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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS


LINHA DE PESQUISA CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO

Viviane Cattelan Kauer

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE DA


PROTEÇÃO AO TRABALHADOR

Santa Cruz do Sul/RS, março de 2015


Viviane Cattelan Kauer

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE


DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR

Dissertação apresentada à banca do programa de


Pós-Graduação em Direito – Mestrado, área de
concentração em demandas sociais e políticas
públicas da Universidade de Santa Cruz do Sul –
UNISC.

Orientador: Prof. Dr. Raimar Rodrigues Machado

Santa Cruz do Sul, março de 2015


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Viviane Cattelan Kauer

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE DA


PROTEÇÃO AO TRABALHADOR

Dissertação apresentada à banca do programa de Pós-


Graduação em Direito – Mestrado, área de concentração
em demandas sociais e políticas públicas da Universidade
de Santa Cruz do Sul – UNISC.

Orientador: Prof. Dr. Raimar Rodrigues Machado.

_______________________________________________
Prof. Dr. Raimar Rodrigues Machado

_______________________________________________
Prof. Dr. Jorge Renato dos Reis

________________________________________________
Prof. Dr. Álvaro Sanches Braco
4

Toda a alma digna de si-própria deseja viver a vida em


extremo. Contentar-se com o que lhe dão é próprio dos
escravos. Pedir mais é próprio das crianças. Conquistar mais é
próprio dos loucos, porque toda a conquista é [...] (PESSOA,
1989, p. 270).
5

Aos meus pais Eliane e Valnei.


Agradeço imensamente à mão que me estenderam.
Vocês são o maior exemplo da minha vida.
6

AGRADECIMENTO

Se você está lendo esta página é porque consegui. E acho que o mais correto
ainda seria dizer que conseguimos. Não foi nada fácil este percurso, nem tranquilo.
Passei por tudo aquilo que, em uma vida toda, não se quer passar e muito menos se
preveja passar durante um mestrado. Não creio que valha a pena trazer à tona as
pedras, mas apenas registrar meus agradecimentos às pessoas que me ajudaram a
retirá-las, contorná-las e fazerem com que eu pudesse percorrer este caminho.
A Deus, porque além de ser a luz, fortaleza, proteção e sabedoria que dá
sentido à minha vida, segurou-me no colo e me deu forças para continuar, guiou-me
na estrada que, semanalmente, percorri.
Aos meus pais Eliane e Valnei, pelo apoio, pelo incentivo aos estudos, pelas
palavras, pelo investimento, por sempre acreditarem que eu posso ir além. Muito
obrigada, amo vocês!
Ao meu marido Marcelo que, no meio de tantas mudanças pessoais, surgiu
para que eu pudesse ter paz, ser feliz e concluir o mestrado! Obrigada por me ouvir
sem me julgar, pela ternura do seu olhar ao me abraçar, por me fazer acreditar que
sou especial, pela dedicação amorosa! Eu te amo infinitamente!
Aos demais familiares, avós, tios e primos, pela compreensão diante da
minha ausência.
Aos meus amicíssimos Raquel e Rafael, por me acolherem tão bem em sua
casa. Muito mais que um hotel 5 estrelas, o quarto de hóspedes, as jantas, almoços
e tudo mais que recebi de vocês não têm estrelas suficientes para qualificar! Muito
obrigada, meus irmãos de coração!
Aos meus alunos que sempre me incentivaram a procurar mais perguntas
para que, ao estudarem, encontrem as respostas! Por vocês eu fiz o mestrado e
seguirei estudando sempre!
Ao meu orientador Raimar Machado, pelo acolhimento, disponibilidade e
dedicação manifestada para orientar este trabalho, muito obrigada! Você é uma
pessoa do bem, que me ajudou, confiou, defendeu e sinto que torce por mim! Muito
obrigada!
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Obrigada a todos os professores do Programa de Mestrado em Direito da


UNISC, em especial aos meus professores André Viana Custódio, João Pedro
Schmidt, Jorge Renato dos Reis, Mônia Clarissa Henning Leal, Rogério Gesta Leal,
Rosangela Gabriel e Salete Oro Boff, os quais, sem sombra de dúvida, fizeram
possível este trabalho por meio do compartilhamento do conhecimento, feedbacks.
Obrigada pela oportunidade que tive de crescimento.
À coordenadora do programa e professora Marli Marlene Moraes da Costa,
pela atenção dedicada a mim, pela compreensão e confiança.
Na certeza de que é impossível transmitir nestas palavras toda minha
gratidão, continuo na esperança de retribuir-lhes de alguma forma tudo o que vocês
me deram.
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RESUMO

O princípio da proteção ao trabalhador, explicitado na Constituição de 1934, como


positivação do fator real de poder denominado proletariado, tinha como destinatário
o legislador, o qual, por sua vez, deveria elaborar a legislação correspondente ao
direito do trabalho de modo protetivo. Logo, o princípio precede o próprio direito do
trabalho. Com o passar do tempo, em decorrência de uma série de fatores
estruturais, verificou-se que o princípio em questão, do modo como concebido, tinha
pouca eficácia. Nesse cenário, passou-se a concebê-lo não apenas como uma
norma constitucional direcionada ao legislador, mas também como um princípio
geral do direito (de status infraconstitucional, portanto), com a função de suprimir
lacunas e orientar a interpretação do direito. Em seguida, os problemas estruturais
sendo gradativamente superados, o princípio em questão se modifica novamente,
passando a abarcar hipóteses para as quais não fora concebido, de modo a incidir
em praticamente todas as etapas de aplicação das normas legais trabalhistas,
sobrepondo-se, inclusive, às demais normas de igual hierarquia. Paralelamente,
inaugura-se, no Brasil, com a Constituição de 1988, o constitucionalismo
contemporâneo. A partir disso, surge o problema da presente pesquisa: o novo
paradigma constitucional impõe a releitura do ideário da proteção ao trabalhador?
Em face desse questionamento, e partindo pressuposto de que, a rigor, há a
necessidade de realização de uma filtragem constitucional dos institutos
precedentes à Constituição Federal de 1988, no que se inclui o princípio em
comento, o objetivo geral do estudo centra-se na realização desse procedimento e
na análise de suas consequências nas noções conceituais e estruturais, bem como
no domínio normativo, do ideário da proteção ao trabalhador. Para tanto, é
necessário, ainda que por meio de breves notas, a exposição da transformação
histórica do direito do trabalho no Brasil e o surgimento do princípio da proteção; do
mesmo modo, precisa-se compreender o fenômeno da constitucionalização do
direito, analisando as categorias normativas existentes no paradigma do
neoconstitucionalismo e sua imbricação com o microssistema trabalhista; e, por fim,
é imprescindível a enunciação da noção conceitual hodierna do instituto da proteção
e das principais normas dele decorrentes. A realização da filtragem constitucional
mencionada demonstra que o princípio em questão possui duas facetas, uma
constitucional e outra infraconstitucional. A primeira é um princípio novo, cujo
destinatário, em primeira instância, é o legislador, e com conteúdo delineado pelo
próprio texto constitucional; o segundo; o resultado da recepção do antigo princípio
da proteção, cujo conceito, âmbito de incidência e estrutura normativa modificaram-
se, sendo, ainda, o reflexo abstrato, em nível infraconstitucional do princípio
constitucional equivalente. A partir dessa viragem paradigmática, o princípio
infraconstitucional deixa de possuir valor relativo superior às demais normas do
ordenamento jurídico, para transformar-se em mais uma das normas componentes
do marco regulatório do direito do trabalho. Logo, sua aplicação é precedida pela
legislação (mormente as de natureza de norma-regra), que se qualifica como o
aspecto material do princípio constitucional da proteção, e, por ocasião de sua
incidência, é ponderado com os demais princípios incidentes, sobretudo os de que
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são titulares os empregadores. Por outro lado, no que concerne à incidência do


próprio princípio constitucional da proteção nas relações interprivados, tem-se que,
pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também haverá ponderação entre
os direitos de empregadores e empregados. Trata-se da mesma ponderação
realizada pelo Legislador quando da elaboração de normas trabalhistas, mas
realizada pelo Judiciário na solução dos conflitos particulares. Na medida em que
toda a pesquisa correspondente ao tema foi bibliográfica, valeu-se do método
hipotético-dedutivo quanto à abordagem. No que tange ao método de procedimento,
utilizou-se o analítico e o histórico-crítico.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Proteção do trabalhador. Proletariado.


Constitucionalismo Contemporâneo. Constitucionalização do direito. Filtragem
Constitucional.
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ABSTRACT

The principle of Worker Protection precedes the Labor Law, as quoted in the 1934
Constitution, to assert the real power of the named Working Class, had for its
conclusion the legislator, whom, is responsible to elaborate the correspondent
legislation to the work right in a protective way. Thought the time, as a series of facts
occur, it was possible to verified the principle in question, as the way it was
conceived, had low efficiency. In this scenery, it began to be conceive, not just as a
Constitutional rule focus in the legislator, but also as a general principle of the law
(therefore, the status of infraconstitutional), with the demand of abolish the lacuna
and to guide the interpretation of the law. After this, the structural problems being
gradually overcome, the principle in question modifices again, and span hypothesis
through which it wasn´t conceive to, in a way to occur in, practically, every stage of
the application of the worker´s legal laws. Concurring, through the 1988 Constitution,
establish, in Brazil, the Constitutional Filtering. From that, emerge the problem of the
present work: the new constitutional paradigm impose the reread of the working
protection? In the presence of this question, and assuming that, stricted, there is the
need of accomplish a constitutional filtring of the precedents institutes of the 1988
Federal Constitution, in which included the principle in comment, the general aim of
this work is to achieve this proceeding and in the analysis of its consequence in the
structural and conceptual notion, and the normative dominion of the working
protection. To accomplish that, is necessary, even so through brief notes, the
exposition of the historical transformation of the Work Law in Brazil and the emerging
of the protection; in the same direction, the understanding of the Constitucionalization
of the Law phenomenon, investigating the normatives categories that exist in the
neoconstitucionalism and its convergion with the laborist small system; and, therefore
the enunciation of the modern conceptual notion of the protection institute and the
main rules resulting from it. The accomplishment of this proceeding establishes taht
the principle in question has two sides, one constitutional and the other
infraconstitucional. The first it´s a new principle, whom it´s accredit, in first instance is
the legislator, and the content delineate for its on constitutional text; the second, as a
result of the former principle of protection, which concept, range the incidence and
normative structural modified, still, being, the abstract reflection, in infracontitutional
level of the equivalent constitutional principle. Under these paradigmatic turn over,
the infraconstitutional principle leaves the relative value superior of the others
juridical orders, to transformer it self in one of the laws that compound the regulator
sign of the Labor Law. Therefore, your application is precede by the legislation
(mainly the nature of norms and rules), which qualify as a material aspect of the
constitutional principle of protection, and, due to its incidence, its ponder with the
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others incidence principles, mainly the ones that the employers detain the title. In
contrast, in which concern the incident of the own constitutional principle of protection
in the interprivate relations, there are, due to the horizontal efficiency of the
fundamental rights. In contrast, in which concern the incident of the own
constitutional principle of protection in the interprivate relations, there are, due to the
horizontal efficiency of the fundamental rights, it will also have pondering between
the rights of the employer and the employees. It´s the same pondering fulfill for the
legislator at the time when the working norms were elaborated, but perform by the
Judiciary in resolving private conflicts.

Keywords: Labor Law. Worker Protection. Working Class. Modern Constitutionalism.


Constitucionalization of the Law. Constitutional Filtering.
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................14
2 TRANSFORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL E O
SURGIMENTO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO. ......................................................................24
2.1 Surgimento e evolução do direito do trabalho: um panorama geral..........................25
2.2 Surgimento e evolução do direito do trabalho no Brasil: breves notas. ....................33
2.3 Gênese do princípio da proteção e o contexto histórico de seu surgimento ............40
2.4 Função do princípio da proteção em seu surgimento: análise acerca do conteúdo
normativo e do destinatário da norma. .........................................................................................45
3 O FENÔMENO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO NO ÂMBITO DO DIREITO
DO TRABALHO: ANÁLISE ACERCA DAS CATEGORIAS NORMATIVAS EXISTENTES NO
PARADIGMA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E SUA IMBRICAÇÃO COM O
MICROSSISTEMA TRABALHISTA ..............................................................................................50
3.1 Noção conceitual de neoconstitucionalismo e as principais consequências desse
fenômeno ........................................................................................................................................50
3.2 A influência do neoconstitucionalismo no âmbito do direito do trabalho: a
necessidade de filtragem constitucional dos institutos pertencentes a este microssistema
jurídico .............................................................................................................................................57
3.3 A influência do neoconstitucionalismo na categorização normativa do instituto da
proteção: estudo acerca dos conceitos e funções de princípio, regras, postulados e
princípios gerais do direito ............................................................................................................61
4 NOÇÃO CONCEITUAL HODIERNA DO INSTITUTO DA PROTEÇÃO E DAS PRINCIPAIS
NORMAS DELE DECORRENTES ...............................................................................................69
4.1 Dos direitos sociais como direitos fundamentais no âmbito da Constituição Federal
de 1988 ...........................................................................................................................................70
4.2 O princípio da proteção ao trabalhador na Constituição Federal de 1988 ...............73
4.3 Breve análise acerca da influência das normas internacionais de direitos
trabalhistas no âmbito do princípio constitucional e infraconstitucional da proteção ...............87
4.4 Distinção entre a proteção ao trabalhador na faceta constitucional e na
infraconstitucional: observação das funções que o instituto exerce em cada nuance ............90
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4.5 Da aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais no paradigma do


neoconstitucionalismo e o método da ponderação .....................................................................97
4.6 A constitucionalização da faceta infraconstitucional do instituto da proteção e das
normas dele decorrentes .............................................................................................................101
5 CONCLUSÃO............................................................................................................................107
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................116
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1 INTRODUÇÃO

Não há uma definição clara acerca do momento histórico em que, no Brasil,


surgiram os primeiros direitos trabalhistas ou mesmo o próprio direito do trabalho.
Quanto a este, poder-se-ia dizer que, enquanto ramo autônomo da ciência jurídica,
nasceu com o advento da Constituição Federal de 1934.
De lá pra cá, a sociedade mudou muito, em praticamente todos os seus
aspectos. Assim, o cenário social que servira de suporte fático para a criação do
direito do trabalho, e mesmo dos primeiros direitos trabalhistas, modificou-se
substancialmente. Paralelamente a isso, o direito constitucional evoluiu, sobretudo
após a segunda guerra mundial.
O constitucionalismo contemporâneo tem como marca característica a
imposição de que o ordenamento jurídico seja lido à luz da Constituição, que, por
sua vez, ocupa o centro da ordem jurídica, irradiando os seus preceitos
fundamentais sobre todos os institutos de todos os ramos do direito.
Os novos institutos ficam condicionados pela Constituição, devendo nascer de
acordo com os preceitos fundamentais nela dispostos; os precedentes à
Constituição devem ser constitucionalizados, de modo que a interpretação que se
faça dos institutos constantes em tais textos normativos deve ser condizente com os
preceitos constitucionais.
Trata-se, em uma das facetas do constitucionalismo, de um meio de superar o
anacronismo existente entre o contexto histórico que justificara a existência de
determinadas legislações com o cenário atual. Uma de suas facetas, porque esse
paradigma constitucional possui características e consequências bem mais amplas e
variadas em relação à mencionada.
Ocorre que esse fenômeno, que, no Brasil, tem como marco a Constituição
Federal de 1988, é recente. Dessa forma, nem todos os ramos do direito
experimentaram essa filtragem constitucional, principalmente aqueles que são
precedentes à CF/88. É o caso do direito do trabalho.
Não obstante a grande produção teórico-científica relativa ao
neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito, há uma baixa exploração
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desse fenômeno no âmbito do direito do trabalho. É dizer, não se realizou, no âmbito


da doutrina, e muito menos da jurisprudência, um cotejo sistemático e analítico das
categorias normativas do direito trabalho com as trazidas pelo constitucionalismo
contemporâneo.
Isso equivale a afirmar que esse microssistema tem se mantido alheio aos
influxos do desenvolvimento teórico trazido pelo novo paradigma constitucional.
Ressalte-se que, no bojo desse ramo do direito ainda impera, em grande medida,
como norteador dessa parcela específica do ordenamento, o ideário da proteção,
exclusivamente, ao trabalhador, ou, para utilizar a expressão correspondente: o
princípio da proteção ao trabalhador.
Tal instituto é visto como alicerce do direito do trabalho, sendo destinado tanto
ao legislador, quanto aos operadores do direito de um modo geral. Nesse último
caso, na tarefa de interpretação dos princípios e regras relativos a esta seara.
Ao que parece, há uma confusão entre os conceitos de princípio
constitucional e princípio geral do direito, mormente no que concerne às respectivas
funções que exercem dentro do ordenamento jurídico. O mesmo raciocínio se aplica
para as noções conceituais de postulado e regra, cujos conceitos confundem-se,
entre si e com aqueles, na aplicação e interpretação do microssistema trabalhista.
Saliente-se que o instituto em questão nasceu junto com a legislação do
trabalho, confundindo-se, a rigor, com o próprio direito do trabalho. Isso significa
dizer, do ponto de vista prático, que há pré-compreensões dogmáticas de que o
direito trabalhista, e a interpretação que dele se faça, deve ser protetiva.
Essa noção, enraizada no imaginário (senso comum) teórico dos juristas,
impera, não obstante a ausência de correspondência entre os contextos históricos,
sociais, jurídicos e econômicos, que circunscrevem a gênese do princípio em foco e
a atualidade. Ou seja, é diacrônico o conteúdo da concepção do ideário em tela e a
sua aplicação hodierna, mas isso não tem abalado o conteúdo e o modo aplicação
do instituto em comento.
Daí o porquê da necessária leitura constitucional do citado instituto.
Constitucionalização essa que consiste em determinar, com base nos direitos
fundamentais, a amplitude do conteúdo e das hipóteses de incidência da norma
específica do direito do trabalho.
Destarte, não está se negando que constitucionalmente exista, a partir da
leitura da Constituição Federal de 1988, o dito instituto da proteção ao trabalhador.
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O que se está afirmando é que a aplicação continuada do ideário da proteção pré-


existente à Constituição deve ter sua leitura constitucionalizada, adequando o seu
conteúdo e domínio normativo ao paradigma do neoconstitucionalismo e aos influxos
teóricos que o fenômeno traz consigo. O que, como consequência, impede que
determinado enunciado normativo seja absoluto, mormente em se tratando de
pretenso princípio.
Assim, este estudo se mostra importante, na medida em que tem o escopo de
analisar as consequências do advento do constitucionalismo contemporâneo sobre o
direito do trabalho, aferindo os efeitos do mencionado fenômeno no âmbito das
categorias normativas que compõem esse ramo do direito, bem como as
consequências, conceituais e interpretativas, da leitura constitucional do instituto da
proteção ao trabalhador.
Em decorrência de um corte epistemológico, a observação se concentrará no
princípio da proteção ao trabalhador. A escolha é baseada em um critério de
importância, na medida em que tal instituto é o pilar sobre o qual foi erigido o direito
do trabalho. Logo, o tema central da pesquisa é a análise das consequências da
aplicação da ideia central do constitucionalismo contemporâneo (ou
neoconstitucionalismo), qual seja: a constitucionalização do direito, ao
microssistema do direito do trabalho, mormente no que tange ao instituto da
proteção e as principais subcategorias normativas dele decorrentes.
Denomina-se ideário de proteção ao trabalhador, e não princípio, porque a
leitura constitucional do instituto tem a possibilidade de enquadrá-lo em outras
categorias normativas, a saber: postulado, princípio (constitucional ou
infraconstitucional), princípio geral do direito ou regra.
A observação limita-se ainda ao cotejo do tema no âmbito das relações
individuais de trabalho. Portanto, não será objeto de estudo às relações de direito
coletivo do trabalho, sejam as relações entre sindicatos, seja a relação entre
individuo e/ou empresa com sindicados. Do mesmo modo, delimita-se a análise pelo
aspecto material da legislação trabalhista, excluindo-se as disposições processuais
e procedimentais correspondentes a esse ramo do direito.
O estudo cinge-se, ainda, ao âmbito do direito constitucional e do trabalho
brasileiros contemporâneos. Dessa forma, prescinde-se de uma análise histórica
mais acurada do que uma breve exposição.
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Diante disso, indaga-se: o neoconstitucionalismo impõe uma releitura do


ideário da proteção ao trabalhador? Em caso positivo, quais as consequências que
esse fenômeno traz à leitura do instituto da proteção na esteira das relações
individuais do trabalho?
Em uma resposta preliminar (hipótese), é possível dizer que o
neoconstitucionalismo impõe, sim, uma releitura ao ideário da proteção ao
trabalhador, uma vez que a instituição em tela é anacrônica em relação a este
fenômeno. Assim, considerando que o microssistema do direito do trabalho está
inserido no contexto da constitucionalização do direito, o que acarreta o influxo
necessário das teorias relativas aos direitos fundamentais, deve ter seus pilares
revistos.
É o caso do instituto da proteção ao trabalhador. As consequências que a
revisão constitucional das balizas fundantes do direito do trabalho ocasiona no
conceito do instituto da proteção são conceituais e estruturais, modificando o próprio
domínio normativo do ideário em comento.
É a partir disso que o objetivo geral da presente pesquisa consiste em
analisar as consequências do neoconstitucionalismo no âmbito do direito individual
do trabalho, com o escopo de realizar uma revisão constitucional do ideário da
proteção ao trabalhador, verificando quais as modificações conceituais e estruturais,
bem como de domínio normativo, que o fenômeno em tela impõe ao instituto em
questão.
Para tanto, é imprescindível expor, em breves notas, a evolução histórica do
direito do trabalho, principalmente no Brasil, identificando o surgimento do princípio
da proteção. Ato contínuo a esta identificação, é preciso descrever a função do
ideário da proteção no contexto histórico de seu surgimento, bem como o seu
conteúdo normativo, para, então, identificar o destinatário da norma.
Feito isso, torna-se imperioso verificar se a noção hodierna do instituto da
proteção é diferente em relação a sua origem, ou se, mesmo com o passar do
tempo, permaneceu com o seu conceito originário incólume, aplicando-se o mesmo
raciocínio às principais normas dele decorrentes.
Em qualquer caso, tem-se que aferir se o dito princípio foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988 e, se positivo, em que medida. Depois, é preciso
averiguar em que categoria normativa, dentre aquelas decorrentes do
constitucionalismo contemporâneo (regra, princípio e postulado) o instituto se
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enquadra, porquanto o conceito de “princípio”, na esteira do neoconstitucionalismo,


é diferente do conceito de “princípio” contemporâneo ao surgimento do instituto,
mormente no que concerne à forma como opera no sistema jurídico.
Em seguida, ainda partindo-se do pressuposto de que houve recepção
constitucional do instituto, mesmo que com modificações conceituais, é importante
identificar se há um princípio constitucional da proteção ao trabalhador, a partir da
leitura do texto constitucional, mormente da disposição do art. 7º da CF/88.
Considerando-se que o princípio da proteção era, originariamente, de status
infraconstitucional, a identificação de tal instituto no âmbito do texto constitucional
traz consigo outro problema consistente em saber se houve recepção do princípio já
existente ou enunciação de um novo princípio, cujo conceito, por obedecer a
eventuais disposições constitucionais, é diverso do antecedente, ou, ainda, se houve
tanto a recepção do instituto, quanto sua constitucionalização, sendo possível
afirmar que há um princípio infraconstitucional da proteção e outro constitucional.
Nesse sentido, necessita-se aferir se existe distinção entre o princípio da proteção
sob a ótica infraconstitucional e sob o enfoque constitucional.
Pelo fato de o trabalho desenvolvido acerca do tema ser eminentemente
bibliográfico, o método de abordagem foi o hipotético-dedutivo, uma vez que foram
experimentadas as teorias que circunscreveram está pesquisa, ou seja, partiu-se de
um âmbito teórico mais amplo composto por ideias gerais, relativas ao
neoconstitucionalismo, em direção a um âmbito mais específico (microssistema do
direito do trabalho e instituto da proteção do trabalhador), com o escopo de
experimentar nesta seara aquelas construções teóricas.
Os métodos de procedimento, por seu turno, foram o analítico e o histórico-
crítico. O primeiro, porque esta pesquisa visa à elocução de argumentações críticas
e construtivas, por meio da descrição e aprofundamento das análises existentes no
campo de estudo que se insere este trabalho. O segundo, porque se objetiva, eis
que imprescindível, situar historicamente o tema.
Assim, com um tratamento específico e localizado, delimitado por um corte
epistemológico perpendicular, verificar-se-á, ao longo da exposição, a influência da
construção dogmática anterior do instituto da proteção na atualidade, descrevendo-
se os próprios motivos e acontecimentos fundantes do instituto. A partir disso,
argumentar-se-á, crítica e construtivamente, sobre as análises existentes a respeito
do tema.
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Tal com fito de experimentar as construções teóricas que gravitam em torno


da discussão proposta, isto com a finalidade de colimar as consequências da
aplicação das ideias de âmbito mais geral supramencionadas no campo dos
regramentos teóricos mais específicos.
Por fim, a técnica de pesquisa foi a de documentação indireta, consultando-se
as bibliografias existentes acerca tanto do tema específico quanto de temas
correlatos que podiam dar suporte ao desenvolvimento do trabalho. Além disso,
buscou-se subsídios nos principais repositórios de jurisprudência pátrios.
Como decorrência da metodologia utilizada, dividiu-se esta dissertação, a fim
de alcançar os objetivos deste estudo, solucionando os problemas de pesquisa, em
três capítulos, quais sejam: (1º) a transformação histórica do direito do trabalho no
Brasil e o surgimento do princípio da proteção; (2º) o fenômeno da
constitucionalização do direito no âmbito do direito do trabalho: análise acerca das
categorias normativas existentes no paradigma do neoconstitucionalismo e sua
imbricação com o microssistema trabalhista; e, por fim, (3º) a noção conceitual
hodierna do instituto da proteção e das principais normas dele decorrentes.
O primeiro capítulo foi dividido em quatro subcapítulos, a fim de demonstrar a
relação de simultaneidade entre o surgimento do direito do trabalho e do princípio da
proteção.
Assim, no primeiro subcapítulo, é analisada, em linhas gerais e brevíssimas,
as relações de trabalho, sob uma ótica geral, bem como os contextos de
determinadas regulações setoriais.
No segundo subcapítulo, analisa-se o surgimento histórico e a evolução do
direito do trabalho no Brasil, demonstrando a origem pré-constitucional desse ramo
do direito, bem como a maneira como foi tratado nas Constituição e na legislação
infraconstitucional.
Já no terceiro subcapítulo, identifica-se a gênese do princípio da proteção ao
trabalhador, bem como o contexto histórico correspondente, colimando os motivos
pelos quais tal instituto surgiu e se desenvolveu.
Por sua vez, no quarto subcapítulo, estuda-se o conteúdo normativo do
princípio da proteção, em sua origem, e a sua função no ordenamento jurídico,
verificando a quem era oponível tal instituto destinado à proteção do trabalhador.
O segundo capítulo, de seu turno, foi dividido em três subcapítulos, com a
finalidade de melhor descrever o fenômeno da constitucionalização do direito do
20

trabalho, cotejando as categorias normativas decorrentes do paradigma do


constitucionalismo contemporâneo e o princípio da proteção ao trabalhador.
Por isso, o primeiro subcapítulo dispõe sobre a noção conceitual do próprio
neoconstitucionalismo, analisando, em linhas gerais, as principais características e
consequências desse fenômeno. Dentre tais características e consequências estão
a supremacia da constituição e a constitucionalização do direito, respectivamente.
Tais características desembocam, no que concerne aos ramos jurídicos
precedentes à Constituição Federal de 1988, na supracitada necessidade de
filtragem constitucional dos institutos constantes em tais textos normativos
antecedentes ao paradigma constitucional contemporâneo.
Partindo dos pressupostos estabelecidos no primeiro subcapítulo do segundo
capítulo, analisa-se a influência do neoconstitucionalismo especificamente no âmbito
do direito do trabalho, demonstrando a necessidade da realização de uma filtragem
constitucional dos institutos pertencentes a tal ramo do direito, sobretudo quanto ao
pilar de sustentação desse microssistema, isto é, o princípio da proteção ao
trabalhador.
Nessa linha intelectiva que, no terceiro subcapítulo, descreve-se a influência
do neoconstitucionalismo na categorização normativa do princípio da proteção,
estudando os conceitos e funções de princípio, regras, postulados e princípios gerais
do direito, a fim de determinar em que categoria normativa se enquadra o princípio
da proteção, em sua faceta originária.
Essa análise servirá de subsídio para a realização da filtragem constitucional
do instituto em tela, porquanto é a partir da determinação da categoria normativa em
que seu conceito originário se enquadra, que será possível verificar a
compatibilidade de seu funcionamento no paradigma constitucional vigente.
O terceiro capítulo é o mais denso e complexo da dissertação, uma vez que
todas as premissas analisadas e desenvolvidas ao longo do trabalho convergem
nesse ponto. Trata-se do momento da pesquisa em que se analisa a noção
conceitual hodierna do instituto da proteção ao trabalhador, juntamente com as
principais normas dele decorrentes, tais como o in dubio pro operario, condição mais
benéfica e norma mais favorável.
No mesmo quadrante, verifica as distinções entre o princípio constitucional da
proteção e do infraconstitucional, partindo-se do pressuposto de que existe tal
distinção. Ainda, é neste momento do estudo que se aferirá se houve a recepção do
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princípio infraconstitucional da proteção e, se afirmativo, em que medida houve


modificações em relação ao seu conceito e domínio normativo, originários.
Por conta disso, esse capítulo foi dividido em seis subcapítulos, a saber: (1º)
os direitos sociais como direitos fundamentais no âmbito da Constituição Federal de
1988; (2º) o princípio da proteção ao trabalhador na Constituição Federal de 1988;
(3º) do ingresso de direitos internacionais trabalhistas na ordem jurídica interna pela
cláusula geral do artigo 7º combinado com o artigo 5º, §2º e 3º, da Constituição
Federal de 1988; (4º) a distinção entre a proteção ao trabalhador na faceta
constitucional e na infraconstitucional: observação das funções que o instituto exerce
em cada nuance; (5º) o método da ponderação como instrumento necessário de
aplicabilidade do princípio da proteção ao trabalhador, no âmbito constitucional e
infraconstitucional; e (6º) a filtragem constitucional do princípio infraconstitucional da
proteção e das normas dele decorrentes.
O primeiro subcapítulo trata dos direitos sociais como uma categoria dos
direitos fundamentais, no âmbito do texto constitucional, mencionando as principais
consequências dessa classificação. Consequências que decorrem das
características inerentes aos direitos fundamentais. Do mesmo modo, apresenta as
diferenças entre os direitos fundamentais sociais e individuais, principalmente no
concerne ao aspecto efetividade.
O segundo subcapítulo busca identificar o princípio da proteção do
trabalhador no texto da Constituição Federal de 1988, partindo do pressuposto de
que existe dito princípio com status constitucional. Essa tarefa não é fácil, porquanto
não se está diante de uma norma explícita. Portanto, sua identificação perpassa,
necessariamente, o cotejo analítico e sistemático de uma série de dispositivos da
constituição.
Esse meio de identificação do mencionado princípio traz consigo uma
inferência inexorável, a saber: o conteúdo e o domínio normativo do instituto, isto é,
suas hipóteses de incidência, estão condicionados aos limites impostos pela
redação dos dispositivos que o identificam. Logo, o princípio constitucional da
proteção ao trabalhador será o que os preceitos constitucionais disserem que ele é.
O terceiro subcapítulo, por sua vez, considerando a referida afirmação, visa a,
em primeiro lugar, descrever o meio de ingresso dos tratados internacionais de
direito do trabalho, bem como as orientações da Organização Internacional do
22

