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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Ana Carolina Nilce Barreira Candia

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO)


DIRETO E INVERSO

Mestrado em Direito Civil

São Paulo
2017
Ana Carolina Nilce Barreira Candia

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO)


DIRETO E INVERSO

Mestrado em Direito Civil

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito Civil, sob a
orientação do Prof. Dr. Francisco José
Cahali.

São Paulo
2017
Banca Examinadora

_____________________________

_____________________________

_____________________________
Dedico este trabalho a Deus, a toda minha
família e a todos aqueles que de alguma
forma contribuíram na evolução desta
dissertação.
Agradeço ao CNPQ pela concessão da bolsa.
AGRADECIMENTOS

Quanta responsabilidade a mim cabe neste trecho do trabalho. Muitas são as


pessoas a quem devo agradecer.
Tive a sorte de trilhar a estrada até aqui encontrando seres humanos incríveis.
A começar pelo ilustre orientador Prof. Dr. Francisco José Cahali, cuja maestria e
domínio do conteúdo jurídico há muito admiro. Entretanto, o que realmente me
impressiona é a capacidade de aliar toda essa expertise com altas doses de cordialidade,
humildade, e acima de tudo: humanidade. Não tenho palavras suficientes para
agradecer: muitíssimo obrigada!
Agradeço também a querida Prof. Dra. Odete Novais Carneiro Queiroz que me
ensinou as primeiras lições de Direito Civil e me acompanhou ao longo dos cinco anos
da graduação, sempre com exímia dedicação e rigor para alcançar o melhor de cada
aluno! Foi a primeira a me incentivar e impulsionar para o início do curso de Mestrado:
Muito obrigada!!
Sou muito grata também ao Prof. Dr. Oswaldo Peregrina Rodrigues e ao Prof.
Dr. Adriano Ferriani pelas sábias orientações e apontamentos sobre o tema tratado, bem
como por apresentar questionamentos necessários. Busquei responde-los seguindo os
preceitos e as orientações bibliográficas passadas. Com certeza, os Drs. foram
fundamentais para se alcançar o resultado exposto no trabalho. Muito obrigada!!
Ao longo da jornada encontrei também a querida Prof. Dra. Fabiana Del Padre
Tomé, que, com as interessantes aulas sobre o complexo Constructivismo Lógico
Semântico, me incentivou a repensar toda a Teoria Geral do Direito. A dedicação da
professora transformava toda a complexidade em clareza sem igual! Muito obrigada!
Também tive a oportunidade de acompanhar de perto a expertise e incrível
clareza do Prof. Dr. Manoel de Arruda Alvim. É realmente impressionante a capacidade
de transitar com domínio e profundidade sobre os mais diversos aspectos materiais e
processuais do Direito Civil, sempre com muita humildade e grande cordialidade para
com os alunos! Muito obrigada!
Com as aulas do Prof. Dr. Arruda Alvim, conheci o Prof. Dr. Everaldo
Cambler, a quem devo agradecer pelos ensinamentos, pela atenção com os temas de
cada aluno e pela gentileza de sempre: muito obrigada!
Agradeço ainda pela maneira sempre muito gentil com que me trataram os
ilustres professores presentes em minha trajetória ao longo do curso de Mestrado: Prof.
Dra. Rosa Nery, Prof. Dr. Maria Helena Diniz, Prof. Dr. Maria Celeste Cordeiro Leite
Santos e Prof. Dr. Rogério Donnini, muito obrigada!
Devo agradecer também ao ilustríssimo Dr. Theodureto de Almeida Camargo
Neto, que me apresentou o tema do Dano Afetivo e muito contribuiu para a minha
formação como profissional do Direito. Agradeço pela consideração que sempre
demonstrou, pela cordialidade com que sempre me tratou, pelos ensinamentos de cada
conversa, e por ter me concedido a oportunidade de contato com os mais variados
assuntos do Direito Civil! Muito obrigada! Há muito dos seus ensinamentos nessa
dissertação!
Não poderia, de forma alguma, deixar de mencionar as queridas Érika Menezes
e Tânia Magalhães, que contribuíram de maneira tão carinhosa com minha formação e
não mediram esforços para ensinar e elucidar os mais diversos assuntos processuais!
Tiveram grande participação em minha trajetória: muito obrigada!
Agradeço também ao Dr. Ricardo Negrão pela oportunidade e gentileza com
que sempre me recebeu! Sou grata por tantos esclarecimentos acerca do campo
empresarial do Direito Civil! Muito obrigada!
Merecem agradecimento também as queridas Fernanda Cosme, Sabrina Scafi,
Vanessa e Rogério Lopes por me receberem tão bem e me auxiliarem no aprendizado e
desenvolvimento dos assuntos propostos: muito obrigada!
Sempre muito gentil, carinhosa e esclarecida: Dr. Márcia Donini Dias Leite.
Foi quem me apresentou as primeiras lições sobre o direito processual. Com muita
paciência e atenção, dedicava-se a tentar esclarecer as minhas inúmeras dúvidas.
Agradeço pela oportunidade e por todo zelo! Muito obrigada!
Importante agradecer também ao Dr. Luis Fernando Nardelli – dotado de
cultura ímpar – que muito gentilmente contribuiu com as pesquisas e roteiro a ser
observado neste trabalho: muito obrigada pela cordial atenção de sempre!
Mister agradecer também ao querido Dr. Caesar Augustus e ao Dr. Nilton
Serson pela oportunidade, paciência e intenso ensino sobre a prática jurídica: muito
obrigada!
Não tenho como deixar de agradecer à Deus e à toda minha família.
Agradeço ao meu querido Tio Dr. Meliton Candia, que chegou até a ler sobre a
autopoiese do sistema jurídico comigo: não tenho palavras para agradecer todo o apoio,
amor e suporte! Agradeço ao meu pai Dr. Rodolfo Candia por buscar estar sempre a
postos para me direcionar e proteger – inclusive dos insetos que por ventura aparecem
para me assustar no meio da madrugada! Agradeço à minha mãe Dra. Alice Candia
pelos diversos ensinamentos, apoio e exemplo de luta e trabalho! Aos meus irmãos,
Aline e Rafael, por compartilharem toda a minha existência. Às minhas queridas e
amadas primas Tamires e Aneliz e tia Edilaine por todo carinho. À Lindete Lago por
estar sempre presente. À Nalva e Gil por sempre me ajudarem. Ao meu
‘companheirinho’ Charlie que esteve comigo durante toda a elaboração deste trabalho.
Ao Arthur Suelotto pelo auxilio na execução do Curso. À Dr. Daniela Freitas pela
parceria. Ao Frederico Oliveira pela ajuda com as pesquisas de doutrina e
jurisprudência alienígena. À Dra. Isadora Urel, à Dra. Mirelle Lotufo e ao Dr. Adriano
Elias Oliveira, por compartilharem comigo dicas e experiências ao longo do nosso
curso. À amiga querida Bianca Pavam, minha parceira desde a minha primeira aula de
Direito. À tia Sônia pela preocupação e cuidado. A todos os meus familiares e a todos
que contribuíram direta ou indiretamente com este trabalho: MUITO OBRIGADA!
RESUMO

Autora: Ana Carolina Nilce Barreira Candia

Título: Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto e inverso

Dedica-se o presente trabalho a observar que o fato de algum dos genitores não deter a
guarda da prole não é fator a permitir a total ausência, ainda que haja o custeio de
alimentos e outras questões materiais. Isto porque, o poder familiar imputa deveres
paternos que não podem ser cumpridos sem que haja presença. Desta forma, a ausência
implica, necessariamente, em inadimplemento, pelos pais, dos deveres de cuidado
inerentes ao poder familiar, ou seja, se constitui como ato antijurídico. Os danos
decorrentes deste devem, assim, ensejar a incidência da responsabilidade, a qual tem
como base o preceito de não lesar a outrem. Buscando obedecer a este princípio, é que o
genitor que vê o outro progenitor praticando alienação parental do(a) filho(a), deve
buscar tutela jurisdicional a fim cessar este ato e garantir o seu direito-dever de visitar e
conviver com o filho. Se o pai ou a mãe nada faz para cessar a alienação parental, não
poderá usá-la como pretexto para afastar a responsabilidade civil caso pratique o
abandono, vez que esse cenário configuraria o ato de se beneficiar da própria torpeza,
pois se utilizaria da omissão em não cessar a alienação para se furtar do adimplemento
do dever de cuidado. Por outro lado caso haja busca pelo não guardião em visitar o(a)
filho(a), mas este é que – por motivos próprios- pratique a rejeição, não se estará diante
de hipótese de abandono paterno a ensejar o dever de indenizar, vez que, nesta hipótese,
há a prática, pelo pai ou mãe, de atos comissivos para a convivência. Com relação ao
amor, verificou-se que a incidência da indenização não é por falta de afeto, e sim por
ausência de cuidado; cabendo notar que quem cuida não demostra rejeição, ainda que
não ame. Também se apontou que a paternidade biológica, adotiva ou socioafetiva são
equivalentes, portanto, os deveres inerentes também o são. Por sua vez, aquele que,
apesar de não efetivar averbação de paternidade no registro civil, cativa infante agindo
como se pai ou mãe fosse, também deverá responder pelos danos causados caso
posteriormente abandono o menor. Isto porque, estar-se-á diante de descumprimento
dos preceitos da boa-fé objetiva. Seguindo a mesma lógica de raciocínio, porém, de
maneira inversa, denotamos também o direito dos idosos à convivência familiar e o
dever dos filhos cuidarem daqueles. Assim, ainda que haja o custeio de questões
materiais, a falta de zelo e ausência da prole quando os pais são idosos se constitui
como ato antijurídico a enseja os decorrentes danos. Contudo, há exceção da
exigibilidade deste cuidado quando o filho que abandona, outrora foi vítima
abandonado na infância ou adolescência, ou seja, foi vítima de ato indigno que deve
afastar a exigibilidade tanto de alimentos como de cuidados imateriais.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Deveres paternos e maternos filiais. Poder


familiar. Paternidade socioafetiva. Adoção. Boa-fé objetiva. Obrigações dos filhos para
com os pais idosos. Abandono imaterial ou afetivo direto e inverso. Deveres de cuidado.
Presença e convivência como dever.
ABSTRACT

Author: Ana Carolina Nilce Barreira Candia

Title: Liability for immaterial (or affective) abandonment forward and reverse

The work at hand intends show that, if one of the parents does not detain custody of the
offspring, that is not a factor to allow total absence, even when it already
involves support regarding cost of food and other material issues. This is because a
parent’s obligation to impute paternal duties cannot be fulfilled without presence. In this
way, absence necessarily implies the parent's failure to fulfil the duties of care inherent
to the parent’s obligation, that is, it constitutes an unlawful act. The damages resulting
from this must, therefore, give rise to the incidence of liability, which is based on the
precept of not harming others. Seeking to obey this principle, is that the parent who sees
the other parent practicing parental alienation of the child should seek judicial
protection in order to cease this act and ensure their right-duty to visit and live with the
child. If the father or mother does nothing to stop the parental alienation, he cannot use
it as a pretext to exclude civil liability if he practices abandonment, since this scenario
would be the act of benefiting from his own inaction, since it would use the omission in
not ceasing the alienation in order to avoid the duty of care. On the other hand, if
the non-custodian seeks to visit the child, but - for reasons of his own - is faced with
rejection by the child, there will be no possibility of parental abandonment to give rise
to the obligation to indemnify. Instead, in this hypothesis, there is the practice, by the
father or mother, of commissive acts for their convenience. With respect to love, it was
verified that the incidence of the indemnity is not for lack of affection, but for lack of
care; It should be noted that those who care do not show rejection, even if they do not
love. It was also pointed out that biological, adoptive or socio-affective parenthood are
equivalent, therefore, the inherent duties are also equivalent. In turn, the one who,
although not effecting paternity registration in the civil registry, captivates the infant
acting as if the father or mother were, must also respond for the damages caused in case
of later abandonment of the minor. This is because it will be faced with non-compliance
with the precepts of objective good faith. Following the same logic of reasoning,
however, in reverse, we also denote the right of the elderly to family life and the duty of
their sons to care for them. Thus, even if there is material costing, the lack of zeal and
absence of the offspring when the parents are old constitutes itself as an unlawful act
and causes the consequent damages. However, there is an exception to the
enforceability of this care, when the child who leaves was once a victim abandoned in
childhood or adolescence, that is, he was the victim of an unworthy act that should rule
out the enforceability of both food and immaterial care.

Keywords: Civil responsibility. Maternal duties branches. Socio-affective paternity.


