuta começou a perguntar como ela é - é bonitinha
mas é muito chata, chora demais e pulava no guache. o terapeuta perguntou vamos brincar de pular em cima da irmãzinha. Vamos e
pulava em cima - continuaram conversando sobre a irmãzinha - eu gosto dela mas quero quebrar a cabeça dela, não faz mal né? Não
faz mal (pode expressar a ambivalência sobre a irmãzinha). Ela parou de pular, começou a fazer outras coisas. Já não tinha
investimento na situação. terapeuta diz vamos nos preparar para nos despedir, lavaram as mãos ele quebrou um copo e perguntou se
não fazia mal. Foram para a sala dos pais, ele falou que brincou, mas não falou da irmãzinha. terapeuta perguntou, porque ele tem
tanto medo de estragar as coisas? A mãe diz, esse apartamento era um sonho, a decoração é toda branca, o terapeuta diz faz mal né
com duas crianças crianças. não tem problema ter seu apartamento, mas seu filho está achando que estraga tudo, não tem como
vocês abrirem um espaço em que ele possa brincar (destinação) - a criança ficou ouvindo. A criança enviou correspondência até os 12
anos, sem que o terapeuta respondesse para não gerar dependência. as primeiras eram desenhos, que pedia para o pai colocar no
correio, depois algumas letras.
-
Consulta como matriz do encontro
- A consulta terapêutica - ser um lugar de referência - significa que se
estabelece dentro da interioridade da pessoa a compreensão, a
disponibilidade de que a ajuda pode acontecer - facilita em outro
momento da vida que a pessoa faça uma psicoterapia - porque uma
matriz do que é ser ajudada nesse registro
- Para a criança - depois da consulta narrava a história da consulta, para
destinar a consulta, como em uma fábula.
perguntas
Psicodiagnóstico
- fazer diagnóstico rápido pela consulta terapêutica - o que é uma dificuldade
- descrições psicopatológicas, de quadros clínicos (?)
- o diagnóstico não tanto no campo da psicologia, mas no campo do pathós
- Diagnóstico - o que é o sofrer da condição humana, como o sofrimento acontece nessa pessoa? Há uma organização
de vida, um modo de ser, uma organização psicológica que está determinada pelo modo de sofrer dessa pessoa.
- Há desencontros, mas quais são os recursos, os modos de lidar com o seu sofrer, sofrimento, pode favorecer ou
prejudicar e levar à adoecimentos graves - do ponto de vista do diagnóstico fazer uma compreensão do sofrimento
para as organizações psicopatológicas (o sofrimento não é psicológico, afeta o psíquico, se organiza no psíquico, mas é
preciso compreender qual é o posicionamento existencial, qual é a existência humana atravessa essa pessoa)
- qualquer forma de atendimento demanda esse tipo de disponibilidade - um dizer dos índios apaches “só na verdade
conheço alguém quando uso os seus mocassins” - só na verdade posso estar diante de alguém se vou tentar enxergar
a vida por aquilo que acontece nela - tenho que honrar o sofrimento desta pessoa, quando respondo com um registro
do que acontece, sem mitigar - um problema ético

- diferença - demanda/queixa - questão da urgência - extinguir demanda/queixa - o que chega é a queixa, mas não é a
demanda - momentos da situação de plantão para nós e para o outro - temporalidades
- a morada, o habitar-se é fundamental
um conjunto de consultas terapêuticas
- a duração de uma consulta com os três tempos é aproximadamente de 1h20 a 1h30 - é o que aguentado
por ambos, mais que isso não é produtivo, se permanecer somente na hesitação é preciso interromper
- Se não ocorrer a destinação com a chegada nesse tempo pelo paciente, fazer a mediação para que esses
três tempos sejam contemplados pelo menos verbalmente - se estou percebendo que o paciente não
chegar, talvez não tenha condições de chegar nesse momento, fazer um levantamento do que o paciente
disse, tentar apontar, assinalar em qual direção está a angústia dele e vou destinar - talvez outro
encontro ou encaminhar para um trabalho terapêutico a longo prazo - esse é o primeira aspecto. O outro
aspecto, esses três tempos trabalhados em qualquer encontro clínico, inclusive em sessões
psicoterápicas - a sessão termina quando há um desinvestimento na relação e a sessão termina. É
importante que o paciente saia inteiro da sessão, sem precisar do terapêuta imediatamente, sem criar
dependências transferenciais artificiais
- quando a sessão atrasa o outro paciente tinha um saber experiencial de que se a sessão estava atrasada
para ela, o outro estava sendo atendido, nunca houve problema de rivalidade entre pacientes, de se
sentir desatendida, pois na sessão dela, se necessário havia maior tempo - uma postura ética, então
eticamente é possível esperar o outro
Bibliografia
Gilberto Safra, A clínica em Winnicott - PhilPapers
Curando com histórias - Gilberto Safra
Cap. O método

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