Trabalho (OIT), no ordenamento jurídico pátrio, aferindo, em segundo lugar, com


que status vigem em sede de legislação interna.
Assim, é incumbência desse tópico colimar se tais normas internacionais
ingressam na ordem jurídica interna com status supralegal ou de emenda
constitucional, quanto aos precedentes ao disposto no § 3º do artigo 5º da
Constituição Federal de 1988, ou, ainda, se ingressam com status legal,
simplesmente, e, mais, se podem se submeter ao procedimento previsto no
mencionado parágrafo.
Tal análise é particularmente importante, para os fins deste estudo, já que
define e redefine o conteúdo do princípio constitucional da proteção ao trabalhador,
seja para conferir mais proteção ao trabalhador, seja para conferir menos proteção,
dado que as normativas internacionais, que por vezes se inspiram exclusivamente
em diretivas econômicas, podem ser menos benéficas do que as normas internas.
O quarto subcapítulo é destinado ao enfrentamento da distinção entre o
princípio da proteção ao trabalhador na faceta constitucional e na infraconstitucional,
observando-se as funções que o instituto exerce, no interior do ordenamento
jurídico, em cada uma dessas nuances. Trata-se de definir, por conseguinte, o
conteúdo, o domínio normativo e a maneira de incidência e aplicação do dito
princípio em cada nível.
No ponto, parte-se, ainda da concepção originária do princípio
infraconstitucional da proteção. Isso significa dizer que não, a análise não
considerará a filtragem constitucional do instituto, ainda. Esse teste tem o escopo de
acentuar a incompatibilidade da norma com o paradigma constitucional vigente,
corroborando a afirmação da necessidade de releitura do dito princípio.
O quinto subcapítulo analisa o método da ponderação enquanto instrumento
necessário à aplicabilidade do princípio da ponderação, tanto no âmbito
constitucional quanto no infraconstitucional.
No primeiro caso, há uma dupla direção, a saber: a ponderação realizada pelo
legislador para elaboração de leis e a realizada pelo intérprete aplica por ocasião da
incidência direta das normas constitucionais. No segundo, em que a análise ainda
leva em consideração o conteúdo originário do princípio da proteção, a comparação
entre a técnica de aplicação dos princípios infraconstitucional acentua a
incompatibilidade entre essa norma e o paradigma jurídico-constitucional
contemporâneo.
23

O sexto subcapítulo destina-se, exclusivamente, à realização da filtragem


constitucional do princípio infraconstitucional da proteção ao trabalhador, visando à
construção de seu conceito constitucionalizado. Do mesmo modo, por razões
reflexas, adéqua as normas decorrentes do princípio em questão aos postulados do
novo paradigma constitucional.
Esse ponto do estudo, parte, de um lado, das premissas elaboradas ao longo
do desenvolvimento do trabalho e, de outro, das incompatibilidades, existentes e
demonstradas, entre o princípio da proteção ao trabalhador em sua versão originária
e o modelo constitucional vigente. Cotejando as premissas e as incompatibilidades
desvela-se a medida da modificação do conteúdo e domínio normativo da norma em
tela necessária à compatibilização objetivada.
Denota-se, assim, que há um longo caminho a ser perfilhado na busca pela
construção dos pressupostos necessários à realização do escopo do presente
estudo, isto é, a verificação da influência do neoconstitucionalismo, ou do
constitucionalismo contemporâneo, no âmbito do direito do trabalho.
24

2 TRANSFORMAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL E O


SURGIMENTO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO.

Neste capítulo, será elaborada uma síntese histórica do instituto da proteção


ao trabalhador e do próprio direito do trabalho no Brasil. Nesse sentido, descrever-
se-á, brevemente, a evolução do direito do trabalho, a partir de seu surgimento,
passando pelas constituições brasileiras e pela positivação desse ramo do direito em
sede infraconstitucional.
A análise global do surgimento do direito do trabalho possibilitará a
identificação da localização histórica do instituto objeto desta pesquisa, porquanto
ele está inserido neste contexto maior.
A identificação dos contornos históricos mencionados, ainda que, em linhas
gerais, permitirá o delineamento do conteúdo normativo do instituto em tela.
O delineamento do conteúdo normativo do instituto em comento é
particularmente importante porque ele dará o subsídio necessário para se aferir que
situações ele pretendia regular e quais as suas hipóteses de incidência.
Com essa aferição, em momento oportuno neste estudo, se avaliará em que
proporção o instituto deve ser adequado aos parâmetros legais e constitucionais
vigentes hodiernamente.
Ao mesmo propósito, serve a identificação das funções exercidas pelo
instituto em tela em seu surgimento, ou seja, a demonstração dos porquês de a
proteção ao trabalhador ter surgido como uma categoria jurídica.
Em síntese, este primeiro momento da pesquisa visa a identificar, na história
brasileira, o surgimento do instituto da proteção ao trabalhador, verificando a que
finalidades se propunha em sua origem.
Além disso, pretende-se colimar qual era o seu âmbito de incidência e o seu
domínio normativo, de modo a observar em que medida seu conceito originário está
em consonância com as proposições jurídicas contemporâneas, sobretudo com o
que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo, instaurado no Brasil com o
advento da Constituição Federal de 1988.
Para tanto, este capítulo foi dividido em quatro subitens, quais sejam estes:
(a) o surgimento e evolução do direito do trabalho: um panorama geral; (b) o
surgimento histórico e a evolução do direito do trabalho no Brasil; (c) gênese do
princípio da proteção e o contexto histórico de seu surgimento; (d) função do
25

princípio da proteção em seu surgimento: análise do conteúdo normativo e do


destinatário da norma.

2.1 Surgimento e evolução do direito do trabalho: um panorama geral

Assevera-se que o Direito do Trabalho não surgiu juntamente com o seu


objeto, o próprio trabalho. Isso porque a regulação do trabalho é um fenômeno
relativamente recente que se incrementou, no plano internacional, nos últimos dois
séculos.
É de se considerar que o trabalho é tão antigo quanto a nossa própria
existência. De fato, em todo o período remoto da história, o homem primitivo é
conduzido direta e amargamente pela necessidade de satisfazer a fome e assegurar
sua defesa pessoal. Para tanto, ele se vale da caça, da pesca e da luta contra o
meio físico, seja contra os animais ou mesmo contra seus semelhantes (GOMES,
GOTTSCHALCK, 1998).
Nos primórdios da existência do homo sapiens, não se constata o trabalho
que existe atualmente, mas sim uma incessante luta pela sobrevivência em um meio
completamente adverso e hostil (GOMES, GOTTSCHALCK, 1998).
Apenas muito tempo depois, com a revolução agrícola e a consequente
sedentarização do homem, instala-se o sistema de troca e o regime de utilização,
em proveito próprio, do trabalho alheio. O trabalho escravo é a mais expressiva
representação do trabalhador na idade antiga (de 4.000 a.C a aproximadamente 550
a.C). A partir daí verifica-se o fenômeno da “coisificação” do trabalhador a qual, em
certos lugares do globo, perdura até os dias de hoje (FERRARI, NASCIMENTO,
MARTINS FILHO, 1998).
Durante a Idade Média, existiam três tipos básicos de trabalhadores: os
vassalos (subjugados por contrato ao senhor feudal), os servos da gleba (quase
escravos, que podiam inclusive ser vendidos, dados ou trocados por outros servos e
mercadorias) e os artesãos, que trabalhavam por conta própria e vendiam sua
mercadoria (SÜSSENKIND, et. al., 1997).
De forma gradual, a figura do obreiro ressurgiu, na superfície da História, com
uma característica nova: passou a ser pessoa, muito embora seus direitos subjetivos
ainda sofressem severas restrições.
26

Em fase posterior, mas ainda dentro da Idade Média, verificou-se um fato que
se assemelha ao sindicalismo contemporâneo: surgiram naquela ocasião as
denominadas corporações de ofício, que eram entidades representativas de
produtores e de trabalhadores (OLEA, 1997).
Na Idade Média, com as corporações de ofício, observam-se três
modalidades de membros. Os mestres eram proprietários das oficinas, já tendo sido
aprovados na confecção de uma obra mestra. Os companheiros eram trabalhadores
livres que recebiam salários dos mestres, tratando-se de grau intermediário surgido
no século XIV. Por sua vez, os aprendizes eram menores que recebiam dos mestres
o ensinamento metódico do ofício ou profissão, podendo passar ao grau de
companheiro se superassem as dificuldades dos ensinamentos (OLEA, 1997).
Apesar da existência de maior liberdade ao trabalhador, a relação das
corporações com os trabalhadores era de tipo autoritário, sendo mais destinada à
realização de seus interesses do que à proteção destes.
Ainda na sociedade pré-industrial, verifica-se a locação de serviços e locação
de mão de obra ou empreitada, sendo que, atualmente, tais figuras jurídicas
encontram-se disciplinadas no Código Civil de 2002 (arts. 593 a 626).
De fato, antes do reconhecimento de um mínimo de proteção ao labor
desenvolvido pelo obreiro, verificava-se uma completa desregulamentação das
relações laborais. Tais relações, assim, não eram relações jurídicas, mas sim
relações econômicas e, não raramente, de poder. Essa desregulamentação se
prolongou até o advento do chamado Welfare State, ou Estado de Bem-Estar Social
(GOMES, GOTTSCHALCK, 1998).
Apesar de terem suplantado o designado “antigo regime” (regime monárquico
absolutista), as revoluções liberais não alteraram as condições de trabalho para a
maior parte da população dos países em que se desencadearam.
A acumulação de capital e o desenvolvimento da economia tornaram-se muito
mais acelerados a partir, em especial, do surgimento do modelo liberal e da
consequente abolição das velhas práticas mercantilistas, as quais, em França, foram
instituídas por Jean-Baptiste Colbert, ministro da economia durante regime
autocrático de Luiz XIV (DALLARI, 2005).
Ora, na medida em que, embora não mais sendo, formalmente, a sociedade
estamental como outrora, havia sim a impossibilidade prática de ascensão social em
virtude da violenta exploração de classes, cujo único bem de troca que possuíam era
27

a sua força de trabalho, a qual se pontua, era muito pouco valorizada, porquanto
abundante (DALLARI, 2009),1 imperava a lei do mercado.
Em outras palavras: quanto maior a oferta, o preço de um determinado
produto ou serviço tende a diminuir. Tal panorama torna-se ainda mais intrigante
quando esse bem ou esse serviço que está sendo colocado à disposição do detentor
do capital não é qualificado. A exploração tende a ser máxima para que os lucros (a
“mais valia” de Karl Marx) aumentem e o empreendedor angarie o desenvolvimento
de sua atividade.
O custo da mão de obra era irrisório (entendido, inclusive, como uma
“externalidade negativa” pelos economistas à época, tal como há pouco tempo o
eram também os recursos naturais) (DALLARI, 2009).2
Tal fenômeno pode ser amplamente constatado, em pleno século XXI, em
países que exploram de tal forma a sua força de trabalho a fim de, reduzindo custos,
colocarem a disposição do mercado consumidor mundial produtos mais baratos e,
desta forma, prejudicam irremediavelmente a economia de países nos quais são
devidamente observadas a legislação protetiva do trabalho e do meio ambiente,
assim como as convenções da OIT.
É interessante notar que o modelo ideológico liberal não apenas neste ponto
afetava a saúde física e mental do trabalhador. Não eram apenas a excessiva carga
laboral e os escassos salários, com os quais aquele era remunerado, os motivos
determinantes para a morte de muitos trabalhadores.
De fato, a própria forma de exploração do trabalho era voltada a extração do
obreiro da maior produção em um menor lapso de tempo possível. Assim, tem-se um

1 Preciosa a lição de Dallari ao expor as seguintes considerações: “A burguesia, que numa ação
revolucionária conquistara o poder político acrescentando-o ao poder econômico alcançado antes,
manteve separados o domínio político, o econômico e o social. Vem daí as distinções absurdas que
se fez entre democracia política, econômica e social, como se fosse possível tal distinção. De
qualquer forma, o Estado liberal resultante desta ascensão política da burguesia, organizou-se de
maneira mais fraca possível, caracterizando-se como Estado mínimo, com funções restritas quase
que à era vigilância da ordem social e à proteção das ameaças externas. Essa orientação política
favoreceu a implantação do constitucionalismo e da separação de poderes, pois ambos implicavam o
enfraquecimento do Estado e, ao mesmo tempo, a preservação da liberdade de comércio e de
contrato, bem como do caráter basicamente individualista da sociedade” (2009, p.278).
2 Ainda conforme Dallari, ao tratar da formação do proletariado: “Ocorrendo a formação de grandes
aglomerados urbanos, como decorrência direta da revolução industrial, havia excesso de oferta de
mão-de-obra, o que estimulava a manutenção de péssimas condições de trabalho, com ínfima
remuneração. Entretanto, a burguesia, que despontara para a vida política como força revolucionária,
transformara-se em conservadora e não admitia que o Estado interferisse para alterar a situação
estabelecida e corrigir as injustiças sociais. Foi isso que estimulou, já no século XIX, os movimentos
socialistas e, nas primeiras décadas do século XX, um surto intervencionista que já não poderia ser
contido” (2009, p. 278).
28

fenômeno que ainda é largamente constatado em nosso cotidiano: a especialização


do conhecimento e do trabalho.
Originalmente, de tal especialização se desenvolveu um sistema de ideias e
de práticas denominado de fordismo. O nome fordismo é tributário a Henri Ford,
magnata inglês da indústria automobilística, o qual defendia a racionalização da
exploração da mão de obra e a obtenção da maior produção em um menor espaço
de tempo possível.
Para Ford, tal resultado poderia ser obtido na medida em que os
trabalhadores se especializam em determinada função, desempenhando-a
automaticamente e, por corolário lógico, em um menor tempo.
Foi justamente em virtude desse panorama desregulatório que o Direito do
Trabalho passou a se consolidar como um conjunto de proposições normativas e
vinculantes, primeiramente ao Estado (por meio da Convenção de Versailles de
1919) e, posteriormente, aos cidadãos dos respectivos Estados mediante normas
protetivas produzidas por estes.
Mas, no Brasil, como alhures, a Justiça do Trabalho foi estruturada de
maneira a solucionar os litígios oriundos dos acordos laborais (sejam eles escritos
ou não), mas atendo-se ao principio da vulnerabilidade. A disparidade de poder
(econômico, jurídico, etc.) que se verifica entre os entes contratantes macula toda
relação de emprego subordinada à legislação estatal. Esta, por sua vez, apresenta
peculiaridades próprias que permeiam cada sociedade e que, naturalmente, refletem
no próprio direito adotado.
Em nosso país, as regras de direito comum (especialmente as Ordenações, o
Código Comercial de 1950 e o Código Civil de Clóvis Beviláqua de 1916), pautadas
pela dinâmica liberalizante do mercado, revelaram-se deveras insuficientes a fazer
frente às novas demandas levadas ao Estado-juiz oriundas das relações de trabalho,
doravante dotadas também de conteúdo jurídico.
Assim, perceba-se que os ideais que serviram de mote à Revolução Francesa
(quais sejam, liberdade, igualdade e fraternidade) eram entendidas de forma
bastante reduzida. A liberdade era ditada meramente em razão da relação Estado-
cidadão, na medida em que é a este facultado fazer ou deixar de fazer tudo aquilo
que a lei não o expressamente prevê (MORANGE, 2004).
29

Consiste tal liberdade em um expediente de cerceamento do poder do Estado


no que toca à vedação deste de se imiscuir na vida privada do cidadão,
resguardadas as liberdades públicas da qual o individuo, singularmente, é titular.
O direito de liberdade não era extensivo, como se percebe facilmente, às
relações entre particulares. Ora, um dos princípios basilares que orientaram e
moveram a revolução de 1789 foi o da segurança jurídica, amplamente defendida
pela classe social a qual postulava a obtenção (também) do poder político.
Há, então, o resgate de mais um velho axioma jurídico romano também
recuperado a fim de defender os interesses da classe social que detém o poder:
trata-se do “pacta sunt servanda”.
O contrato, entre eles o de trabalho, deve ser cumprido tal qual foi avençado,
eis que supostamente ele foi convencionado entre indivíduos de mesmo status
(político), ou seja, entre cidadãos formalmente livres e desimpedidos.
Na prática, a liberdade é restringida de forma irreparável por meio destes
contratos draconianos em virtude da extrema necessidade que manifesta uma das
partes contratantes, econômica e juridicamente mais frágil, qual seja, a classe
operária, a qual apenas dispõe de sua força de produção como bem, mercadoria ou
serviço a ser comercializado.
Se não há de falar-se em liberdade do plano horizontal (relação indivíduo-
indivíduo), tampouco há de falar-se em igualdade (MORANGE, 2004). A igualdade
“revolucionária” é pautada também em seu sentido vertical. A igualdade que os
burgueses defendiam, por certo, era aquela perante a lei, levando-se em
consideração apenas o “status civitas” das pessoas, considerando-as como
cidadãos e vedando-se expressamente a adoção de medidas ou políticas estatais
que beneficiassem qualquer classe de pessoas, independentemente de sua
condição socioeconômica.
O panorama antes delineado tornou-se talvez o mais perfeito dos cenários
para o desenvolvimento de um modo alternativo de ver o trabalho, a sociedade, o
Estado, a economia e, em especial, o próprio indivíduo que labora em busca de seu
sustento e bem-estar. Este modelo alternativo foi idealizado por Karl Heinrich Marx.
Marx foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina
socialista moderna. Ele lançou, em sua obra O capital (1867), os fundamentos e
desenvolveu aquilo que poderia ser designado de socialismo utópico, ou seja, a
idealização teórica do modelo econômico socialista.
30

Em 1917, a sociedade russa oportuniza à humanidade a possibilidade de


averiguar como o modelo socialista de produção poderia ser aplicado e desenvolvido
na prática. Eis o movimento revolucionário o qual muitos historiadores reputam ser o
segundo maior da história moderna: a Revolução Russa.
O socialismo real, resultado da dinâmica prática da experiência russa de
1917-1989 (queda do muro de Berlim), representou o mais efetivo contraponto do
modelo liberal-capitalista ocidental.
O embate ideológico entre capitalistas e socialistas culminou na chamada
Guerra Fria, na qual as superpotências globais de então (Estados Unidos da
América do Norte e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), as duas maiores
vencedoras da Segunda Guerra Mundial, competiam entre si para que, afinal, se
firmasse o modelo que deveria prevalecer como determinante da ordem global.
Mas a Guerra Fria foi o principal vetor que determinou um certo
temperamento na ordem liberal dos mais importantes Estados ocidentais que a
adotavam (Estados Unidos da América, França e Inglaterra). Surge o Estado de
Bem-Estar Social (ZIPPELIUS, 1994),3 Welfare State ou État Providence.
Reflexo imediato do crack da bolsa americana de 1929, evento que ensejou a
maior crise econômica da história do modelo de produção capitalista, o Welfare
State pode ser considerado como resultado determinante de dois fatores: (a) o
reconhecimento da insuficiência do modelo liberal puro de Estado no contexto do
século XX (MORAES, 2002), e (b) a necessidade de se atender as demandas
internas da sociedade americana.4-5
Mas aquele modelo de Estado que surgiu ao longo do século XX ensejou uma
reviravolta na distribuição prática do poder político. Isso porque, na medida em que

3 Da conjugação das experiências liberais, haveria de nascer como tarefa do Estado velar por um
equilíbrio adequado entre os poderes sociais, reagir contra os processos de concentração, impedir
abusos de posições de poder, garantindo, dessa maneira, em termos gerais, uma harmonização
adequada dos interesses conflitantes, e ainda proteger o sistema econômico contra crises e danos,
implementando uma política econômica conjuntural e promovendo a regulação e o controle dos
sistemas monetário e de crédito (ZIPPELIUS, 1994).
4 De acordo com Moraes (2002), o início do século XX trouxe diplomas constitucionais fortemente
marcadas pelas preocupações sociais, como se percebe em seus principais textos: Constituição
mexicana de 31-1-1917, Constituição de Weimar de 11-8-1919, Declaração Soviética dos Direitos do
Povo Trabalhador e Explorado de 17-1-1918, seguida da primeira Constituição Soviética (Lei
Fundamental) de 10-7-1918 e Carta do Trabalho, editada pelo Estado Fascista italiano em 21-4-1927.
5 Uma outra função importante da regulação estatal surgiu na 'administração a escassez'. Muitos
bens e muitos serviços estão, por natureza, disponíveis apenas em medida limitada: por exemplo, os
recursos do solo, a abundância piscícola dos mares, as áreas urbanizáveis, as paisagens naturais de
lazer e a capacidade de ensino e formação nas escolas superiores e o número de postos de trabalho.
Os problemas de distribuição e limitação, daí advenientes , não encontraram solução satisfatória no
livre jogo de forças (MORAES, 2002).
31

era exigida do Estado a adoção cada vez maior de políticas públicas para o
enfrentamento da crise, conferiu-se paulatinamente mais faculdades administrativas
ao Poder Executivo, relegando o Poder Legislativo a um plano secundário no
cenário político (MORAES, 2002).
Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos da América (1933-
1945), ao implementar seu plano de superação da crise (New Deal), acreditava que
um Poder Executivo mais forte seria apto a fazer frente de forma mais célere às
demandas que lhe passaram a ser exigidas em ordem da nova dinâmica que se
verificou (MORAES, 2002).
Assim, ao longo do século XX, verifica-se a instituição de vários diplomas
legais em todos ou quase todos os países capitalistas que tutelaram especialmente
segmentos até então excluídos da sociedade ou pelo menos vistos com “maus
olhos” pela mesma, tais como o proletariado, as mulheres, os jovens, os idosos, os
consumidores, etc. (MORAES, 2002).
Revela-se inédita preocupação com as questões sociais, em atendimento às
necessidades também destes grupos excluídos.
A primeira Constituição a preverem, de forma expressa e sistemática, um
catálogo de direitos sociais foi a do México de 1917 (em sinal, mesmo ano da
eclosão da Revolução Russa e da criação da OIT, seguida da de Weimar de 1919,
resultado imediato da derrota alemã na Primeira Guerra Mundial) (ZIPPELIUS,
1994).
A adoção de medidas afirmativas,6 ou seja, de políticas públicas visando
atenuar as flagrantes desigualdades sociais que se desenvolveram em progressões
geométricas ao longo da vigência do Estado-negligente tem por finalidade a
satisfação do tão antigo “desejo” de fraternidade dos revolucionários franceses
(ZIPPELIUS, 1994), porquanto aspira, o État Providence, à verdadeira igualdade,
qual seja, a material.
Desta forma, pode-se perceber facilmente que, ao longo da evolução histórica
do tratamento dos direitos fundamentais (em especial ao processo de evolução dos

6 As exigências dirigidas ao Estado não se esgotam, no entanto, em intervenções de mera regulação


e em contra-medidas preventivas de perigos iminentes. A sociedade industrial necessita, além disso,
de providências positivas. Nesse tipo de sociedade, contrariamente à sociedade agrária, o indivíduo
não pode abastecer-se a ele próprio com os bens de consumo diário. Diferentemente do agricultor, o
cidadão industrial não pode ele próprio eliminar os resíduos que produz. Desde que não haja outra
entidade que garanta, de modo satisfatório, o fornecimento de bens e serviços vitais, como, por
exemplo, água, energia e meios de transporte públicos, tem de ser o Estado a assegurá-los por meio
de prestações estatais (ZIPPELIUS, 1994).
32

direitos individuais aos sociais e a gradativa apreensão destes), os ordenamentos


jurídicos dos países de economia capitalista tratavam de forma diferente a
vinculação de tais direitos às relações entre particulares.
Consoante pontuado, no período do Estado liberal europeu, os direitos
fundamentais não eram entendidos como baluartes vinculantes aos particulares já
que a estes era reservado um espaço social e jurídico isento da ingerência estatal.
Tais direitos, outrossim, eram compostos basicamente por liberdades
públicas, ou seja, aqueles que não representavam prestações positivas estatais.
Estas, ademais, somente foram exigíveis após o crack da bolsa de Nova Iorque,
bem como para fazer frente ao modelo socialista de economia planificada.
Já no que toca à evolução jurídica do Direito Constitucional do Trabalho, é
certo que, no “estado da arte” do direito privado brasileiro (espaço no qual se insere
o Direito do Trabalho), é majoritária a posição que aceita a aplicabilidade imediata
dos direitos e garantias fundamentais nas relações entre particulares, afastando-se,
logicamente, dessa eficácia horizontal, aqueles direitos que se dirigem unicamente
ao Poder Público como, por exemplo, mandado de segurança, previdência social,
etc.
Na verdade, ao passo que dois indivíduos, na qualidade de sujeitos privados
(seja pessoa física ou jurídica) são, da mesma forma, detentores de direitos
fundamentais, logicamente será necessário que algum órgão, de regra estatal,
realize a ponderação de tais interesses para que se afira a quem cabe o direito
postulado, ou seja, que este órgão jurisdicional, ao mesmo tempo equidistante e
superior às partes litigantes forneça o bem jurídico pretendido por aquele que,
durante o processo e por meio das provas produzidas mais próximo chegou a um
juízo de verossimilhança do direito alegado.
O fato é que, como já se salientou, na medida em que os direitos
fundamentais são dotados de caracteres que lhes são próprios, todos os indivíduos
são dignos de iguais direitos e da mesma medida.
Atualmente, apenas diante de um caso concreto, por meio do
desenvolvimento de um processo judicial em que se garanta às partes o devido
processo legal e o contraditório, decorrência imediata da garantia fundamental do
direito de exercício da ação (artigo 5°, XXXV), atribuir-se-á o bem vindicado àquele
33

que mais próximo chegar a um juízo de verossimilhança de seu direito


(CANOTILHO, 2003).7
Assim, não mais se admite a autotutela para a defesa das pretensões
individuais ou coletivas, salvo as excepcionais previsões constantes em lei. Isso
ocorre em homenagem ao princípio.
Voltar-se-á, em momento oportuno do presente trabalho, a discutir as
temáticas relativas, tanto aos direitos fundamentais, quanto do Poder Judiciário,
contudo, e é isso que deve ficar claro neste momento do estudo, é o contexto
histórico em que o direito do trabalho surgiu e se desenvolveu.

2.2 Surgimento e evolução do direito do trabalho no Brasil: breves notas.

É difícil a tarefa de precisar o momento histórico em que surge determinado


instituto jurídico ou mesmo um determinado ramo do direito. O ponto de partida para
tal empreitada, em regra, cinge-se ao da publicação do primeiro diploma legal a
reger a matéria.
Ocorre que, no Brasil, demorou-se muito tempo, comparativamente aos locais
do mundo que o inspiraram, até que surgissem diplomas normativos sobre o direito
dos operários. Assim, basear-se exclusivamente na publicação de leis, para este
caso, é ignorar uma série de fatos históricos.
Houve inúmeros movimentos que marcaram o estabelecimento de direitos
dos trabalhadores que antecedem em muito as regulações legais sobre o tema,
sobretudo no que toca a “garantias”.