Adoption. Objective good faith. Obligations of children to elderly parents. Intangible or
direct abuse. Moral damage. Duties of care. Presence and coexistence as duty.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA
........................................................................................................................................ 14
2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a Constituição
Brasileira de 1824 .................................................................................................................. 14
2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até a Carta
Magna de 1988 ....................................................................................................................... 17
3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS
PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A
CARTA MAGNA DE 1988 .......................................................................................... 22
3.1. O Direito e a era pós-moderna ...................................................................................... 22
3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito Civil ......... 24
3.3. Constitucionalização do Direito de Família ................................................................. 26
4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU
AFETIVO)..................................................................................................................... 30
4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)” ................... 30
4.2. Aplicação dos princípios constitucionais ...................................................................... 31
4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família ........................................ 33
4.3.1. Princípio da cidadania ............................................................................................... 35
3.3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................................. 37
4.3.3. Princípio da solidariedade ......................................................................................... 40
4.3.4. Princípio da afetividade ............................................................................................. 42
4.3.5. Princípio da convivência familiar.............................................................................. 45
4.3.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos .................. 48
4.3.7. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente ....................................... 50
4.3.8. Princípio da paternidade responsável ........................................................................ 51
4.4 Aspectos relevantes da responsabilidade civil aplicados ao caso ................................ 52
4.4.1. Considerações iniciais ............................................................................................... 52
4.4.2. Requisitos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva .......................... 57
4.4.2.1. Culpa ................................................................................................................................ 57
4.4.4.2. Dano ................................................................................................................................. 62
4.4.2.4.1. Dano moral................................................................................................................ 65
4.2.3. Nexo causal ............................................................................................................... 73
4.5. Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto ........................... 75
4.5.1. Transformação do pater familias em poder familiar ................................................. 76
4.5.2. Conteúdo do poder familiar....................................................................................... 79
4.5.3. Suspensão do Poder familiar ..................................................................................... 83
4.5.4. Extinção do Poder familiar ........................................................................................ 83
4.5.4.1. Reincidência das faltas previstas no artigo 1.637, CCB ................................................... 84
4.5.4.2. Castigo imoderado ............................................................................................................ 84
4.5.4.3. Prática de atos contrários à moral e aos bons costumes ................................................... 86
4.5.4.4. Deixar o filho em abandono ............................................................................................. 88
4.5.5. Considerações sobre a expressão abandono afetivo (ou imaterial) ‘direto’ .............. 91
4.5.6. Presença como dever ................................................................................................. 92
4.5.6.1. Dever do não guardião supervisionar os interesses do filho ............................................. 93
4.5.6.2. Dever de dirigir a criação e a educação ............................................................................ 95
4.5.6.3. Dever de educação e cuidado: responsabilidade compartilhada entre os pais .................. 96
4.5.6.4. Dever de garantir a efetivação da saúde ........................................................................... 98
4.5.6.5. Dever de garantir a convivência familiar.......................................................................... 99
4.5.6.6. Dever do não guardião em visitar o filho ....................................................................... 100
4.5.7. Danos decorrente da culposa não convivência do pai ou da mãe com os filhos ..... 106
4.5.8. Dever de reparar os danos causados à prole com o abandono imaterial (ou afetivo)
........................................................................................................................................... 115
4.5.8.1. Presença de substituto não apaga a dolorosa realidade de ser um filho rejeitado ........... 119
4.5.8.2. Desamor e dever de cuidado ........................................................................................... 120
4.5.8.3. Dano material com tratamento psicológico .................................................................... 122
4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos causados
aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar........................................... 123
4.6.1. O termo “abandono afetivo inverso” ....................................................................... 123
4.6.2. Abandono afetivo inverso: a difícil realidade de muitos idosos.............................. 125
4.6.3. Danos decorrentes do abandono afetivo inverso ..................................................... 128
4.6.4. Dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso .................. 135
4.7. Jurisprudência e questões controvertidas referentes ao denominado ‘abandono
afetivo’ .................................................................................................................................. 138
4.7.1. Quanto ao abandono afetivo direto ......................................................................... 138
4.7.1.1. Prescrição e decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre “abandono afetivo”
publicada em 29 de novembro de 2017 ................................................................................... 147
4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não ama ................................... 153
4.7.1.3. Há dever de a mãe ou o pai socioafetivo indenizar danos por abandono imaterial do(a)
filho(a) afetivo(a)? .................................................................................................................. 158
4.7.2. Quanto ao abandono afetivo inverso ....................................................................... 163
4.7.2.1. Pai que abandonou a prole que era criança ou adolescente, pode exigir que esta o cuide
quando estiver idoso? .............................................................................................................. 167
4.8. Projetos de Lei sobre o denominado “abandono afetivo” ........................................ 169
4.9. Função compensatória e sancionadora da responsabilidade civil: sanção como
elemento integrado à norma jurídica ................................................................................ 171
5. CONCLUSÃO......................................................................................................... 178
6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 185
11

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa a analisar a responsabilidade civil do progenitor que


não detém a guarda, arca com custeio material de pensão alimentícia, porém é ausente
imaterialmente e não convive, nem visita a prole.
Também se insere no escopo dessa dissertação a análise inversa da referida
situação. É o caso do(a) filha(a) que, independente de qualquer contribuição material,
abandona imaterialmente o pai ou a mãe quando estes se tornam idosos.
Pretende-se, dentro destes contextos, analisar o dever de reparar os danos
causados com a falta de presença e não convivência quando o descendente ou
ascendente se encontram em situação de vulnerabilidade, seja por estarem em fase de
desenvolvimento, seja por se tornarem dependentes em razão do avanço da idade.
O tema tratado é considerado novo e ainda controverso.
Só foi possível suscitar o assunto ora tratado nesta dissertação em razão das
diversas alterações sociais ocorridas nas concepções dos papéis a serem exercidos
dentro da família, com a valorização do indivíduo e a consolidação do entendimento
sobre a possibilidade de se arbitrar indenização em função de danos materiais e também
morais causados – dever este de indenizar que passou a incidir inclusive no direito de
família.
Foram as mudanças histórias nas configurações familiares, com o fim da
submissão da mulher em relação ao homem no seio da família propiciada pela igualdade
de gênero instituída pela Carta Magna de 1988, aliada à valorização do infante, o qual
passou a ser visto como sujeito de direito que merece especial e integral proteção
justamente por estar em fase de desenvolvimento bem como à valorização da dignidade
humana, da integridade física e psíquica de cada cidadão, do respeito ao idoso e da
responsabilidade dos pais para com os filhos durante a infância e adolescência e destes
em relação àqueles quando os progenitores estiverem idosos, que permitiram a
abordagem do tema ora exposto.
O escopo dentro deste contexto é verificar se a não presença (ou ausência
imaterial) tem o condão de gerar a incidência do dever de indenizar os danos causados.
A ausência material dos filhos infantes ou dos pais idosos pode ocasionar, inclusive,
responsabilidade penal. Já a ausência exclusivamente imaterial pode gerar danos? Estes
danos devem ser objeto de indenização? Pode-se exigir legalmente o amor? E a
12

presença, pode ser legalmente exigida? Existe dever jurídico de convivência paterno ou
materno-filial? O dever de indenizar pecuniariamente o abandono material serve para
compensar a dor da ausência? Pode-se punir aquele que não quis ser presente? É
possível o caráter punitivo na responsabilidade civil?
São esses os questionamentos que se pretende responder com esta dissertação.
Para tanto, faz-se primordial breve contextualização história da configuração
familiar ao longo dos tempos, passando pelo Direito Romano e alcançando a atual
concepção abordada na Constituição Federal Brasileira datada de 1988. Isto porque, não
há como tratarmos do assunto família sem ao menos compreendermos o que de fato é
essa instituição e como ela tomou os contornos dos quais se reveste atualmente. É disto
que se trata no primeiro capítulo.
Já o capítulo consecutivo é dedicado à transformação do Direito Civil
Brasileiro. Passou-se de tempos de valorização patrimonial para uma era de
supervalorização do individuo e de seu bem estar social. Tal alteração foi configurada
com a promulgação em 1988 da atual Carta Constitucional. Ocorreu, entretanto, que
alguns dispositivos do Código Civil de 1916 se tornaram inaplicáveis por não estarem
de acordo com os novos preceitos trazidos pela Constituição vigente. Verificou-se,
assim, a chamada Constitucionalização do Direito Civil, pois era necessário que os
civilistas, por muitas vezes, buscassem as soluções diretamente nos artigos da
Constituição e não mais nos artigos do Código Beviláqua. O cenário alterou-se com a
edição do Código Civil que passou a vigorar em 2002. Neste codex foram assumidos os
preceitos preconizados pela Carta de 1988 e concretizados em forma de lei civil.
No terceiro e último capítulo serão consideradas as transformações referidas
anteriormente, que resultaram no contexto atualmente verificado, para se analisar a
responsabilidade civil por abandono imaterial ou afetivo. De início, irá se esclarecer o
uso da terminologia adotada e em seguida serão apresentados os princípios que
embasam o tema sustentado nesta dissertação.
Posteriormente, será realizado breve esclarecimento quanto ao instituto da
responsabilidade civil e dos elementos genéricos necessários para a sua configuração.
Tais elementos serão especificamente apontados nas hipóteses em concreto quando se
tratar do dever de reparar os danos causados com o abandono afetivo direto e também
na oportunidade de se referir ao dever de indenizar os danos decorrentes do abandono
afetivo inverso.
13

A fim de se alcançar tais pontos será observada a transformação do pater


familias em poder familiar e o conteúdo deste, bem como analisado
pormenorizadamente cada um dos deveres paterno-filiais condizentes com o instituto.
Uma vez verificado se é exigível legalmente a presença, na vida do filho, pelo genitor
não guardião, passar-se-á à análise dos danos que a ausência paterna ou materna gera na
vida dos infantes que estão em fase de desenvolvimento. Neste item será percebida forte
presença da multidisciplinariedade com o campo da psicologia. Isto porque essa é a área
que se dedica aos estudos da influência dos sentimentos no desenvolvimento da psique
humana. Somente depois de tratados esses assuntos é que se poderá responder as
questões referentes ao dever de indenizar o abandono imaterial (ou afetivo) direto,
confrontando-se, ainda, o amor com o dever de cuidado.
No tópico subsequente, apresentar-se-á análise da situação inversa, ou seja,
sobre o abandono imaterial dos filhos em relação aos pais idosos. Será esclarecida a
terminologia abandono afetivo inverso e abordar-se-á pragmaticamente a respeito da
realidade de muitos idosos no Brasil. A partir desse cenário é que se poderá tratar a
respeito dos danos que o abandono imaterial pelos filhos causa aos idosos; e novamente
estará presente a multidisciplinariedade para se alcançar as conclusões a respeito do
dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso.
No último tópico do trabalho, será apresentada análise jurisprudencial sobre o
tema, bem como algumas questões ainda mais controvertidas dentro do conteúdo já
controverso. Após, serão mencionados alguns projetos de lei sobre o assunto tratado, e
por fim, buscar-se-á responder as questões referentes á função da responsabilidade civil:
se apenas compensatória ou se também punitiva. Alcançar-se-á, em seguida, as
conclusões sobre o assunto exposto.
14

2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA

2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a


Constituição Brasileira de 1824

Para tratar sobre o estudo do Direito de Família, faz-se necessária uma breve
análise histórica para se compreender a maneira como as relações familiares se
apresentam e se modificam com o passar do tempo. Esta contextualização é
fundamental para se entender corretamente as normativas jurídicas de cada época, bem
como as alterações destas.
Afinal, não são as leis ou o Estado que criam o conceito de família e seus
institutos; ao contrário: é o sistema jurídico, por meio de seus legisladores e intérpretes,
que busca absorver e acompanhar as intensas e constantes modificações no arquétipo
familiar. Conforme ensina Batista Villela, “a família antecede o Estado, preexiste à
Igreja e é contemporânea ao Direito”1. É nesta toada que se faz prudente uma breve
análise do direito familiar praticado desde Roma.
O termo família, no período Romano, se referia, inicialmente, ao conjunto de
escravos pertencentes a um homem, enquanto que o termo fumulus seria destinado a
cada escravo doméstico desta ‘família’. Em razão de sua transmissibilidade por
testamento, a expressão família passou a abranger não apenas o conjunto de escravos,
mas também a mulher e os filhos pertencentes ao homem chefe daquela organização, o
qual detinha absoluta propriedade sobre os membros da família, podendo dispor
inclusive sobre o direito de vida ou morte destes integrantes. Era o denominado pater
família.
Neste sentido, relata Friederich Engels que o termo família:

a princípio entre os romanos não se aplicava nem ao par de cônjuges e aos


seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico
e família é o conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem. Nos
tempos de Gaio, a família ‘id est patrimonium’ (isto é, herança) era
transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para
designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a
mulher, os filhos e certo numero de escravos, com o pátrio poder romano e o
direito de vida e morte sobre todos eles.

1
VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.).
Anais do I Congresso Brasileiro de Família – Repensando o Direito de Família. Belo Horizonte:
IBDFAM: OAB-MG, 1999, p. 15-30.
15

É possível visualizar, assim, que o Direito Romano foi constituído em uma


sociedade cuja base familiar era fortemente patriarcal, com total submissão da família
perante o poder do pai.
Nesse contexto de autoridade incontestável do pater família, nenhuma
importância era atribuída aos aspectos afetivos da convivência familiar. A este respeito
Fustel Coulanges constata:

O arcabouço da família não era tampouco o afeto natural, visto que o direito
grego e romano não tomavam na menor conta esse sentimento. Poderia este
2
existir no íntimo dos corações, mas para o direito não representava nada .

Arnoldo Wald3 evidencia essa relação de poder e não de afeto, descrevendo


que o homem mais velho da família era quem a comandava e detinha o poder sobre os
integrantes da célula familiar (“pater familias”), comandando, assim, não apenas todo o
patrimônio e bens familiares, mas também ditando a religião, crença e costumes que
deveriam ser observados na unidade familiar.
Santiago Dantas4, por sua vez, explica a forma como se dava a constituição
inicial da família no período do antigo Direito Romano: segundo o escritor, o
matrimônio se constituía após um ano da união da mulher com o homem. Dado este
lapso temporal, a mulher era transferida de sua família de origem para seu marido,
restando submissa, assim, à autoridade do ‘pater’:

Ao cabo de um ano de usus, o matrimônio se consumava, produzia seu efeito


principal, que era transferir a mulher de sua família de origem para a família
do marido, ou aí deixá-la sob a autoridade do pater. Se o marido era Sui Júris,
a mulher ficava, pode-se dizer sob o poder marital, mas se o marido era alieni
iuris a mulher não caía sob o poder do marido, mas do pater do marido; e este
poder sobre a mulher e sobre as noras chamava-se manus, rompendo-se por
completo os laços de parentesco que prendiam a mulher à sua família de
origem.

O mesmo autor explica que com a Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim
Tabularum; 449 a.C.) a configuração do instituto mudou: somente consumava o
matrimônio se a mulher permanece por um ano ininterrupto na casa do marido, podendo
2
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 45.
3
WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 22.
4
DANTAS, Santiago. Direito de Família e das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 30-31.
16

dormir fora por apenas duas noites. Caso a mulher passasse três noites fora, configurava
o denominado “trinoctium” e o prazo para constituição do matrimônio recomeçava.
Na hipótese de ocorrência do “trinoctium”, configurava-se um matrimônio
especial denominado “matrimônio sine manu”. Neste, a mulher, apesar de assumir o
posto social de esposa, não figurava em posição submissa perante seu marido (pater),
pois continuava sobre o poder de seu pai. Por outro lado, contudo, a esposa no
‘casamento sine manu’ não tinha direito à sucessão marital, mas apenas na sucessão de
seu pai (pater originário).
Com o predomínio do cristianismo no Império Romano, a forma de
constituição inicial da família foi alterada: para a constituição do matrimônio não
bastava que a mulher passasse a morar com o homem por um ano ininterrupto; era
necessária a celebração de um sacramento que formalizaria o matrimônio e tornaria
indissolúvel o vínculo matrimonial.
Foi, assim, a partir do Direito Canônico, e de seu primeiro compilado de
normas por meio do Decreto de Graciano (denominado de Corpus Iuris Canonici),
redigido entre 1.140 e 1.142, que o matrimônio passou a ser visto como um sacramento
indissolúvel, que, para ser celebrado, exigia o consentimento das partes5. Neste sentido,
tem-se que:

Para os romanos, o casamento era um estado de fato, que produzia efeitos


jurídicos. Paralelo a ele, existia também a figura do concubinato, que
consistia em toda união livre entre homem e mulher na qual não ocorre a
affectio maritalis, efeito subjetivo do casamento, que representava o desejo
de viver com o parceiro sempre (...) Com a decadência do Império Romano e
o crescimento do Cristianismo, houve uma gradativa alteração do significado
de família. Se a família pagã romana era uma unidade com multiplicidade
funcional, a família cristã se consolidou na herança de um modelo patriarcal,
concebida como célula básica da Igreja (que se confundia com o Estado) e,
por consequência, na sociedade.6

Esta evidente influência do direito canônico na estruturação jurídica do grupo


familiar resvalou nas normativas brasileiras. No Brasil, o Direito Canônico teve forte
influência devido à colonização portuguesa, sendo as Ordenações Manuelinas
(normativa de Portugal com forte influência Canônica) o primeiro estatuto jurídico do
Brasil, ao lado de cartas régias, cartas de foral e de cartas de doação, que se constituíam

5
WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 26.
6
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 50.
17

documentos jurídicos. Durante todo o período colonial e ainda durante o período


imperial, vigoravam no Brasil as Ordenações Filipinas (decretadas em 1603),
juntamente com decretos, alvarás e resoluções promulgadas por Portugal.
Após a Independência do país, a Constituição Brasileira de 1824 recepcionou
as Ordenações e demais normativas portuguesas, determinando a vigência destas até a
promulgação de um Código Civil, o que se deu apenas em 19167.
Antes da vigência do Codex de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua, há que
se destacar a Consolidação das Leis Civis, de 1858, e o esboço do Código Civil editado
entre 1860 e 1865 por Augusto Teixeira de Freitas.
Nesse esboço, ressalta-se o artigo 1.518, que, tratando sobre o pater famílias,
autorizava o pai a corrigir e castigar moderadamente seus filhos, podendo requerer ao
Juiz dos Órfãos autorização para detenção dos filhos por até quatro meses na casa
correcional, sem direito a recurso8. Este dispositivo deixa clara a prevalência da
autoridade do poder do pai sobre a família, como um senhor absoluto e chefe do lar.

2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até


a Carta Magna de 1988

As Constituições brasileiras de 1824 e 1891, notabilizadas por um viés


marcadamente individualista e liberal, nada dispuseram sobre as relações familiares.
Silmara Amarilla9 aponta que a primeira Constituição (1824) apenas retratou
brevemente a família imperial, silenciando quanto aos institutos pertinentes ao tema
propriamente dito; e a segunda Carta Magna (1891) dedicou à família um único
dispositivo. Este resultava da separação ocorrida entre a Igreja e o Estado (por meio do
Decreto 119-A, de 07.01.1890, que, no regime republicano, aboliu o catolicismo como
religião oficial) e enunciava que a República apenas reconhecia o casamento civil, cuja
celebração deveria ser gratuita, como forma de constituição da família.
Vale observar que antes mesmo de ser promulgada a Constituição de 1891,
apenas o casamento civil era válido no Brasil, em razão do Decreto 181, de 24.01.1890,

7
SZANIAWSKI, Elimar, Direitos da Personalidade e sua Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p.130.
88
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676.
9
AMARILLIA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laços e os
nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 44.
18

de autoria de Rui Barbosa. Este mesmo Decreto acabou reproduzido no Código Civil de
1916, o qual apenas alterou o termo ‘Divórcio’ pela expressão ‘desquite’ a fim de
configurar a ruptura da sociedade conjugal com a manutenção do vínculo.
A subordinação da legitimidade da família ao casamento civil foi, portanto,
mantida no Codex de 1916. Sobre este aspecto, Euclides de Oliveira e Giselda Hironaka
narram que

o antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do


século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão
original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao
casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e
trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos
filhos havidos dessas relações10.

Nesse contexto, era adotado um forte sistema patriarcal e as divisões de tarefas


dentro do lar eram bem determinadas: ao homem cabia o sustento da família, e à mulher
velar pela direção da casa (com serviços domésticos, aquisição de vestuário e produtos
alimentícios) e educação dos filhos. Nenhuma atividade lucrativa poderia ser exercida
pela mulher sem o consentimento marital, podendo, ainda, esta anuência ser revogada a
qualquer tempo conforme ditames do marido, vez que a mulher era relativamente
incapaz por determinação do artigo 6º do Código Civil de 1916.
Este cenário patriarcal foi mantido durante a vigência das Cartas Magnas de
1934, de 1937 e de 1946. A Constituição de 1937 trouxe, contudo, relevante inovação
quanto à expressa demarcação de deveres parentais com relação à prole, pois configurou
como falta grave o abandono moral, intelectual ou físico de crianças e adolescentes por
aqueles que detêm a guarda; além de prever o dever do Estado de assegurar condições
físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das faculdades dos
infantes e dos juvenis:

Art. 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias


especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a
assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso
desenvolvimento das suas faculdades.
O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará
falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o
dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação
física e moral.

10
OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda. Do direito de família. In: Direito de família e o novo
Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey; 2002. p. 3.
19

Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do


Estado para a subsistência e educação da sua prole.

Ou seja, apesar da autoridade do homem com relação à sua prole, esse estava –
desde o ano de 1937 – expressamente subordinado, junto com a mulher, ao dever de
cuidado e zelo pela integridade física, psíquica e moral dos filhos.
Já com relação à emancipação da mulher dentro de seu próprio lar, isso só
ocorreu com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) e com a Lei
do Divórcio (Lei n. 6.515/1977).
Em função do artigo 30 da Lei n. 4.121/1962 e do artigo 50, §5º da Lei n.
6.515/1977, a ideia de subordinação foi substituída pelo conceito de colaboração e a
mulher, após as núpcias, passou a assumir a condição de colaboradora e consorte do
esposo na chefia da sociedade conjugal, contribuindo, assim, tanto com a condição
moral quanto com a material da família, sem mais depender de outorga marital.
Junto com a perda de autoridade do marido, adveio também a possibilidade de
reconhecimento da filiação extrapatrimonial por um dos cônjuges, ainda na vigência do
casamento, por meio do testamento cerrado11, além da possibilidade jurídica de
dissolução da sociedade conjugal12.
A previsão legal de permitir a dissolução do casamento teve como
consequência a necessidade de disposição jurídica quanto à guarda da prole advinda da
sociedade conjugal desfeita. Assim, os artigos 325 a 329 do Código Civil de 1916 foram
alterados pelo Estatuto da Mulher Casada e pela Lei do Divórcio, a fim de determinar
diretrizes sobre a guarda dos filhos após a separação judicial ou divórcio. Sob um
prisma diferente do atual,

a questão da guarda dos filhos vinha relacionada ao comportamento dos


cônjuges no casamento, de sorte que, como regra, ao inocente se resguardava
esse direito, embora fosse permitido, diante das circunstancias, decidir-se de
forma diversa pelo interessa da prole13.

11
Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 51, parágrafo único: “Ainda na vigência do casamento qualquer dos
cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou
depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável".
12
Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 2º, parágrafo único: “O casamento válido somente se dissolve pela
morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”.
13
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28a ed. rev. e atual. por Francisco José
Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245.
20

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, homem e


mulher foram equiparados em direitos e obrigações, cabendo à esposa o exercício da
chefia da sociedade conjugal em igualdade de condições com o marido. Além disto, o
melhor interesse do menor passou a ser regra, e não exceção, para a resolução de
questões concernentes à guarda dos filhos havidos dentro ou fora do casamento (pois
estes passaram a ter os mesmos direitos):

a igualdade constitucional entre o marido e a mulher e a necessidade de


preservação, em primeiro lugar, do melhor interesse do menor fizeram com
que doutrina e jurisprudência deixassem de lado a literalidade do texto
normativo para desvincular a questão dos filhos da verificação de culpa de
14
um dos genitores pela separação .

A nova postura sociocultural passou a valorizar os aspectos afetivos da


convivência em família, valorizando cada um dos integrantes da célula familiar, com
enfoque na afetividade e solidariedade entre as pessoas envolvidas.
Como consequência, verificou-se ainda, o alargamento do conceito de família,
a qual passou a ser vista como um “núcleo existencial integrado por pessoas unidas por
vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização de seus
integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade humana”15.
Segundo Gustavo Tepedino, o panorama inaugurado com a Carta Magna de
1988 fez com que o conceito de unidade familiar – que era visto como uma aglutinação
formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento – se ampliasse e se tornasse
flexível, pois tal conceito está, na atualidade, inteiramente voltado para a realização
espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros16.
Diante dos novos valores trazidos com a Constituição Federal de 1988 (como
igualdade entre homem e mulher; igualdade entre filhos; proteção à família
monoparental assim como à família constituída pelo casamento, bem como pela união
estável), o Código Civil que datava de 1916 perdeu, como destaca Luiz Edson Fachin17,
o papel de lei fundamental do direito de família. Esta função passou a ser exercida

14
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28a ed. rev. e atual. por Francisco José
Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245.
15
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 43.
16
TEPEDINO. Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 350.
17
FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.
83.
21

diretamente pela Constituição Federal, ocorrendo, assim, a Constitucionalização do


Direito de Família no bojo da chamada Constitucionalização do Direito Civil.
22

3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS


PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A
CARTA MAGNA DE 1988

3.1. O Direito e a era pós-moderna

A expressão pós-modernismo foi inicialmente empregada por Frederico Onís


com a intenção de “descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo”18.
Contudo, tal vocábulo sofreu uma mudança de sentido e passou a ser utilizado na
década de 1950 para representar uma contraposição à Era Modernista.
A Era Modernista se inicia no final do século XVII e finda no século XIX.
Trata-se de época marcada pela predominância da classe burguesa na sociedade e pelo
crescente valor atribuído à razão em detrimento à dogmática marcante da Era Antiga e
da Era Medieval19.
Diversamente da Era Moderna, a sociedade pós-modernista, com início no
século XX, é caracterizada pela ascensão da classe industrial operária, difusão da
democracia e valorização de culturas não ocidentais20. As consequências destes
acontecimentos se configuram com o intenso desenvolvimento tecnológico; com a
ciência e o conhecimento como a principal força econômica de produção a garantir
eficiência; com a massificação das estruturas de produção e consumo; com a
flexibilização das relações sociais; com o alcance de um novo estágio do capitalismo
caracterizado por uma nova lógica de mercado21; e com a mudança do conceito de
espaço e tempo.
Esse novo contexto econômico-social contribui para se repensar a ciência
jurídica. As aplicações jurídicas do período liberal e o método da “mera e exclusiva”
subsunção da norma abstrata ao caso concreto se tornaram ineficientes para suprir as
necessidades sociais.

18
ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999, p. 9-10.
19
LUKACS, John. O fim de uma era. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 13.
Título Original: At the end of na age.
20
Ibidem., p. 19.
21
ANDERSON, op. cit., p. 13-18.
23

Diante da hipercomplexidade do mundo pós-moderno marcado pela


coexistência de vários grupos sociais “sem valores compartilhados (share values), e
cada um, querendo uma norma ou lei especial para si – com um sem-número de leis,
decretos, resoluções, códigos deontológicos, etc.”22, tem-se a ruptura da tendência à
unidade do Direito. Esta passa a ser substituída pela multiplicidade das fontes do
Direito.
Destaca-se, nesta toada, o aumento da positivação de princípios na ordem
jurídica, a admissão de cláusulas gerais e termos jurídicos indeterminados, e a “negação
da obrigatoriedade do pensamento sistemático”23.
Neste contexto, os princípios, marcados por grande dimensão axiológica,
adquirem função prática e passam a ser fundamento decisório direto para o aplicador do
Direito. Mais do que ‘valores’, a Ciência do Direito passa a reconhecer nos princípios
“espécies precisas de comportamentos”24.
A existência de normas jurídicas compostas de elementos com maior vagueza
semântica passa a ser considerada pela Ciência do Direito desde meados do século XX
e, consequentemente, do intérprete vem a ser exigido mais do que a efetivação da
subsunção da norma: requer-se uma verdadeira construção de fatos jurídicos.
Nesta toada, os princípios jurídicos, valorizando a vida e a dignidade da pessoa
humana, assumem maior proporção dentro do ordenamento, conferindo sentido e
conteúdo ao sistema jurídico. Ocorre, assim, um deslocamento de valor: o patrimônio,
que era o centro, é substituído pela valoração da pessoa humana25.
Essa alteração valorativa é claramente notada com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a qual traz expressamente em seu bojo a dignidade
humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III), a
solidariedade como um dos objetivos fundamentais da República (artigo 2º, I),
igualdade entre homens e mulheres (artigo 5º, I), igualdade entre os filhos (artigo 227,
§6º), o direito à reparação não só por dano material, mas também por dano moral e à

22
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação, Revista de Direito do
Consumidor, n. 33, p. 125-127, jan/mar 2000.
23
BRITO, Alexis Augusto Couto de. Princípios e topoi: a abordagem do sistema e da tópica na ciência do
direito. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e tópica na interpretação do ordenamento. Barueri:
Manole, 2006, p. 192-193.
24
ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed.
ver. São Paulo: Malheiros. 2010, p. 25.
25
AMARAL, Francisco. O dano à pessoa no direito civil brasileiro, Revista Brasileira de Direito
Comparado. Rio de Janeiro, n. 1, p. 13-46, jul. 1982, p. 14-15.
24

imagem (artigo 5º, V), e o princípio neminem laedere26 (artigo 5º, XXXV), dentre
outros dispositivos que sobrepõem o humanismo ante ao patrimonialismo.

3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito


Civil

O Código Civil de 1916 continha em seu bojo, como marcantes características,


o patrimonialismo, a submissão da mulher em relação ao homem, o individualismo e o
valor liberal. Tais elementos eram oriundos dos reflexos históricos e políticos que
contribuíram para a codificação da aludida proposição jurídica. Além da sociedade
agrária e conservadora, o Código de Napoleão (França 1804) e o Código Alemão BGB
(1896) também tiveram forte influência no conteúdo do aludido códex.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que sobrepunha o valor
humanista sobre o viés patrimonialista (o qual ainda era exposto no Código Civil de
1916), houve um redimensionamento dos princípios orientadores do Direito Privado,
incluindo o Direito de Família. Estes foram realocados na Carta Magna, configurando
um cenário civil-constitucional.
Conforme Guilherme Calmon Nogueira da Gama27, o direito civil
constitucionalizou-se, afastando-se da concepção individualista, tradicional e
conservadora-elitista da época das codificações do século passado.
Diante desta constitucionalização do Direito Civil, o aplicador do Direito pode
ampliar o alcance da interpretação para se embasar nos princípios, valores e cláusulas
gerais dispostas na Lei Maior.