7 Os diferentes tribunais (civis, laborais, constitucionais) devem considerar os direitos, liberdades e


garantias como medidas de decisão dos casos concretos. Os juízes, embora vinculados em primeira
linha pela mediação legal dos direitos, liberdades e garantias, devem também dar operatividade
prática à função de protecção (objetiva) dos direitos, liberdades e garantias: a. em primeiro lugar,
devem fazer uma aplicação do direito privado legalmente positivado em conformidade com os direitos
fundamentais pela via da interpretação conforme a constituição; b. se a interpretação conforme os
direitos, liberdades e garantias for insuficiente cabe sempre na competência dos tribunais a
desaplicação da lei (por inconstitucional) violadora dos direitos (subjectivos) ou dos bens
constitucionalmente garantidos pelas normas consagradoras dos direitos fundamentais; c. a
interpretação conforme os direitos, liberdades e garantias das normas de direito privado utilizará
como instrumentos metódicos não apenas as clássicas cláusulas gerais ou conceitos indeterminados
(tais como a boa-fé ou o abuso de direito) mas também as próprias normas consagradoras e
defensoras de bens jurídicos absolutos (vida, liberdade). Trata-se, pois, de uma concretização de
bens jurídicos protegidos constitucionalmente através de normas de decisão judiciais (captadas ou
'extrinsecadas' por interpretação-integração pelo direito judicial (CANOTILHO, 2003).
34

Nesse sentido, a primeira Constituição a tratar do tema “Direito do Trabalho”


foi a de 1934, no bojo da qual se encontram a liberdade sindical, o salário mínimo,
isonomia salarial, a proteção ao trabalho de mulheres e menores, repouso semanal
e férias anuais.8 Não obstante, esse mesmo rol de direitos havia sido conquistado
em momento anterior. Observe-se.
Durante a vigência da escravidão no Brasil, as relações laborais eram ou de
dono e objeto (senhores e escravos), ou de prestação de serviço (ex.: contratação
de ferreiros). Com a abolição da escravatura, em 1888, iniciou-se um acentuado
período liberal no âmbito do direito do trabalho (GOMES, GOTTSCHALCK, 1998).
Tanto é verdade que a respectiva regulação se dava na linha estritamente do
direito privado. Os trabalhadores firmavam seus contratos com os empregadores nos
moldes dos demais contratos de direito civil, fossem eles ex-escravos ou não.
Com o passar do tempo, houve um aumento considerável no número de
habitantes nas principais cidades brasileiras da época. Note-se que em 1890, São
Paulo possuía 65.000 habitantes, ao passo que em 1900 já se chegava à marca de
240.000 habitantes. Esse período também é marcado pela concentração de
indústrias em São Paulo e Rio de Janeiro, cujos percentuais da fatia nacional
correspondente avultavam 30% e 16 %, respectivamente (NASCIMENTO, 2010).
Além disso,

[...] notava-se a influência da migração, principalmente italiana. No Estado


de São Paulo, em 1901, dos 50.000 operários existentes, os brasileiros
eram menos de 10%. Na capital paulista, entre 7.962 operários, 4.999 eram
imigrantes, sendo a maioria absoluta de italianos. Pelo recenseamento de
1906 do Rio de Janeiro, numa população de 811.443 habitantes, 118.770
eram operários e a maioria estrangeira, principalmente portuguesa e
espanhola (NASCIMENTO, 2010, p. 88-89).

Nessas condições, formava-se um cenário propício à elaboração de leis de


proteção ao trabalho subordinado. Malgrado, o Estado, fortemente arrimado no
princípio liberal que o norteava, relegava as relações de trabalho ao direito privado e
à livre contratação. Tudo desconsiderando completamente a flagrante desigualdade
existente entre as partes que contratavam (RODRIGUES, 1993).

8
Note que a Constituição de 1891, que como o Estado brasileiro não era voltada à questão social,
omitiu-se quanto aos problemas trabalhistas. Basta lembrar, para aferir o nível da omissão, que essa
Constituição não atribuía ao Congresso nacional a competência para legislar sobre o direito do
trabalho, o que somente veio a ser solucionado com a Emenda Constitucional de 07 de setembro de
1926. Para tanto, ver: SÜSSEKIND, 2001, p. 30.
35

Foi das idiossincrasias decorrentes do modelo de regulação privada das


relações entre desiguais que surgiu o direito do trabalho (RODRIGUES, 1993), ou
melhor: que surgiram os anseios, no imaginário coletivo, de que havia a necessidade
de garantias mínimas que reduzissem os desníveis existentes entre os operários e
os empregadores.9
Ilustrativo da incursão no imaginário coletivo da insatisfação com a ausência
de direitos dos trabalhadores, bem como com a desigualdade latente entre as partes
que compunham a relação em comento, é o fato ocorrido em 12 de julho de 1917
(NASCIMENTO, 2010).
O movimento em questão iniciou-se no Cotonifício Rodolfo Crespi, no bairro
da Mooca, quando os operários protestaram contra os salários, pretendendo 20% de
aumento, e pararam o serviço. Na ocasião, a fábrica fechou por tempo
indeterminado, sem que houvesse acordo entre a empresa e os operários
(NASCIMENTO, 2010).
Disso decorreu uma sucessão de eventos em adesão ao movimento, cujas
influências escoaram ao interior do Estado, atingindo as fábricas ali instaladas.
Aproximadamente um mês depois, firmou-se um acordo, no qual foi consignada a
proteção a alguns direitos e garantias dos trabalhadores da indústria (CARONE,
1970).
Destarte, infere-se que o estabelecimento de garantias dos trabalhadores
antecede, a rigor, a legislação. Não se olvide que a primeira Constituição a tratar dos
direitos dos trabalhadores foi, como dito acima, a de 1934, cujos termos coincidem,
em larga medida, com as conquistas advindas dos movimentos sociais decorrentes
do supracitado evento. Garantias que passaram a ser praticadas comumente no
mercado da época.
Em termos estritamente teóricos, esse cenário pode ser explicado pelas teses
de Lassale (2002) e de Hesse (1991).
O primeiro nutria uma concepção de que a constituição seria, exclusivamente,
o reflexo positivado dos fatores reais de poder.10 É dizer, tratava-se de uma visão

9
Tanto assim que, conforme transcorrida os anos, mormente entre 1890 e 1917, o número de greves
aumentava exponencialmente, senão em número de ocorrência, ao menos em proporção de adeptos
e de intensidade das reivindicações. A esse respeito, ver NASCIMENTO, 2010, p. 89-90.
10
Segundo alguns, para Lassale “[...] os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas
de poder; a verdadeira constituição de um país somente tem por base os valores reais e efetivos do
poder que naquele vigem; as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que
exprimam fielmente os valores que imperam na realidade social. Uma constituição escrita pode ser
36

mecanicista das relações entre a Constituição e as forças sociais (COELHO, 1990).


A Constituição seria, praticamente, descritiva.
Por sua vez, o segundo entendia que a Constituição, em si, tinha força
modificativa e reguladora, isto é, trata-se de documento com vontade conformadora
própria. Ela seria vinculada a realidade que a origina, mas visaria a ter força ativa
própria. Assim, estava-se diante de, em certa medida, uma continuação das ideias
de Lassale.
Em outras palavras, e ao que se aplica ao estudo em tela, os fatores reais de
poder, dentre os quais se encontrava o proletariado [para ficar com a expressão de
Marx (2006)], delineavam a realidade, indicando quais eram os anseios sociais
vigentes, ou seja, estabeleciam o que se queria que permanecesse e o que se
queria em termos de mudanças.
Em suma, a Constituição positiva as forças sociais vigentes (fatores reais de
poder – Lassale) e, ao mesmo tempo, estabelece as necessárias mudanças,
dotando o documento de força normativa (modificativa) suficiente a tal desiderato
(força normativa da Constituição – Hesse).11
Dessa forma, uma vez estabelecido os direitos dos trabalhadores na
Constituição de 1934, por reflexo dos fatores reais de poder, visava ela mesma a ter
força normativa. Logo, os direitos nela contidos passaram a ser cogentes e não
apenas descrições do que já vigia na sociedade.
O direito do trabalho, após seu ingresso no rol de matérias constitucionais
com a Constituição de 1934 (motivo por que há quem a chame de social) (CECATO,
2008), passou a constar em todas as Constituições posteriores. Veja-se. A
Constituição de 1937 fixou os parâmetros da legislação trabalhista. Nela,
mantiveram-se os principais direitos conferidos aos trabalhadores, acrescentando
outros. Também, qualificou-se o trabalho como dever social.

boa e duradoura quando corresponder à Constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder
que regem o país. Caso contrário, irrompe inevitavelmente um conflito impossível de ser evitado e no
qual a Constituição escrita, a folha de papel, sucumbirá, necessariamente, perante a Constituição
real, a das verdadeiras forças vitais do País” (VIEIRA, 1998, p. 72).
11
Lógico que a aplicação das ideias de Hesse, nesse momento histórico, limita-se a incutir na
constituição uma força modificativa da ordem já posta. Aliás, nem sequer é possível falar em
aplicação real dessa tese, porquanto o momento histórico em questão antecede a elaboração teórica
em tela. Poder-se-ia, pois, falar em um exemplo antecedente explicável, posteriormente, pela teoria
de Hesse, visto que sua obra é resultado de uma palestra proferida em aula inaugural datada de
1959, na Universidade de Freiburg, Alemanha.
37

Por outro lado, essa mesma Constituição manifestou interesses antissociais,


como veto à greve e ao lock-out (art. 139). Aqui, os sindicados ainda eram
vinculados ao Estado. Isso se deu em grande medida porque se incorporou, nesse
momento, o corporativismo, que tinha como pressuposto o fortalecimento do Estado,
através do esforço conjunto de tudo e todos. A partir disso, negava-se o conflito de
classe, pois os interesses eram os mesmos, de modo que não haveria
contraposição, nem, muito menos, conflitos.12
Em 1946, a nova Constituição recepcionou os direitos trabalhistas adquiridos
com as Constituições antecedentes. O grande traço distintivo foi o estabelecimento
do direito de greve, previsto em seu artigo 158. Sobre o tema, é importante dizer que
essa Constituição:

[...] caracteriza-se pelo aumento considerável de direitos trabalhistas


constitucionais em relação às Constituições de 1934 e 1937. Dentre esses,
destacam-se: salário mínimo que deveria atender às necessidades básicas
do trabalhador e de sua família; participação obrigatória e direta dos
trabalhadores nos lucros da empresa; repouso semanal remunerado;
estabilidade, não só nas empresas urbanas como também na exploração
rural; assistência aos desempregados; direito de greve [...]. A Constituição
de 1946, por intermédio de seu art. 158, reconheceu o direito de greve, cujo
exercício seria regulado em lei. O art. 159 assegurou a livre associação
profissional e sindical, sendo regulada por lei a forma de sua constituição, a
sua representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o exercício
de funções delegadas pelo Poder Público. O art. 157 reconheceu as
convenções coletivas de trabalho e o art. 123 incorporou a Justiça do
Trabalho na estrutura do Poder Judiciário (SIQUEIRA NETO, 1996, p. 200-
201).

Assim, denota-se que, em relação à Constituição que lhe antecedeu, a grande


modificação está nas disposições concernentes ao direito sindical e de greve. Além,
é claro, do incremento ao rol de direitos trabalhistas pré-existentes.
Sobreveio, então, a Constituição de 1967 (e, em seguida, a Emenda de 1969)
que, apesar de ter sido cunhada em um regime autoritário, recepcionou
praticamente todos os direitos trabalhistas, aditando ao rol existente o seguro-
desemprego e alçando o direito do trabalho à condição de dignidade humana (art.
160, II).
Esse documento, ao insculpir o direito do trabalho como direito social e
vinculá-lo aos direitos fundamentais (dignidade humana), aproxima-se do ideário

12
Para tanto, ver SIQUEIRA NETO, 1996.
38

13
carreado pela Declaração Universal de 1948. No que concerne propriamente ao
modo como foram dispostos os direitos dos trabalhadores na Constituição, bem
como ao rol estabelecido, tem-se que, em síntese:

[...] a Constituição de 1967 por seu art. 158, assegurou o direito de greve,
salvo nos serviços públicos e atividades essenciais definidas em lei. No
tocante ao reconhecimento das convenções coletivas de trabalho e da
competência da Justiça do Trabalho, foram mantidas as mesmas
disposições da Constituição de 1946, através dos arts. 165, XIV e 142,
respectivamente. O art. 159 também reconheceu os sindicatos ou
associação profissional, deixando para regulamentação em lei a sua
constituição, representação legal nas convenções coletivas de trabalho e o
exercício de funções delegadas do Poder Público, dentre elas, o poder de
estabelecer contribuições, e estabeleceu a obrigatoriedade do voto nas
eleições sindicais (SIQUEIRA NETO, 1996, p. 202).

Por sua vez, a Constituição de 1988 foi, além de uma continuidade dos
direitos dispostos pelas suas antecessoras, uma expressão do novo regime
democrático no Brasil. Por isso, seu conteúdo é farto em medidas protetivas aos
trabalhadores, bem como na conferência de novos direitos.
Em síntese, essa Constituição fez com que houvesse equiparação entre
trabalhadores rurais e urbanos, sobretudo no que toca ao FGTS. Apesar de extinguir
a estabilidade decenária, protegeu o trabalhador contra a despedida arbitrária;
unificou nacionalmente o salário mínimo, antes regionalizado, dentre inúmeros
outros avanços, cuja análise minudenciada não é objeto do presente estudo. De
qualquer forma, tratar-se-á, em momento oportuno neste trabalho, de outros
aspectos dessa nova ordem constitucional.
Destarte, infere-se que, sob o enfoque constitucional, a trajetória dos direitos
dos trabalhadores, notoriamente do ponto de vista individual, qualifica-se como
ascendente. Isso porque não houve retrocessos significativos no rol de direitos
conferidos. Em outras palavras:

[...] observa-se, aliás, que ao longo das promulgações dos textos


constitucionais sociais brasileiros, pode-se registrar, como regra, o
incremento do direito individual em preceitos de proteção ao trabalhador.
Isso ocorre, particularmente, na Constituição de 1988. Esta última também
altera, em parte, o caráter do direito coletivo, atribuindo à organização
sindical, maior, porém muitíssimo limitada liberdade e autonomia (CECATO,
2008, p. 48).

13
Sobre o tema, ver: FERREIRA FILHO, 2009.
39

Disso dimana que o caminho percorrido foi no sentido de nivelar as relações


sociais, protegendo os trabalhadores a partir do advento de legislações em
conformidade com o direito constitucional. É dizer, buscou-se conferir efetividade à
ideia de proteção ao trabalhador, através da positivação em âmbito constitucional de
uma série de direitos e garantias.
Paralelamente ao histórico do direito do trabalho nas Constituições, tem-se a
Consolidação das Leis do Trabalho. Uma Lei que compilou a legislação trabalhista
que, na época, era esparsa. Surgida durante as turbulências legais e políticas dos
anos 30, sob o governo de Getúlio Vargas, no Estado Novo, a legislação trabalhista
e social foi sistematizada em 1943.
A importância simbólica desse documento era tamanha, a tal ponto de se
afirmar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não era apenas o
documento legal mais amplamente divulgado no Brasil, mas também que seu texto
era de longe mais conhecido que o da Constituição Federal de 1946.14 Aliás,
decorrido mais de meio século, a CLT ainda se destaca entre as mais importantes
iniciativas políticas identificadas com Getúlio Vargas e seu regime (FRENCH, 2001).
A rigor, a importância da CLT condizia com a demonstração de que o governo
fora capaz de combinar duas orientações aparentemente conflitantes ou
sobrepostas. De um lado, o encorajamento vigoroso do capitalismo privado sem os
entraves da interferência estatal; de outro, a implementação de um paternalismo
progressista nas políticas sociais em benefício das classes trabalhadoras.15 A
propósito:

[...] posto de uma forma mais analítica, Vargas moveu o Brasil


decisivamente rumo ao capitalismo industrial, colocando a fábrica e não
mais a fazenda como símbolo do país, ao mesmo tempo, implantando um
“avançado” programa de reforma social direcionado aos trabalhadores
urbanos. Nesse sentido, a CLT é um monumento duradouro ao gênio
político do regime de Vargas e um permanente desafio ao analista da
história social e política do Brasil moderno (FRENCH, 2001, p. 08).

Por conseguinte, o que se depreende do cotejo histórico tratado é a


vinculação entre o direito do trabalho e a economia. A busca continua pelo ponto de
equilíbrio nas relações entre o detentor do capital e os operários.

14
Para tanto, ver: RODRIGUES, 1979.
15
Nesse sentido, veja-se: LOEWENSTEIN, 1942.
40

A CLT e as Constituições, do ponto de vista formal, fizeram, ou tentaram fazer


a sua parte, ou ao menos geraram as condições jurídicas propícias para o
desiderato em foco, isto é, equilibrar as relações de emprego, protegendo, na
medida do necessário, os trabalhadores.
Apesar disso, não se viu na prática, ao logo da mesma história, o pretendido
equilíbrio. Dessa maneira, as relações entre empregado e empregador aconteceram
por meio de tensões, mormente por ocasião do surgimento das normas,
constitucionais e infraconstitucionais de direito do trabalho.
A tensão referida era polarizada pelos interesses das partes que integravam a
relação. Dessa maneira, de um lado estavam os empregadores querendo manter o
baixo custo da mão-de-obra, negando-se, para isso, reconhecimento às garantias
criadas em favor dos trabalhadores; de outro, os trabalhadores buscando a
efetivação das promessas legais contidas no corpo da nascente legislação e
Constituição. Promessas postas como formalização de conquistas alcançadas por
intermédio de verdadeiras batalhas, como visto acima.
Por conta disso, sistematiza-se o princípio da proteção. Sua função era a de
nivelar as relações entre os polos da relação trabalhista, atuando nos espaços em
que a legislação não atuava ou era ineficiente.
O surgimento, de forma efetiva, do mencionado princípio confunde-se, em
grande medida, com o próprio direito do trabalho, pois com a positivação desse
ramo jurídico acentuaram-se os conflitos trabalhistas.
Diz-se de forma efetiva, em razão de que, na verdade, a ideia geral
concernente ao princípio em comento é pré-existente à positivação de direitos dos
trabalhadores, porquanto fora a força motriz da própria regulação estatal desse ramo
do direito. É o que se passa a analisar.

2.3 Gênese do princípio da proteção e o contexto histórico de seu surgimento

O estudo do conteúdo do princípio da proteção impõe a verificação de como e


por que ele nasceu. Para tanto, é importante retorna-se ao período pré-constituição
de 1934.
É nesse contexto que está inserida a ideia de princípio da proteção, isto é, um
cenário de extrema insatisfação com a disparidade entre empregadores e
41

empregados, acentuada pela livre contratação imperante na época, combinado com


uma série de revoltas reivindicando melhores condições e garantias, algumas das
quais foram auferidas no âmbito de relações bilaterais entre as partes envolvidas.
Assim:

[...] foi construída [a proteção ao trabalhador] diante da insuficiência da


locação de serviços do direito civil para regular as relações entre o operário
da fábrica do início da sociedade industrial. Surgiu a teoria da subordinação,
que é um reconhecimento da posição desigual de um dos sujeitos do
contrato de trabalho – o empregado –, desnivelado perante o empregador.
Acrescente-se a questão social, expressão formulada com a Revolução
Industrial do século XVIII para designar o fracasso da ordem social
perturbada pelo desequilíbrio na sociedade entre dois segmentos sociais, os
operários e os donos das fábricas. As condições de vida em que se
encontrava o proletariado em nada recomendam a humanidade, como
mostram os textos da história do direito do trabalho e o estudo da condição
operária (NASCIMENTO, 2011, p. 61).

Portanto, a Constituição de 1934, ao talhar determinados direitos dos


trabalhadores, sedimentou os interesses (ou parcela deles) do fator real de poder
denominado proletariado, mormente no que toca à proteção ao trabalhador.
Daí a mensagem ao legislador, através da força normativa (modificativa da
ordem imperante) da Constituição, de que as legislações deveriam ser protetivas de
direitos e garantias dos trabalhadores. Logo, o princípio em questão era destinado
ao legislador.
Essa ilação é decorrência lógica da própria função que a Constituição exercia
na época, qual seja: organizar o Estado, regulando as instituições públicas. 16 É
inferência necessária, ainda, pelo fato de que a proteção seria a principal ideia
justificadora da existência do direito do trabalho (NASCIMENTO, 2011).
Ademais, a teoria constitucional contemporânea a esses eventos não
conhecia a aplicação direta da Constituição às relações interprivadas (eficácia
horizontal da Constituição), ou mesmo sua aplicação direta, sem a mediação por
outras espécies normativas (aplicação direta e imediata).
Coube à doutrina, de outra banda, delinear as bases do instituto. O fez,
porém, com uma cisão, ou ampliação conceitual, quase que completa de sua
gênese, porquanto passou a entendê-lo como critério de aplicação e de
interpretação do direito.

16
Ver, nesse sentido: SARMENTO, 2003. p. 70-78.
42

Isso equivale a dizer, em última instância, que de ideia justificadora do direito


do trabalho tornou-se, em uma dupla incidência protetiva, critério de interpretação e
aplicação do mesmo direito do trabalho.
Especula-se, com base em experiências históricas, que essa extensão
subjetiva do princípio da proteção (aumento dos destinatários) se deu pela
resistência, em um primeiro momento, do legislador em cumprir o comando
recentemente lhe imposto pela Constituição Federal e, em um segundo momento,
pelas insuficiências de disposições legais (já que a legislação era esparsa no
período pós-Constituição de 1934 e pré-Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT -
1943) para que, em sede de aplicação das normas, se modificasse o quadro
antecedente à proteção.17
Ou mesmo por eventual resistência e falhas da nascente Justiça do Trabalho
em aplicar as próprias disposições normativas oriundas do Poder Legislativo. No
ponto, é importante referir que a Justiça do Trabalho foi implementada em 1941
(aqui ainda era vinculada ao Poder Executivo), tornando-se vinculada ao Poder
Judiciário somente com a Constituição de 1946.
Do mesmo modo, é preciso consignar que, em sua origem, o aparelho estatal
destinado aos conflitos trabalhistas gerou uma série de desconfianças advindas de
vários fatores, dentre os quais se destacam: (a) a corrupção; (b) a falta de estrutura
e (c) as decisões duvidosas do ponto de vista técnico. Sobre o tema, são válidas,
ainda, as considerações exaradas por John D. French. Observe-se:

[...] a história não era muito mais promissora para aqueles trabalhadores
que, de boa-fé, levavam suas queixas aos tribunais do trabalho. Ineficiência
administrativa, tribunais superlotados e uma tendência para a “conciliação”
frequentemente produziam o que pode ser denominado de “justiça com
desconto”. Mesmo quando ganhava um caso legal, por exemplo, um
trabalhador brasileiro era forçado a um acordo com seus patrões, obtendo
um valor muito menor do que o inscrito em seus direitos legais, caso
contrário teria de enfrentar atrasos intermináveis devido aos apelos da
empresa – que algumas vezes se estendiam por até 12 anos. E, durante
aquele período, o dinheiro que o trabalhador havia ganho desapareceria

17
No ponto, basta lembrar que o legislador somente cumpriu, de fato, o seu papel em 1943, quando
promulgou a Consolidação das Leis Trabalhistas. Antes disso, o que se tinha eram diplomas legais
esparsos que regulavam categorias específicas, como os bancários, por exemplo (Decreto
24.615/34). Ademais, a Justiça do Trabalho, expressão cunhada pela CF/34 e mantida na CF/37,
somente foi implantada em 1941. Aqui, a justiça trabalhista era parte integrante do Poder Executivo.
Essa situação mudou somente com a Constituição de 1946 que atribuiu status judicante à Justiça do
Trabalho. Não obstante, tal circunstância já havia sido declarada, em controle difuso de
constitucionalidade (RE nº 6.310, DJU de 30.09.43), pelo Supremo Tribunal Federal. Conferir:
FERRARI; NASCIMENTO; MARTINS FILHO, 1998.
43

porque, até o final os anos 60, o montante eventualmente ganho não era
corrigido monetariamente (FRENCH, 2001, p. 19).

O mesmo autor prossegue sua narrativa, aduzindo, como base nos relatos
feitos por Puech (1960), que

[...] a perversidade de alguns dos julgamentos dos tribunais do trabalho


podia ser surpreendente, como demonstrado por Luiz Roberto Puech em
1960. Baseado em sua experiência como vogal e procurador nos tribunais
trabalhistas paulistas, Puech relatou o caso de patrões que empregavam
menores ou mulheres em horários ou sob condições que a CLT impedia.
Tendo realizado o trabalho, os trabalhadores frequentemente se deparavam
com empregadores que, “tirando vantagem da proibição legal, recusavam-
se a pagar os salários correspondentes”. Quando estes trabalhadores
recorriam ao sistema legal em busca de auxílio, os tribunais locais,
regionais e nacional eram unânimes em negar suas petições baseados no
argumento de que a situação envolvia “trabalho ilícito” e que sobre este tipo
de problema os tribunais devem manter-se alheios (FRENCH, 2001, p. 21-
22).

Nessa linha de raciocínio, verifica-se que, nos primórdios do direito do


trabalho, consagrado na legislação, o trabalhador era quase que completamente
desamparado, sendo ineficiente a proteção que lhe era destinada pela carência
estrutural do Estado relativa ao setor.
A precariedade da estrutura estatal destinada aos conflitos trabalhistas e a
leitura equivocada realizada pelos aplicadores da legislação da época fazia com que
entre o “ser” (realidade) e o “dever ser” (legislação) houvesse um total
descolamento, tornando o direito do trabalho ineficiente.
O trabalho da doutrina da época, aditado das reivindicações sindicais, bem
como da substituição gradual dos magistrados do regime anterior por outros
possuidores de uma visão mais condizente com a troca de paradigmas do direito do
trabalho, fez com que fosse forjado o princípio da proteção, cuja função seria
resolver os problemas supracitados.
Disso adviria uma maximização da proteção dos trabalhadores, destinatários
do direito trabalhista. O objetivo dessa maximização, contudo, limitava-se a fazer-se
cumprir as disposições legais vigentes, quando existentes. A tarefa criadora do
direito restringia-se aos casos de ausência de lei. Um dos principais motivos disso
estava exatamente no fato de que a legislação, por força dos preceitos
constitucionais inspiradores, já nascia protecionista.
44

Corrobora esse entendimento, o fato de que a leitura percuciente dos


componentes do princípio da proteção aponta que o alvo dessa norma,
contemporaneamente ao seu surgimento, é a problemática instaurada no âmbito da
aplicação e produção das normas de direito do trabalho, dado que eles se
apresentam ora como critérios de interpretação de leis, ora como normas aplicáveis
à míngua de legislação.
Em outras palavras, como o legislador não era tão ativo na produção de
normas de proteção ao trabalhador, e os Tribunais aplicavam as poucas normas
existentes de modo tendencioso, desenvolveu-se, gradualmente, o ideário normativo
em comento objetivando um ataque ferrenho a esses problemas.
Nessa quadra da história, não se pode olvidar, que imperava o ideário de que
a Constituição não tinha eficácia normativa direta, isto é, a aplicação do direito, de
um modo geral, ficava restrita à legislação. Assim, os preceitos constitucionais
deveriam inspirar o legislador, mas não poderiam ser (ou, ao menos, não eram)
diretamente aplicados pelos magistrados (ENTERRÍA, 1997).
Tanto assim que a ideia de eficácia plena e direta da Constituição é uma
discussão surgida no bojo do neoconstitucionalismo, nascido, por sua vez, depois da
segunda guerra mundial. Nesse sentido, Winck e Reis afirmam que:

[...] uma das grandes mudanças paradigmáticas ocorridas ao longo do


século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma
jurídica. Superou-se, assim, o modelo no qual a Constituição era vista como
um documento essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes
Públicos. [...] No Brasil, o debate acerca da força normativa da Constituição
só chegou de forma efetiva, ao longo da década de 80, tendo enfretado as
oposições previsíveis. Coube à Constituição Federal de 1988, bem como à
doutrina e à jurisprudência que se produziram a partir de então, o
rompimento com posições mais anacrônicas (WINCK; REIS, 2008, p. 97).

Logo, é evidente que, antes da CF/88, a concretização das disposições


constitucionais dependia, invariavelmente, do agir dos Poderes Legislativo e
Executivo, em sua liberalidade e discricionariedade, respectivamente. 18
Por todo o exposto, infere-se que o princípio da proteção nasce tendo como
destinatário o legislador. Contudo, considerando os problemas decorrentes da
transição paradigmática operada com o surgimento dessa proteção aos
trabalhadores, foi dado, por necessidade prática, novo enfoque ao princípio em

18
Nesse sentido, ver: BARROSO, 2005.
45

questão, que ampliou seus destinatários englobando, então, a todos (empregados,


empregadores, legislador, tribunais etc.).
Essa ampliação se fazia necessária, a fim de conferir proteção aos
trabalhadores que, no modelo antecedente, estavam desamparados. A modificação
conceitual do instituto em questão teve um papel fundamental na melhoria das
condições do trabalho.
Dessa maneira, com a conferência de normatividade ao princípio em tela, as
discussões passaram a concentrar-se em seu domínio normativo, isto é, em seu
conteúdo, que, sobretudo em sede de jurisprudência, estabeleceu as bases de
várias garantias e direitos aos trabalhadores, cumprindo, ao fim e ao cabo, o
propósito para o qual fora concebido.

2.4 Função do princípio da proteção em seu surgimento: análise acerca do


conteúdo normativo e do destinatário da norma.

A situação relativa à incidência da constituição, bem como os vícios de origem


do aparato estatal destinado às relações trabalhistas (sejam materiais, sejam legais)
modifica-se após anos de história e de várias constituições. Ainda assim, o princípio
da proteção não se retraiu. Continuou desenvolvendo-se mesmo ante a redução
substancial das ameaças a que visava a combater.
O próprio modelo jurídico-político modifica-se, no sentido de conferir maior
proteção às pessoas, bem como garantir uma série de direitos sociais, via normas
(constitucionais e infraconstitucionais) e instituições.
O ápice da mudança se dá com o advento da Constituição de 1988 e o
consequente surgimento do denominado neoconstitucionalismo19, que é resultado
de inúmeros fatores evolutivos. Esse é o momento em que as principais conquistas
sociais, no âmbito brasileiro, consolidam-se em um documento.
Com a CF/88 surgem determinadas categorias jurídicas até então
desconhecidas, ou, no mínimo, pouco estudadas, principalmente em razão do
paradigma instaurado a partir dela, cuja principal característica é a

19
Nesse sentido ver: BARROSO, 2002, p. 07-45.
46

constitucionalização do direito pela transposição da Constituição ao epicentro do


ordenamento jurídico.
Dessa característica é que emanam os enunciados e categorias normativas
que esse modelo carrega consigo. Nas palavras de Barroso:

[...] a ideia de constitucionalização do Direito aqui exploradas está


associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo
material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema
jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados
nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o
sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a
constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e
notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original
ainda: repercute, também, nas relações entre particulares (BARROSO,
2005, p. 12-13).