26
Conforme ensina Rogério Donnini: “O dispositivo constitucional que completa o princípio neminem
laedere é o artigo 5º, XXXV, que estabelece: “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”. Ao estabelecer o direito de ação, destina-se esse dispositivo, também, à reparação e
prevenção de danos, com a determinação de que caberá ao Poder Judiciário apreciar a lesão e a ameaça a
direito”. O autor continua e expõe: “A dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III), como um
princípio que não autoriza a ofensa física ou moral e protege a vida digna, ou seja, ultrapassa a proteção
prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal (inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade), com o escopo de dar-lhe dignidade, respaldada no artigo
subsequente (artigo 6º, caput), para propiciar uma vida com educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância e aos desamparados. E isso significa a
antiga e, ao mesmo tempo, atual exigência do princípio neminem laedere”. (DONNINI, Rogério.
Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho,
no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 46-47).
27
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das relações de parentesco. In: PEREIRA, Tânia da Silva;
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003, p. 101-132, p. 106.
25

Segundo Paulo Bonavides28, os princípios constitucionais foram convertidos


em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema
constitucional. As consequências resvalaram diretamente na maneira de se interpretar a
lei, pois a identificação dos direitos humanos ensejou a direta ampliação dos direitos
merecedores de tutela.
Houve, assim, a necessidade de se atualizar o Código Civil para que este se
adequasse aos preceitos da nova Carta Magna de 1988. Dois anos após a promulgação
desta, Humberto Theodoro Júnior, referindo-se a Carlos Alberto Bittar, expôs o que se
segue:
Há na Constituição Federal de 1988 muitas inovações que, de forma direta,
atingiram disposições do Direito Privado, especialmente no Direito Civil.
Mas, além disso, há um outro fator inovativo importantíssimo a ser
considerado: o novo texto Constitucional, no dizer de Carlos Alberto Bittar,
[...] “sacramenta, para a regência das relações privadas, noções éticas, sociais,
políticas e econômicas que as sociedades modernas têm firmado nos países
de inspiração romano-cristã mais desenvolvidos, como, dentre outros, a
França, a Itália, a Alemanha, a Espanha e Portugal”. Tudo isso gera a
necessidade de reformas legislativas profundas, como a que se ensaia, no
momento, em matéria de defesa do consumidor, e, mesmo sem textos
normativos novos, impõe uma conduta doutrinária e jurisprudencial de
reexame e reinterpretação do Direito Positivo em vigor.29

Sob este espírito eivado de noções éticas e sociais é que foi editado o Código
Civil de 2002, o qual, no âmbito do direito de família serviu para, conforme ensina
Francisco José Cahali30, reproduzir legislações precedentes (que, por serem disformes,
haviam revogado dispositivos do Código Beviláqua) e confirmar as novas regras
vigentes após a Constituição de 1988, embora escritas em outros termos.
O viés humanista na codificação de 2002, com valores sociais e liberais, é
notado por meio da inclusão de capítulo sobre “os direitos da personalidade” prevendo
perdas e danos em casos de ameaças ou lesões a esses direitos, bem como por meio de
institutos como o da função social do contrato, função social da propriedade, fim da
distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, possibilidade de resolução de contrato
quando este se tornar extremamente oneroso a uma das partes por motivos
extraordinários ou imprevisíveis, relativização de contratos de adesão, possibilidade de
anulação de contratos celebrados “em decorrência de lesão ou estado de perigo” etc.

28
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237.
29
THEODORO JÚNIOR. Humberto. Alguns Impactos da Nova Ordem Constitucional sobre o Direito
Civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 79, n. 662, dez. 1990, p. 7.
30
CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência de união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 279.
26

Verificou-se, assim, maior valorização da visão humanista em detrimento da


visão patrimonialista intervindo nas relações sociais analisadas no âmbito jurídico. E
neste novo viés que família passou a ser vista em sua dimensão instrumental e os danos
extrapatrimoniais passaram a ser, expressamente, considerados pelo Direito.

3.3. Constitucionalização do Direito de Família

Com as modificações sociais que influenciaram na promulgação da


Constituição Federal de 1988, verificou-se uma mudança de paradigma na
regulamentação do Direito de Família não acompanhada pelo Código Civil de 1916.
Este cenário culminou com uma verdadeira constitucionalização do direito de família.
Nas palavras de Maria Berenice Dias, “em face da nova tábua de valores da
Constituição Federal, ocorreu a universalização e a humanização do direito das famílias,
que provocou um câmbio de paradigmas”31.
Conforme assevera Paulo Lôbo: “a Constituição de 1988 expande a proteção
do Estado à família, promovendo a mais profunda transformação de que se tem notícia
entre as constituições mais recentes de outros países”32.
No mesmo sentido, Gustavo Tepedino anota que nunca antes uma Constituição
brasileira havia disciplinado com tamanha ênfase as relações familiares, cabendo
destacar o arrojo no reconhecimento das entidades familiares concebidas e conformadas
sem respaldo no matrimônio ou na conjugalidade, bem como a consagração da
igualdade da filiação, independente de sua origem33.
Além da igualdade de direitos dos filhos tidos fora do casamento, antes
marginalizados em relação aos havidos na constância do casamento, e do
reconhecimento também como família da célula formada a partir da união estável entre
duas pessoas (afastada a formalização do casamento como pressuposto para a
configuração da família), verificou-se também o reconhecimento da família
monoparental, bem como a substituição do caráter patriarcal (com o comando sob as

31
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 36.
32
LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.
33
TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; BARBOZA, Heloisa Helena. Código Civil
interpretado conforme a Constitucionalização da República. v. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 13.
27

mãos do Homem – pater familis) pela igualdade entre homem e mulher – o que permitiu
que essa passasse a contribuir diretamente nas ordenações da família.
Essas modificações demostram a intervenção do Estado nas relações de direito
privado, o que permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do
novo texto constitucional, força o intérprete a redesenhar o tecido do direito civil à luz
da nova Constituição.34 Resta claro, assim, a migração de um Estado Liberal para um
Estado Social, o qual intervém em setores da vida privada como forma de proteger o
cidadão.
Neste aspecto, Paulo Lôbo destaca que as Constituições brasileiras, no terreno
das relações familiares, refletiram fielmente a fase histórica vivenciada por cada época,
trazendo elementos de identificação do processo de transição do Estado Liberal para o
Estado social35.
As inovações normativas deixam claro o pendor humanista arraigado na
Constituição de 1988, o qual tem por consequência o direcionamento à família dos
influxos do princípio da dignidade humana.
Nesta seara de valorização do indivíduo, da dignidade humana, a família passa
ser vista como

formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao


desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que
exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses
36
afetivos e existenciais de seus componentes .

Com esse espírito de tutela do bem-estar dos entes da entidade familiar, foi
editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) em consonância
com o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes previsto no artigo 227 da
Constituição Federal de 1988, o qual comtempla seu caput com a seguinte redação:

Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

34
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 21.
35
LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.
36
TEPEDINO, op. cit., p. 421.
28

Entrou em vigor também Código Civil de 2002, o qual procurou atualizar os


aspectos essenciais do direito de família, excluindo expressões e conceitos que
causavam grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e
a moderna conformação da sociedade37 com valores humanistas retratados na
Constituição de 88.
Além destas normativas, passou a vigorar o Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/2003), que dispõe sobre a proteção exigida pelo artigo 230 da Constituição
Federal de 1988, o qual contempla em seu caput o seguinte comando:

Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as


pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.

Nesta seara de valorização individual de cada membro da família como forma


de garantir a dignidade humana, destaca-se a proteção que a Constituição determina aos
menores, jovens e idosos, por meio dos dispositivos insertos no Capítulo VII do Título
VIII denominado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso".
É evidente a preocupação Constitucional com o cuidado relacionado aos
interesses da família, da juventude e também do idoso, sendo previsto expressamente na
Constituição o dever de assistência dos pais em relação aos filhos e o dos filhos em
relação aos pais na velhice, enfermidade ou carência, por meio do artigo 229:

Artigo 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade.

Em consonância com este mandamento constitucional, verifica-se na


Codificação Civil de 2002, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente,
diversos deveres atribuídos aos pais em função do chamado poder familiar, como se
retrata adiante. No mesmo sentido, são determinados diversos deveres aos familiares
dos idosos por meio do Estatuto do Idoso.
Neste ambiente e com a edição das novas normativas, passou a haver uma
desaprovação ao abandono imaterial ou afetivo. Isto porque aspectos humanistas vieram
a se sobrepor a questões patrimonialistas.

37
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 33.
29

Assim, ignorar a existência da prole menor de idade ou dos pais idosos, apenas
com presença financeira ou material, custeando a manutenção pecuniária, sem nenhuma
presença além do que ‘custeio’, passou a não mais se coadunar com os preceitos
jurídicos advindos com as modificações trazidas com o espírito humanista.
Conforme se verificará com os atuais princípios e regras do ordenamento
jurídico apontados neste trabalho, há uma desaprovação jurídica ao abandono imaterial
(ou afetivo), ou seja, a prática deste abandono não é ação que converge com os deveres
impostos aos pais e aos filhos pelas normas atuais, justamente em razão da nova era do
direito inaugurada com a Carta de 1988, também chamada de Constituição Humanista38.
Desta forma, ainda que haja custeio de questões materiais, há ilicitude na total
ausência tanto dos pais na vida dos filhos menores, quanto dos filhos adultos na vida
dos pais idosos. Esta ilicitude gera danos, os quais dão ensejo à obrigação de indenizar,
como se demonstra nos demais capítulos do presente trabalho.

38
Passou a se verificar um Estado constitucional e humanista de direito a partir da promulgação da
Constituição Federal de 1988 ou, nas palavras de Luiz Flávio Gomes, a partir da última evolução do
sistema jurídico. GOMES, Luiz Flávio. Primeiras linhas do Estado Constitucional e humanista de
Direito. Artigo disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI103486,31047-
Primeiras+linhas+do+Estado+constitucional+e+humanista+de+direito> acesso em 10. out. 2017.
30

4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU


AFETIVO)

4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)”

Antes de expor os princípios aplicáveis ao tema do presente trabalho, faz-se


mister esclarecer a expressão ‘abandono imaterial’ ou ‘abandono afetivo’. Tal
elucidação é necessária para que se possa compreender a razão da aplicação dos
apresentados preceitos constitucionais ao caso concreto.
A expressão ‘abandono afetivo’ é comumente usada pela doutrina e
jurisprudência para se referir à omissão do pai ou da mãe que não detém a guarda dos
filhos menores e, a despeito de adimplirem com o custeio financeiro da prole, são
totalmente ausentes em relação aos menores. Por outro lado, quando esta espécie de
omissão é praticada pela prole em relação aos genitores idosos é utilizada, em geral, a
expressão ‘abandono afetivo inverso’.
Apesar da utilização do termo ‘afetivo’, não se trata da ausência de afeto ou
amor como o termo pode sugerir; trata-se do inadimplemento de deveres de cuidado
impostos por princípios e regras do ordenamento jurídico pátrio que serão apontados ao
longo deste trabalho.
Por esta razão é que nesta dissertação se aponta a expressão ‘abandono
imaterial’ para se referir ao que, em geral, é chamado de ‘abandono afetivo’ a despeito
de em nada se relacionar com afeto.
Ao contrário do ‘abandono afetivo’, o abandono material é definido pelo
ordenamento jurídico pátrio, no art. 244 do Código Penal, como sendo o ato de “deixar,
sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito)
anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta)
anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de
pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada”39.
Estaria, assim, o abandono material atrelado ao ato de prover a subsistência, ou
seja, refere-se ao custeio de recursos materiais, como a pensão alimentícia. Quando há
este custeio pecuniário, mas falta convivência e presença dos pais na vida dos filhos
39
Bem como “deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo”.
31

menores ou da prole adulta na velhice dos pais idosos é que se verifica o abandono que
se quer tratar no presente trabalho, dai porque o uso da expressão ‘abandono imaterial’.
Importante, destacar, entretanto, que em razão da praticamente unânime
utilização do termo ‘abandono afetivo’ pelos juristas pátrios é que aponta essa expressão
ao longo da dissertação, ainda que não se queira tratar de afeto.
Demostrar-se-á a seguir que, apesar de ordenamento jurídico brasileiro não
exigir afeto, nem impor o dever de amar; a falta de convivência e presença dos pais na
vida dos filhos menores, ou dos filhos adultos em relação aos pais idosos, é omissão que
não se coaduna com os deveres impostos pela Codificação Civil, Estatuto da Criança e
do Adolescente e Estatuto do Idoso, e nem é compatível com os princípios da
Constituição Federal promulgada em 1988.

4.2. Aplicação dos princípios constitucionais

Com a promulgação da Constituição Federal datada de 1988, foi inserida no


ordenamento jurídico uma carta de princípios com força normativa direta sobre todos os
ramos do sistema jurídico, alterando-se assim a lógica anterior, em que os princípios
constitucionais eram direcionados ao legislador infraconstitucional.
Conforme leciona Paulo Bonavides, os princípios constitucionais foram
convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do
sistema constitucional40, de forma a não serem mais dirigidos exclusivamente ao
legislador infraconstitucional, mas inclusive aos magistrados na promulgação das
normas individuais concretas.
Nesse contexto, Maria Berenice Dias explica que os princípios constitucionais
deixaram de servir apenas de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional,
desprovidos de força normativa, para serem considerados leis das leis, não dispondo
apenas de força supletiva. Adquiriram eficácia imediata e aderiram ao sistema positivo,
compondo nova base axiológica e abandonando o estado de virtualidade a que sempre
foram relegados41.

40
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237.
41
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 39.
32

Desta forma, a operação hermenêutica inverteu-se em relação ao que era, pois


antes a Constituição era tida apenas como uma moldura, cujo conteúdo era preenchido
pelas leis e pelos códigos42.
O destinatário dos preceitos constitucionais era o legislador ordinário, e o
civilista refém, conforme dispõe Gustavo Tepedino43, da legislação infraconstitucional,
sem se sentir vinculado aos preceitos constitucionais, não podendo reinterpretar e
revisitar os institutos de direito privado, mesmo quando expressamente mencionados,
tutelados e redimensionados pela Constituição. Contudo, com a constitucionalização do
direito civil e a consagração da dignidade humana como fundamento do Estado
Democrático de Direito (artigo 1º, III, CF), o positivismo tornou-se ineficiente44 e as
regras jurídicas passaram a se mostrar limitadas e acanhadas para atender ao comando
constitucional45.
Eis que surge o princípio da interpretação conforme a Constituição, uma das
grandes inovações da Carta de 88, que teve o condão de propagar ao intérprete da norma
que a aplicasse sempre em consonância com a Constituição, tornando o interprete
infraconstitucional um aplicador direto da Constituição, a qual deixou de se destinar
apenas aos legisladores. Os princípios constitucionais passaram, assim, a informar todo
o sistema legal de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana em todas as
relações jurídicas46.
A respeito da irradiação constitucional sobre o direito civil, Luiz Edson Fachin
afirma: “sustentamos o direito para além do novo Código Civil. Os princípios
constitucionais desbordam das regras codificadas e neles a hermenêutica familiar do
século XXI poderá encontrar abrigo e luz”47.
Vale destacar por fim, que entrada em vigor da Constituição Federal de 1988
fez com que a codificação civil de 1916 se tornasse obsoleta e inadequada em muitos
aspectos. A necessidade de edição de um novo código restava mais do que evidente.
42
LÔBO, Paulo. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.)
Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 181.
43
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 18.
44
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais e norteadores e norteadores para a
organização jurídica da família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 20.
45
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 39.
46
Ibidem., p. 39.
47
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p, 39.
33

Neste contexto é que entrou em vigor o código de 2002, que trouxe em seu
bojo o reflexo das modificações constitucionais. Desta forma, verificou-se a permuta do
termo ‘homem’ pelo emprego da palavra ‘pessoa’, a fim de refletir o objetivo de
igualdade entre homens e mulheres; substituição da expressão “pátrio poder” para
“poder familiar”, a fim de denotar a igualdade de poderes do pai e da mãe na unidade
familiar; possibilidade de o marido adotar o sobrenome da mulher; fim da distinção
entre filhos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’; fim do direito do homem mover ação para anular
o casamento se descobrir que a mulher não era virgem; revogação do dispositivo que
permitia aos pais utilizarem a ‘desonestidade da filha que vive na casa paterna’ como
motivo para deserdá-la etc.