Na perspectiva do direito do trabalho, o instituto da proteção, outrora


qualificado exclusivamente como princípio geral do direito do trabalho, pois elencava
topos hermenêuticos, passa a ser vislumbrado sob novas roupagens, seja por
enquadramento teórico em categorias advindas no bojo do neoconstitucionalismo,
seja para adequar-se às ideias centrais do novo paradigma, seja ainda para manter-
se vigente com acentuada força normativa.
Assim, a ideia de proteção ao trabalhador, do ponto de vista de sua
concepção doutrinária tradicional (pré-neoconstitucionalismo), poderia ser colimada
tanto como norma-regra setorial do direito do trabalho, quanto como princípio geral
do direito.
Já na esteira de sua caracterização como norma constitucional, possuiria
natureza de princípio propriamente dito. Remanesce, ainda, na linha da
aplicabilidade das normas de direito do trabalho a possibilidade de exercício da
função de postulado normativo.
Em síntese, o instituto em questão cinde completamente com sua origem e
razão de nascimento, passando a não conter mais um enquadramento claro no
ordenamento jurídico.
Como corolário dessa cisão epistemológica, ele passa a ser aplicado
sistematicamente em todas as situações de conflitos trabalhistas, mesmo àqueles
que não estariam abarcados em seu domínio normativo originário.
47

Igualmente ele é aplicado às hipóteses fáticas cuja regulação não lhe


competiria se fosse enquadrado como alguma das categorias normativas
neoconstitucionais (por assim dizer).
Dito de outro modo, a incidência do “princípio da proteção ao trabalhador”
passou a ser ad hoc, ora acontece pela leitura originária do instituto, ora pela leitura
contemporânea. Nesse tom, a sua aplicação se dá sempre e irrestritamente.
Vejamos mais aprofundadamente.
Como visto, o princípio da proteção tem sua gênese nas revoltas operárias,
no período imediatamente posterior à abolição da escravatura. Em seguida, as
conquistas auferidas nesse processo foram incorporadas ao texto constitucional.
A Constituição nesse período tinha como função primordial regular as
relações de poder, destinando-se ao legislador, que, por sua vez, tinha o dever de
regular as disposições constitucionais.
Os problemas estruturais existentes nessa primeira troca de paradigmas (não
proteção – proteção ao trabalhador), no tocante à regulação em âmbito de direito
positivo das relações trabalhistas, fizeram com que se desenvolvesse, ao longo do
tempo, o princípio da proteção destinado a combater tais vícios.
Tanto assim que a noção de proteção ao trabalhador, do ponto de vista
infraconstitucional, no conceito originário dado pela doutrina, contém, em seu
domínio normativo, os seguintes elementos (de natureza de norma-regra, como se
verá adiante): (a) in dubio pro operario; (b) norma mais favorável; e (c) condição
mais benéfica.
A subnorma do in dubio pro operário consiste em uma regra que visa a
proteger o trabalhador, pois ele seria presumivelmente hipossuficiente em relação ao
empregador. Logo, na aplicação do direito, nos casos em que existam dúvidas,
deve-se interpretar a norma, o contrato e mesmo as provas em um processo, em
favor do empregado. Já a norma mais favorável equivale a uma regra de âmbito
hermenêutico. Isso porque, no caso de existência, por exemplo, de dois diplomas
legislativos que regulem a mesma matéria, deve-se aplicar o que trouxer maiores
benefícios ao empregado.20
Por fim, a subnorma da condição mais benéfica possui o mesmo conteúdo da
norma mais favorável, diferenciando-se apenas no que tange ao âmbito de

20
Nesse sentido ver: SÜSSEKIND [et. al.], 1997, p. 134 e ss., CESARINO JÚNIOR, 1957, p. 112,
bem como NASCIMENTO, 1977, p. 235.
48

incidência. A condição mais benéfica pressupõe uma situação concreta, já a norma


mais favorável incide na seara abstrata, ou seja, no plano das normas jurídicas.21
Do cotejo do conceito dos elementos que compõem o princípio da proteção,
depreende-se, inexoravelmente, que sua preocupação originária condizia com os
vícios supracitados.
Por isso que há incidência nos casos de lacuna legislativa, bem como em
hipótese de conflito aparente de normas e em face de situações concretas. A rigor,
de forma genérica, o próprio princípio funcionava como critério de interpretação, sem
que se aplicasse qualquer de seus elementos.
Não obstante este vasto domínio normativo, o alvo desse instituto era
conhecido. Ademais, não havia propriamente uma função criadora do direito a partir
desse princípio.
Pelo contrário, prestigiava-se a legislação, ao menos sob o enfoque teórico, a
míngua da qual o princípio em tela exercia uma função criadora. A modificação
paradigmática denominada de neoconstitucionalismo acentua a cisão conceitual que
esse instituto vinha sofrendo com o passar do tempo.
Torna-se imperioso, diante disso, analisar como, no Estado Democrático de
Direito e no Constitucionalismo Contemporâneo, se dá a incidência desse instituto
em suas várias roupagens e elementos.
O que inclui a adequação de seus enunciados tradicionais às decorrências do
neoconstitucionalismo, sobretudo no que toca à eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, advinda da normatividade dos princípios22 e a afirmação de que a
legislação infraconstitucional deve ser lida sob a ótica da constituição (CANOTILHO,
1991).
Em outras palavras, é necessário colimar como se dá a intersecção entre as
diversas roupagens do instituto em tela no âmbito do neoconstitucionalismo,
principalmente em se considerando a eficácia horizontal dos direitos fundamentais
(mormente no que tange ao aspecto material da classificação de direitos
fundamentais), terreno fértil para conflitos entre as funções que a proteção ao
trabalhador pode assumir.

21
Ver: GONÇALES, 2000, p. 29 e ss., SÜSSEKIND [et. al.], 1997, p. 134 e ss., e RODRIGUEZ, 1993,
p. 60.
22
Nesse sentido: BONAVIDES, 1993, p. 228-266; CANOTILHO, 1997, p. 171-180; ALEXY, 1993, p.
81-172; DWORKIN, 1998, p. 14-45.
49

É que a aplicação direta e irrestrita (ou mesmo obscura) do instituto em foco


cria situações que, considerando a legislação setorial vigente, a um só tempo não
observam fundamentos do Estado Democrático de Direito e fazem colidir direitos
fundamentais, principalmente o da igualdade.
50

3 O FENÔMENO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO NO ÂMBITO DO


DIREITO DO TRABALHO: ANÁLISE ACERCA DAS CATEGORIAS NORMATIVAS
EXISTENTES NO PARADIGMA DO NEOCONSTITUCIONALISMO E SUA
IMBRICAÇÃO COM O MICROSSISTEMA TRABALHISTA

Neste capítulo, tratar-se-á da constitucionalização do direito, buscando


desvelar como esse fenômeno advindo no seio do neoconstitucionalismo afetou o
direito do trabalho. Para tanto, pretende-se colimar a maneira como as categorias
normativas decorrentes do paradigma mencionado se imbricam com o
microssistema trabalhista.
Por opção epistemológica, já antecipada no início deste estudo, a análise, no
que toca ao direito do trabalho, limitar-se-á ao princípio da proteção, uma vez que
este instituto caracteriza-se como alicerce deste ramo do direito.
Em um primeiro momento, pretende-se estabelecer a noção conceitual de
neoconstitucionalismo, descrevendo as principais consequências que o fenômeno
carrega consigo. Em outras palavras, visa-se a demonstrar o que significa em
termos de mudança paradigmática do ordenamento jurídico a instauração desse
modelo.
Em um segundo momento, já em um estudo mais específico, será investigado
a influência do paradigma no direito do trabalho, sobretudo no que tange ao princípio
da proteção. Assim, objetiva-se descrever em que proporção a filtragem
constitucional opera modificações, restritivas e ampliativas, no âmbito do direito
trabalhista.
Por fim, no terceiro item deste capítulo, pretende-se demonstrar a incidência
da filtragem constitucional na própria categorização normativa do princípio da
proteção, verificando em que espécie normativa ele se enquadra.

3.1 Noção conceitual de neoconstitucionalismo e as principais consequências


desse fenômeno

As constituições do pós-guerra, e no Brasil a de 1988, como


supramencionado, trouxeram, ou pretenderam trazer, consigo a instauração de um
novo momento político e jurídico, fundado na democracia e nos direitos
51

fundamentais do homem (SCHIER, 2005). A esse momento deu-se o nome de


neoconstitucionalismo (trata-se do marco histórico do fenômeno).23
O termo “neoconstitucionalismo” é utilizado para se referir ao fortalecimento
da Constituição, ou ao seu alçamento à condição de centro do ordenamento jurídico.
Em outros termos, a Constituição é a

[...] ordenação normativa fundamental dotada de supremacia – supremacia


da constituição – e é nesta supremacia da lei constitucional que o “primado
do direito” do estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão
(CANOTILHO, 2006, p. 245-246).

Apesar de não existir dúvida acerca da importância da constituição como


dado básico do paradigma em questão, não há consenso acerca do conceito de
neoconstitucionalismo (ÁVILA, 2009).
Na verdade, existem tantos conceitos quanto são os autores que se dedicam
ao tema. A proporção dessa diversidade conceitual torna impossível esboçar uma
teoria única sobre o neoconstitucionalismo. Por esse motivo que o termo aparece,
em determinados estudos, no plural.24
Contudo, mesmo nesse contexto, podem ser apontadas algumas mudanças
fundamentais que esse modelo, supostamente, trouxe, ou pretendeu trazer, consigo.
Tratam-se das ideias centrais que os teóricos do assunto apontam como
constituidoras da noção de neoconstitucionalismo.25
A rigor, no plano teórico (marco teórico), três grandes transformações
subverteram a lógica convencional da aplicação do direito constitucional, a saber: (a)
o reconhecimento de força normativa à Constituição; (b) a expansão da jurisdição
constitucional; (c) o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação
constitucional (BARROSO, 2005).
Essas transformações são complementares entre si e decorrentes umas das
outras, ou seja, a partir do reconhecimento da força normativa da constituição,
ampliou-se a jurisdição constitucional, o que, por seu turno, impôs o
desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional, cujos
preceitos abarcassem as categorias normativas decorrentes de nível normativo.

23
Sobre o tema: BARROSO, 2005.
24
Nesse sentido: COMDANDUCCI, 2006.
25
Sobre o tema, no direito brasileiro, principalmente no que concerne aos elementos e pressupostos
decorrentes das mudanças mencionadas, ver: BARROSO, 2005; SCHIER, 2005; MOREIRA, 2008.
52

É nesse sentido que outra série de modificações acontece, representando


uma continuidade com o projeto de transformações propostas pelo
constitucionalismo contemporâneo.
A propósito, calha a sistematização feita por Ávila:

[...] princípios em vez de regras (ou mais princípios do que regras);


ponderação no lugar de subsunção (ou mais ponderação do que
subsunção); justiça particular em vez de justiça geral (ou mais análise
individual e concreta do que geral e abstrata); Poder Judiciário em vez dos
Poderes Legislativo e Executivo (ou mais Poder Judiciário e menos Poderes
Legislativo e Executivo); Constituição em substituição à lei (ou maior, ou
direta, aplicação da Constituição em vez da lei) (2009, p. 01-02).

Essas mudanças estão conectadas entre si e decorrem umas das outras.


Nessa linha de raciocínio, o mesmo autor prossegue, afirmando que:

[...] as constituições do segundo pós-guerra, de que é exemplo a


Constituição Brasileira de 1988, teriam previsto mais princípios do que
regras; o modo de aplicação dos princípios seria a ponderação, em vez da
subsunção; a ponderação exigiria uma análise mais individual e concreta do
que geral e abstrata; a atividade de ponderação e o exame individual e
concreto demandariam uma participação maior do Poder Judiciário em
relação aos Poderes Legislativo e Executivo; o ativismo do Poder Judiciário
e a importância dos princípios radicados na Constituição levariam a uma
aplicação centrada na Constituição em vez de baseada na legislação [...].
Pode-se afirmar, dando seguimento ao raciocínio ora desenvolvido que o
neoconstitucionalismo (ou a versão aqui analisada ou o modo peculiar de
teorização e aplicação do direito constitucional, antes referido, independente
da sua denominação) possui, dentre outros que poderiam ser mencionados,
três fundamentos: o normativo (da regra ao princípio); o metodológico (da
justiça geral à justiça particular) e o organizacional (do Poder Legislativo ao
Poder Judiciário) (ÁVILA, 2009).

O próprio projeto do neoconstitucionalismo tem sua base na afirmação dos


princípios, pois consistiriam no parâmetro para a filtragem constitucional do
ordenamento jurídico. Daí o porquê da acentuada característica principiológica das
Constituições inseridas nesse modelo.
Assim, o alçamento da Constituição ao centro da ordem jurídica (é o
parâmetro de validade das leis) e o aumento da ideia de força normativa da
constituição (tem aplicabilidade imediata),26 sobretudo no que concerne a sua
aplicabilidade entre particulares (eficácia horizontal dos direitos fundamentais),27 pôs
em evidência os princípios. Isso porque essa categoria é o modelo normativo de

26
Nesse sentido: BARROSO, 2002.
27
Nesse sentido, ver: SARLET, 2012; e SARMENTO, 2003.
53

destaque nas Constituições do pós-guerra. Nessa linha de raciocínio, calha a


transcrição da lição de Jorge Renato dos Reis, no sentido de que

[...] as constituições, grandes repositórios da pauta axiológica consagrada


nos Princípios de Direito, figurando como fonte conceitual-normativa
suprema, avocam a posição central no ordenamento jurídico de onde
emanam valores humanísticos basilares da estrutura e forma do Direito
contemporâneo, e, em consequência, a dogmática principiológica ganha
corporatura, promovendo uma nova retomada na compreensão e
interpretação do Direito. Neste prisma, a importância vital que os princípios
assumem para os ordenamentos jurídicos se torna cada vez mais evidente,
mormente se lhes examinarmos a função e presença no corpo das
Constituições contemporâneas, onde aparecem como os pontos axiológicos
de mais alto destaque e prestígio. Além do mais, a gênese e o modo de
como os princípios são positivados nos textos constitucionais, evidenciam
que estes possuem, igualmente, uma importante dimensão institucional,
como fatores de criação e manutenção de unidade política (WINCK; REIS,
2008, p. 99).

O destaque dos princípios, nesse paradigma, está no fato de se constituírem


no mecanismo que abrange em seu âmbito de incidência inúmeras hipóteses
fáticas.28
Propósito visado, também, pelo neoconstitucionalismo, na medida em que
tem a finalidade de irradiar para todo o ordenamento jurídico os efeitos das normas
constitucionais, de modo a nortear os principais valores da sociedade, bem como
todo o sistema normativo (ROTHENBURG, 2003). É por isso que aparecem em
elevado número no texto das Constituições vigentes no modelo em tela.
Ademais, tinha-se o anseio, em razão dos horrores vivenciados pela
humanidade na segunda guerra mundial, por meios jurídicos que impedissem a
repetição do desrespeito aos direitos do homem, moralizando, segundo alguns, o
direito.29
Nesse cenário, a base do neoconstitucionalismo está na positivação e na
aplicação dos princípios jurídicos. Por isso, tem-se sustentado que a Constituição
Federal de 1988 é eminentemente principiológica.30 Na verdade,

[...] a novidade das últimas décadas não está, propriamente, na existência


de princípios constitucionais, o que há de singular na dogmática jurídica da
quadra histórica atual é o reconhecimento de sua normatividade e
consequentemente de sua força normativa imediata (WINCK; REIS, 2008,
p. 96)

28
Sobre o tema: BONAVIDES, 2011.
29
Nesse sentido, ver: DWORKIN, 1998.
30
Por todos, ver: BASTOS, 2010.
54

Depreende-se disso que a viragem paradigmática operada pelo


neoconstitucionalismo está na atribuição de força normativa aos princípios dispostos
no texto da Constituição Federal, que é alçada ao centro da ordem jurídica, local de
onde condiciona o restante do ordenamento jurídico.
Essa força normativa atribuída aos princípios aditada à localização da
Constituição na ordem jurídica delineia a amplitude da jurisdição constitucional,
qualificando os princípios como parâmetro para o controle de constitucionalidade de
leis e atos normativos.
Essa circunstância impõe, necessariamente, que o ordenamento jurídico
esteja em conformidade com a ordem constitucional. Em outras palavras, a
superioridade normativa do direito constitucional

[...] implica o princípio da conformidade de todos os actos do poder político


com as normas e princípios constitucionais. Referido princípio pode
formular-se da seguinte maneira nenhuma norma de hierarquia inferior pode
estar em contradição com outra de dignidade superior (princípio da
hierarquia). Da mesma forma, nenhuma norma infraconstitucional pode
estar em desconformidade com as normas e princípios constitucionais, sob
pena de inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia (princípio da
constitucionalidade) (CANOTILHO, 1997, p. 137-138).

Além disso, em razão da aplicação direta e imediata dos direitos


fundamentais, bem como da própria ampliação da força normativa da Constituição e
da unidade do ordenamento jurídico, os preceitos constitucionais passam a incidir
nas relações interprivadas, sobretudo os direitos fundamentais de que são titulares,
no caso, as duas partes.31
Isso significa dizer, do ponto de vista prático, que, além das funções
tradicionais, isto é, orientar a atuação do legislador (Poder Legislativo) e do
administrador (Poder Executivo), bem como do próprio Poder Judiciário, os atos
privados também devem respeitar a Constituição e podem reger-se, sem
intermediação, por tais preceitos.
De mais a mais, o neoconstitucionalismo nasce como uma resposta ao
positivismo que, juntamente a suas supostas insuficiências teóricas, era (e ainda é)
visto como o paradigma teórico que arrimava o nazismo.

31
Acerca do tema, ver: SARLET, 2012, p. 383-392.
55

Seria, então, esse novo paradigma uma espécie de pós-positivismo


(BONAVIDES, 2011). Nessa linha de raciocínio, Luís Roberto Barroso afirma que

[...] o marco filosófico do novo direito constitucional é o pós-positivismo. O


debate acerca de sua caracterização situa-se na confluência das duas
grandes correntes de pensamento que oferecem paradigmas opostos para
o direito: o jusnaturalismo e o positivismo. Opostos, mas, por vezes,
singularmente complementares. A queda atual é assinalada pela superação
– ou, talvez, sublimação – dos modelos puros por um conjunto difuso e
abrangente de idéias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo
(BARROSO, 2005, p. 04).

Ocorre que a compreensão acerca do significado do positivismo jurídico não


estava, no momento em que surge o neoconstitucionalismo, consolidada. Parcela
considerável da doutrina ainda não vislumbrava a exata distinção entre o positivismo
exegético (anterior à Kelsen) e o positivismo normativista (posterior à Kelsen). 32 O
primeiro seria propriamente aquela corrente filosófica que, grosso modo, confundia o
direito com a lei, ou melhor: entendia que o direito estava limitado ao direito
positivado (STRECK, 2010).
O segundo, por sua vez, é resultado de estudos de teóricos como Kelsen e
Hart, que tinham percebido os principais problemas do positivismo legalista e
tentavam combatê-los, ou ao menos justificá-los. Assim, desenvolveram-se estudos
voltados ao conceito dos enunciados jurídicos (textura aberta da linguagem de
Herbert Hart) e à discricionariedade do julgador (Hans Kelsen).33
Esse enfoque não constitui tema importante aos fins a que esse estudo se
destina. Contudo, a menção a essa circunstância se faz necessária porque é com
base nelas que determinados estudiosos têm abandonado a ideia de
neoconstitucionalismo, tratando o tema, com roupagem sensivelmente diversa,
como constitucionalismo contemporâneo, simplesmente.34
Aliás, é com base nessas afirmações que se tem identificado determinadas
mazelas do neoconstitucionalismo como sintomas dessa má compreensão. É o que
ocorre com a discricionariedade na interpretação de textos jurídicos, apontamentos
de problemas semânticos, etc.

32
A propósito, ver: STRECK, 2010.
33
Nesse sentido, ver: STRECK, 2010. Sobre a conexão entre os autores, no âmbito da escola
positivista, ver: BARZOTTO, 2004.
34
Ver: STRECK, 2014a, STRECK, 2014b e STRECK, 2014c.
56

Dos fundamentos que compõe a ideia geral de neoconstitucionalismo, dois


assumem especial relevo para as finalidades do presente estudo, a saber: a
normatização dos princípios, com o modelo de interpretação correspondente, e a
aplicação do fundamento organizacional à seara trabalhista. Além, é claro, da
colocação da Constituição no centro de toda a ordem jurídica.
O primeiro porque estabelece as balizas para a qualificação normativa do
princípio da proteção, auxiliando na identificação da maneira como funciona sua
interação com o ordenamento jurídico no constitucionalismo contemporâneo.
O segundo é importante por dois motivos, quais sejam estes: (a) as
insuficiências estruturais das instituições relacionadas a dar efetividade aos direitos
dos trabalhadores foi um dos motivos para o desenvolvimento do princípio da
proteção, de modo que o fundamento organizacional do neoconstitucionalismo, além
de consolidar a ampliação da citada estrutura, põe em destaque o Poder Judiciário,
instância final das demandas sociais; (b) o destaque do Poder Judiciário no
paradigma em análise se deve à sua competência, isto é, pela sua função de aplicar
o direito, no que está inserido o princípio da proteção em sua total amplitude.
Além deles, é particularmente importante cotejar a proteção ao trabalhador
com a constitucionalização do direito operada a partir do surgimento do paradigma
em questão, a fim de que se possa aferir a compatibilidade do instituto trabalhista
com a nova ordem constitucional. Fator este que decorre, como dito, da
superioridade e destaque que a Constituição Federal assume nesse contexto.
Esses temas assumem especial relevo no bojo deste estudo porque é a partir
da análise deles que se poderá verificar em que medida houve uma
constitucionalização do direito trabalhista, isto é, até ponto houve uma filtragem
constitucional do direito do trabalho, mormente do ponto específico que se pretende
estudar.
Filtragem essa entendida como a compatibilização dos institutos trabalhistas
pré-constitucionais com as normas constitucionais, sobretudo com os princípios
constitucionais.
Na medida em que essa filtragem se dá no âmbito da aplicação do direito, ou
seja, em concreto, passa a ser igualmente fundamental a análise do deslocamento
do polo de tensão das questões sociais, do legislativo para o judiciário (fundamento
organizacional do neoconstitucionalismo). O que acentua, ainda mais, a importância
57

do cotejo desses pontos, considerando sua intensa interconexão dentro do modelo


em foco.
Por conta disso, em momento oportuno da presente pesquisa, expor-se-ão
alguns apontamentos acerca do fundamento estrutural do neoconstitucionalismo. Já
quanto à normatização dos princípios tem-se que será temática recorrente ao longo
do estudo. Doravante, contudo, abordar-se-á a influência do neoconstitucionalismo
no âmbito do direito do trabalho.

3.2 A influência do neoconstitucionalismo no âmbito do direito do trabalho: a


necessidade de filtragem constitucional dos institutos pertencentes a este
microssistema jurídico

O advento do neoconstitucionalismo, com todas as características que lhe são


inerentes, impõe, evidentemente, severas mudanças à legislação infraconstitucional,
mormente às que lhe são, cronologicamente, antecedentes. Tais mudanças são
decorrência inexorável das próprias transformações que o paradigma propôs na
ordem jurídica.
Como dito acima, uma das transformações foi exatamente o aumento da força
normativa da Constituição, sendo o reconhecimento disso uma premissa básica do
fenômeno em comento. Tanto que

[...] uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século


XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica.
Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século
passado, no qual a Constituição era vista como um documento
essencialmente político, um convite à atuação dos Poderes Públicos. A
concretização de suas propostas ficava invariavelmente condicionada à
liberdade de conformação do legislador ou à discricionariedade do
administrador. Ao judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na
realização do conteúdo da Constituição [...]. Atualmente, passou a ser
premissa do estudo da Constituição o reconhecimento de sua força
normativa, do caráter vinculativo e obrigatório de suas disposições. Vale
dizer: as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é
atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar
os mecanismos próprios de coação, de cumprimento forçado (BARROSO,
2005, p. 05-06).

Além do fortalecimento da ideia de força normativa da constituição, as


modificações incidentes na ordem jurídica dimanam da propositura de um sistema
58

constitucional, de regras e princípios, cujo escopo é a abertura do sistema jurídico a


influxos humanitários.
O aporte dos princípios no corpo das constituições, ou o status constitucional
que lhes foi conferido, tinha por finalidade imunizá-los ao processo político
majoritário, cuja expressão é a lei entendida como manifestação da vontade geral
via parlamento. Dessa forma, a proteção de tais direitos transferiu-se para o Poder
Judiciário.
Esses dois fenômenos – aumento da força normativa da constituição e
inserção dos princípios no corpo da constituição como expressão de direitos
humanitários – acarretaram na ideia de supremacia da constituição. Ideia a partir da
qual inúmeros países passaram a adotar o sistema de controle de
constitucionalidade associado à criação de Tribunais Constitucionais.
O motivo disso é simples e lógico: considerando que a constituição é o centro
do ordenamento jurídico, porquanto seu conteúdo contém os postulados
fundamentais do estado e da proteção das pessoas, e deve conformar toda a ordem
jurídica, uma vez que possui força normativa de tal proporção que é suprema, há de
se reconhecer a invalidade das proposições, legais, judiciais ou administrativas, que
lhe afrontem.
Tal reconhecimento deve ser conferido a algum órgão específico que dirá, em
última instância, o que está ou não de acordo com a Constituição. A função principal
desse órgão será, portanto, a proteção da constituição, em face dos atos dos demais
poderes e órgãos do Estado e mesmo em relação aos particulares.
É com base nisso tudo que as leis e atos normativos que afrontem a
Constituição não podem ser mantidos na ordem jurídica, devendo ser excluídos
através da declaração de inconstitucionalidade pelo órgão competente.
Ressalte-se que o fenômeno da aferição de compatibilidade entre as leis e a
Constituição aconteceu em momento próprio de cada ordenamento jurídico, bem
como de forma distinta. Por conta disso, o controle de constitucionalidade nos
Estados Unidos é precedente, em muito, ao fenômeno da constitucionalização do
direito via constituições do segundo pós-guerra (LEAL, 2007).
No ponto é importante esclarecer que a referência mais remota do controle de
constitucionalidade, no país em questão, é o caso Marbury vs. Madison, ocorrido em
1803.
59

Nesse contexto, percebe-se que os fenômenos do aumento da força


normativa da constituição e da inserção dos princípios no corpo da constituição
como expressão de direitos humanitários, corolários da supremacia da constituição,
não são necessariamente coincidente com o controle de constitucionalidade, ao
menos não de forma universal.
Entretanto, é justamente esse conjunto de circunstâncias e preposições que
desvela a ideia de constitucionalização do direito (SCHIER, 2005). Tal
constitucionalização se dá no âmbito da inserção das normas contidas na
constituição no bojo da ordem infraconstitucional, a qual, por sua vez, deve,
necessariamente, adequar-se ao direito constitucional.
Assim, há a projeção da constituição, como sistema aberto de regras e
princípios, à condição de parâmetro de validade da legislação ordinária, tanto do
ponto de vista material quanto do formal.
A legislação pós-constituição deve nascer de acordo com a Constituição, ao
passo que as leis pré-constituição devem ser recepcionadas do ponto de vista
material.
As leis pré-constitucionais que, por razões materiais, não se adéquam à
constituição devem ser declaradas inconstitucionais, ou receber interpretação que
lhes permitam permanecer na ordem jurídica.
Com isso, desenvolveu-se a ideia de filtragem constitucional, cujo eixo central
é a defesa da supremacia da constituição. A rigor, a filtragem constitucional é a
leitura do ordenamento jurídico a partir do sistema constitucional. Em outras
palavras, a filtragem constitucional é corolário lógico do fenômeno da
constitucionalização do direito.
Nessa linha de raciocínio, a Constituição passa a ser a lente através da qual
se leem e se interpretam todas as normas infraconstitucionais. A própria efetividade
da Constituição Federal de 1988 é a base sobre a qual se desenvolveu, no Brasil, a
interpretação constitucional nos moldes atuais.
O procedimento da filtragem constitucional é mais amplo que a simples
constatação de que determinados conjuntos de regras e princípios (ramo do direito)
encontra amparo, de um ponto de vista genérico, no texto constitucional.
Fosse isso, não haveria necessidade de se discutir a filtragem constitucional
de inúmeros ramos do direito que, a exemplo do direito do trabalho, constam no
texto constitucional originário.
60

A força motriz dessa análise está na releitura de microssistemas jurídicos,


independentes ou não, sob o enfoque dos princípios fundamentais do direito
constitucional.
Trata-se de uma verdadeira releitura do direito a partir das normas
constitucionais consideradas sob a perspectiva sistemática e sistêmica. Isso significa
dizer que a filtragem constitucional baseia-se na pressuposição de que o
ordenamento jurídico é um sistema a ser considerando em sua totalidade, não se
podendo olvidar que a Constituição está no ápice de tal sistema.
Nesse sentido, o direito do trabalho, mormente em suas disposições
precedentes à CF/88, deve ser confrontado com a ordem constitucional, sofrendo o
influxo do modelo vigente. Dessa maneira, seus dispositivos devem ser lidos à luz
da Constituição.
Por esta razão, os principais institutos do direito do trabalho precisam ser
revistos e cotejados com os pressupostos constitucionais e com as normas
constantes no corpo da Constituição.
Sabe-se que todo o direito do trabalho, assim como todos os demais ramos
dos direitos, deve ser revisado constitucionalmente. Todavia, pelos limites físicos
deste estudo, limitar-se-á a análise do principal fundamento do direito trabalhista,
qual seja este: o princípio da proteção.
Nesse momento da pesquisa, se limitará a discutir a qual das categorias
normativas, advindas com o neoconstitucionalismo, pertence, ou pode pertencer, o
instituto da proteção, em sua conotação originária, a fim de identificar o método de
interpretação e aplicação que lhe é correspondente.
Dito de outro modo, o que analisará no item seguinte é o possível
enquadramento do princípio da proteção ao trabalhador, em seu conceito pré-
constituição, às categorias normativas do neoconstitucionalismo. O escopo desse
procedimento é determinar a real dimensão da filtragem constitucional do instituto,
colimando em que categoria normativa contemporânea o conceito em tela se
enquadraria.
61

3.3 A influência do neoconstitucionalismo na categorização normativa do


instituto da proteção: estudo acerca dos conceitos e funções de princípio,
regras, postulados e princípios gerais do direito

Primeiramente, é importante dizer que este item analisará a categorização do


princípio da proteção ao trabalhador a partir do enquadramento de seu conteúdo
originário e funções originárias.
Em outras palavras, no presente momento, a sobreposição é entre o conceito
pré-filtragem constitucional e as categorias normativas decorrentes do
neoconstitucionalismo. No capítulo seguinte, será realizado o mesmo procedimento,
mas a partir da aplicação da filtragem constitucional.
O instituto do direito do trabalho – proteção ao trabalhador – escolhido para
ser cotejado com o sistema constitucional se caracteriza como a base desse ramo
do direito. Trata-se, na verdade, do pilar central do direito trabalhista, desde o
surgimento desse microssistema.
Ocorre que, em momento algum, preocupou-se realmente com a sua
identificação com alguma das categorias normativas decorrentes do
neoconstitucionalismo.
Em sua origem, passada a ideia de destinar-se ao legislador, o instituto em
comento identificava-se com os princípios gerais do direito, considerando que, na
época, inexistia a noção de princípio jurídico que se tem hodiernamente. Dessa
maneira, sua função era orientar a interpretação e suprimir lacunas do direito, sem,
contudo, possuir força normativa.
No entanto, a evolução da dogmática jurídica foi retirando a importância da
função dos princípios gerais do direito. Primeiro, relegando-os a uma função de
coadjuvante dentre os meios de supressão de lacunas; segundo, com o advento do
constitucionalismo contemporâneo, agregando aos princípios (subespécie de norma
jurídica) força normativa.
A modificação no âmbito dos próprios princípios é de alta relevância. É
particularmente importante notar, sobre a atribuição de normatividade aos princípios,
as mudanças que são contingentes a esse fenômeno:

[...] este aspecto inicial, como se poderá observar, traz algumas importantes
consequências. Deveras, durante longo período de tempo afirmar-se que
determinado enunciado possuía caráter principiológico significava retirar-lhe
62

sua normatividade. Diz-se isso pois, nos modelos conservadores da teoria


jurídica, os princípios não passavam de conselhos éticos, políticos ou
morais aos quais não estavam os legisladores vinculados. Dizer-se sobre o
caráter principiológico de um enunciado tratava-se, digamos assim, de
direcionar-lhe crítica “depreciativa”, pois implicava negar-lhe “exigibilidade”
(SCHIER, 2005, p. 07).

De mais a mais, entendia-se que a função dos princípios era estritamente


subsidiária, de modo que sua incidência se dava apenas em casos de lacuna e
como última opção. Não sem razão:

[...] no contexto positivista, os princípios, reitere-se, são os “tapa-buracos”


do sistema. Ou seja, apenas na ausência de lei, na ausência de costume,
na ausência de analogia, na ausência de interpretação analógica, na
impossibilidade de aplicação de critérios de equidade, é que os princípios
gerais do direito poderiam ser aplicados. Nossos Códigos, Civil e
Processual Civil, principalmente, refletem essa concepção (SCHIER, 2005,
p. 08).

Depreende-se disso que a atribuição de força normativa aos princípios,


colocando-os ao lado das regras, significa muito, do ponto de vista da aplicação e
interpretação do ordenamento jurídico, porquanto, a partir dessa mudança, os
princípios, ao mesmo tempo em que norteiam a interpretação, regulam casos
concretos diretamente, e não apenas subsidiariamente.
Por consequência, como já dito, a própria técnica de aplicação do direito
muda, isto é, em decorrência da ampliação do rol de princípios, bem como pela
atribuição de força normativa a eles, passa-se da subsunção para a ponderação.35
Diante disso, identifica-se que o primeiro problema de filtragem constitucional
a ser solucionado por este trabalho condiz com a identificação da categoria
normativa a que pertence o instituto da proteção.
Ressalte-se que pouco, ou nada, importa que se chame o instituto em
questão de “princípio”. Do que foi descrito até aqui, depreende-se que esse
fenômeno decorre da tradição, pois sua função jurídica era de princípio geral do
direito.
É válido salientar que o instituto da proteção ao trabalhador, na linha de
raciocínio deste estudo, possui duas facetas, uma de status infraconstitucional e
outra de status constitucional.

35
Sobre o tema: ALEXY, 1993.
63

A primeira relativa à sua origem e evolução; a segunda decorrente da


Constituição Federal de 1988. Essa discussão será travada, com mais vagar, e com
a devida atenção, no próximo capítulo. Porém, é importante ter em vista esta
distinção, a fim de que se compreenda o enquadramento normativo proposto.
Transportada a conotação doutrinária do instituto, no âmbito da aplicação e
interpretação do direito do trabalho, às matrizes teóricas contemporâneas,
decorrentes do neoconstitucionalismo, acerca das noções conceituais de princípios
e regras (e mesmo postulados) ter-se-ia a confirmação que, a rigor, o instituto da
proteção, em sede infraconstitucional, é uma regra e não um princípio. Observe-se:

[...] as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente


retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja
aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na
finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o
estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção (ÁVILA, 2013, p. 85).

Da leitura que se faz da norma da proteção do trabalhador, mormente em se


considerando os elementos que dela decorrem, se extraí que seu enquadramento
teórico é o de uma regra. Isso porque ela é imediatamente descritiva, na medida em
que carrega um dever/obrigação (proteção ao trabalhador), e é mediatamente
finalística porque determina a conduta devida.
Ademais, a aplicação da norma da proteção ao trabalhador se dá por
avaliação da correspondência entre o conceito da norma e descrição dos fatos. Ora,
por exemplo, diante de duas normas de direito do trabalho que regulem a mesma
hipótese, incide a mais favorável ao trabalhador. Tal é estritamente a análise da
conformação do conceito da norma com a hipótese de incidência.
Além disso, a norma em tela – princípio infraconstitucional da proteção – é
aplicável ou não é aplicável. Ela não é ponderada com quaisquer outros princípios.
Por conseguinte, diante de uma relação litigiosa de direito trabalhista incide no
momento da aplicação a regra da proteção em favor do trabalhador. Se houver
dúvidas no cotejo da prova, interpreta-se em prol do operário. Se houver mais de
uma norma reguladora do caso concreto, utiliza-se da mais favorável ao trabalhador.
64

Em síntese, diante da sobreposição da hipótese de incidência ao enunciado


da norma ou de um dos elementos da proteção ao trabalhador ela incide em sua
plenitude. É, por isso, uma regra.
Por fim, é no critério da medida de contribuição para decisão em que se
encontra a demonstração cabal de que a norma em comento tem natureza de regra.
Veja-se:

[...] já as regras consistem em normas preliminarmente decisivas e


abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensão de abranger todos
os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm a aspiração de gerar
uma solução específica para o conflito entre razões (ÁVILA, 2013, p. 83).

Desvirtua-se dos princípios, pois estes possuem pretensão de


complementaridade, isto é, abrangem apenas parte dos aspectos relevantes para a
tomada de decisão, não possuindo, portanto, o escopo de gerar uma decisão
específica, mas tão somente o de contribuir, aditados a outras razões, para a
tomada de decisão. Em outros termos,

[...] os princípios consistem em normas primariamente complementares e


preliminarmente parciais, na medida em que, sobre abrangerem apenas
parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, não têm a
pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de
outras razões, para tomada de decisão (ÁVILA, 2013, p. 83).

Depreende-se disso que, no transcurso do tempo, houve uma modificação


substancial do instituto da proteção. Em sua origem, tratava-se, absolutamente, de
um princípio geral do direito. Uma ideia jurídica cujos elementos tinham a finalidade
de suprimir as lacunas do direito, na ocasião da aplicação das normas.
A proteção ao trabalhador, a rigor, não possuía força normativa, porquanto a
dogmática jurídica não atribuía esta característica aos princípios gerais do direito.
Foi significativa, portanto, a modificação conceitual do instituto da condição de
princípio geral do direito para regra.
Ressalte, por oportuno, que a transição funcional do instituto no sentido de
transmutar-se de princípio geral do direito para regra se deu gradativamente. Esse
movimento de atribuição de maior força normativa ao enunciado em questão foi
imprescindível para sua sobrevivência, porquanto ao longo da evolução do direito do
trabalho, os problemas que a proteção ao trabalhador visava a solucionar, em sua
versão originária, foram se dissipando.
65

A dissipação se deu de tal modo que a caracterização como princípio geral do


direito, do ponto de vista dogmático-jurídico, não lhe dava ferramentas para operar
no âmbito do direito do trabalho modificado, que, não obstante mais bem estruturado
(Instituições trabalhistas mais bem aparelhadas) e regulado (criação massiva de
atos normativos reguladores da matéria), dentre outros pontos, possuía novas
distorções produzidas pela própria evolução social.
A partir de então, a noção teórica atribuída ao instituto em tela é, em suma,
diversificada a partir do ponto de vista do qual seja colimado. Se visto sob a ótica
constitucional, possui natureza normativa de princípio, ainda que esse
enquadramento não seja tão claro. Já se observado sob o enfoque
infraconstitucional, assume a roupagem de regra.
É que, no âmbito constitucional, as características suprarreferidas acerca dos
princípios aplicam-se integralmente. Veja-se que, nessa seara, ele não tem a
intenção de indicar uma decisão, nem de derrogar os demais valores envolvidos.
Ocorre que, paralelamente, da observação da aplicação horizontal dos
direitos fundamentais, com arrimo nos conceitos de princípio, regra e postulado, ter-
se-ia que, em determinadas circunstâncias, a proteção ao trabalhador, na dimensão
constitucional, cingir-se-ia a um postulado, porque se qualificaria como critério de
interpretação e aplicação de normas em conflito. 36
É válido destacar, para esclarecer os argumentos que embasam esta
pesquisa, que princípio, subespécie de norma, não se confunde com princípio geral
do direito.
O princípio possui carga normativa, ou seja, tem comando jurídico. Ele regra
condutas (ainda que em grau mais abstrato em relação às normas-regras) e tem
eficácia por si só.
Os princípios gerais do direito, por sua vez, são considerados topos
hermenêuticos e “[...] adquirem um significado apenas quando considerados em
conjunto com o restante do sistema jurídico: daí a necessidade de se pressupô-lo
como uma totalidade” (STRECK, 2001, p. 104). Mesmo que possam ser utilizados
para suprir lacunas do ordenamento jurídico, eles em si não regram condutas.
Os postulados, da mesma forma que os princípios, não podem ser
confundidos com os princípios gerais do direito. Isso porque os postulados não

36
Para tanto ver: ÁVILA, 2013, p. 142 e ss.
66

exercem função decisiva direta como os princípios gerais do direito podem exercer
em determinados casos.
Eles são, portanto, diferentes, apesar das semelhanças existentes, dado que
os postulados também são uma condição essencial de compreensão e interpretação
do ordenamento, acentuado na subdivisão “postulados hermenêuticos” em que
estes se destinam à compreensão em geral do direito (ÁVILA, 2013). Nas palavras
do autor:

[...] os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras. A


uma, porque não se situam no mesmo nível: os princípios e as regras são
normas objeto de aplicação; os postulados são normas que orientam a
aplicação de outras. A duas, porque não possuem os mesmos destinatários:
os princípios e as regras são primariamente dirigidos ao poder público e aos
contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e
aplicador do Direito. A três, porque não se relacionam da mesma forma com
outras normas: os princípios e as regras, até porque se situam no mesmo
nível do objeto, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente
complementar (princípio), quer de modo preliminarmente decisivo (regras);
os postulados, justamente porque se situam num metanível, orientam a
aplicação dos princípios e das regras sem conflituosidade necessária com
outras normas (ÁVILA, 2013, p. 143).

Além disso, os princípios gerais do direito condizem com pré-concepções


interpretativas, isto é, vinculam-se a própria leitura da norma (1ª função), bem como
são fatores de decisão da solução jurídica quando, e apenas nessa hipótese
(limitador que os distancia das normas-princípios), inexistam normas que regulem o
caso (2ª função).
Por sua vez, os postulados são critérios de aplicação das normas que
condizem muito mais com a aplicação do direito. Mesmo no caso dos postulados
hermenêuticos que visam à aplicação do direito considerado em sua totalidade.
Princípios gerais do direito, a rigor, podem ser utilizados com função decisiva,
ou seja, deles pode ser extraída uma decisão ao caso concreto, diretamente, na
ausência de regulação normativa (de regras ou princípios).
Ademais, ainda que o conceito de princípio geral do direito coincida em parte
com o conceito de postulado (relação com outras normas e função orientadora da
aplicação delas) e em parte com o conceito de princípios (ausência de pretensão
decisória específica), com eles não se confunde, pois exercem suas funções em
espaços não abarcados por normas (1ª função) e/ou antecedem a aplicação das
normas (2ª função).
67

Importa visitar a noção conceitual e a função dos princípios gerais do direito,


ainda que não sejam claras ou consensuais na dogmática jurídica que os confunde
com os princípios constitucionais37. Calha a definição atribuída por Tércio Sampaio:

[...] princípios gerais do direito constituem reminiscência do direito natural


como fonte. Há autores que os identificam com este, outros que os fazem
repousar na equidade, enquanto sentimento do justo no caso concreto. Sua
formulação é indefinida. Há quem os reduza, em última análise, aos
famosos preceitos romanos: honeste vivere, alterum non laedere, suum
cuique tribuere. De qualquer modo, ainda que se entenda que possam ser
aplicador diretamente na solução dos conflitos, trata-se não de normas, mas
princípios. Ou seja, não são elementos do repertório do sistema, mas fazem
parte de suas regras estruturais, dizem respeito à relação entre as normas
no sistema, ao qual conferem coesão. Talvez por isso, como fórmula tópica,
eles sejam aplicados sem especificações maiores. (Grifos do original)
(FERRAZ JÚNIOR, 2001, p. 243-244).

Prossegue o mesmo autor, apresentando a função dos princípios gerais do


direito em complemento à conceituação, nos seguintes termos:

[...] ora, as regras estruturais são, nesse sentido global, responsáveis pela
imperatividade total do sistema. Nesses termos, mesmo sem admitirmos a
existência do direito natural, é possível dizer que nos princípios gerais,
enquanto designativos do conjunto de todas as regras estruturais do
sistema, repousa a obrigatoriedade jurídica de todo o repertório normativo.
Eles não são fonte do direito no mesmo sentido da legislação ou do
costume ou das normas jurisprudenciais, pois são metalinguagens em
relação àquelas fontes. Atuam sobre as demais fontes de modo semelhante
como as regras de dedução atuam a construção dos teoremas
matemáticos. Ao contrário dessas, porém, não formam um conjunto
rigoroso, mas são compostos de topoi, lugares- comuns, o que lhes confere
um caráter tópico (FERRAZ JÚNIOR, 2001, p. 244).

Por seu turno, Miguel Reale define os princípios gerais do direito como: “[...]
enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a
compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer
para a elaboração de novas normas” (REALE, 2009, p. 304).
Em síntese, percebe-se que o instituto em questão, na conotação
infraconstitucional, aproxima-se da ideia de regra, seja pela aplicação por
subsunção, seja pela redução da abstração do conceito de proteção pela existência
das subcategorias normativas que o compõe.
Já sob o enfoque constitucional, existem dúvidas acerca de sua função no
ordenamento jurídico, se postulado ou se princípio, ou se ambos, bem como sobre a

37
Por todos, conferir: ROTHEMBURG, 2003, p. 15.
68

maneira como se relaciona com os demais princípios constitucionais relativos à


matéria.
O que se verifica, na verdade, é que a evolução da ideia de proteção ao
trabalhador o deslocou da categoria de princípio geral do direito para as categoriais
com força normativa.
No capítulo seguinte, analisar-se-á a influência do neoconstitucionalismo no
âmbito do direito do trabalho, a fim de avaliar o nível da constitucionalização desse
ramo do direito, isto é, em que medida houve a sua filtragem do constitucional, bem
como o que ela significa do ponto de vista do enquadramento do princípio em
questão às categorias normativas existentes no paradigma em tela. Além disso,
tratar-se-á do que essa filtragem traz de modificação no âmbito do próprio domínio
normativo do instituto.
69

4 NOÇÃO CONCEITUAL HODIERNA DO INSTITUTO DA PROTEÇÃO E DAS


PRINCIPAIS NORMAS DELE DECORRENTES

O instituto da proteção ao trabalhador, como supracitado, possui duas


facetas, uma constitucional e outra infraconstitucional. Portanto, não se trata de a
segunda ser reflexo da primeira, senão de duas coisas distintas.
No âmbito constitucional, o instituto está consubstanciando de modo implícito,
sendo extraível da conjugação de uma série de dispositivos. No âmbito
infraconstitucional decorre da tradição, ou melhor: permaneceu no direito desde o
surgimento, evoluindo de acordo com as mudanças político-sociais e jurídicas.
Até o advento do neoconstitucionalismo, não se conhecia a incidência da
Constituição às relações interprivados. Assim, é lícito dizer que, nesse período, o
instituto destinava-se ao legislador. Com a Constituição Federal de 1988, a
referência muda. O direito constitucional passa a aplicar-se ao âmbito privado,
inclusive nas relações entre sujeitos no mesmo nível de proteção (direitos e
deveres).
Nesse sentido, o próprio princípio da proteção, no âmbito constitucional,
passa a sujeitar-se a ponderações. É dizer, não se sobrepõe a priori aos demais.
Seu enunciado passa, ou deveria passar, a ser colimado em cotejo com os demais
princípios constitucionais. Por conseguinte, não pode ser visto em um sentido
absoluto.
Na esteira infraconstitucional, além da pressuposição de que também não
pode incidir de maneira absoluta como outrora, o instituto deve ser filtrado
constitucionalmente. Isso porque sua incidência, no modelo histórico, é
potencialmente ofensiva a determinadas normas constitucionais.
Assim, neste capítulo, em um primeiro momento, será esboçado um
panorama geral acerca dos direitos sociais como fundamentais; depois, desvelar-se-
ão as normas constitucionais que dão suporte à existência do princípio constitucional
da proteção ao trabalhador, buscando identificar o seu conteúdo normativo.
Em seguida, aprofundar-se-á a discussão relativa à distinção entre as facetas
do instituto, cotejando os respectivos conteúdos normativos. Ao final, verificar-se-á a
compatibilidade do instituto da proteção, de nível infraconstitucional, com o texto da
Constituição Federal, com o escopo de observar se houve ou não recepção do
instituto nesse estágio e, em caso positivo, em que proporção.
70

4.1 Dos direitos sociais como direitos fundamentais no âmbito da Constituição


Federal de 1988

Inicialmente, cumpre registrar, que os direitos fundamentais são sempre


direitos humanos, na medida em que o seu titular será sempre o ser humano,
mesmo quando representados por entes coletivos. O que diferenciam os direitos
humanos dos direitos fundamentais é, ao fim e ao cabo, o local onde se encontram
positivados e seu grau de obrigatoriedade (SARLET, 2011).
No primeiro caso, tem-se que os direitos fundamentais encontram-se
positivados nas Constituições de determinados estados, ao passo que os direitos
humanos estão previstos em documentos internacionais, de cunho supralegal,
aspirando validade universal.
No segundo caso – grau de obrigatoriedade –, infere-se que os direitos
fundamentais são impositivos a todas as pessoas e ao próprio Estado, no âmbito de
incidência da Constituição em que estão previstos. Já quanto aos direitos humanos
há divergências sérias quanto ao grau de sua obrigatoriedade, cujo enfrentamento
transborda os objetos deste estudo38.
A rigor, a própria ideia de conexão entre direitos fundamentais e constituição
nasce em um documento de cunho humanitário, qual seja: a Declaração Francesa
de Direitos do Homem e do Cidadão, cujo artigo 16 asseverava que “toda a
sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos
poderes determinada não possui Constituição”.
A partir dessa formulação é que surgiram as bases das primeiras
constituições escritas. O conteúdo de tais documentos modificava-se de acordo com
o modelo de Estado (BONAVIDES, 2009). Assim, no campo da positivação
constitucional dos direitos fundamentais, há uma evolução dimensional desses
direitos (BINENBOJM, 2010).
Vale ressaltar que se opta pelo termo dimensão, em vez de geração, para que
não se tenha a falsa ideia de sobreposição dos direitos assim divididos e,
consequente, abandono dos que lhe antecedem, porquanto o que há de fato é uma
complementação (BREGA FILHO, 2003).

38
Por todos, ver: MAZZUOLI, 2009.
71

Na primeira dimensão, tinham-se os direitos fundamentais de liberdade,


relativos ao individualismo de origem burguesa. Aqui o Estado possuía um dever de
abstenção. Na segunda dimensão, há os direitos sociais, culturais e econômicos,
exigindo ações positivas do Estado, bem como respeito às liberdades sociais. Na
terceira dimensão, constam os direitos de fraternidade e solidariedade, que tem
como nota distintiva, em relação às duas primeiras, o desprendimento do homem
indivíduo como titular dessa categoria de direitos, protegendo, isso sim, grupos
humanos (família, povo, nação etc.) (BONAVIDES, 2009).
Importa referir, ainda, que há quem defenda a existência de uma quarta
dimensão de direitos fundamentais relacionada com o contexto da globalização e
com os avanços científicos e tecnológicos. Não obstante, se está ainda em fase de
construção teórica de reconhecimento dessa categoria jurídica, cujos direitos que
visa a proteger não deixam de ser uma realidade, entretanto sem que isso signifique
a existência dessa nova dimensão.39
Por conseguinte, as diversas dimensões de direitos marcam a evolução do
processo de reconhecimento e a afirmação dos direitos fundamentais revela que
estes constituem categoria materialmente aberta e mutável, ainda que seja possível
observar certa permanência e uniformidade nesta seara. São o resultado da
personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos da
sociedade (SARLET, 2012).
De mais a mais, impende referir que os direitos fundamentais, em todas as
suas dimensões, vinculam-se diretamente ao princípio da dignidade da pessoa
humana, bem como o da justiça social, os quais, por seu turno, são pressupostos,
ou princípios fundamentais do Estado Democrático (e social) de Direito (SARLET,
2012).
Na esteira da Constituição Federal de 1988, o catálogo de direitos
fundamentais é deveras extenso e, mesmo assim, não exaustivo, em razão da
cláusula de abertura material e formal de direitos fundamentais prevista em seu
artigo 5º, § 2º.
Os direitos fundamentais na Carta Magna encontram-se tanto nos seus
dispositivos específicos a tanto, quanto em dispositivos esparsos ao longo de seu

39 Para tanto conferir: BONAVIDES, 1997, p. 524 e ss. No mesmo sentido, OLIVEIRA JÚNIOR, 2000,
p. 97 e ss.
72

texto. Todos os direitos fundamentais, independente de sua topografia, têm eficácia


plena e aplicação imediata.
Nenhum desses direitos é absoluto, devendo por ocasião da aplicação, do
ponto de vista interpretativo, considerar o princípio da unicidade da Constituição,
incidindo o método da ponderação, no caso de conflito.
O critério de identificação dos direitos fundamentais ao longo da Constituição,
mormente no que tange a dispositivos esparsos, é o da fundamentalidade material e
formal (SAMPAIO, 2010).
Assim, o fato de um direito encontrar-se previsto na Constituição Federal é
um bom indicativo de que formalmente trata-se de um direito fundamental, noutro
giro, o seu conteúdo determina a sua fundamentalidade material, ou seja, se o
conteúdo do direito é comumente vinculado a matérias de direitos fundamentais,
então ele será um direito fundamental sob este aspecto.
Portanto, direitos fundamentais em sentido material são aqueles que, apesar
de não estarem no rol de direitos fundamentais elencados pelo constituinte, por seu
conteúdo e importância, podem ser equiparados aos direitos formalmente
fundamentais.
Em todos os casos, incide as proteções, funções e prerrogativas relativas aos
direitos fundamentais. Vale referir, para que não restem dúvidas, que inexistem
direitos formalmente fundamentais que não o sejam sob o ponto de vista material
(SARLET, 2012).
A questão tormentosa, nesta seara, condiz com os critérios de atribuição do
status de materialmente fundamentais aos direitos fora tanto do rol específico de
direitos fundamentais da CF/88, quanto do próprio corpo da Carta Magna. Mais,
ainda, quando implícitos ou decorrentes de documentos internacionais, em que a
atribuição do status mencionado não seja clara pela transposição do rito
constitucionalmente previsto no artigo 5º, § 2º.
O mecanismo para essa identificação é uma análise do conteúdo do direito
que se pretende materialmente fundamental sob uma ótica sistemática e de
harmonização com direitos formalmente constitucionais, bem como com a análise de
sua real vinculação aos princípios fundamentais, mormente o da dignidade da
pessoa humana. A tarefa é complexa e corre o risco de cair em desvios, adentrando-
se o intérprete na seara do legislador (SARLET, 2012).
73

O que parece ser inequívoco é o fato de que, uma vez reconhecido


determinado direito como fundamental, a ele se aplicam todas as proteções
(cláusulas pétreas), prerrogativas (eficácia plena e aplicação imediata) e método de
interpretação (ponderação e o princípio da unicidade da Constituição), concernentes
aos direitos fundamentais formais, exercendo, inclusive, sua mesma função
(efetivação dos princípios fundamentais, mormente o da dignidade da pessoa
humana).
Nesse contexto, tanto pela leitura da Constituição Federal de 1988, quanto
pelo aparato teórico desenvolvido, tem-se que os direitos sociais são direitos
fundamentais, carregando consigo todas as características inerentes a essa espécie
de direitos.
Por conseguinte, verifica-se, primeiro, que os direitos fundamentais estão
insertos topograficamente no campo dos direitos e garantias fundamentais (Título II
da CF/88); depois, essa espécie de direitos enquadra-se na segunda dimensão
evolutiva dos direitos fundamentais. Assim, não há como afastar dos direitos sociais
o atributo de fundamentais, nem, via de consequência, as características que são
inexoráveis aos direitos fundamentais.

4.2 O princípio da proteção ao trabalhador na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 caracteriza-se como social, sendo, em


comparação com as que lhe antecederam, acentuada neste aspecto, em razão da
adjetivação dos direitos sociais como fundamentais. Torna-se, assim, imprescindível
verificar qual a marca distintiva desse paradigma, a fim de se poder analisar, com a
amplitude necessária, o significado do princípio da proteção.
Esse modelo de constitucionalismo nasce em oposição ao liberal, em que o
proletariado e seus movimentos encontravam-se fora do Estado (ZAGREBELSKY,
1999, p. 32).
Os fatores que induziram tal mudança foram as reivindicações de parcela da
sociedade pelos direitos componentes da noção de dignidade humana, ideia central
74

do constitucionalismo contemporâneo.40 Os trabalhadores se inserem nesse


propósito político.

Por um lado, na condição de beneficiários, visto que formam o mais


numeroso grupo dos destinatários das normas sociais. Por outro, na
condição de agentes do processo, porque se colocam na base das razões
que influenciam as decisões do estabelecimento do constitucionalismo
social (CECATO, 2008, p. 41-42).

A rigor, esse modelo visa a suprimir as insuficiências dos direitos de


liberdades e das teorias liberais relativas ao fato de que o mercado solucionaria os
desequilíbrios sociais. Por isso, o Estado é chamado a prover as necessidades
materiais básicas das pessoas através de ações, mas garantindo, ao mesmo tempo,
os direitos de liberdade e autonomia das vontades (LEAL, 2007).
Depreende-se disso que esse modelo tem como foco central a pessoa,
inserida, por inclusão ou exclusão, em um contexto econômico, motivo por que aos
trabalhadores é conferido destaque sempre que se trata, em sede constitucional, da
economia.
A base dos paradigmas referidos é a economia, a partir do que se
estabelecem os direitos que devem ser conferidos e protegidos, bem como a
amplitude em que isso deve ocorrer.
Nesse quadrante que a proteção ao trabalhador, via direito do trabalho,
constitucional e infraconstitucional, assume um especial relevo, pois os
trabalhadores são a classe mais exposta ao confronto entre os ideários básicos dos
dois modelos referidos, ou seja, no conflito capital-trabalho.
Em síntese:

[...] o constitucionalismo social marca o entendimento da responsabilidade


direta ou indireta do Estado pelo bem estar social. Sua intervenção é
imprescindível como reguladora das distorções da relação capital-trabalho,
para evitar a miséria, o desemprego, as jornadas de duração excessiva, os
salários ínfimos e as precárias condições de higiene e segurança
(CECATO, 2008, p. 42).

Essa atuação do Estado se dá pela atuação de seus três poderes, o


legislativo (criação de leis que respeitem tais postulados), o executivo (através da
competente fiscalização da observância das normas de direito do trabalho) e o
judiciário (aplicando a legislação e a constituição).