4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família

Diversos são os princípios constitucionais que incidem diretamente sobre o


direito de família. Guilherme Calmon Nogueira da Gama48, em livro específico sobre
esse tema, elenca os seguintes princípios de status constitucionais aplicáveis no viés
familiar: princípio da dignidade humana; princípio da tutela especial à família; princípio
do pluralismo democrático; princípio da igualdade material de todos os integrantes da
família; princípio da liberdade, da justiça e da solidariedade; princípio da beneficência;
princípio da paternidade (parentalidade) responsável; princípio da liberdade restrita e da
beneficência à prole em matéria de planejamento familiar; princípio do melhor interesse
da criança e adolescente; princípio da afetividade; princípio do pluralismo das entidades
familiares; princípio da convivência familiar; princípio da isonomia entre os sexos nas
relações conjugais e de companheirismo; e princípio da isonomia entre os filhos.
Diante desta gama de princípios, buscar-se-á tratar apenas sobre aqueles que
convergem ao tema do presente trabalho, ou seja, a respeito daqueles que de alguma
forma se relacionam com o dever de indenizar o abandono afetivo tanto dos pais em
relação aos seus filhos criança ou adolescente, quanto da prole em relação aos pais
idosos.
Nesta seara e tendo em vista a irradiação direta dos princípios em todo o
ordenamento jurídico e não apenas direcionados ao legislador infraconstitucional para a

48
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família. São Paulo:
Atlas, 2008, p. 69-100.
34

formatação dos enunciados prescritivos, verifica-se a necessidade de os magistrados


percorrerem os preceitos trazidos no bojo dos princípios para a construção da norma
individual concreta relativa à responsabilização civil daquele que pratica o abandono
afetivo com a prole ou genitores idosos.
Em outras palavras, ainda que não exista lei (por ora, apenas projetos de lei49)
que expressamente preveja o dever de indenizar o abandono afetivo, a análise dos
dispositivos jurídicos bem como dos princípios que regem o ordenamento leva à
conclusão de que descuido afetivo é conduta ilícita. E a conduta ilícita que gera dano faz
incidir o dever de indenizar, de acordo com os preceitos da responsabilidade civil.
Conforme se verificará ao logo do trabalho, o descaso afetivo com a prole ou
com os genitores idosos gera danos psicológicos (atestado em interdisciplinaridade com
os estudos da psicologia) que não se coadunam com os princípios expostos a seguir.
Desta forma, faz-se necessária a construção de norma individual e concreta
pelos magistrados, com embasamento nas normas gerais e abstratas do ordenamento
jurídico brasileiro, responsabilizando aquele que comete abandono afetivo para com o
filho em fase de desenvolvimento ou para com o pai idoso.
Os elementos jurídicos que justificam a construção da aludida norma individual
concreta serão expostos ao logo do trabalho, iniciando com os princípios que são,
segundo Paulo de Barros Carvalho, “normas jurídicas carregadas de forte conotação
axiológica”50, pois estão insertos no direito positivo, o qual é formado por um conjunto
de normas jurídicas51.
Antes de tratar individualmente a respeito desses princípios, vale destacar que
além dos princípios constitucionais, o ordenamento jurídico abarca em seu bojo os
princípios gerais do direito. Esses não devem se confundir com aqueles, pois

49
O Projeto de Lei 4.294/2008, de autoria do deputado Carlos Bezerra, prevê o dever de os pais
indenizarem os filhos por abandono afetivo e também a responsabilização civil da prole que abandona
afetivamente os genitores idosos.
50
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses,
2015, p. 252.
51
O autor ressalta, entretanto, que a expressão ‘norma jurídica’, quando referida a princípios, deve ser
entendida em seu sentido amplo, pois há ‘princípio’ como norma jurídica (forma), que expressa um valor
ou um limite objetivo e há princípio como valor e como limite objetivo presente nas regras (conteúdo).
35

confundi-los seria relegar os princípios constitucionais para uma posição


subalterna à lei juntamente com as demais fontes do direito – que são
52
invocadas na omissão do legislador .

Enquanto os princípios constitucionais pairam sobre toda a organização


jurídica e advêm diretamente da norma constitucional, que está no vértice do sistema, os
princípios gerais do direito são invocados quando são observadas lacunas na lei e se
configuram, conforme Gustavo Tepedino, como preceitos extraídos implicitamente da
legislação pelo método indutivo.

4.3.1. Princípio da cidadania

A expressão cidadania advém da palavra cidadão, que possui origem latina


“civitas”. Na Roma antiga, o conjunto de cidadãos que constituía uma cidade era
chamado de “civitate”. Neste período a noção de cidadania estava ligada à ideia de
privilégio, pois os direitos de cidadania eram explicitamente restritos a determinadas
classes e grupos53.
Tal restrição foi se alterando com o passar do tempo e com o advento das
chamadas revoluções burguesas (francesa e americana). Por meio dessas, entraram em
voga os direitos individuais – ligados ao conceito de pessoa humana e personalidade – e
os direitos políticos – que dizem respeito ao conjunto de regras que disciplinam as
formas de atuação da soberania popular, com direitos subjetivos que investem o
indivíduo no status activae civitatis e lhe confere os atributos da cidadania54.
Nesta seara, por muito tempo a cidadania foi entendida como a faculdade de
participar ativamente da vida e do governo de seu povo55, ou seja, era atrelada ao
exercício dos direitos políticos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, contudo, verificou-se uma
ampliação no conceito da palavra cidadania. Esta passou a não se referir apenas a

52
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 42.
53
Instituto Jurídico Roberto Parentoni – IDECRIM. Cidadania.
<http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/10-cidadania> acesso em 20. set. 2017.
54
CAFFARO, Leonardo de Mello. Os Direitos Humanos Fundamentais e a Cidadania. O Juiz Cidadão e o
Cidadão como Juiz. Considerações sobre o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º do art. 5º da CRFB/88, Revista
Virtual da AGU No 71.
<file:///C:/Users/Ana%20Carolina%20Candia/Downloads/revista_virtual_da_agu_-_071.pdf> acesso em
20. set. 2017.
55
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 1998, p. 14.
36

direitos políticos, mas a constar como um dos fundamentos do Estado Democrático de


Direito, ou seja, passou a justificar o direito dos cidadãos (artigo 1º, inciso II da CF).
A diferenciação dos conceitos de cidadania e de direitos políticos é notada
quando a Carta Magna, por meio do artigo 68, §1º, inciso II, expressamente elenca:
“nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais”. Ora, se
cidadania fosse sinônimo de direito político, não haveria sentido em se elencar as
expressões “cidadania” e “direito político” ao mesmo tempo.
Tal diferenciação também é notada no atual Dicionário Aurélio, o qual define a
palavra cidadania como sendo a “qualidade de cidadão”56. Este termo, por sua vez, é
conceituado como “1 - indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado
livre, 2- habitante de cidade”57.
A atual conotação da expressão cidadania é atrelada ao direito do cidadão de
ter direitos (tanto políticos quanto civis). É exatamente por ser cidadão que se tem
direitos, ou seja, que se tem cidadania.
Oswaldo Peregrina Rodrigues, ao ensinar que cidadania é o primeiro direito
humano, pois é o direito a ter direito, assim escreve:

É fundamento republicano brasileiro garantir a todo e qualquer cidadão


brasileiro, e também a todo e qualquer cidadão estrangeiro residente no
Brasil, o direito a ter e exercer os seus direitos, o que há de valer como
critério norteador e interpretativo de todos os textos legais, em âmbito infra
ou constitucional, pois a cidadania há de ser o direito primeiro, elementar,
58
básico de toda pessoa humana, pela só condição de ser humano .

O autor continua e afirma que “sendo o idoso uma pessoa humana como
qualquer outra, é-lhes assegurada a cidadania”59. Da mesma forma, às crianças, aos
adolescentes, aos jovens e aos adultos são assegurados os direitos previstos no
ordenamento jurídico, justamente pelo fato de esses serem pessoas humanas, ou seja,
serem cidadãos.
É, portanto, em razão do princípio da cidadania que os cidadãos têm direito a
ter direitos.

56
<https://dicionariodoaurelio.com/cidadania> acesso em 20. set. 2017.
57
Ibidem.
58
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 26.
59
Ibidem., p. 26.
37

3.3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana

A dignidade humana é declarada pela Constituição Federal, por meio do inciso


III de seu artigo 1º, como sendo um dos princípios fundamentais da República. Desta
forma, assim como o princípio da cidadania, o princípio da dignidade humana pode ser
considerado como um dos mais importantes a nortear a aplicação do Direito.
Muitos doutrinadores elencam este princípio como sendo um macroprincípio
ou superprincípio a irradiar por toda a ordem jurídica. Nesta seara, destaca-se a seguinte
disposição de Flavia Piovesan:

É no valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu


próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa
de interpretação normativa. Consagra-se, assim, dignidade da pessoa humana
60
como verdadeiro superprincípio a orientar o Direito .

Daniel Sarmeto61, por sua vez, ressalta que o princípio da dignidade humana é
o epicentro axiológico da ordem constitucional, de modo a irradiar efeitos sobre todo o
ordenamento jurídico e balizar não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de
relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.
Seguindo esta mesma linha, Roxana Cardoso Brasileiro Borges afirma:

Uma vez que a dignidade humana é inserida no ordenamento por meio do


artigo 1º, III, da Constituição, o valor da dignidade da pessoa humana, torna-
se, explicitamente, uma norma de dever-ser, com caráter jurídico e
vinculante, não podendo mais ser considerado apenas um valor cujo caráter
62
seria somente axiológico .

Com relação ao preceito trazido pelo aludido princípio, não há dúvidas de que
este é dotado de forte conteúdo axiológico, o que dificulta uma definição precisa de seu
conteúdo. Nesse sentido, Ingo Wofgang Sarlet, destaca ser, no mínimo, tormentosa, essa
conceituação, em razão da fluidez e vagueza do valor enredado, além da porosidade
trazida pelo conteúdo e pela natureza polissêmica63.

60
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 92.
61
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003, p. 60.
62
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da Personalidade e autonomia privada. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 15.
63
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 50.
38

Desta forma, na busca pela significação do princípio, faz-se pertinente revisitar


a conceituação de dignidade a partir da visão Kantiana.
Para Kant, dignidade se traduz na concepção de que o homem, justamente em
razão da sua condição humana, se situa em posição hierarquicamente superior à das
coisas e não pode ser precificado. Por isso, jamais deve ser reduzido a mero instrumento
da ação ou vontade de outrem – isso seria a função das coisas. As coisas podem ser
meio para se alcançar um determinado fim, mas o homem jamais. O homem deve ser o
fim de si mesmo, e nunca exclusivamente meio para se alcançar algum fim. Essa
diferenciação entre as coisas e o homem dotado de consciência racional e moral, que o
qualifica e o impede que seja precificado ou instrumentalizado, é justamente o que lhe
confere dignidade64.
Tal conceito é resumido por Giselda Hironaka da seguinte forma: “não se deve
fazer do outro meio para os nossos fins, mas, ao contrário, deve-se antes fazer dele fim
em si mesmo”65.
Apesar do caráter polissêmico da palavra, Silmara Amarillia66 identifica duas
acepções complementares para o termo dignidade da acepção da parentalidade:

i) a primeira, endógena ao organismo familiar, concernente à tutela dos mais


frágeis, mediante a garantia de condições necessárias ao desenvolvimento
físico, moral, emocional e psíquico dos infantes (CF/1988, artigo 227) ou no
amparo aos idosos (CF/ 1988, artigo 230); e ii) a segunda, exógena ao dito
organismo, concernente ao dever do Estado e da sociedade de reconhecer o
valor inato dos seres humanos no âmbito da família, repudiando qualquer
espécie de tratamento discriminatório e garantindo, solidariamente, as
necessidades daqueles que se mostram mais vulneráveis, de modo a
possibilitar-lhes uma vida digna e plena.”

A autora continua e dispõe:

O que se verifica, desse modo, é que o prestígio constitucional à dignidade


humana repercute no campo da parentalidade de duas maneiras distintas,
traduzindo tanto um compromisso familiar, quanto um compromisso social e
estatal, mas, sobretudo, realça a preponderância da vocação social da família
(funcionalização do instituto) sobre qualquer moldura que poderia lhe servir
de referência, sobrevalorizando cada integrante do núcleo familiar como

64
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:
Ed. 70, 2007, p. 77.
65
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005, p. 212.
66
AMARILLA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laços e os
nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 81-82.
39

protagonista de sua própria história e todos, em conjunto, como partícipes da


história da família contemporânea.
Assim, em apertada síntese, pode-se dizer que o preceito constitucional da
dignidade visa à supervalorização do ser humano, o qual deve ser sempre priorizado
ante a qualquer valor pecuniário. A aplicação deste preceito no direito de família se dá
justamente por meio da valorização de cada integrante da família, que deve ser o
amparo, a base a possibilitar o pleno desenvolvimento do ser humano e de todas as suas
capacidades: tanto moral, quanto física, quanto psicológica – da a importância da
convivência.
Conforme lição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

Na medida em que se alcança a exata compreensão do conceito ‘dignidade da


pessoa humana’ e se lhe dá o devido desdobramento na definição dos
correspondentes ‘direitos da personalidade’, logo se percebe o aumento das
hipóteses de ofensa a tais direitos, e se ampliam as oportunidades para a
existência do dano. E essa constatação é importante no direito que trata da
família, a menor célula social em que a pessoa convive, porque no seu seio
sempre se deu prevalência à instituição da família, ainda que com sacrifício
67
eventual do interesse da pessoa .

Uma vez que a carência da presença dos pais suportada pelos filhos durante o
desenvolvimento ou carência da presença dos filhos experimentada pelos pais na
velhice acarreta danos à higidez psicológica, deve-se incidir o dever de indenizar sob
pena de se instrumentalizar a prole em desenvolvimento ou os genitores idosos, que
passariam a suportar os danos sem nenhuma reparação em detrimento do causador do
dano que descumpriu com seus deveres legais.
Em outras palavras: não admitir a aludida reparação por dano afetivo é
desvalorizar o ser humano em sua essência, em sua constituição psicológica, é abalar
diretamente a dignidade humana. Não é à toa que é reprovável ética e socialmente o
comportamento daquele que abandona afetivamente os pais quando idosos ou os filhos
que estão em desenvolvimento. Essa reprovação social generalizada advém exatamente
da sensação de que este comportamento causa real sofrimento psíquico àquele que é
abandonado, ou seja, que tal descuido afeta a dignidade daquele que é descuidado.

67
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil no Direito de Família. In: WELTER,
Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos Fundamentais do Direito de Família.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 361-362.
40

Tutelar o comportamento daquele que abandona em detrimento do dano que


sofre o abandonado é ação que denota claro e expresso descumprimento ao preceito de
respeito e preservação da dignidade humana.
Aquele filho ou pai idoso, que foi abandonado afetivamente e tem negado seu
pleito por responsabilidade civil contra o genitor ou prole que deu causa ao descuido,
sofre duas vezes: a primeira, quando suporta os danos decorrentes da falta de cuidado; e
a segunda vez, quando sente que todo seu sofrimento é ignorado e a ação daquele que
deu causa ao dano é prestigiada pelo Judiciário. Não se pode mais admitir que o Estado
venha a ser cumplice (e subsidiariamente causador por tutelar o comportamento de
ausência afetiva) de danos psicológicos que maculam diretamente a dignidade dos
cidadãos.

4.3.3. Princípio da solidariedade

O Preambulo da Constituição Federal de 1988 assim dispõe:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Tal disposição, que visa a uma sociedade fraterna, é o que assegura ao


princípio da solidariedade seu assento constitucional, conforme ensina Maria Berenice
Dias68, afinal não é possível se falar em harmonia social, em bem-estar, em sociedade
fraterna sem que haja solidariedade entre os seus integrantes. A aludida autora ressalta
também que tal princípio possuiu origem nos vínculos afetivos, uma vez que
solidariedade seria o que cada um deve ao outro.
Além do preâmbulo, o princípio da solidariedade também se veste de caráter
constitucional em razão do artigo 3º, I, da CF que dispõe expressamente ser um dos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade
livre, justa e solidária.

68
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 48.
41

Não se deve confundir o instituto jurídico da solidariedade, comtemplado pelo


direito das obrigações, com o princípio da solidariedade incluído no ordenamento
jurídico brasileiro por meio de inovação da Constituição de 1988:

Vindo do Corpus Juris Civilis, havia apenas, no direito privado, o conceito de


solidariedade subsumido à espécie de obrigação, quando um dos credores
pode receber do devedor a totalidade da dívida (solidariedade ativa), ou
quando um dos devedores pode ser obrigado a pagar a dívida integralmente
(solidariedade passiva), o que significa individualização do crédito ou do
débito plurais. Desde os antigos, se utiliza a locução latina in solidum, com o
significado de soma do todo. Mas, tem sido afirmado que o termo
“solidariedade” apenas aparece na linguagem jurídica no início do século
XVII, daí passando para a linguagem comum. Esse sentido estrito não é o
mesmo do princípio fundamental da solidariedade no mundo contemporâneo,
que se consolidou nas Constituições sociais do século XX, e cuja elaboração
doutrinária (jurídica) é relativamente recente. 69

O conteúdo real do princípio constitucional da solidariedade reveste-se de forte


preceito ético, contemplando em seu bojo a ideia de reciprocidade e fraternidade.
A partir da compreensão de que o princípio da solidariedade seria a ideia de
correlação entre os membros de uma sociedade em busca de bem-estar social, é possível
compreender que no Direito de Família tal princípio seria a mutualidade entre os
componentes da família para possibilitar o bem-estar de cada um destes membros.
Estaria, assim, o princípio da solidariedade intimamente ligado ao princípio da
dignidade humana, e no direito de família o preceito advindo da união destes dois
princípios poderia se resumir no conceito de a entidade familiar ser recíproca e solidária
entre seus integrantes para possibilitar o pleno desenvolvimento de cada um destes.
Seguindo esta linha, Flávio Tartuce completa:

A solidariedade não é somente patrimonial, mas também moral, sexual,


social, afetiva, espiritual e psicológica. O princípio da solidariedade familiar
implica respeito e consideração mútuos nos relacionamentos entre os
membros da família. Como decorrência lógica desse espírito de
solidariedade, surge o afeto, apontado atualmente como o principal
70
fundamento das relações familiares .

69
LÔBO, Paulo. Princípio da Solidariedade Familiar. Jus Navegandi. Teresina, a. 18, n. 3759, 2013.
Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/25364/princípio-da-solidariedade-familiar> . Acesso em 22.
maio. 2017.
70
TARTUCE, Flávio; Manual de direito civil: volume único. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1230-
1231.
42

A concretização de tal princípio é verificada por meio do dever constitucional


de os pais assistirem aos filhos, bem como do dever de amparo ao idoso. Ambos
decorrem diretamente do princípio da solidariedade e se relacionam umbilicalmente
com os princípios da dignidade humana, da afetividade, do melhor interesse da criança e
do adolescente e da convivência familiar:

O macroprincípio da solidariedade perpassa transversalmente os princípios


gerais do direito de família, sem o qual não teriam o colorido que os
destacam, a saber, o princípio da convivência familiar, o princípio da
afetividade e especialmente o princípio do melhor interesse da criança. Por
esta razão, o princípio da solidariedade é observado quando o direito de
convivência das crianças com seus parentes próximos não é obstado, ainda
que contrarie os interesses de seus pais71.

É evidente, portanto, que o descaso afetivo de pais para com os filhos em


desenvolvimento ou da prole para com os genitores idosos configura claro
descumprimento ao preceito trazido no bojo do princípio da solidariedade, sobretudo no
que se refere à solidariedade familiar.

4.3.4. Princípio da afetividade

Apesar de não expresso no texto constitucional, o princípio da afetividade


possui roupagem constitucional em razão da busca, pela Carta Magna, da efetivação da
dignidade humana e dos direitos fundamentais. Conforme dispõe Paulo Lôbo72, a partir
de uma leitura sistêmica dos preceitos e dos valores da Constituição, é perfeitamente
possível extrair a consagração da afetividade como princípio constitucional e elemento
legitimador da família contemporânea.
Dentro da lógica humanista e social instituída com a Constituição de 1988,
verifica-se a afetividade como forte valor jurídico, sobretudo no direito de família. A
consagração desse elemento dentro do ordenamento jurídico pode ser notada, por
exemplo, no reconhecimento da entidade familiar formada pela união estável como se
ela constituísse o selo do casamento, ou seja, o valor da afetividade une e enlaça duas

71
LÔBO, Paulo. Princípio da Solidariedade Familiar. Jus Navegandi. Teresina, a. 18, n. 3759, 2013.
Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/25364/principio-da-solidariedade-familiar> . Acesso em 22.
maio. 2017.
72
LÔBO, Paulo. Socioafetividade no direito de família: a persistente trajetória de um conceito
fundamental. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio Martins
(coords). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 453.
43

pessoas em moldes semelhantes à formalização do casamento. Outra exemplificação se


verifica no reconhecimento judicial da paternidade socioafetiva, que demostra o
reconhecimento do Judiciário com relação ao valor jurídico da afetividade capaz de
caracterizar a paternidade.
Neste cenário, resta cristalino que o direito das famílias instalou uma nova
ordem jurídica para a família, atribuindo forte valor jurídico ao afeto. Tal valorização é
claramente notada na afirmação de Maria Berenice Dias73 que classifica o princípio da
afetividade como sendo o norteador do direito das famílias.
Arnaldo Rizzardo, também destacando a importância da afetividade, assim
dispõe:

a afetividade constitui um valor inerente à vida humana. A sua essencialidade


é dimensionada pelas repercussões negativas na personalidade se não
satisfatoriamente realizada essa necessidade. A própria realização e a
felicidade dependem desse elemento.
(...)
Nessa concepção, impedir a plena realização da afetividade, ou não
oportunizar sua expansão, ou violentar ferindo, desprezando, menosprezando
sentimentos que fazem parte da natureza humana, importa em amputar a
pessoa na sua esfera espiritual e moral, cerceando a sua plena realização 74.

Seguindo esse mesmo raciocínio de valorização da afetividade, Romualdo


Baptista dos Santos afirma:

O princípio da afetividade que tem assento na dignidade da pessoa humana e


é correlato ao princípio da solidariedade, desdobra-se em novos institutos
jurídicos, como o patrimônio afetivo e a integridade psíquica, com a
consequente indenizabilidade dos danos por quebra de laços afetivos, à
estrutura psíquica, por assedio moral, por abandono afetivo, etc. 75.

O conteúdo do princípio da afetividade se relaciona, portanto, com as funções


que devem ser exercidas pelos membros da família a fim de propiciar o pleno
desenvolvimento de cada ente familiar.
O preceito preconiza o dever da família (e não apenas do Estado) de garantir
dignidade humana para cada um de seus membros, por meio da solidariedade; seria o

73
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 52.
74
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 682.
75
SANTOS, Romualdo Baptista dos. A tutela jurídica da afetividade – os laços humanos como valor
jurídico na pós-modernidade. Curitiba: Juruá, 2011, p. 150.
44

princípio da afetividade, portanto, a “base do respeito à dignidade humana, norteador


das relações familiares e da solidariedade familiar”76.
Um forte exemplo da aplicação jurídica do princípio da afetividade é verificado
na decisão da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que mesmo
após dissolução de sociedade conjugal, atribuiu à madrasta o direito de visitas ao filho
do ex-cônjuge, em razão do reconhecimento do vínculo afetivo entre esta e o menor:

Agravo de instrumento. Reconhecimento de vínculo afetivo c/c


regulamentação de visitas. Tendo em vista a não apresentação de motivo
idôneo que se restrinja a convivência com a ex madrasta, defere-se a
visitação atendendo aos interesses emocionais da criança. O interesse do
infante deve ser preservado. Recurso provido. Agravo regimental
prejudicado77

Mister se faz destacar, entretanto: apesar da importância que o afeto tem


adquirido dentro do ordenamento jurídico, sendo, inclusive, elemento para justificar a
parentalidade (como nos casos da paternidade socioafetiva), não é possível obrigar
alguém a amar o outro. O princípio da afetividade, ainda que seja norteador do direito
de família, não tem o condão coercitivo de impor o dever de amar.
Neste mesmo sentido é que dispõe Ana Carolina Brochado Teixeira:

o princípio da afetividade funciona como um vetor que reestrutura a tutela


jurídica do direito de família, que passa a se ocupar mais da qualidade dos
laços travados nos núcleos familiares do que com a forma através da qual as
entidades familiares se apresentam em sociedade, superando o formalismo
das codificações liberais e o patrimonialismo que delas herdamos. Portanto, o
princípio da afetividade não comanda o dever de afeto, porquanto se trata de
conduta de foro íntimo, incoercitível pelo Direito.78

Não se deve, desta forma, confundir o princípio da afetividade, que demostra a


importância do afeto no direito de família, com a coerção em amar ou indenização por
desamor. A responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) sustentada neste
trabalho não se relaciona com indenização por desamor ou falta de afeto (daí porque se
prefere o termo abandono imaterial ao termo abandono afetivo).

76
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. Vol. 5. 30ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 42.
77
TJRJ, Agravo de instrumento nº 2007.002.32991, 5ª Câmara Cível, Des. Cherubin Helcias Shwartz, j.
27.05.2008
78
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A multiparentalidade como nova estrutura de parentesco na
contemporaneidade, Revista brasileira de direito civil, vol. 4, ab./jun. 2015, p. 17-18.
45

Conforme apresentado em capítulo vindouro, não é a falta de amor ou de afeto


que causa o dano. Este é consequência da falta de cuidado, o qual é expressamente
exigido por diversos dispositivos brasileiros.
Importante destacar que a ausência de afeto ou de amor não afasta, por outro
lado, a obrigação de os pais conviverem com os filhos em desenvolvimento ou de a
prole adulta conviver com os genitores idosos conforme o preceito trazido no bojo do
princípio da convivência familiar.

4.3.5. Princípio da convivência familiar

É por meio da convivência que a afetividade entre os membros da família


encontra campo para se expressar e permitir a manutenção do desenvolvimento
psicológico saudável de cada um dos membros. A convivência possibilita o afeto.
Assim, ainda que este não seja exigível, aquela é obrigação expressamente mencionada
na Carta Magna.
O caráter constitucional do princípio da convivência familiar advém da
expressa menção no caput do artigo 227 da Carta Magna sobre o dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta
prioridade, o direito à convivência familiar. A Convenção dos Direitos da Criança
também dispõe em seu artigo 9.3 sobre o direito de a criança “manter regularmente
relações pessoais e contato direto com ambos genitores, a menos que isso seja contrário
ao interesse maior da criança”.
No mesmo sentido, o caput do artigo 3º do Estatuto do Idoso (Lei n.
10.741/2003) prevê ser obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder
Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à
convivência familiar. Tal norma está em consonância com o caput e § 1º do artigo 230
da Constituição Federal que assim dispõe:

Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as


pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente
em seus lares.
46

Tarcísio José Martins Costa, versando sobre a importância do convívio


familiar, destaca que o direito à convivência familiar, antes de ser um direito, é uma
necessidade vital, que se encontra no mesmo patamar de importância do direito
fundamental à vida79.
Tratando do direito da prole e também classificando o direito à convivência
familiar como um direito vital, Cenise Monte Vicente assim dispõe:

O vínculo é um aspecto tão fundamental na condição humana, e


particularmente essencial ao desenvolvimento, que os direitos das crianças o
levam em consideração na categoria convivência – viver junto. O que está em
jogo não é uma questão religiosa, moral ou cultural, mas sim uma questão
vital. Na discussão das situações de risco para a criança a questão da
mortalidade infantil ou da desnutrição é imediata. Sobreviver é condição
básica, óbvia, para o direito à vida. Deve-se acrescentar a dimensão afetiva na
defesa da vida. Em outras palavras, sobreviver é pouco. A criança tem direito
a viver, a desfrutar de uma rede afetiva, na qual possa crescer plenamente,
brincar, contar com a paciência, a tolerância e a compreensão dos adultos
sempre que estiver em dificuldade80.

Neste aspecto, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel81 destaca que a
convivência familiar é, sem dúvida, um porto seguro para a integridade física e
emocional de toda criança e todo adolescente, uma vez que ser criado e educado junto
aos pais biológicos ou adotivos representa para o menor de 18 anos estar integrado a um
núcleo de amor, respeito e proteção.
A privação do filho da convivência de um dos progenitores ocasionaria, assim,
uma grande carga de carências e frustrações de ordem emotiva, sentimental e afetiva,
segundo Arnaldo Rizzardo, que dispõe:

é direito dos filhos, e impõe-se por reclamo da natureza humana, a


convivência com o pai e a mãe. Não interessa a separação destes últimos, ou
a completa incompatibilidade de um em relação ao outro. O pai ou a mãe que
não forma a entidade familiar com os filhos está obrigado a buscar a
convivência regular em datas previamente combinadas, de modo a manter
alguma participação na vida dos mesmos, acompanhando seu
desenvolvimento, participando das atividades que lhe são inerentes, e

79
COSTA, Tarcísio José Martins. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 38.
80
VICENTE, Cenise Monte. O direito à convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção
do vínculo. In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (org.). Família brasileira: a base de tudo. 9ª ed. São
Paulo: Cortez, 2010, p. 50-51.
81
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos
teóricos e práticos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 129.
47

dispensando a afetividade, o carinho, o desvelo a amizade e a autoridade que


tanto necessitam para o sadio e normal crescimento82.