40
Nesse sentido, ver: RICHTER, 2008. p. 65-105.
75

Ao judiciário, que compete a aplicação do direito, e no ápice a guarda da


Constituição (Supremo Tribunal Federal – art. 102 da CF/88), reside a função mais
complexa, porquanto, além de interpretar e aplicar a lei ao caso concreto, atua nos
espaços em que não há legislação.
Ademais, de acordo com sua função no âmbito do Estado de Direito, isto é,
solucionar juridicamente os conflitos que se lhes apresentam, dizendo o direito, deve
enfrentar, inclusive, os casos em que, apesar de regulados, a legislação existente
não se coaduna com os pressupostos do constitucionalismo contemporâneo, ou
mesmo com o próprio texto constitucional vigente.
No ponto, sobressai o fundamento organizacional do neoconstitucionalismo,
uma vez que, primeiramente, o Poder Judiciário, em qualquer instância, deve valer-
se da jurisdição constitucional (controle difuso de constitucionalidade) para afastar
determinado preceito do ordenamento jurídico, ao menos para os efeitos do caso
concreto em análise, para, em seguida, construir a resposta jurídica adequada a
partir da Constituição e do próprio ordenamento jurídico infraconstitucional.
Por conta disso, uma vez que o direito é composto por regras e princípios
(para dizer o mínimo), constitucionais e infraconstitucionais, assume especial relevo
o princípio da proteção, em suas duas facetas, porquanto o Poder Judiciário vale-se
dele para oferecer respostas jurídicas aos conflitos, supostamente, não abarcados
ou mal abarcados pela legislação.
Pela própria função do princípio em questão, cuja relevância é extrema já que
pode servir de base para o afastamento da legislação existente (ato do legislativo),
bem como para regular conflitos não previstos em lei, é que se tem como
imprescindível a delimitação da aplicabilidade da referida norma. Em outros termos,
precisa-se saber qual o conteúdo normativo dessa norma, tanto em sede
constitucional quanto em sede infraconstitucional, e as hipóteses em que pode ser
aplicada, a fim de limitá-la e estabelecer o modo de sua incidência.
De início, é importante identificar o princípio da proteção no âmbito do texto
constitucional. Para tanto, é necessário descrever o conjunto normativo do qual
dimana essa norma, na medida em que se trata de um princípio implícito. Nesse
sentido, calha a menção ao artigo 1º, III e IV, da CF/88, cuja redação aduz:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
76

[...]
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

O dispositivo transcrito trata dos fundamentos do Estado, ou seja, dispõe


acerca das bases sobre as quais se assenta a República Federativa do Brasil. Daí a
importância da referência à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do
trabalho. A fixação dessas circunstâncias como fundamentos do Estado dá o tom da
relevância que assumem.
A dignidade da pessoa humana é um fundamento mais amplo, cuja incidência
regulatória é mais genérica e abstrata, na medida em que se aplica a uma gama
incomensurável de situações. Nessa esteira:

[...] o postulado da dignidade humana universalizou-se como um polo de


atração para cada vez mais novos e novíssimos direitos refletores do
modismo constitucional-democrático. Com isso, abriu-se o receituário dos
direitos sublimados na Constituição, que se multiplicam na razão direta dos
conflitos insurgentes no meio social e das exigências insaciáveis de
positivação jurídica, na esteira do humanismo ultrapluralista, solidarista e
internacionalizado destes tempos [...]. Numa expressão mais simples, pode-
se afirmar que o Estado Democrático da atualidade é um Estado de
abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano. É
assim uma instituição de ilimitada absorção das aspirações e conquistas
sociais, que faculta os canais pacificadores da mediação jurídica à
generalidade dos focos de tensão e dos multiformes projetos de dignificação
humana (CAST2RO, 2005, p. 16-19).

Em outras palavras, a dignidade da pessoa humana é um axioma que está na


base de todos os princípios fundamentais, consistindo no principal pressuposto da
abertura constitucional a novos direitos fundamentais relacionados a todas as
aspirações sociais.
Do mesmo modo, mas em sentido reverso, a dignidade humana é composta,
em razão de sua própria exigência, por determinados princípios, direitos e efetivação
de situações de fato. É o caso do direito do trabalho e, mais especificamente, do
princípio da proteção.
No que importa aos objetivos deste estudo, tem-se a dizer que o trabalho é
componente essencial da efetividade da dignidade humana, ou seja, o exercício do
trabalho pela pessoa integra parcela de sua dignidade. Isso porque o trabalho,
enquanto atividade voltada, principalmente, ao sustento próprio, determina a
condição de independência do sujeito.
77

Ademais, a dignidade incide no próprio ambiente de trabalho, sendo


condicionante do exercício dessas atividades. Assim, não é qualquer trabalho que
atende ao fundamento em comento, mas apenas o trabalho digno. Entendido este,
grosso modo, como aquele que observa os direitos básicos dos trabalhadores,
mormente os dispostos no artigo 7º da CF/88. Isso porque a indignidade das
condições de trabalho ocorre mediante

[...] a exigência de excessivas jornadas de trabalho, a exploração das


mulheres e menores, que constituíam mão-de-obra mais barata, os
acidentes ocorridos com trabalhadores no desempenho de suas atividades
e a insegurança quanto ao futuro e aos momentos nos quais fisicamente
não tivessem condições de trabalhar, foram e as constantes de nova era no
meio proletariado, às quais se podem acrescentar também os baixos
salários (NASCIMENTO, 2010, p. 25).

Do mesmo modo, mas sob um prisma mais específico, há a primeira parte do


inciso IV do artigo transcrito, cujo enunciado elenca como fundamento do Estado os
valores sociais do trabalho.
Essa disposição não está a estabelecer propriamente uma proteção ao
trabalhador, mas sim ao mercado de trabalho. É o que se infere da referência a
“valores sociais do trabalho” (e não a direitos dos trabalhadores). Essa expressão
conota uma faceta coletiva do direito do trabalho, asseverando que a atividade
possui um cunho social.
De fato, é de difícil acepção o termo em análise, já que a delimitação
conceitual da expressão “valores sociais do trabalho” não é clara, nem dá indícios
precisos da noção que encerra.
De qualquer forma, a partir de uma leitura sistemática da Constituição Federal
de 1988, entende-se por valores sociais do trabalho, em primeiro lugar, o respeito,
pela ordem econômica, aos direitos dos trabalhadores e, em segundo lugar, a
garantia de acesso dos sujeitos ao âmbito da geração e circulação de riquezas,
através (somando-se à redação do inciso anterior) de trabalho digno. A propósito,

[...] a Carta Maior brasileira, ao estabelecer que a República Federativa do


Brasil guiar-se-á, entre outras diretrizes, pelo respeito, promoção e
institucionalização dos valores sociais do trabalho, visa buscar mecanismos
de redução das desigualdades sociais, cuidando para que o trabalho no
Brasil seja prestado em condições decentes e que não firam a dignidade da
pessoa humana (SANTOS, 2008, p. 266).
78

O valor social do trabalho está na garantia de acesso ao trabalho, sem


discriminações, de modo a possibilitar que indivíduos sejam canais de circulação de
riquezas, a partir do que auferirão meios de sustento próprio e de seus dependentes.
Por isso, o termo de referência é “valor social” em vez de “valor individual” do
trabalho.
De mais a mais, é com o acesso ao trabalho que os sujeitos se inserem na
sociedade econômica contemporânea, recebendo a contrapartida com a qual terão
acesso, também, a meios de satisfação de suas necessidades, básicas ou não, e de
efetivação, mais ampla que a garantida pelo Estado, de outros direitos sociais (tais
como o lazer, saúde, educação etc.)
Esses são os fundamentos da República Federativa do Brasil relacionados
aos direitos dos trabalhadores, consistindo em pistas importantes para a
identificação do princípio da proteção no texto constitucional, ao mesmo tempo em
que compõe o seu conteúdo normativo.
Outra disposição constitucional de importância equivalente à supracitada está
inserida no artigo 3º da CF/88. Veja-se:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esse dispositivo estabelece as finalidades fundamentais para as quais existe


o Estado brasileiro. São os objetivos prioritários da atuação da República. Essa é
uma informação-chave para mensurar a importância do rol constante no artigo em
questão.
Dessa maneira, o objetivo fundamental do Estado é construir uma sociedade
justa, livre e solidária, na qual se garanta o desenvolvimento nacional com a
erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem
de todos sem preconceitos e discriminações.
O mercado de trabalho se presta a todas estas finalidades, sobretudo quando
regulado por leis que protejam os direitos dos trabalhadores. É o direito do trabalho,
nesse aspecto, que, regulando as disposições constitucionais, determinará a
79

proteção dos trabalhadores contra o preconceito e a discriminação. É o ato de


trabalhar, ofertado pelo mercado de trabalho, que possibilitará a redução da pobreza
e das desigualdades sociais.
Ademais, é pelo trabalho, com a consequente circulação de riquezas, que se
gera o desenvolvimento nacional. É, ainda, o exercício do trabalho digno, e a
garantia ao seu acesso, que efetivará parcela importante da constituição de uma
sociedade livre, justa e solidária.
Percebe-se, então, a importância do trabalho, e da legislação de regência,
para o Estado brasileiro. Igualmente, percebe-se o porquê de a economia e a
proteção ao trabalho (no que se insere a proteção ao trabalhador) andarem, no texto
constitucional, lado a lado.
Nessa esteira, o direito do trabalho, por regular o aspecto fundamental de um
dos principais meios de efetivação dos objetivos da República, é extremamente
importante. Essa é uma informação relevante para se justificar a existência de um
princípio constitucional da proteção ao trabalhador, cuja noção é componente
(constituindo-se, é verdade, em parcela importante) do direito do trabalho, como se
verá adiante.
Prosseguindo-se na análise constitucional das disposições que servem, ou
podem servir de base à construção conceitual e do domínio normativo do princípio
da proteção ao trabalhador, tem-se o artigo 5º da CF/88, que inaugura o Título II da
Constituição (Dos direitos e garantias fundamentais) exaurindo o seu capítulo I (Dos
direitos e deveres individuais e coletivos). Por este motivo, calha a transcrição dos
principais incisos acerca da matéria em análise:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade,
nos seguintes termos:
I – homens e mulheres são iguais em direito e obrigações, nos termos desta
constituição;
[...]
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Esses dois incisos dispõem sobre os mais relevantes princípios fundamentais


relativos à proteção ao trabalhador. Da leitura desse dispositivo, aditando-se o teor
das demais disposições transcritas, percebe-se a preocupação da CF/88 com a
80

discriminação. Essa preocupação é equivalente à atenção conferida ao mercado de


trabalho, englobando os seus atores (empregador e empregado).
Tal constatação é relevante na medida em que já começa a delinear o
conteúdo normativo e a amplitude do princípio constitucional da proteção. A
preocupação com a discriminação, ao que parece, tem por finalidade permitir, em
igualdade de condições, a todas as pessoas, em território nacional, o acesso ao
mercado de trabalho.
Essa circunstância dá o tom indicativo do quão importante é, em termos
constitucionais, o exercício do trabalho. Exercício esse que, por óbvio, acontece no
mercado de trabalho gerado pela economia, através do agir das pessoas que
laboram, as quais, por sua vez, se relacionam, por conta disso, com os detentores
do capital e proprietários dos meios de produção.
Estes são presumidos mais fortes em razão das consequências geradas por
sua atuação livre no paradigma do liberalismo (vale lembrar-se do pagamento de
salários menores às mulheres e às crianças, não contratação de portadores de
necessidades especiais, demissão em massa de pessoas de idade avançada etc.).
Por isso, da importância de regulação do setor pelo Estado, bem como da
existência de medidas protetivas ao trabalhador e ao próprio mercado que possui
em si idiossincrasias incorrigíveis pelas suas próprias regras.
No mesmo nível de importância está o artigo 6º da Constituição Federal (que
está no capítulo II – dos direitos sociais – do Título supracitado), cujo teor assevera
ser o trabalho um direito social, ao lado de direitos basilares dos indivíduos inseridos
em um contexto de um Estado Social e Democrático de Direito, tais como a
alimentação, a saúde, a segurança, a previdência social, a educação etc.
Essa disposição, por sua topografia constitucional e por sua própria redação,
desvela que o direito ao trabalho é de caráter social e não individual.
Os direitos dos trabalhadores, propriamente ditos, estão dispostos no artigo 7º
a 11º da Constituição Federal de 1988. O artigo 7º trata dos direitos individuais dos
trabalhadores, ao passo que os demais artigos dispõem acerca dos direitos coletivos
dos trabalhadores. Para os propósitos deste estudo, importa a análise apenas do
primeiro.
Os direitos individuais dos trabalhadores são, por sua localização no texto da
Constituição, sociais e fundamentais. Além disso, constituem-se no núcleo do
domínio normativo do princípio constitucional da proteção ao trabalhador.
81

O mencionado dispositivo, já em seu caput, ao asseverar que “são direitos


dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social”, traz duas informações relevantes, a saber: (a) o rol de direitos dos
trabalhadores previsto nos incisos do artigo 7º não é exaustivo (expressão-chave:
além de outros); e (b) o incremento de direitos ao rol transcrito no artigo em questão
depende de o direito visar à melhoria da condição social do trabalhador (expressão-
chave: que visem à melhoria de sua condição social).
No que concerne à primeira afirmativa, é conclusão lógica a de que o catálogo
de direitos fundamentais individuais dos trabalhadores aceita acréscimos, não
excluindo outros que decorram do ordenamento jurídico infraconstitucional, ou
mesmo de disposições constitucionais esparsas. Portanto, é plenamente
constitucional a criação de novos direitos aos trabalhadores.
A criação desses novos direitos está, contudo, condicionada à melhoria da
condição social dos trabalhadores. É o que assevera a segunda parte do citado
dispositivo.
A redação do artigo deixa claro, sobretudo se combinada com o art. 5º, § 2º,
da CF/88, o status dos direitos dos trabalhadores não constantes no rol ali disposto,
quando visarem à melhoria das condições sociais dos trabalhadores, ou seja, são
direitos fundamentais.
É ilação necessária, pela dicção do dispositivo em análise que, como o rol
descrito no texto constitucional é exemplificativo, as disposições que veicula em
seus incisos são as que necessitam da estabilidade inerente ao direito
constitucional.
Estabilidade que será estendida aos direitos materialmente fundamentais, por
força da conjugação do artigo 5º, § 2º da CF/88 com o artigo 60, §4º, IV, da CF/88.
Os demais direitos dos trabalhadores serão apenas direitos, isto é, quando não
forem material ou formalmente fundamentais não carregarão consigo o regime
jurídico dessa espécie de direito. Nesse sentido:

Considerando-se que o enunciado grafado (“além de outros que [...]”), deve-


se concluir que está admitida a existência de direitos fundamentais fora do
texto constitucional, o que significa dizer, em normas infraconstitucionais.
Estas não são, portanto, fundamentais no aspecto formal, mas sim no
material. O inverso, contudo, não deve ocorrer. Em outras palavras, todos
os direitos laborais, contidos no texto constitucional são direitos
fundamentais. Pode-se assentir que o trabalhador brasileiro,
individualmente tem ampla proteção constitucional (CECATO, 2008, p. 49).
82

Dentre os direitos previstos no artigo constitucional em comento, encontram-


se: (I) proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa; (II) seguro-
desemprego, em caso de desemprego involuntário; (III) fundo de garantia por tempo
de serviço – FGTS; (IV) salário mínimo que atenda às necessidades vitais básicas
do empregado e às de seus dependentes, com moradia, alimentação, educação,
saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
Além desses, estão elencados como direitos dos trabalhadores: (V) o piso
salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; (VI) irredutibilidade
do salário, salvo convenção ou acordo coletivo; (VII) garantia de salário, nunca
inferior ao mínimo, para os que percebam remuneração variável; (VIII) décimo
terceiro salário com base na remuneração integral; (IX) remuneração do trabalho
noturno superior ao diurno; (X) proteção do salário; (XI) participação nos lucros, ou
resultados, desvinculada da remuneração.
Prossegue o mesmo artigo, garantindo aos trabalhadores: (XII) salário-família
pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda; (XIII) a duração do
trabalho normal não superior a oito horas diárias e a quarenta e quatro semanais,
facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou
convenção coletiva de trabalho; (XIV) jornada de seis horas para o trabalho
realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; (XV)
repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.
Ainda, constituem-se em direitos dos trabalhadores, conforme o texto
constitucional: (XVI) remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em
cinquenta por cento à do normal; (XVII) gozo de férias anuais remuneradas com,
pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; (XVIII) licença à gestante, sem
prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; (XIX)
licença-paternidade; (XX) proteção do mercado de trabalho da mulher mediante
incentivos específicos; (XXI) aviso prévio proporcional ao tempo de trabalho, sendo
no mínimo de trinta dias.
Do mesmo modo, são direitos constitucionais dos trabalhadores: (XXII)
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança; (XXIII) adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres
ou perigosas; (XXIV) aposentadoria; (XXV) assistência gratuita aos filhos e
83

dependentes desde o nascimento até os 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-


escolas; (XXVI) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
(XXVII) proteção em face da automação; (XXVIII) seguro contra acidentes do
trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado nos casos de dolo ou culpa.
Por fim, são direitos dos trabalhadores previstos na CF/88: (XXX)41 proibição
de diferença salarial, de exercício e de funções e de critérios de admissão por
motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; (XXXI) proibição de qualquer
discriminação, no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador
de necessidades especiais; (XXXII) proibição de distinção entre trabalho, manual,
técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; (XXXIII) proibição de
trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 (dezoito) anos e de
qualquer trabalho aos menores de 16 (dezesseis), salvo aos maiores de 14
(quatorze) na condição de aprendiz; (XXXIV) igualdade de direitos entre o
trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.
Todos esses direitos são formalmente fundamentais, mas nem todos o são
sob o aspecto material. De qualquer maneira, como a formalidade impõe a atribuição
do regime jurídico correspondente ao status mencionado, não há o que se discutir.
A menção é válida apenas para explicar que se determinados direitos
estivessem previstos apenas na legislação infraconstitucional seriam apenas
direitos, sem o adjetivo “fundamental”. É o caso, exemplificadamente, do aviso-
prévio e do 13º salários, mesmo com sua reconhecida e inegável importância. A
propósito:

O rol de direitos estabelecidos nos incisos do artigo 7º (não exaustivo, como


está expresso) é, contudo, extenso para um texto constitucional. Dele fazem
parte direitos que não podem, a rigor, ser considerados fundamentais.
Exemplificadamente pode-se citar o aviso-prévio e o décimo terceiro salário
que são, claramente, direitos complementares. Sem nenhuma intenção de
reduzir a relevância que tem o primeiro para o empregado dispensado sem
justa causa e o segundo, como um salário a mais, a cada ano, para todo e
qualquer empregado, vale notar que não lhes pode ser atribuído o caráter
de direito essencial. Com efeito, não há argumento plausível que justifique
que, na ausência deles, a dignidade do trabalhador seja atingida (CECATO,
2008, p. 49-50).

41
O inciso omitido (XXIX) não se enquadra na composição do conteúdo do princípio constitucional da
proteção ao trabalhador, uma vez que não dispõe acerca de uma garantia, ou de um direito. Expõe,
na verdade, apenas o prazo para o exercício de direitos decorrentes da relação de trabalho.
84

Esse dado é particularmente importante porque auxilia o intérprete a


visualizar quais os direitos infraconstitucionais dos trabalhadores são fundamentais e
quais não o são.
Assim, os direitos não vinculados à efetivação da dignidade do trabalhador, e
que estão fora do rol de direitos fundamentais formais, não se caracterizam como
fundamentais.
Destarte, após a análise do texto da Constituição Federal realizada neste
tópico, já é possível delinear a moldura do princípio constitucional da proteção,
determinando, em linhas gerais, o seu conceito e domínio normativo.
Dessa maneira, o princípio constitucional da proteção é basilar ao Estado
Democrático e Social de Direito, na medida em que encontra o seu fundamento
diretamente nos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil,
constituindo-se, ainda, em parcela do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa
humana, o qual, por sua vez, é estruturante de todo o sistema de direitos, garantias
e princípios fundamentais, individuais e sociais, dos indivíduos. Eis a sua condição e
o seu fundamento.
O princípio constitucional de proteção ao trabalhador é requisito condicionante
para que a ordem econômica seja instrumento de concretização dos objetivos
fundamentais do Estado Brasileiro, porquanto as finalidades dispostas no texto
constitucional pressupõem que os agentes que compõem a cadeia produtiva
possuam trabalho digno e que não haja qualquer espécie de discriminação negativa
no âmbito do trabalho exercido. É, portanto, função do princípio em comento
direcionar a ordem econômica.
O conteúdo do princípio constitucional em foco é delineado, de modo geral,
pelas mesmas disposições que informam o que é trabalho digno, ou seja, pelo rol,
não taxativo, de direitos fundamentais dos trabalhadores elencados no artigo 7º da
CF/88, bem como pela legislação reguladora de tais disposições.
Dessa maneira, é necessário dizer que o princípio constitucional da proteção
ao trabalhador, o qual tem seu conteúdo informado, dentre outros elementos, pelas
disposições do artigo supracitado, e os direitos previstos no artigo 7º da Constituição
são coisas distintas.
É que os direitos dos trabalhadores previstos na CF/88 existem por si
mesmos, ao passo que o princípio constitucional da proteção ao trabalhador, por ser
implícito, carece de identificação através da conjugação de disposições
85

constitucionais. O conteúdo desse princípio – que é dirigido ao legislador e que


serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade – é orientado pelos
incisos em questão.
O primeiro é voltado ao legislador, aplicando-se às relações interprivados
apenas nas hipóteses em que a lei não regule a matéria, ou nos casos em que a lei
que regula a matéria seja julgada inconstitucional, sendo, inclusive, o parâmetro
para a declaração de eventual inconstitucionalidade.
Já os incisos do artigo 7º encerram direitos que, a rigor, são sociais,
possuindo, portanto, uma dimensão individual e coletiva. São direcionados ao
legislador (em sua face coletiva), que tem o dever de efetivar os postulados que
compõem o seu conteúdo, bem como respeitar tais disposições, sob pena de
inconstitucionalidade material.
Essa circunstância não exclui o fato de que seu conteúdo incide, na medida
do possível, diretamente nas relações de trabalho (face individual dos direitos
sociais), condicionando os empregadores. Na medida do possível, porque sua
eficácia, nessa circunstância, é negativa (limitadora) e não reguladora de conduta.
Na medida do possível, ainda, porque para a incidência de eficácia ativa
(reguladora) existem determinados direitos e garantias dispostos no artigo 7º que
dependem necessariamente de regulamentação.42 É o exemplo do artigo 7º, I, que
trata da proteção contra a despedida arbitrária.
Esse dispositivo constitucional possui eficácia negativa (limitadora),
consistente na proibição de criação de qualquer ato normativo que crie hipóteses
autorizadoras de despedida arbitrária.
Ao mesmo tempo, é direcionada ao legislador que deve(ria) criar a lei
complementar reguladora da matéria prevista no artigo. Entretanto, esse mesmo
dispositivo não pode invalidar despedidas arbitrárias ou sem justa causa. Tal
acontece principalmente em razão da menção de proteção ao trabalhador, em vez
de proibição do ato em si.
Por conseguinte, trata-se de direitos de segunda geração, que possuem duas
dimensões, uma individual e outra coletiva, ou seja, são direitos sociais, transcendo

42
No ponto está presente a discussão acerca das diferentes eficácias das normas constitucionais
(eficácia plena, contida e limitada), matéria que não é objeto deste estudo.
86

o axioma individual, mas que possuem, em seu conteúdo, normas de cunho


nitidamente individual.43 Sobre o tema, assevera Ingo Sarlet que

[...] o direito do trabalho, como direito social, ancorado no art. 6º, da CF,
fornece um outro bom exemplo para demonstrar a conexão (mas não
equivalência) entre uma dimensão individual e coletiva, visto que se refere
tanto à garantia de condições de acesso a um trabalho digno para cada
pessoa individualmente considerada e na sua proteção no âmbito das
relações de trabalho (papel desempenhado pelos direitos dos trabalhadores
dos artigos 7º e seguintes da CF), mas apresenta uma face coletiva
(transindividual) inequívoca, como fundamento da obrigação estatal de
promover políticas que resultem na criação de vagas no mercado de
trabalho (SARLET, 2012, p. 219).

Dessa maneira, tanto o princípio da proteção, quanto os dispositivos que


compõem o seu conteúdo, não obstante possuam eficácia direta e imediata, são
direcionados, sobretudo, ao legislador, podendo, contudo, aplicarem-se diretamente,
via eficácia negativa, caso em que deverão ser sopesados com os demais princípios
constitucionais, ou via eficácia positiva, nos casos em que o direito que se insere no
conteúdo do princípio em discussão não depender de regulamentação. É dizer, a
consequência jurídica é extraível das próprias disposições em cotejo.
A incidência do princípio constitucional da proteção, no âmbito particular, se
dá através da eficácia negativa que exerce, anulando normas e atos que contrariem
o seu conteúdo. Já as disposições que compõem o conceito podem incidir de forma
direta (face individual dos direitos sociais), nas circunstâncias em que o direito
insculpido não dependa de regulamentação por intermediação do Estado.
Essas considerações são importantes porque desvelam que o princípio
constitucional da proteção não incide diretamente nas relações interprivadas,
porquanto se destina ao Legislador. Incide no âmbito particular os direitos dos
trabalhadores, ou seja, os elementos que compõem o princípio constitucional em
questão, na medida de sua regulação pelo legislador ordinário.
Estabelecida a moldura do domínio normativo e as hipóteses de incidência do
princípio constitucional da proteção ao trabalhador, passa-se a realização do mesmo
procedimento em relação à norma infraconstitucional, para, em seguida, distingui-
las.
Antes, contudo, considerando há abertura constitucional, via art. 5º, § 2º, da
Constituição Federal de 1988, é necessário verificar, sob um prisma geral, algumas

43
Nesse mesmo sentido, ver: LEDUR, 2009.
87

disposições de direito internacional acerca dos direitos dos trabalhadores. Essa


análise é importante porque clareia, um pouco mais, o conteúdo normativo do
princípio da proteção, desvelando, ao mesmo tempo, a real dimensão do panorama
normativo concernente ao direito do trabalho. É o que se passa a expor.