Com relação aos idosos, não é diferente. A fragilidade advinda com o avanço
da idade insere a pessoa, novamente, em uma situação de vulnerabilidade, tanto física
quanto psíquica. Da mesma forma que a criança e o adolescente necessitam de proteção
e amparo físico e afetivo, o idoso também precisa desse cuidado.
O direito do idoso em ter seus filhos em sua companhia vai muito além de ser
um dever legal imposto pelo já referido Estatuto do Idoso; relaciona-se ao direito à
dignidade humana, pois não há como se falar em dignidade de alguém frustrado da
companhia e afeto da própria família.
Conforme afirma Renata Diniz, médica diretora de empresa especializada em
cuidados domiciliares para pessoas idosas:

A ligação entre o idoso e seus familiares é forte. Há maior valorização dos


filhos e dos netos por parte dele, que se sente realizado ao vê-los em
harmonia e ao saber que se trata ‘da sua família’. (...)
Percebemos, em nossa experiência prática, que os idosos carregam a
expectativa de receberem atenção e cuidados dos filhos e netos no momento
em que perderem ou tiverem suas capacidades diminuídas. Este é um
fantasma constante que preocupa os idosos83.

Não basta a manutenção financeira do idoso, é preciso mantê-lo com


afetividade, participação e integração no seio da família, que outrora foi constituído pela
pessoa que agora é idosa. É por meio da convivência afetiva com os filhos que o idoso
se sente valorizado, digno e integrado.
A convivência sadia é uma das formas de praticar a afetividade, pois é o
contato, o convívio, o ato de se relacionar, que possibilita o desenvolvimento do
sentimento de afeto.
Ainda que o afeto em si não seja exigível legalmente, a convivência familiar é
sim dever legal, conforme demonstrado. O afeto é a consequência natural dessa
convivência. Não conviver ou não manter nenhum contato e ignorar os filhos em
desenvolvimento ou os pais idosos configura explícito descumprimento ao preceito
trazido no bojo do princípio da convivência familiar. Mais uma razão para não se tutelar

82
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 688.
83
<https://direito-legal.jusbrasil.com.br/noticias/231637743/quando-foi-a-ultima-vez-que-voce-visitou-
seus-pais-e-avos> acesso em 26. maio. 2017.
48

o comportamento e responsabilizar aquele que abandona afetivamente e causa dano à


prole ou aos genitores.
O abandono imaterial macula a higidez psicológica do jovem, idoso ou criança
abandonada, ou seja, influi diretamente no desenvolvimento no bem-estar destes
membros da família, de forma a configurar desrespeito direto aos preceitos trazidos nos
princípios da dignidade humana e da solidariedade.

4.3.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e


idosos

O princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos é


instituído pela Constituição Federal por meio dos artigos 227, 228 e 229, e repetido no
Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º) e no Estatuto do Idoso (artigo 3º).
Por meio de tais dispositivos jurídicos é assegurado a crianças, adolescentes,
jovens e idosos: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, bem como o direito de serem colocados a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Oswaldo Peregrina Rodrigues, quando trata do princípio em tela assim anota:

O princípio da prioridade absoluta na proteção integral aos direitos da pessoa


idosa significa a garantia legal à atenção aos seus interesses em prejuízo de
qualquer outra pessoa, salvo, caso essa outra pessoa seja criança ou
adolescente, os quais possuem também essa prioritária e absoluta proteção
(artigo 4º, caput, ECA), todavia, assegurada essa proteção absoluta em
âmbito constitucional (artigo 227, caput)”84.

O conteúdo do princípio em tela estaria, assim, atrelado ao cuidado, à proteção,


ao respeito, ao direito a uma convivência familiar sadia, ao apoio material e moral, à
defesa dos interesses dos idosos e das pessoas em desenvolvimento de maneira geral.
Seria como um “guarda-chuva” para garantir a dignidade humana das crianças,
adolescentes e idosos, bem como dar efetividade ao princípio constitucional da
igualdade, já que a proteção aludida no princípio se refere a pessoas em situação de
vulnerabilidade.

84
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 23.
49

Ou seja, toda esta proteção à criança, ao adolescente e ao idoso se constitui


justamente em razão do fator comum entre esses: a vulnerabilidade. Tal característica os
diferencia dos demais e os faz merecer tratamento diferenciado em função do princípio
da isonomia, afinal não haveria razoabilidade em se tratar igualmente os desiguais, pois
esse cenário seria completamente contrário aos preceitos constitucionais humanistas
elencados pela Constituição de 1988, que tem como um dos valores máximos a
dignidade humana.
Sobre a vulnerabilidade da criança e do adolescente, Rolf Madaleno assim
escreve:

A vulnerabilidade dos infantes é decorrência natural da dependência que eles


têm dos adultos, pois podem ser pacientes das mais variadas formas de
agressão, assim como vítimas de uma violência corporal ou sexual, ou de
abandono físico, psicológico, afetivo, ou material. Qualquer ofensa à
integridade física ou psíquica do infante converte a sua vida em um
emaranhado de consequências devastadoras. Por isso que ao menor abalo à
sua integridade física, psicológica ou financeira, a ameaça precisa ser pronta
e prioritariamente neutralizada, e essa proteção depende da atividade dos
adultos e de seus responsáveis diretos, pais, tutores e representantes, para que
os menores cresçam sem temores, sem percalços e conquistem no devido
tempo seus próprios mecanismos de defesa e de sobrevivência, e desse modo
possam gerar sua independência, desenvolver sua personalidade, adquirir
confiança, autoestima, e se colocar a salvo das sequelas causadas pela
insensibilidade dos adultos85.

Já sobre a vulnerabilidade dos idosos, tem-se que:

O processo do envelhecimento é um fenômeno ligado de modo íntimo a todo


ser humano e nesta fase da vida é que se desenvolvem modificações
biopsicossociais, surgindo as fragilidades próprias da idade. O próprio
sistema vital se modifica, havendo a diminuição da capacidade funcional de
órgãos e tecidos e por consequência desacelera-se o metabolismo, expondo a
pessoa idosa a riscos86.

Evidente que a situação de vulnerabilidade diferencia as crianças, adolescentes


e idosos dos demais; justamente esta diferenciação é que justifica a necessidade da
proteção integral.
Não há como se coadunar o respeito ao princípio constitucional da proteção
integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos com o abandono afetivo desses no

85
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 55-56.
86
SANTIN, Janaina Rigo; BOROWSKI, Marina Zancanaro. O idoso e o princípio constitucional da
dignidade humana, Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano - RBCEH, Passo Fundo,
v. 5, n. 1, p. 141-153, jan./jun. 2008.
50

momento em que mais precisam. O dano psicológico que ausência da participação dos
pais no desenvolvimento dos filhos ou destes na velhice daqueles causa é absolutamente
contrário à ideia de proteção integral.
Por óbvio que a ideia de proteção integral contempla a preservação da saúde
psíquica. Assim, uma vez que a ausência no desenvolvimento do filho ou na velhice dos
pais causa abalo psicológico, há falta de observação ao que preconizado no princípio em
tela, ou seja, há descumprimento normativo que causa dano – e, portanto, como se
verifica com os demais elementos do presente trabalho, há o dever de indenizar.

4.3.7. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Os últimos dois princípios tratados nesse capítulo referem-se apenas aos


direitos da prole.
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é inovação trazida
pela Constituição de 1988 que transfere o foco das famílias, que era o de atender ao
interesse primordial do pai, tido como o chefe de família (patter), para o objetivo de ser
a família uma célula de cuidado e pleno desenvolvimento de todos os seus membros,
sobretudo dos mais vulneráveis, como as crianças e adolescentes. Assim, o pátrio poder
passa a ser substituído pelo poder familiar, e o melhor interesse das crianças e dos
adolescentes passa a ser prioridade.
Conforme relata Rodrigo da Cunha Pereira: “No patriarcado, em Roma, o pai,
além de encarnar a lei, a autoridade, era instituído de um poder quase divino”87.
Contudo, como esclarece Paulo Lôbo,

ocorreu uma completa inversão de prioridades, nas relações entre pais e


filhos, seja na convivência familiar, seja nos casos de situações de conflitos,
como nas separações de casais. O pátrio poder exista em função do pai; já o
88
poder familiar existe em função do interesse do filho .

Neste cenário, quando ocorria separações entre os pais, era priorizado o


interesse daquele que era tido como ‘cônjuge inocente’, restando secundário ou
irrelevante o interesse do filho. Hoje, de forma diferente, todas as decisões que se

87
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor
interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 577.
88
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 75.
51

relacionem à prole devem ser tomadas visando ao melhor interesse da criança e do


adolescente, justamente em razão da consagração do princípio em tela.
Este princípio, ainda conforme Paulo Lôbo89, seria “um reflexo do caráter
integral da doutrina dos direitos da criança”, que é expresso no artigo 227 da Carta
Magna, e guardaria “estreita relação com a doutrina dos direitos humanos em geral”,
consagrada pela valorização da dignidade humana, conforme artigo 1º, III da
Constituição.
O conteúdo deste princípio, conforme Rolf Madaleno, está atrelado à
imposição de dever sempre prevalecer os interesses “em favor do infante quando em
confronto com outros valores, pois sempre será necessário assegurar o pleno e integral
desenvolvimento físico e mental desse adulto do futuro, sujeito de direitos”90.
Por meio deste princípio, é possível notar que o interesse do filho em
desenvolvimento deve ser sempre preconizado. Portanto, a convivência com a prole,
uma vez que é interesse do menor contribuir com o desenvolvimento psicológico deste,
deve ser praticada pelos pais.
A contrario sensu, a falta de convivência dos genitores com a prole em
desenvolvimento é contrária aos interesses desta e, portanto, contrária ao preceito do
melhor interesse da criança e do adolescente, não devendo, por esta razão – dentre
outras –, ser admita pelo Judiciário.

4.3.8. Princípio da paternidade responsável

O conteúdo do princípio da paternidade responsável se refere ao dever dos pais


em concretizar todos os demais princípios elencados.
Em outras palavras, este princípio trata do dever dos pais – e não apenas do
Estado – de garantir os direitos de seus filhos crianças e adolescentes elencados no
artigo 227 da Carta Magna com afetividade, por solidariedade e por meio da
convivência familiar a fim de garantir a dignidade humana de seus filhos.
Em resumo, pode-se dizer que tal princípio consolida que os direitos das
crianças e adolescentes elencados no artigo 227 da Constituição não devem ser
garantidos apenas pelo Estado, mas também pelos familiares, os quais são responsáveis
por garantir o pleno desenvolvimento físico e psíquico da prole.

89
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 76.
90
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 55.
52

Conforme se verificará em capítulo próprio, a presença dos pais no


desenvolvimento dos filhos constitui dever a ser observado pelos genitores. Desta
forma, o pai ou mãe que não se faz totalmente ausente na vida de seu filho, arcando
apenas com questões materiais, descumpre, dentre diversas normas jurídicas, o princípio
da paternidade responsável. Esse descumprimento causa fortes danos à psique da prole,
dando ensejo à incidência da responsabilidade civil.

4.4 Aspectos relevantes da responsabilidade civil aplicados ao caso

4.4.1. Considerações iniciais

“Responsabilidade” é palavra originada do latim ‘respondere’, que comtempla


a ideia de garantia de restituição ou compensação por algum bem que tenha sido
sacrificado. O termo encontra definição no dicionário Aurélio como sendo “obrigação
de responder pelas ações próprias, pelas dos outros ou pelas coisas confiadas” 91.
O dever de responder pelas consequências dos próprios atos pode ter tanto
cunho moral quanto jurídico. A responsabilidade moral se configura quando ocorre uma
infração às normas morais ou religiosas, e – diferente da responsabilidade civil – não
exige necessariamente a ocorrência de prejuízo para se configurar. Já o dever de
reparação civil requer que haja dano ao indivíduo ou à coletividade, e que este tenha
sido causado pela violação de um dever jurídico, ou seja, exige-se o elemento culpa
(exceto nos casos excepcionais de responsabilidade objetiva).
Nos primórdios da humanidade, porém, não se cogitava do fator culpa. Bastava
apenas o elemento dano para provocar no ofendido uma reação imediata, instintiva,
brutal e sem limites. Imperava a vingança ‘com as próprias mãos’ como

forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, de reação espontânea e


natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas
92
origens, para a reparação do mal pelo mal .

Neste contexto, é que surgiu, no Direito Hebreu, a famosa pena de talião93


(cujos primeiros indícios foram notados no Código de Hamurabi, por volta de 1.700 a.

91
<https://dicionariodoaurelio.com/responsabilidade> Acesso em: 03.mar. 2017.
92
LIMA, Alvino. Da culpa ao risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938, p. 10.
93
Talio traduz-se pelo termo equivalência. Por isso, a expressão lei de talião, para se referir a
equivalência entre o Dano e a Punição.
53

C.), comtemplando a ideia de “olho por olho, dente por dente”94, a fim de demostrar o
limite no direito do ofendido em relação ao ofensor. O limite estava na exata
reciprocidade, equivalência entre o dano causado e a pena a ser aplicada ao causador
deste dano – não se poderia, portanto, penalizar além do dano causado.
A vingança recíproca ao prejuízo causado passa a ser substituída por
composições voluntárias, quando os prejudicados notam as vantagens e conveniências
da compensação econômica. Esta compensação, contudo, ficava a critério da vítima,
que ainda poderia optar pela vingança como forma de reintegração do dano sofrido.
É este o período da Lei das XII Tábuas, que contemplava a Tábua VII, Lei II
com o seguinte preceito: “Si membrum rupit, ni cum eo pacit, talio est”95.
Ou seja, a vingança (vindicta) mantinha-se privada, mas passava a ter
intervenção do poder público. Com o avanço do tempo e das organizações, possibilitou-
se, por meio de uma autoridade soberana, que o legislador vedasse a vítima de ‘fazer
justiça com as próprias mãos’. Assim, as composições, antes voluntárias, passaram a ser
obrigatórias e tarifadas.
É o que se constata na Tábua VIII, Lei III da Lei das XII Tábuas: “Para a
fratura de um osso de um homem, pena de 300 asses, a de um escravo 150 asses”. A
ideia de reparação do prejuízo sofrido passa a tomar o espaço da vingança primitiva.
Conforme expõe Wilson de Melo da Silva, esse período

é quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por morte de um
homem livre ou de um escravo, surgindo, em consequência, as mais
esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de
96
indenizações preestabelecidas por acidente de trabalho .