4.3 Breve análise acerca da influência das normas internacionais de direitos


trabalhistas no âmbito do princípio constitucional e infraconstitucional da
proteção

De início, é imperiosa, para tratar desse tema, a apresentação das duas


principais correntes doutrinárias atuais sobre o assunto específico de status das
normas internacionais no direito interno, a primeira encabeçada por Valério
Mazzuoli; e a segunda, por Gilmar Ferreira Mendes (GOMES, 2009).
Para o primeiro, todos os tratados internacionais de direitos humanos (no que
se incluem os que dispõem sobre direito do trabalho) possuem nível de norma
constitucional, seja material, seja material e formal (MAZZUOLI, 2011).
Por outro lado, os que não contêm, em seu bojo, assunto relacionado a
direitos humanos caracterizam-se como infraconstitucionais e supralegais, mormente
após o advento da EC/45.
Em resumo, sua conclusão, no que importa a este estudo, é de que a
produção legislativa interna possui duplo limite material-vertical, a saber: (a) a
Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais de direito humanos; (b) os
tratados internacionais comuns.
Paralelamente, tem-se a tese do Ministro Gilmar Mendes, de resto perpetrada
em seu voto no HC 87.585-TO e no RE 466-343-SP, mas também exposta em suas
produções acadêmicas (GILMAR; BRANCO, 2004), cujo mote é que os tratados
internacionais que disponham sobre direitos humanos e que não foram submetidos
ao procedimento do art. 5º, §3º, da CF/88, são supralegais; já os que foram
submetidos, têm valor de Emenda Constitucional. Por fim, os que não versem sobre
direitos humanos possuem status infraconstitucional.
O efeito prático dessa corrente parece ser, no que tange ao parâmetro de
validade das leis, o mesmo, ou seja, há um duplo limite material-vertical, mudando
88

apenas, de uma corrente para outra, o mecanismo de exercício do controle (o que


não é objeto deste estudo).
A principal distinção está na leitura do status das normas internacionais não
submetidas ao rito do art. 5º, § 3º, da CF/88. A primeira assevera serem
materialmente constitucionais, ao passo que a segunda aduz que são
infraconstitucionais. A relevância desta distinção, que não será enfrentada neste
estudo, consiste no plano dos conflitos da supralegalidade.
Outra distinção está no fato de que a primeira corrente alça todas as normas
internacionais ao status de supralegal; ao passo que, para segunda, as normas
internacionais que não tratam de direito humanos são legais e apenas as de direitos
humanos, não submetidas ao supramencionado procedimento, são supralegais.
Nesse quadro, infere-se que enfrentar a questão dos conflitos entre o direito
internacional e o direito interno, bem como a polêmica sobre a supremacia ou não
dos tratados sobre a legislação interna, em consequência da intensificação das
relações internacionais, é extremamente complexo. Por conta disso, as alusões aqui
dispostas serão perfunctórias, buscando o desenvolvimento de premissas gerais
aproveitáveis especificamente ao tema desta pesquisa.
Assim, um pressuposto geral a ser colimado é a maneira como o
ordenamento jurídico se comporta diante da existência de um órgão de poder
distinto do próprio Estado. Essa temática impõe uma análise sobre as já clássicas
posições monista e dualista, sem olvidas as exceções apontadas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) que tão notoriamente indicam um estado de hibridez.
A ordem jurídica interna pressupõe a natural obediência às regras postas, a
fim de regular as condutas intersubjetivas, baseada, aparentemente, na pirâmide de
Kelsen, sendo que no topo estaria a Constituição Federal e acima dela, como
fundamento de validade último, a norma hipotética fundamental.
Em relação ao direito internacional, é de se assentar que não existe
autoridade superior dotada de jurisdição a ponto de coagir ao cumprimento de uma
obrigação, a não ser que o Estado concorde em submeter-se a tal autoridade.
Os Estados têm igual soberania, de forma que “[...] se organizam
horizontalmente, e prontificam-se a proceder de acordo com as normas jurídicas na
exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento”
(REZEK, 2000, p. 01).
89

Nesse ponto, convém ressaltar que a existência desses vínculos horizontais


no direito é determinada pelas relações de coordenação entre as normas jurídicas
que são estabelecidas por critérios de relação semântica (em razão da matéria) e
pragmática (em razão da forma), em que uma norma completa o sentido da outra
(CARVALHO, 2009).
No âmbito do direito internacional, e numa concepção monista, as normas
estariam sob o crivo do critério de complementação, enquanto que sob a ótica da
teoria dualista, o critério da subordinação estaria latente, haja vista a estrutura
hierarquizada em que se organizam, traçando as margens do direito positivo.
A teoria monista, adotada pelo Brasil, se revela como a teoria que considera a
existência de somente uma ordem jurídica. Na linha de raciocínio de Hildebrando
Accioly (1948), a rigor, o direito é uno, seja quando se apresenta nas relações de um
Estado, seja quando se apresenta nas relações internacionais.
Quer-se assim dizer que, ao adotar a teoria monista, a República Federativa
do Brasil impõe o beneplácito para que o direito internacional tenha vigência em seu
território.
De tal modo, as Convenções da OIT também devem se submeter ao
mesmo iter procedimental de internalização dos tratados internacionais. Em outras
palavras, somente depois de internalizadas, adquirem status de lei interna. Logo,
apenas após a publicação do decreto as Convenções passam a ter vigência no
ordenamento jurídico brasileiro.
Há, contudo, quem entenda, especificamente quanto ao tema, que às
Convenções da OIT são um tipo de tratado internacional diferente dos demais
tratados assinados pela República Federativa do Brasil (CECATO, 2012). Para essa
corrente, assumiriam forma de tratados multilaterais de adesão e se diferenciariam,
portanto, dos demais exatamente pela via estreita da negociação.
O fato é que as normas oriundas da OIT são responsáveis por sedimentar um
patamar protetivo mínimo que resguardam a dignidade do trabalhador. Tais direitos
alcançam o status de normas materialmente constitucionais pela cláusula de
abertura do artigo 5º, §2º da Constituição, podendo, naturalmente, alcançar o status
de normas material e formalmente constitucionais pelo disposto no artigo 5º, §3º da
Carta Magna.
Importa assentar que direitos trabalhistas, por dizerem respeito à própria
dignidade da pessoa humana, são considerados direitos humanos. Esse
90

entendimento é endossado por Cecato: “São direitos fundamentais aqueles que se


apresentam como necessários à promoção da dignidade do trabalhador. Eles têm,
portanto, a mesma natureza dos direitos humanos” (2012, p. 45).
Assim sendo, mesmo que não seja observado o procedimento insculpido no
artigo 5º, §3º da Constituição, os preceitos que resguardam tais interesses serão
sempre ao menos dotados de supralegalidade, não podendo ser consideradas como
meras leis ordinárias.
Em síntese, independentemente da corrente que se adote (monista ou
dualista) e, consequentemente, das características que cada uma traz consigo, o
fato é que as normas internacionais relativas ao direito dos trabalhadores têm
relação direta com direitos humanos, sendo, portanto, direitos materialmente
fundamentais.
Tal status, ao que parece não infirma a tese de Gilmar Mendes, porquanto
sua afirmação é quanto ao status de norma constitucional. Nessa linha, é válido
dizer que existe a possibilidade de haver direitos fundamentais formalmente fora da
Constituição (SARLET, 2012).
Essa qualidade faz com que os enunciados sobre o tema, oriundos do direito
internacional, componham o conceito do princípio da proteção e, ainda, dependendo
da sua hierarquia, o marco regulatório do direito do trabalho.
Nessa esteira, as normas em tela compõem, por um lado, o conteúdo do
princípio constitucional da proteção, limitando-o e integrando o seu conceito, quando
aprovadas pelo crivo especial que lhes confere status constitucional, e, por outro,
aparelham o marco regulatório infraconstitucional do direito do trabalho, quando não
submetidas ao supramencionado rito. Contudo, em qualquer caso, são direitos
fundamentais.

3.4 Distinção entre a proteção ao trabalhador na faceta constitucional e na


infraconstitucional: observação das funções que o instituto exerce em cada
nuance

Visto anteriormente em que consiste, ainda que em linhas gerais, o princípio


da proteção ao trabalhador no âmbito constitucional, bem como analisado no
capítulo 2 (dois) deste estudo o que significa contemporaneamente o princípio da
91

proteção na faceta infraconstitucional, passa a ser imperioso, neste momento, o


cotejo dessas dimensões do instituto, a fim de distingui-las e delimitar os âmbitos de
incidência.
De imediato, vale reiterar que, como dito acima, na dimensão constitucional,
malgrado a existência de um caráter individual, expresso nos termos que o compõe,
o princípio em questão dispõe sobre direitos eminentemente sociais, caracterizando-
se como de segunda geração. Por este motivo, ele se dirige ao legislador, exigindo a
sua respectiva atuação.
A aplicabilidade dessa norma no âmbito privado, praticamente, se restringe à
incidência de sua eficácia negativa, ou seja, de imposição de que a legislação e
demais atos, normativos ou não, sejam compatíveis com o seu conteúdo, sob pena
de inconstitucionalidade material.
Pode existir exceção no que concerne ao conteúdo do princípio em questão
que, por estar disposto de forma minuciosa no texto constitucional, aplica-se sem a
intermediação do legislador infraconstitucional. Nessa hipótese, tem-se um direito
social constitucionalmente regulado.
Trata-se ou de sua incidência indireta através da aplicação dos elementos
que o identificam no texto constitucional, como os direitos dos trabalhadores
dispostos no artigo 7º da CF/88; ou de sua incidência direta nos caso em que seja
necessária a apresentação de uma solução a dado conflito em um âmbito mais
abstrato. Saliente-se que essa segunda hipótese é a última instância de solução,
constituindo-se em uma exceção à regra.
Ainda no âmbito constitucional, viu-se que a proteção ao trabalhador, que
está inserida na determinação de respeito aos valores sociais do trabalho, encontra-
se sempre ao lado das disposições relativas à ordem econômica e à livre iniciativa,
seja em paralelo, seja como condicionante.
Esse fenômeno acontece, aditando-se as disposições supracitadas, em
diversos artigos da constituição. Porém, parece de substancial importância a
previsão no título VII da CF/88 que dispõe sobre a ordem econômica, seja pelo
modo como posta, seja pela própria topografia. Veja-se:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e


na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VIII – busca do pleno emprego.
92

A um só tempo, essa disposição sintetiza os dois principais objetivos do


princípio constitucional da proteção. Primeiro, ao asseverar que se trata de um
fundamento da ordem econômica, ao lado da livre iniciativa. Segundo, ao afirmar
que a ordem econômica buscará o pleno emprego.
Dessa maneira, colima-se a preocupação do legislador constituinte, seja o
originário, seja o derivado, no sentido de deixar clara a relação entre a proteção ao
trabalhador e a ordem econômica. Ora, não poderia ser diferente, considerando que
é no âmbito da ordem econômica que está inserido o exercício do trabalho pelo
sujeito que, por sua vez, é a finalidade da proteção.
Dessa forma, compreensível, ainda que haja inúmeras outras razões para
tanto, que a própria ordem econômica seja protegida, pois se esse sistema é
afetado, prejudicando-se por qualquer razão, se afeta, via de consequência, o
exercício do trabalho, prejudicando os trabalhadores. Isso é consequência
inexorável da sociedade sistêmica 44 e de risco45 em que estão inseridos os
mencionados fatores.
Daí um dos motivos pelos quais é conferida importância, em âmbito
constitucional, à ordem econômica. Compreende-se, então o porquê de a
Constituição regular, limitar, garantir e, inclusive, proteger a economia.
A importância da economia está, ainda, em sua relação direta com outros
temas constitucionais. Vale lembrar que é um dos meios pelos quais o Estado pode
atingir os seus objetivos fundamentais, no que está englobada a aduzida proteção.
De mais a mais, é o mecanismo que possibilita a efetivação dos princípios
fundamentais da república. Trata-se, também, do contexto em que se potencializam
os direitos e liberdades individuais, bem como gera o ambiente propício à efetivação
dos direitos sociais.
Mais do que isso, pode-se dizer que é na produção e circulação de riquezas,
propiciada pela economia, que se insere o indivíduo na sociedade capitalista,
disponibilizando a ele os meios de produção de riqueza própria, por intermédio do
que terá acesso a bens e serviços que compõem parcela da forma de se ter uma
vida digna, bem como de efetivar para si os direitos fundamentais sociais, de modo
mais amplo que o disponibilizado pelo Estado. Exemplo claro é o acesso a melhor

44
Nesse sentido: LUHMANN, 2002.
45
Ver: BECK, 1998.
93

educação, à saúde, ao lazer, à alimentação etc, via renda auferida no seio do


mercado gerado pela economia.
Esse âmbito econômico, contudo, necessita de intervenção estatal. O
liberalismo comprovou isso, em certa medida, ao desvelar o fracasso das teses
vertidas nesse paradigma. A mencionada intervenção pode acontecer de três formas
principais, a saber: de forma ativa, regulatória e negativa (GRAU, 2005).
Na primeira, o Estado efetivamente age no domínio econômico, configurando-
se como um agende da cadeia produtiva ou de circulação de riquezas, seja como
empresário (art. 173 da CF/88), seja como titular de atividade econômica, prestando,
direta ou indiretamente, sob o regime jurídico dos serviços públicos (art. 175 da
CF/88), seja monopolizando determinadas atividades (art. 177 da CF/88), seja,
ainda, fomentando determinadas atividades (art. 174 da CF/88).
Na segunda hipótese, o Estado atua como proponente das regras, com o
escopo de evitar as distorções incorrigíveis e inerentes do mercado. Isso acontece
principalmente nas atividades em que haja forte presença de interesse público.
Pode-se citar, como exemplo, a existência das atividades sujeitas à autoridade das
agências reguladoras.
Na terceira circunstância, o Estado atua não atuando. Em outros termos,
nesse caso há limitações constitucionais ao Estado, de modo que as atividades que
a Constituição não elencar expressamente como de sua competência são de
titularidades da iniciativa privada.
Em todos os três casos, o Estado regula a economia por meio de legislação
indireta, com o escopo de proteger, principalmente, os indivíduos que transitam no
meio econômico, tanto como destinatários (consumidor), quanto como participantes
diretos (concorrência, contratos etc.). É nesse segundo aspecto que está inserido o
direito do trabalho.
Esse arrazoado é importante na medida em que demonstra a preocupação da
constituição com a economia e com os agentes que atuam nessa seara. Essa
preocupação constitucional é determinante para a revisão do princípio
infraconstitucional da proteção.
A revisão em comento condiz muito mais com uma pretensão de indicar as
hipóteses de incidência do instituto do que propriamente de restringir-lhe a amplitude
protetiva. Lógico que o delineamento de sua amplitude é importante, entretanto,
essa operação não é o principal, em termos de filtragem constitucional do instituto
94

porque a proteção que ele confere aos indivíduos condiz em grande medida com
uma preocupação antecipada, em nível hierárquico, pelo próprio texto da
constituição.
Essa análise específica a respeito da revisão do conteúdo do princípio será
feita no tópico subsequente, o que é imprescindível deixar claro no presente
momento é a sua função no ordenamento jurídico, identificando em que espaços ele
opera.
Nesse sentido, demonstrou-se que a função de limitação e correção das
distorções da economia em relação ao direito do trabalho é função exclusiva da
dimensão constitucional do princípio em análise. Isso é decorrência do nível
hierárquico em que as matérias estão.
Por esta razão que a legislação trabalhista, sob pena de inconstitucionalidade,
já nasce objetivando a proteção dos trabalhadores. Do que é inferência necessária
que a legislação trabalhista é o resultado da ponderação, feita pelo legislador, dos
princípios constitucionais relativos à matéria (princípios da economia e proteção ao
trabalhador).
Dessa maneira, não há espaço direto, em sede de casos regulados pela
legislação, para a atuação ativa (criadora ou modificativa) do judiciário. Esse Poder
do Estado, em decorrência da distribuição constitucional de competências, deve ser
autolimitado, restringindo-se a aplicar a legislação que já é em si protetiva, sem
acentuar-lhes os termos.
A dimensão infraconstitucional do instituto serve de mecanismo para a
supressão de eventuais lacunas, ou mesmo como parâmetro para a resolução de
eventuais conflitos, aparentes ou efetivos, de normas.
Nesse contexto, não se pode admitir que a face infraconstitucional da
proteção, em qualquer medida, tenha eficácia suficiente para justificar a não
aplicação de determinado diploma legal.
De outra banda, ad argumentandum tantum, se o princípio em questão fosse
entendido como direito fundamental material, por força do art. 5º, § 2º, da CF/88, por
ser espécie normativa que confere direito destinado aos trabalhadores, visando à
melhoria de sua condição e à efetivação de sua dignidade, não poderia exercer força
derrogatória tão ampla, ou mesmo prevalecer a priori como se fosse
hierarquicamente superior aos demais direitos constitucionais.
95

Calha referir que se discorda dessa pressuposição, porquanto o princípio em


questão não consiste propriamente em um direito, mas sim em um instrumento de
resolução de conflitos. Não carrega consigo qualquer espécie de direito material,
muito menos algum direito que comporte as características necessárias para se
qualificar como fundamental.
Em suma, o direito fundamental de proteção ao trabalhar está disposto na
Constituição Federal dirigindo-se, positiva e negativamente, ao Legislador, não
compondo o marco regulatório do direito do trabalho, salvo nos termos
constitucionais que compõem o conceito de tal princípio, como visto acima.
De qualquer forma, adotando-se a tese de que se está diante de um direito de
caráter fundamental material de modo que ele pudesse afastar a incidência de
determinado diploma legal, necessitar-se-ia valer-se especificamente da jurisdição
constitucional difusa. Logo, o princípio da proteção deveria ser sopesado com outros
princípios constitucionais incidentes no conflito, especificamente os que dão suporte
à legislação a que se objetiva o afastamento.
Ademais, na hipótese de se regular diretamente determinada relação jurídica,
com base nesse princípio, em nível constitucional, acaso entendido como direito
fundamental, seria imprescindível a realização da ponderação entre ele e os direitos
fundamentais de que é titular a parte empregadora. Aqui se estaria diante do que se
chama de eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
É que em tal circunstância a ponderação realizada pelo legislador, de que
resulta a lei, seria desconsiderada, resolvendo-se o princípio na seara dos direitos
constitucionais. Isso significa dizer que a mesma ponderação seria realizada pelo
Poder Judiciário, de modo que é imperiosa a consideração dos direitos
constitucionais de ambas as partes da relação.
Aliás, é exatamente assim que deveria se dar a resolução de conflitos quando
há omissão legislativa. Em outros termos, na supressão das lacunas deve-se
considerar o ordenamento jurídico como um todo, levando-se em conta os direitos
fundamentais de titularidade de ambas as partes.
Esse fenômeno é consequência da inexistência de hierarquia entre os
princípios fundamentais e do fato de que todos os indivíduos são titulares dessa
espécie normativa. Aliás, é cediço que pessoas jurídicas também são titulares de
direitos fundamentais, desde que compatíveis com sua natureza (MENDES;
BRANCO, 2004).
96

Não se desconhece, contudo, o posicionamento mais restritivo, no sentido de


que as pessoas jurídicas são titulares dos direitos fundamentais expressos na
Constituição (ex.: art. XXI, art. 8º, III, art. 17 §§ 1º e 3º, art. 170, IX etc.), de modo
que, no silêncio, carecem de tais direitos (DIMOULIS, 2007).
Contudo, a orientação do STF (Rcl. – ED-AgR 1905/SP. Rel. Marco Aurélio)
vai ao encontro da primeira linha de pensamento, ou seja, sendo compatíveis, as
pessoas jurídicas são titulares dos direitos fundamentais (SARLET, 2012).
De qualquer modo, considerando a abstração de tais princípios, que impede a
previsibilidade do resultado da ponderação e faz com que o resultado dos conflitos
caia em casuísmos, entende-se que a lei, não declarada inconstitucional ou
declarada constitucional, prevalece sobre o princípio da proteção, mormente em sua
faceta infraconstitucional, por ser sua expressão materializada pela ponderação
realizada no nível legislativo.
Assim, na medida em que a legislação é o resultado da própria materialização
do princípio da proteção, delineado por conjunturas político-democráticas, deve ter
preferência em relação à faceta abstrata, decorrente do princípio da proteção em si.
Ademais, essa circunstância observa o princípio da segurança jurídica, postulado
caro ao Estado Democrático de Direito, por possibilitar a previsibilidade da incidência
da regra, com suas consequências.
Essa solução é aplicável às duas facetas do princípio da proteção, de acordo
com as funções que cada qual exerce no âmbito do ordenamento jurídico. O
princípio constitucional é norte para a elaboração da legislação e para o parâmetro
para o controle das normas pertinentes ao direito do trabalho (seja para aferir a
recepção ou para declarar a inconstitucionalidade).
Por sua vez, o princípio infraconstitucional, abstração normativa do
constitucional, tem a função de suprimir lacunas, regulando determinados casos, nos
quais será sopesado com outras normas, eventualmente, envolvidas. Dentre essas
normas podem estar direitos fundamentais dos empregadores, pessoas físicas ou
jurídicas.
Por conseguinte, a dimensão infraconstitucional da proteção tem sua eficácia
limitada aos casos de lacunas, ou mesmo de conflitos de normas. Além disso, o
princípio em questão carrega consigo limitações relativas ao seu próprio conteúdo,
ou seja, ele apenas incide nos moldes descritos dentro da moldura de seu conteúdo.
Há, portanto, dois níveis de limitação.
97

Dessa maneira, é imprescindível à compreensão completa do domínio


normativo do princípio infraconstitucional da proteção, contemporaneamente, o
cotejo da proporção em que a filtragem constitucional do direito lhe afetou, em
termos de mudança. Antes, porém, é preciso compreender o fenômeno da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais.

4.5 Da aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais no paradigma


do neoconstitucionalismo e o método da ponderação

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é o nome que se dá à


incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, em oposição à
concepção clássica de que tais direitos seriam apenas oponíveis em face do Estado.
Esse fenômeno decorre do reconhecimento, em primeiro plano, de que
todas as pessoas são titulares dessa espécie de direito, inclusive as pessoas
jurídicas (MENDES, BRANCO, 2004). Depois, por decorrência necessária da
eficácia direta e imediata de tais direitos (SARLET, 2012).
Assim, nos casos em que há conflito entre particulares, potencialmente
estarão em conflito os direitos fundamentais de que ambos são titulares. Nessa
esteira, tendo em vista que a solução relativa ao caso perpassará, necessariamente,
pela análise dos direitos fundamentais, em conjunto com todo o aparato normativo
incidente na espécie, deparar-se-á com a colisão de direitos fundamentais.
Tal colisão não possui respostas pré-prontas, porquanto os direitos
fundamentais, que predominantemente se apresentam como princípios, por suas
próprias características, não estão hierarquizados, nem precedem a priori de uns
sobre os outro. Dessa maneira, as soluções fornecidas para as hipóteses de conflito
normativo infraconstitucional, não resolvem o problema em questão.
Por conta dessa circunstância, desenvolveu-se o método da ponderação,
cuja finalidade é a resolução de conflitos entre normas principiológicas de igual
hierarquia (ÁVILA, 2005). Nesses casos, a ideia central é que não se elimine
nenhum dos direitos fundamentais em conflito, preservando-os e aplicando-os na
maior medida possível (ALEXY, 2008).
De todo o modo, há a ideia de que as regras precedem aos princípios
(ÁVILA, 2013). Então, se uma regra, constitucional ou infraconstitucional regular o
98

conflito, o juízo de ponderação relativo aos direitos fundamentais em jogo já estará


materializado, solucionando-se a contenda via subsunção.
Todavia, nas hipóteses em que a legislação não regular o conflito, ou regulá-
lo de tal forma que possa ser discutida com certo grau de plausibilidade a
inconstitucionalidade da solução positivada, a solução deverá ser buscada em outro
nível, mais abstrato, seja nos princípios infraconstitucionais (princípios gerais do
direito ou princípios materialmente fundamentais) seja nos princípios constitucionais
(direitos fundamentais ou não). É nessa seara que se utiliza a ideia de eficácia
horizontal dos direitos fundamentais e da ponderação correspondente.
Não obstante, é necessário identificar mais profundamente a origem e os
fundamentos de tal horizontalidade. De início, não há como dissociar o tema da
eficácia horizontal dos direitos fundamentais com o da constitucionalização do direito
privado, da qual o Direito do Trabalho faz parte (SARLET, 2012). Por efeito, tem-se
verificado um encurtamento distancial entre o mundo jurídico publico e privado,
fenômeno acentuado com o advento do neoconstitucionalismo (BARROSO, 2005).
A aproximação do público e do privado, ainda, pode ser facilmente
constatada a partir da influência dos ideais neoliberais e a conseguinte busca do
Estado mínimo. Estes fatores ocasionaram a abertura dos caminhos para a
privatização da Administração Pública e fez com que se utilizassem mecanismos
contratuais usualmente ligados a particulares também quando presente o ente
estatal (BINENBOJM, 2008)
Mas, independentemente da configuração político-econômica que o Estado
adota, deve-se considerar, de acordo com o constitucionalista italiano Gustavo
Zagrebelsky, que o direito constitucional há de ser flexível e dúctil, eis que, ante a
variedade de situações fáticas e de pluralismos de universos culturais, éticos,
religiosos e/ou políticos, não se pode cogitar da existência de valores e princípios de
caráter absoluto, aplicáveis prima facie (ZAGREBELSKY, 1999).
Daí advém a necessidade de ponderação, sopesamento, concordância
prática entre tais direitos, interesses, valores e princípios ante o caso concreto para
que se forneça a melhor tutela levando-se em conta as circunstâncias que se
apresentam em dado quadro narrativo.
Logo, em virtude deste pluralismo que se verifica com cada vez mais
intensidade na prática jurídica, é salutar ponderar os valores e interesses que se
encontram em conflito em uma dada situação litigiosa. As situações fáticas são
99

variadas, ricas e especialmente no caso da vinculação dos direitos fundamentais nas


relações interprivadas (SARMENTO, 2003).
Os direitos fundamentais (em sentido estrito) e o Direito (em sentido amplo),
devem ser entendidos como uma expressão de bom-senso e da evolução do
comportamento humano. Devem ser necessariamente assim considerados em
virtude da multiplicidade e da fragmentariedade dos centros de poder característicos
do mundo contemporâneo.
A justiça, ou seja, a equidade é tão necessária quanto à própria
interpretação dos textos legais. É indispensável à transformação daquilo que se
pode entender por direito. A interpretação transforma o texto legal em direito
(MAXIMILIANO, 1999).
Na seara jurídica não deve haver impedimentos a ensejar o abandono das
antigas concepções oitocentistas. O direito, outrora impregnado do ranço cartesiano
fundado sob o sistema da observação, revela-se obsoleto ante os tempos presentes.
A realidade é muito mais ampla do que aquela que pode ser observada pelo
legislador (STRECK, 2001).
Daí a importância da aplicação dos direitos fundamentais no âmbito das
relações privadas, já que oferece um mecanismo de constitucionalização do direito e
de adequação do texto normativo à realidade. Preza-se pelo princípio da dignidade
da pessoa humana em conjunto com todo o sistema de direitos fundamentais
contidos na Constituição Federal, primeiro na elaboração das normas e, depois, na
respectiva aplicação.
A abordagem do contrato se procede considerando as partes envolvidas não
apenas como contratantes, mas sim como pessoas que possuem uma dignidade
própria e inviolável e que se submetem a uma relação negocial visando à satisfação
de seus interesses próprios, mas também da sociedade. O contrato desempenha,
desse modo, uma importante função social no que tange a distribuição de riquezas
(REALE, 1986). No que toca especificamente ao contrato de trabalho a aplicação da
teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais possui uma dupla faceta.
A primeira, já largamente discutida ao longo deste estudo, consiste na
necessária ponderação entre os direitos fundamentais dos trabalhadores com os
princípios fundamentais (em regra de cunho econômico) dos empregadores.
A segunda é a aplicação do princípio fundamental da proteção de maneira
expansionista, de modo a atingir determinados sujeitos que, pela leitura dogmática
100

do direito, não comporiam o grupo de referência. Trata-se de sujeitos que estariam


afetos a relações distintas das de trabalho, que é a seara onde se aplicaria, por
natureza, o princípio em tela. Esse fenômeno é bem identificado por Machado:

As pessoas jurídicas são absolutamente privadas da capacidade de


trabalho, mas não podemos desconsiderar a possibilidade de prestação de
trabalho por pessoas naturais estabelecidas formalmente, sob aparência
diversa daquela que corresponderia a um dos polos presentes nas relações
de trabalho subordinado – aparecerão, por assim dizer, como profissional
liberal, firma individual, trabalhador autônomo, cooperativo, entre outras
figuras para as quais não se dirigem as regras as regras protetiva, mesmo
que laborem em condições materiais não muito diferentes daquelas nas
quais laborariam caso contratados em regime de emprego (2011, p. 62-63).

Então, é possível dizer que as normas jurídicas, que são a materialização do


princípio constitucional da proteção, devem ter seus âmbitos de incidência
expandidos, a fim de, justamente em razão do princípio da proteção (direito
fundamental dos trabalhadores), regular hipóteses que originariamente lhes
escapariam.
Trata-se de efeito decorrente, de um lado, do fato de os sujeitos que laboram
serem titulares de direitos fundamentais e, de outro, da eficácia horizontal de tais
direitos, que, ao incidirem nas relações interprivadas, obrigam particulares
diretamente.
De mais a mais, pode-se considerar que o principio da dignidade da pessoa
humana, elevado à condição de fundamento da República Federativa do Brasil
(artigo 1°, III, CF), é o substrato jurídico no qual se assentam todos os direitos
fundamentais (CASTRO, 2005). A violação de um direito fundamental importa não a
violação de uma norma ou de um principio, mas sim a violação de toda a ordem
jurídica sistematicamente considerada.
Daí o porquê da atribuição da máxima eficácia aos direitos fundamentais, o
que justifica a incidência do princípio fundamental da proteção, ainda que em
relação a contratos que não seriam, de acordo com o direito positivo, submetidos ao
seu domínio normativo.
Por outro lado, também se tem como fundamento da República a livre
iniciativa (artigo 1°, IV, CF), correlata ao direito de propriedade, de índole
originalmente liberal, mas atualmente interpretada a partir dos temperamentos de
sua função social. Outrossim, a propriedade privada é também alçada, com a Carta
de 1988, a fundamento da ordem econômica (artigo 170, II, CF).
101

Nesse quadrante, fica claramente estabelecido um conflito horizontal de


direitos fundamentais, solucionáveis, caso a caso, a partir da ponderação. De um
lado a livre iniciativa e o direito de contrata, conforme disposto na lei, observando-se
a função social do contrato; de outro, os direito à proteção de que são titulares os
trabalhadores em geral.
A ponderação aqui é necessária, porque haverá casos em que, por
determinadas razões, o trabalhador não merecerá o seu direito fundamental á
proteção prevaleça sobre os direitos fundamentais do empregador, seja porque não
é hipossuficiente, seja porque, efetivamente, sua condição de trabalho autoriza que
seja regido por outras modalidades contratuais.
Por conseguinte, diante do que foi exposto, percebe-se que a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais influencia as relações trabalhistas, sem,
contudo, pender, a priori, para qualquer dos lados.
Assim, não é a partir dos direitos fundamentais que se verificarão respostas
pré-concebidas de solução de conflitos laborais, sobretudo porque o direito
fundamental da proteção é apenas um aspecto a ser considerado no âmbito dos
conflitos interprivados relativos à esfera trabalhista.
Na verdade, é a partir da ponderação dos valores em jogo, bem como dos
direitos fundamentais dos trabalhadores e dos empregadores, que se construirão as
respostas cabíveis para cada caso, considerando que os direitos fundamentais não
são hierarquizados.

4.6 A constitucionalização da faceta infraconstitucional do instituto da


proteção e das normas dele decorrentes

De antemão, depreende-se, do desenvolvimento do trabalho até este ponto,


que o princípio infraconstitucional da proteção foi recepcionado pela Constituição
Federal. Isso é ilação necessária a partir da leitura dos dispositivos constitucionais
supratranscritos.
No entanto, essa recepção não se deu quanto ao sentido original do instituto
em questão. O que equivale a dizer que a discussão acerca do tema a partir da
Constituição se dá no que concerne à maneira como o princípio da proteção foi
recepcionado.
102

Viu-se, também, ao longo do estudo, que a norma em questão é a face


abstrata infraconstitucional do princípio constitucional da proteção, bem como que
sua incidência está condicionada à ponderação dos demais valores envolvidos na
contenda, mormente os de que são titulares o empregado e o empregador.
Além disso, a incidência do princípio em tela é precedida pela aplicação das
regras legais que consistem na materialização do princípio constitucional da
proteção. Esses assuntos, contudo, não dispõem sobre o conteúdo do princípio
infraconstitucional da proteção, limitando-se á sua natureza e modo de incidência.
Na verdade, a filtragem constitucional do princípio em comento impõe que se
delimite o próprio âmbito de incidência de seu conteúdo, evitando que ele seja
aplicado de modo ad hoc.
A rigor, a constitucionalização do princípio da proteção opera a modificação
do seu conteúdo em complemento às considerações supra, no sentido de
delimitação de suas hipóteses de incidência.
Em outros termos, a partir do neoconstitucionalismo, o princípio
infraconstitucional da proteção sofre limitação quanto às hipóteses que regula (tema
enfrentado no tópico acima) e quanto ao seu conteúdo.
Nesse segundo aspecto, a limitação se dá quanto às hipóteses em que os
elementos do próprio conteúdo incidem, bem como o conceito normativo dos
mesmos elementos. Elementos estes que são o conteúdo do princípio em questão.
A primeira grande modificação que o constitucionalismo contemporâneo
determina ao princípio da proteção é a identificação de seus elementos formativos
como princípios, de modo que seja a aplicação deles dependa do processo de
ponderação.
Não se olvide que os elementos que compõem o conceito do princípio em
foco são: (a) o in dubio pro operario; (b) a norma mais favorável e (c) a condição
mais benéfica.
Contemporaneamente, sem que se realizasse uma avaliação crítica, esses
elementos eram qualificados, em razão da maneira como incidiam nos casos que
pretendiam reger, como normas-regras. Logo, ocorrendo a hipótese fática descrita
em seu enunciado conceitual, aplicavam-se. Essa circunstância está ligada a não
realização da filtragem constitucional do instituto. Veja-se o quadro atual do instituto.
O primeiro elemento consiste em uma regra que visava a proteger o
trabalhador, presumindo-o hipossuficiente em face do outro polo da relação. Logo,
103

na aplicação do direito, nos casos em que existissem dúvidas, dever-se-ia interpretar


a norma, o contrato e mesmo as provas de eventual processo, em favor do
empregado.
O segundo, por sua vez, equivale a uma regra de âmbito interpretativo, pois
incidiria nos casos em que exista mais de uma norma (em sentido amplo já que
engloba as mais diversas fontes normativas) regulando a mesma matéria de cunho
trabalhista, fazendo com que se aplique a que trouxer maiores benefícios ao
trabalhador.
Em outros termos, trata-se de uma regra hermenêutica de solução de
conflitos normativos, por meio da qual se afastaria a norma trabalhista com menores
benefícios aos trabalhadores.
Isso se dá mesmo nos casos em que tais benefícios, a despeito de serem
inferiores em número ou extensão em relação aos previstos no diploma com o qual
colide, observam à lei (ou fosse a própria lei) e à Constituição. Do mesmo modo,
desconsideram-se os demais critérios de solução de conflitos normativos (hierarquia,
cronologia e especialidade).
O terceiro, por fim, tem o mesmo conteúdo normativo do segundo,
diferenciando-se apenas e tão somente no que tange ao âmbito de incidência. A
condição mais benéfica pressupõe uma situação concreta.
A filtragem constitucional do instituto, como mencionado, realiza a
modificação de sua qualificação normativa, isto é, desloca-o do regime jurídico das
regras para o dos princípios constitucionalização.
Essa mudança traz consigo consequências importantes na medida em que
modifica o conteúdo dos elementos supracitados e a própria técnica de aplicação.
Assim, os elementos que compõem o princípio infraconstitucional da proteção
passam a ser conceituados, grosso modo, da forma que segue.
O primeiro – in dubio pro operario – por se tratar de um princípio deve ser
cotejado com o contexto fático que gravita em torno do conflito. Isso porque, nem
sempre em caso de dúvida, a solução deverá ser favorável ao trabalhador,
sobretudo quando este não se encontrar em condição de hipossuficiência tal que
justifique a incidência desse princípio.
Essa condição de hipossuficiência não será presumida, mas sim aferida de
acordo com os elementos que estiverem disponíveis ao intérprete. Do mesmo modo,
as normas, tendo em vista que já são o resultado da ponderação do legislador,
104

levando em conta o princípio constitucional da proteção (caso contrário serão


inconstitucionais), não devem ser aplicadas com acentuação da proteção, sob pena
de desconsideração da ponderação realizada pelo legislador e de
desnivelamento/desestabilização das relações sociais, haja vista a insegurança
gerada por esse tipo de casuísmo.
Isso equivale à expressão da incidência da igualdade em sua dupla face no
âmbito das relações laborais. Nesse sentido, vale a transcrição das lições de
Machado sobre o tema:

A desconsideração da hipossuficiência do trabalhador diante de seu


contratante, quando da criação da lei trabalhista, quando dos julgamentos
judiciais concernentes às relações de trabalho e ainda quando do exercício
da atividade regulamentar e fiscalizadora do Estado diante dessas relações,
seria consequência lógica de uma concepção de igualdade reduzida ao seu
conceito formal. Por outro lado, no que diz respeito ao conceito de
igualdade material, este permite a busca de soluções que visem a
compensar a fragilidade real de uma das partes, atribuindo-lhe uma maior
carga de direitos e proteções. Diferentemente da chamada igualdade
formal, e até mesmo em contraposição a esta, surge o conceito de
igualdade material ou substancial, tendente a permitir o estabelecimento de
uma situação de igualdade real entre os homens, dando-se um tratamento
desigual entre os desiguais, tão somente na busca da compensação d
inferioridade real de forças pela atribuição de uma superioridade jurídica
(2011, p. 26-27).

A rigor, o que se está afirmando é que a proteção conferida aos trabalhadores


deve ser mitigada proporcionalmente à ausência de hipossuficiência em relação à
outra parte da relação. Assim, o trabalhador sempre será protegido em alguma
medida, mas nem sempre em grau máximo, já que essa proteção ampla, em
determinados casos, desequilibraria a relação, a pretexto justamente de equilibrá-la,
para o outro lado. Conduta que, tanto quanto o seu oposto, é contrária ao princípio
da igualdade.
O segundo – a norma mais favorável – após o procedimento de filtragem
constitucional, com a consequente qualificação como norma-princípio, passa a ser
um meio de solução de conflitos ponderável com outros princípios, sendo aplicável
com outras técnicas de solução de conflitos, tendo em vista que seu âmbito de
incidência é a solução de conflitos normativos.
É que a aplicação dessa norma, com a amplitude que lhe é conferida pré-
filtragem, desconsidera outros mecanismos de solução de conflitos normativos,
mormente pela sobreposição de sua incidência. Logo, esse critério de solução de
105

conflitos deve ser utilizado em conjunto aos demais, ou seja, aplica-se ao lado dos
critérios hierárquico, cronológico e da especialidade.
No mesmo sentido, a ponderação mencionada se dá na esteira da existência
de normas que, apesar de menos favoráveis ao empregado, foram concebidas por
critérios democráticos e como resultado da ponderação realizada pelo legislador,
presumindo-se constitucionais. Dessa maneira, tais normas, sejam leis propriamente
ditas, sejam outros atos normativos, aplicam-se aos casos a que pretendem regular.
A solução, em vez de ser uma simplista aplicação da norma mais favorável ao
trabalhador, será o resultado de um procedimento complexo de definição, por meio
do cotejo de todas as técnicas de solução de conflito normativo, ponderando-as,
quando necessário (conflito normativo completo), e aplicando-as.
Portanto, não se pode dizer, a priori, que em caso de conflitos normativos, no
âmbito do direito do trabalho, incide o que for mais benéfico ao trabalhador. É
necessário que se verifique se os demais critérios de solução de conflitos não
resolvem a questão, precedendo, dessa forma, o princípio da norma mais benéfica.
O terceiro – a condição mais benéfica – terá como polarizador de sua
incidência o princípio da vontade das partes, sem prejuízo de ponderação com
outros princípios.
É que, diante de um caso concreto, não se pode dizer, a priori, que vale a
condição mais benéfica ao trabalhador, quando, por exemplo, a forma diversa foi
acordada consciente e livremente, ou quando tal circunstância advier de tratamento
normativo sindical, ou mesmo de aplicação de legislação que autoriza um tratamento
menos benéfico.
Na incidência do conceito originário desta subnorma, pressupunha-se que o
empregado estava em condição de desigualdade, o que, por óbvio, afetava sua
liberdade. Assim, por coerência sistêmica, o princípio da proteção mitigava a
autonomia, afastando determinadas escolhas do empregado por uma condição
menos benéfica, ou aparentemente menos benéfica. Nesse sentido:

No plano das relações de emprego, o princípio da autonomia da vontade


identifica-se como a liberdade para contratar, por meio da qual restam
estabelecidos direitos e obrigações em conformidade com o sistema de
normas e princípios dotados de validade. Não se pode, entretanto, deixar de
considerar o fato de que neste plano, os contratos tendem a ser definidos
em especial pelo empregador, a quem cabe, via de regra, a escolha do
outro polo contratual e a definição das particularidades que regerão o ajuste
(MACHADO, 2011, p. 47).
106

Preocupada com essa realidade, a própria legislação, limitou a autonomia de


vontades no âmbito da contratação trabalhista, ao estabelecer que os contratos
correspondentes devem observar a proteção ao trabalho. É o que assevera o artigo
444 da CLT, in verbis:

Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre


estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às
disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam
aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

No entanto, pela própria dicção do artigo em tela, o contrato que disponha de


modo avesso à proteção do trabalho (e do próprio trabalhador) será nulo, em tal
aspecto. Assim, no paradigma constitucional contemporâneo, em que há proteção
tanto da liberdade quanto da igualdade, bem como dos direitos trabalhistas e da livre
iniciativa, não é acertado dizer que, dentro de regras válidas, inclusive contratuais,
devam-se observar apenas as que beneficiem o trabalhador.
É que o trabalhador já protegido contra as disposições que lhe prejudiquem
(art. 444, CLT). Logo, optou-se, por um regime válido que lhe é menos favorável do
que outro igualmente disponível, deve ter sua relação regulada por esse conjunto
normativo. É claro que, para tanto, deverá ser considerando, evidentemente, o seu
grau de hipossuficiência e, consequentemente, de autonomia.
Em resumo, o princípio da proteção ao trabalhador foi recepcionado pela
Constituição Federal de 1988, com suas subnormas, as quais, contudo, do mesmo
modo que o próprio princípio, sofreram ou devem sofrer, alterações conceituais,
tornando-se compatíveis com o constitucionalismo contemporâneo.
107

5 CONCLUSÃO

Ao longo da exposição foi demonstrado, ainda que em linhas gerais, o


momento histórico em que, no Brasil, surgiram os primeiros direitos trabalhistas e o
próprio direito do trabalho, como ramo autônomo da ciência jurídica. Do mesmo
modo, verificou-se que a sociedade foi modificada em praticamente todos os seus
aspectos.
Do mesmo modo, o cenário social que serviu de suporte fático para a criação
do direito do trabalho, e mesmo dos primeiros direitos trabalhistas, modificou-se
substancialmente. Paralelamente a isso, o próprio direito constitucional modificou-se.
A modificação do direito constitucional, mormente após a segunda guerra
mundial, significou uma verdadeira evolução, uma vez que esse ramo do direito
adquiriu uma série de características peculiares e inexistentes até então.
Nesse sentido, inclusive, passa-se a denominar esse novo paradigma de
constitucionalismo contemporâneo, visando a abarcar teoricamente esse conjunto
de atributos inovadores.
A propósito, o traço característico do constitucionalismo contemporâneo é a
imposição de que o ordenamento jurídico seja lido à luz da Constituição, que, por
sua vez, ocupa o centro da ordem jurídica, irradiando os seus preceitos
fundamentais sobre todos os ramos do direito.
Essa circunstância atinge, via de consequência, todos os institutos que
pertencem a tais ramos do direito, sejam eles anteriores ou posteriores à
Constituição. Em outros termos, os novos institutos ficam condicionados pela
Constituição, devendo nascer de acordo com os preceitos fundamentais nela
dispostos; os precedentes à Constituição devem ser constitucionalizados, de modo
que a interpretação que se faça dos institutos constantes em tais textos normativos
deve ser condizente com os preceitos constitucionais.
No que concerne a esta segunda hipótese, tem-se que se trata, em uma das
facetas do constitucionalismo, do meio pelo qual o novo paradigma permite superar
o anacronismo existente entre o contexto histórico que justificara a existência de
determinadas legislações com o cenário atual.
108

Uma de suas facetas, porque esse paradigma constitucional possui


características e consequências bem mais amplas e variadas em relação à
mencionada, consoante se pode observar ao longo do trabalho.
Também ao longo da exposição foi possível perceber que esse fenômeno,
que, no Brasil, teve como marco a Constituição Federal de 1988, é recente. Dessa
forma, nem todos os ramos do direito experimentaram essa filtragem constitucional,
principalmente aqueles que são precedentes à Constituição. É o caso do direito do
trabalho.
As categorias teóricas do direito do trabalho não foram cotejadas pelas
categorias desenvolvidas pela vasta produção teórico-científica relativa ao
neoconstitucionalismo e a constitucionalização do direito. O que equivale a dizer que
o fenômeno do constitucionalismo contemporâneo foi pouco explorado na seara
trabalhista.
Em outras palavras, não se realizou, no âmbito da doutrina e da
jurisprudência, uma análise sistemática das categorias normativas dos institutos que
compõem o microssistema jurídico mencionado, a partir do paradigma do
constitucionalismo contemporâneo.
Portanto, o ramo do direito referido tem se mantido alheio aos influxos do
desenvolvimento teórico trazido pelo novo paradigma constitucional. Ressalte-se
que no bojo desse ramo do direito o pilar sobre o qual está assentado todo o aparato
teórico, bem como os postulados normativos norteadores da leitura e interpretação
do marco normativo correspondente, é o ideário da proteção exclusiva ao
trabalhador, cuja denominação dominante é: princípio da proteção ao trabalhador.
A não incidência desse influxo no direito do trabalho propícia a confusão, em
seu bojo, entre os conceitos de princípio constitucional e princípio geral do direito,
mormente quanto às funções que exercem dentro do ordenamento jurídico. O
mesmo acontece com as noções de regra e postulado, cujos conceitos e
funcionalidade confundem-se, entre si e com aqueles, na aplicação e interpretação
do microssistema trabalhista.
O instituto da proteção ao trabalhador nasceu junto com a legislação
trabalhista, confundindo-se, a rigor, com o próprio direito do trabalho. Por isso,
remanesce na doutrina especializada a pré-compreensão dogmática de que o direito
trabalhista deve ser protetivo.
109

Essa noção, enraizada no senso comum teórico dos juristas, impera, não
obstante a ausência de correspondência entre os contextos históricos, sociais,
jurídicos e econômicos, que circunscrevem a gênese do princípio em foco e a
atualidade. Trata-se de afirmar que é diacrônico o conteúdo da concepção do ideário
em tela e a sua aplicação hodierna, o que não abalou o conteúdo e o modo de
aplicação do instituto em comento.
Daí o porquê da necessidade de realização de uma leitura constitucional do
instituto. Constitucionalização essa que consistiu em determinar, com base nos
direitos fundamentais, a amplitude do conteúdo e das hipóteses de incidência da
norma específica do direito do trabalho.
Ao longo do estudo, não se negou a existência constitucional, a partir do
próprio texto da Constituição Federal de 1988, do instituto da proteção ao
trabalhador. O que se afirmou, na verdade, foi que a concepção precedente à
Constituição Federal de 1988, que, como visto ao longo da exposição, é
infraconstitucional, deveria ser constitucionalizada, adequando-se, portanto, o seu
conteúdo e domínio normativo ao paradigma constitucional vigente e aos influxos
teóricos que o fenômeno trouxe consigo.
Tal procedimento, por via de consequência, impede que determinado
enunciado normativo seja absoluto e, assim, prevalecendo em relação às demais
normas de igual hierarquia, que compõem o sistema, notadamente em se tratando
de princípio.
Assim, este estudo mostrou-se importante, na medida em que teve o escopo
de analisar as consequências do advento do constitucionalismo contemporâneo
sobre o direito do trabalho, aferindo os efeitos do mencionado fenômeno no âmbito
das categorias normativas que compõem esse ramo do direito, bem como as
consequências, conceituais e interpretativas, da leitura constitucional do instituto da
proteção ao trabalhador.
Em decorrência do corte epistemológico realizado na delimitação do tema
deste estudo, a observação se concentrou no princípio da proteção ao trabalhador.
A escolha foi baseada em um critério de importância, na medida em que tal instituto
é o pilar sobre o qual foi erigido o direito do trabalho.
Logo, o tema central da pesquisa foi a análise das consequências da
aplicação da ideia central do constitucionalismo contemporâneo (ou
neoconstitucionalismo), qual seja: a constitucionalização do direito ao microssistema
110

do direito do trabalho, mormente no que tange ao instituto da proteção e as


principais subcategorias normativas dele decorrentes.
Denomina-se ideário da proteção ao trabalhador, e não princípio, porque a
leitura constitucional do instituto sugerida ao longo deste estudo demonstrou que o
instituto não tem um enquadramento exclusivo nessa categoria normativa, podendo
ser qualificado, dependendo do prisma sobre o qual se o colime, como princípio,
regra, postulado ou princípio geral do direito.
A observação limitou-se, ainda, ao cotejo do tema no âmbito das relações
individuais de trabalho. Portanto, não foi objeto de estudo as relações de direito
coletivo do trabalho, sejam as relações entre sindicatos, seja a relação entre
individuo e/ou empresa com sindicados. Do mesmo modo, delimitou-se a análise
pelo aspecto material da legislação trabalhista, excluindo-se as disposições
processuais e procedimentais correspondentes a esse ramo do direito.
A delimitação do tema, por fim, determinou que o estudo se limitasse ao
âmbito do direito constitucional e do trabalho brasileiros contemporâneos. Dessa
forma, prescindiu-se de uma análise histórica mais acurada do que uma breve
exposição.
Nesse contexto todo, desvelaram-se como problemas de pesquisa as
indagações: o neoconstitucionalismo impõe uma releitura do ideário da proteção ao
trabalhador? Em caso positivo, quais as consequências que esse fenômeno traz à
leitura do instituto da proteção na esteira das relações individuais do trabalho?
Em uma resposta preliminar, aventou-se a hipótese de que seria possível
dizer que o neoconstitucionalismo impõe, sim, uma releitura ao ideário da proteção
ao trabalhador, uma vez que a instituição em tela é anacrônica em relação a este
fenômeno.
Assim, considerando que o microssistema do direito do trabalho está inserido
no contexto da constitucionalização do direito, o que acarreta o influxo necessário
das teorias relativas aos direitos fundamentais, deve ter seus pilares revistos.
Seria justamente o caso do instituto da proteção ao trabalhador. As
consequências que a revisão constitucional das balizas fundantes do direito do
trabalho ocasionaria no conceito do instituto da proteção seriam conceituais e
estruturais, modificando o próprio domínio normativo do ideário em comento.
Foi a partir disso que o objetivo geral da presente pesquisa consistiu em
analisar as consequências do neoconstitucionalismo no âmbito do direito individual
111

do trabalho, com o escopo de realizar uma revisão constitucional do ideário da


proteção ao trabalhador, verificando quais as modificações conceituais e estruturais,
bem como de domínio normativo, que o fenômeno em tela impõe ao instituto em
questão.
A busca pelas respostas aos problemas de pesquisa e a consequente
confirmação, ou não, da hipótese levantada, bem como o atingimento do objetivo
geral da pesquisa, impunham que se percorresse determinado caminho, orientado
pela metodologia norteadora deste estudo. Esse caminho estava traçado pelos
objetivos específicos deste estudo.
Por isso, foi necessário expor, em breves notas, a evolução histórica do
direito do trabalho no Brasil, identificando o surgimento do princípio da proteção. Em
seguida, descreveu-se a função do ideário da proteção no contexto histórico de seu
surgimento, bem como o seu conteúdo normativo, para, então, identificar o
destinatário da norma.
Era, ainda, imprescindível verificar se a noção hodierna do instituto da
proteção era diferente em relação a sua origem, ou se, mesmo com o passar do
tempo, permanecera com o seu conceito originário incólume, aplicando-se o mesmo
raciocínio às principais normas dele decorrente.
Em qualquer caso, ter-se-ia que aferir se o dito princípio fora recepcionado
pela Constituição Federal de 1988 e, se positivo, em que medida. Depois, seria
preciso averiguar em que categoria normativa, dentre aquelas decorrente do
constitucionalismo contemporâneo (regra, princípio e postulado) o instituto se
enquadraria, porquanto o conceito de “princípio”, na esteira do
neoconstitucionalismo, é diferente do conceito de “princípio” contemporâneo ao
surgimento do instituto, mormente no que concerne à forma como opera no sistema
jurídico.
Ao longo do trabalho, pôde-se perceber que o princípio foi recepcionado, mas
com modificações conceituais, capitaneadas pela leitura do texto constitucional,
mormente da disposição do artigo 7º da Constituição Federal de 1988.
Considerando-se que o princípio da proteção era, originariamente, de status
infraconstitucional, a identificação de tal instituto no âmbito do texto constitucional tal
instituto no âmbito constitucional trouxe consigo outro problema, a saber: houve
recepção do princípio já existente, propriamente dito, ou se houve, na verdade, a
enunciação de um princípio novo, cujo conceito, por obedecer a eventuais
112

disposições constitucionais, é diverso do antecedente; ou, ainda, se houve tanto a


recepção do instituto quanto a sua constitucionalização, sendo possível afirmar que
há um princípio infraconstitucional da proteção e outro constitucional.
Para tratar do tema, que ainda era, sob o enfoque lógico, precedente ao
cotejo entre institutito da proteção e as categorias normativas decorrente do
constitucionalismo contemporâneo, foi preciso indagar sobre a existência, e mesmo
a possibilidade, ou não de uma distinção entre o princípio da proteção sob a ótica
infraconstitucional e sob o enfoque constitucional.
Isso porque, diante da cláusula de abertura disposta no artigo 5º da
Constituição Federal aditada da presunção de que o instituto em questão é direito
fundamental, é difícil conceber que exista um princípio da proteção que, mesmo
previsto na legislação infraconstitucional, não possua hierarquia constitucional,
mormente tendo um correspondente no texto da Constituição.
Para dispor sobre o tema, respondendo aos problemas que a pesquisa
apresentava, foi necessário estabelecer um método que, ao um só tempo,
oferecesse ferramentas argumentativas e de pesquisa, sem permitir que o estudo
perdesse em cientificidade.
Pelo fato de o trabalho desenvolvido acerca do tema ser eminentemente
bibliográfico, o método de abordagem foi o hipotético-dedutivo. Já os métodos de
procedimento, por seu turno, foram o analítico e o histórico-crítico.
Assim, com um tratamento específico e localizado, delimitado por um corte
epistemológico perpendicular, verificou-se, ao longo da exposição, a influência da
construção dogmática anterior do instituto da proteção na atualidade, descrevendo-
se os próprios motivos e acontecimentos fundantes do instituto.
Por fim, a técnica de pesquisa foi a de documentação indireta, consultando-se
as bibliografias existentes acerca tanto do tema específico quanto de temas
correlatos que podiam dar suporte ao desenvolvimento do trabalho.
Como decorrência da metodologia utilizada, dividiu-se esta dissertação, a fim
de alcançar os objetivos deste estudo, solucionando os problemas de pesquisa, em
três capítulos, quais sejam: (1º) a transformação histórica do direito do trabalho no
Brasil e o surgimento do princípio da proteção; (2º) o fenômeno da
constitucionalização do direito no âmbito do direito do trabalho: análise acerca das
categorias normativas existentes no paradigma do neoconstitucionalismo e sua
113

imbricação com o microssistema trabalhista; e, por fim, (3º) a noção conceitual


hodierna do instituto da proteção e das principais normas dele decorrentes.
No capítulo um, que foi divido em quatro subcapítulos, pretendeu-se
demonstrar a relação de simultaneidade entre o surgimento do direito do trabalho e
o princípio da proteção.
Para tanto, tratou-se, em um primeiro momento da origem do direito do
trabalho, em uma perspectiva geral e em uma específica ao caso brasileiro; depois,
identificou-se a gênese do direito do trabalho no contexto pátrio, apresentando o
contexto que o circunscrevia, isto é, uma fase incipiente, e com pouca efetividade,
da legislação e da estrutura do estado direcionadas às relações de trabalho.
Por fim, descreveu-se o conteúdo do princípio da proteção, demonstrando
que, originariamente, o seu destinatário era o legislador e, depois, considerando os
mencionados problemas contextuais relativos ao momento histórico de seu
surgimento, passou a ser aplicado diretamente aos sujeitos envolvidos nas relações
trabalhistas, com a funcionalidade de princípio geral de direito.
Paralelamente, o capítulo dois, que foi dividido em três subcapítulos,
pretendeu-se descrever o fenômeno da constitucionalização do direito do trabalho,
cotejando as categorias normativas decorrentes desse paradigma (regra, princípio e
postulado) com o princípio da proteção em sua ideia originária.
Para tanto, conceituou-se o neoconstitucionalismo como, em linhas gerais, o
paradigma em que a constituição passa a ocupar o centro de todo o ordenamento
jurídico, impondo a constitucionalização do direito ante a supremacia da
constituição.
Essa constitucionalização atinge, inexoravelmente, o direito do trabalho e
seus institutos. Nesta pesquisa, pelo corte epistemológico supracitado, limitou-se à
análise dessa filtragem no âmbito do princípio da proteção. Por conta disso, o
terceiro subcapítulo dispôs sobre a recepção do princípio da proteção, em sua faceta
originária.
De início, foi necessário estabelecer a distinção entre o princípio
constitucional da proteção ao trabalhador e o infraconstitucional. Na análise deste,
percebeu-se que, ante o cotejo realizado com as categorias normativas advindas
com o neoconstitucionalismo, enquadrar-se-ia como uma norma-regra. Isso porque,
originariamente, sua aplicação se dava por subsunção e de modo absoluto, ou seja,
sem ponderação com nenhuma outra norma.
114

Já o terceiro capítulo foi o mais denso e complexo da dissertação, uma vez


que todas as premissas analisadas e desenvolvidas ao longo do trabalho
convergiram nesse ponto. Tratou-se do momento da pesquisa em que se analisou a
noção conceitual hodierna do instituto da proteção ao trabalhador, juntamente com
as principais normas dele decorrentes, tais como o in dubio pro operario, condição
mais benéfica e norma mais favorável.
Foi neste ponto, ainda, que se estabeleceu a distinção entre o princípio
constitucional da proteção do princípio infraconstitucional da proteção, verificando-se
que, ao fim e ao cabo, houve recepção do segundo pela Constituição Federal de
1988. Todavia, tal recepção se dera com modificações no conceito e domínio
normativo da norma.
A análise do tema se deu por meio dos seis subcapítulos em que foi dividido o
capítulo em questão, quais sejam: (1º) os direitos sociais como direitos fundamentais
no âmbito da Constituição Federal de 1988; (2º) o princípio da proteção ao
trabalhador na Constituição Federal de 1988; (3º) do ingresso de direitos
internacionais trabalhistas na ordem jurídica interna pela cláusula geral do artigo 7º
combinado com o artigo 5º, §2º e 3º, da Constituição Federal de 1988; (4º) a
distinção entre a proteção ao trabalhador na faceta constitucional e na
infraconstitucional: observação das funções que o instituto exerce em cada nuance;
(5º) o método da ponderação como instrumento necessário de aplicabilidade do
princípio da proteção ao trabalhador, no âmbito constitucional e infraconstitucional; e
(6º) a filtragem constitucional do princípio infraconstitucional da proteção e das
normas dele decorrentes.
Ao final do desenvolvimento desses tópicos, confirmou-se, como resposta ao
problema de pesquisa, a hipótese preliminar do estudo, no sentido de que o
neoconstitucionalismo impõe uma releitura ao ideário da proteção ao trabalhador.
Isso porque tal instituto é anacrônico em relação ao fenômeno no qual está,
contemporaneamente, inserido.
Assim, considerando que o microssistema do direito do trabalho está inserido
no contexto da constitucionalização do direito – decorrência inexorável do
constitucionalismo contemporâneo –, o que acarreta o influxo necessário das teorias
relativas aos direitos fundamentais, deve ter seus pilares revistos.
É o caso do instituto da proteção ao trabalhador. As consequências que a
revisão constitucional das balizas fundantes do direito do trabalho ocasiona no
115

conceito do instituto da proteção são conceituais e estruturais, modificando o próprio


domínio normativo do ideário em comento.
Por conseguinte, modificam-se o conceito e as hipóteses de incidência das
subnormas que compõem o princípio da proteção ao trabalhador, as quais devem
operar na forma de princípios infraconstitucionais propriamente ditos, sendo,
portanto, passíveis de ponderação com outros princípios.
O mesmo acontece com o próprio princípio da proteção, que, no
constitucionalismo contemporâneo, tem duas facetas, uma constitucional,
direcionada principalmente ao legislador, e outra infraconstitucional, que, além de
ser a manifestação abstrata de sua face constitucional, opera no sistema jurídico
como uma norma-princípio e possui o status de direito fundamental material, sendo,
também, passível de ponderação.
A incidência de tal princípio infraconstitucional, na medida em que ele possui
uma face constitucional direcionada ao legislador, é precedida pelas normas-regras.
Isso porque, tal espécie normativa, corporificada, a rigor, no direito positivo, é a
manifestação material do princípio da proteção. Assim, tanto as regras trabalhistas
quanto o princípio da proteção ao trabalhador têm o mesmo fundamento
constitucional.
O legislador, aos elaborar a legislação pertinente ao direito do trabalho, ou
que afete os trabalhadores, deverá considerado o princípio em questão, em sua face
constitucional, ponderando-o com os demais princípios de igual status, sob pena de
inconstitucionalidade da lei.
Já o magistrado, ao analisar um conflito de natureza trabalhista, deverá,
considerar o conjunto normativo incidente na espécie, dando, primeiramente,
preferência às regras positivas (já que equivalem a ponderação realizada pelo
legislador); depois, em caso de inexistência de norma-regra, ou se
inconstitucionalidade das existentes, resolverá o conflito na instância dos princípios.
Nesta última hipótese, sopesará os direitos fundamentais em conflito, em
observância à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, verificando a justa
medida de incidência do princípio da proteção, cuja amplitude será definida a partir
da hipossuficiência real do empregado em face do empregador, naquela
circunstância concreta.
116

REFERÊNCIAS

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