Somente no Direito Romano é que se passou a observar diferença entre os


conceitos ‘pena’ e ‘reparação’. Neste período, houve a diferenciação entre delitos
públicos e delitos privados. Aquele era considerado mais grave e perturbador da ordem,
por isso, a pena econômica era recolhida aos cofres públicos. Já nesse, o valor
econômico referente à pena aplicada ao réu era dirigido à vítima. O Estado assumiu,

94
“Se houver morte, então pagarás a vida pela vida; olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por
pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe” (COLOMBO, Leonardo A. Culpa
aquiliana (cuasidelitos). 3a ed. Buenos Aires: La Ley, 1965, p. 58.
95
Contra aquele que parte um membro e não entra em acordo, a pena de talião.
96
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte:
Bernardo Álvares, 1962, p. 40.
54

portanto, a função de punir. Quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a
ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade
penal97.
Após se tornar independente da responsabilidade delitual, a responsabilidade
civil passou a ter seus contornos e definições mediante a realização de plebiscito no
período da República, século III a. C., que culminou na promulgação da lei romana Lex
Aquilia 98.
Esta lei se tornou um importante marco, pois determinou o elemento culpa
como fundamental para se configurar o dever de reparar. Além desta importante
transformação na responsabilidade civil, as penas com indenizações tarifadas fixadas
foram substituídas por penas proporcionais aos prejuízos gerados99.
O avanço do Direito Romano foi aperfeiçoado, ainda mais, no período do
Direito Francês e serviu para estabelecer, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

[...] nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o


critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram
sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos
outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve,
separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade
penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas
que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito,
mas se origina da negligência ou da imprudência 100.

A distinção entre culpa delitual e culpa contratual foi inserida no Código de


Napoleão, assim como o claro conceito de que a responsabilidade civil se funda na
culpa. Esta conceituação foi codificada inicialmente no Código Napoleônico para, após,
segundo José de Aguiar Dias101, inserir-se na legislação de todo o mundo.
Assim, a teoria da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (ou seja,
aquela que é configurada em razão de um dano causado com culpa) se constituiu sobre
um critério uniforme no direito ocidental. Conforme aponta Rogério Donnini, tanto a

97
MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Leon. Traité théorique et prtatique de la responsabilité civile,
délictuelle et contractuelle. 3ª ed. Paris: Recueil Sirey, 1938, p. 19.
98
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.10ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997, p. 18.
99
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999, p. 4.
100
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 4: responsabilidade civil. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 26.
101
DIAS. Op. cit., p. 20.
55

França quanto a Inglaterra e os Estados Unidos seguem a fórmula baseada no princípio


neminem laedere, cuja expressão:

é de Ulpiano, no Digesto, I, 1, 10 (ou no 1 reg., ou Inst. I, 1, pr. e 3, 1), e diz


respeito aos primórdios dos princípios gerais do direito: Juris praecepta sunte
haec: honest vivere, alterum non laerdere, suum cuique tribuere (Os
preceitos do Direito são os seguintes: viver honestamente, não prejudicar a
outrem, atribuir a cada um o que é seu). As expressões alterum non laedere e
neminem laedere têm o mesmo significado (“a ninguém ofender”, “não lesar
a outrem”) e servem de fundamento para a teoria da responsabilidade civil 102.

No Brasil, reparação civil passou a ser prevista no Código Civil de 1916,


advindo da transformação do Código Criminal de 1830 em duas codificações: uma civil
e outra penal.
Apesar da distinção nas codificações, a reparação por responsabilidade
extracontratual, numa primeira fase, era condicionada à condenação criminal até que,
posteriormente, com a edição do artigo 1.525 do CC/1916, passou-se a adotar o
princípio da independência da jurisdição civil e da criminal.
O aludido codex de 1916 filiava-se à teoria subjetiva, ou seja, para que se
configurasse a obrigação de reparar, exigia-se prova de culpa ou de dolo advindos do
causador do dano, excetuando-se apenas algumas poucas hipóteses em que a culpa era
presumida (exemplificativamente: artigo 1527 a 1529).
Apesar da resistência dos defensores da teoria subjetiva, a culpa aos poucos
deixou de ser a grande estrela da responsabilidade civil e foi gradativamente perdendo
espaço por meio da edição de leis especiais que imputavam o dever de indenizar
independente de culpa (Lei das Estradas de Ferro, Acidente de Trabalho, Seguro
Obrigatório, Dano ao Meio Ambiente etc.). Nesse cenário, o grande passo na revolução
da responsabilidade civil foi dado pela Constituição de 1988, que, além de estender a
responsabilidade objetiva, tal qual a do Estado, a todos os prestadores de serviços
públicos (§ 6º do seu artigo 37), ainda dispôs expressamente sobre indenização por dano
moral103.

102
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor,
no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011,
p. 29.
103
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
5.
56

Sob a égide dessa Magna Carta, editou-se o Código Civil de 2002, o qual,
segundo Sérgio Cavalieri Filho104, prestigia a responsabilidade objetiva em
contraposição ao codex de 1916, que era subjetivista.
O aludido autor embasa sua afirmação destacando a existência de três cláusulas
gerais de responsabilidade civil objetiva no Código atual: (i) o artigo 187 combinado
com artigo 927, que trata da obrigação indenizatória daquele que comete abuso de
direito, independente de culpa; (ii) o artigo 927, parágrafo único, o qual traz o dever de
indenizar os danos advindos em decorrência do risco da atividade desenvolvida pelo
autor do dano (teoria do risco em contraposição à teoria da culpa); e (iii) o artigo 931, o
qual determina que empresários individuais e empresas respondam pelos danos
causados pelos produtos postos em circulação, independente de culpa.
O mesmo escritor destaca, contudo, que tal conceito não significa dizer que a
responsabilidade subjetiva tenha sido banida:

Temos no Código atual um sistema de responsabilidade prevalentemente


objetivo, porque esse é o sistema que foi modelado ao longo do século XX
pela Constituição e leis especiais, sem exclusão, todavia, da responsabilidade
subjetiva, que terá espaço sempre que não tivermos disposição legal expressa
prevendo a responsabilidade objetiva. Por isso, o Código de 2002 não poderia
deixar de prever uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva. E essa
cláusula está no artigo 927, combinado com o artigo 186.105

O aludido artigo 186 do Codex de 2002 define como sendo ato ilícito a ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência que violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral. Uma vez caracterizada a ilicitude, surge, para
o causador do dano, o dever de reparar, conforme disposto no artigo 927 do Código
atual. Resta evidente nesses dispositivos a prevalência da teoria subjetivista, uma vez
que ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência pressupõem culpa.
Por meio desses dispositivos legais, nota-se a exigência de três elementos
essenciais para a configuração da responsabilidade subjetiva, que serão analisados a
seguir: (i) dano; (ii) culpa e (iii) nexo de causalidade entre o dano e o ato ou omissão
culposa.
De toda forma, sob um prisma pragmático, faz se mister destacar que o
instituto da Responsabilidade Civil é fundamental para garantir a manutenção do

104
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
6.
105
Ibidem., p. 7-9.
57

direito, vez que se constitui como um forte mecanismo para compelir o cumprimento
das normas e das avenças (responsabilidade contratual) em razão de seu viés punitivo,
também chamado de preço do desestímulo. Ao mesmo tempo, o instituto possui um
destacado viés compensador ou reparador, embasado no princípio da reparação
integral, que minora os danos causados por aquele que lesa a outrem – seja por culpa,
seja em razão do risco da atividade (teoria do risco), seja nos casos expressamente
previsto em lei.

4.4.2. Requisitos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva

4.4.2.1. Culpa

A culpa, a depender do dever violado, pode ser contratual, se decorrente do


descumprimento de obrigação assumida contratualmente, ou extracontratual (também
chamada de culpa Aquiliana), que se fundada em ato ilícito. É sobre esta que tratamos
no presente trabalho.
O primeiro elemento crucial para que se configure o dever de indenizar
referido nos artigos 185 combinado com o artigo 927 do Código Civil é a culpa do
agente causador do dano. Com o intuito de definir este elemento, José de Aguiar Dias
ensina que

a culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o


desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com
resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na
106
consideração das consequências eventuais de sua atitude .

Esse mesmo autor esclarece que a culpa ensejadora da responsabilidade civil


comtempla tanto o termo no sentido estrito, quanto o termo no sentido amplo (que
abrangeria também o dolo):

A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da


injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois
elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau
procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende
duas projeções: o dolo, no qual se verifica a vontade direta de prejudicar,
configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia,

106
DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol.1, p. 123.
58

imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no


sentido restrito e rigorosamente técnica107.

No mesmo sentido, Rui Stoco assim dispõe:

Quando existe intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar


prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, pleno conhecimento do mal e o direito
propósito de o praticar. Se não houve esse intento deliberado, proposital, mas
o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência existe a culpa stricto
108
sensu .

A culpa ensejadora da responsabilidade civil seria, assim, a violação de um


dever jurídico de conduta, independente da motivação subjetiva do agente – pois caso a
violação seja intencional estar-se-á diante da culpa em sentido amplo (que abrange o
dolo) e caso não haja o intuito de prejudicar, verificar-se-á a culpa em sentido estrito.
Sérgio Cavalieri Filho, referindo-se ao aludido dever de conduta, esclarece que
“o dever jurídico cuja violação enseja a responsabilidade civil subjetiva é o dever de
cuidado”109.
O autor observa que a lei não prevê – e nem poderia fazê-lo – todas as regras
de diligências a serem obedecidas nas condições concretas de cada situação. Por essa
razão, não havendo normas legais ou regulamentares específicas, o conteúdo do dever
objetivo de cuidado só pode ser determinado por intermédio de um princípio
metodológico – comparação do fato concreto com o comportamento que teria adotado,
no lugar do agente, um homem comum, capaz e prudente.
Segundo esse jurista, o núcleo da conduta culposa consiste na divergência entre
a ação efetivamente praticada e a que deveria ter sido realizada em virtude da
observância do dever de cuidado; dessa forma, haveria na culpa um erro de conduta do
agente por ter violado o dever de cuidado quando, em face das circunstâncias
específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
Em consonância, Agostinho Alvim110 assim dispõe:

107
DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol.1, p. 121-
122.
108
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação
doutrinária e jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 97.
109
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
50.
110
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 247-248.
59

A cada momento e em qualquer lugar o homem se acha sempre em situação


de praticar um ato (ação ou omissão), do qual derive, ou possa derivar, dano
a terceiro, sem que seja possível determinar a norma infringida. Fácil é
imaginar, portanto, que um número infinito de casos não estão, nem podem
estar regulados. Por isso, a ordem jurídica impõe a todos um dever
indeterminado de cuidado, diligência ou cautela a ser observados em cada
caso e nas mais variadas situações.

Fácil observar, nesse ponto, que o zelo e cuidado exigidos têm por finalidade
um só escopo: o de não lesar a outrem. E é este exatamente o conteúdo de um dos
princípios que mais se destaca no instituto da Responsabilidade Civil: o já referido
princípio neminem laedere, o qual, segundo Rogério Donnini,

indica verdadeiro limite, real empecilho à livre ação ou omissão que


prejudique outrem, e abrange não apenas a noção de reparação do dano, mas,
antes de tudo, sua prevenção 111.

Yussef Said Cahali também destaca a importância de tal preceito e assinala: “A


regra neminem laedere insere-se no âmago da responsabilidade civil”112.
Tratado do tema em concreto, conforme se verificará nos capítulos a seguir, os
pais têm diversos deveres para com a prole, dentre eles, o dever de cuidado. Este dever
é transferido para o filho ou filha quando os genitores se tornam idosos.
O descumprimento destes deveres ocasiona diversos danos à higidez
psicológica daquele que teve o cuidado renegado. Em outras palavras, a violação do
dever jurídico de cuidado (que constitui a culpa), ao causar o dano, configura direto
abalo ao princípio neminem laedere, o qual fundamenta a responsabilidade civil.
O embasamento jurídico que sustenta o aludido dever de cuidado dos genitores
com o desenvolvimento da prole e dos filhos com os pais idosos será apresentado em
capítulos próprios.
Vale destacar, ainda, a possibilidade de classificação da culpa quanto ao seu
grau, podendo essa ser grave, leve ou levíssima.
Será grave quando envolve uma crassa desatenção e violação de dever comum
de cuidado relativamente ao mundo no qual vivemos113. Pontes de Miranda a define
com os seguintes termos:

111
DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ªed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 45.
112
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39.
113
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 6.
60

[...] é a culpa magna, nímia, como se dizia, que tanto pode haver no ato
positivo como no negativo, é a culpa ressaltante, a culpa que denuncia
descaso, temeridade, falta de cuidado indispensável. Quem devia conhecer o
alcance do seu ato positivo ou negativo incorre em culpa grave 114.

A culpa leve, por sua vez, ocorrerá: “se a falta puder ser evitada com atenção
ordinária, com o cuidado próprio do homem comum, de um bonus pater famílias”115. E
a culpa levíssima, por fim, se configurará quando o erro, que ocasionou o dano, só
pudesse ser evitado com uma atenção especial e muito concentrada116.
Em resumo, a gravidade da culpa está na maior ou menor previsibilidade do
resultado e na maior ou menor falta de cuidado objetivo por parte do causador do
dano117.
Apesar de o dever de reparar se constituir independentemente da vontade
subjetiva do agente em causar ou não o dano, vale notar que a intensidade do dolo ou o
grau de culpa (se grave, leve ou levíssima) pode influenciar no estabelecimento do
quantum indenizatório. Por essa razão, Yussef Cahali afirma que na liquidação do
dano, é possível levar-se em consideração a gravidade da culpa do demandado118.
Esclarece-se: apesar de, conforme caput do artigo 944 do Código Civil119, o
critério para a fixação da indenização ser medido pela extensão do dano e não pelo grau
de culpa, o parágrafo único120 desse mesmo dispositivo legal reza sobre a possibilidade
de o magistrado reduzir o montante indenizatório se verificada a desproporção da culpa
e o montante do prejuízo. Arnaldo Rizzardo tratando sobre o tema afirma:

Não que seja possível graduar a indenização de acordo com a gravidade da


culpa. Todavia, afigurando-se diminuto o grau de culpa, passou a se admitir a
redução da indenização (...) Não se afigura justo impor uma pesada

114
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,
p. 72.
115
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª edição. São Paulo: Atlas,
2014, p. 53.
116
RIZZARDO, op. cit., p. 6.
117
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
53.
118
CAHALI, Yussef Said. Indenização segundo a gravidade da culpa. In: Revista da Escola Paulista da
Magistratura, São Paulo, 1ª ed., no 1, set/dez de 1996, p. 22.
119
“Artigo 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”
120
“Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz
reduzir, eqiitativamente, a indenização”.
61

condenação por uma falta mínima. Os efeitos dos atos não podem direcionar
sempre o montante da condenação121.

Outra exceção com relação ao arbitramento da indenização ser medido


exclusivamente pela extensão do dano se dá nos casos em que se configura a hipótese de
culpa concorrente. Neste caso, por determinação do artigo 945 da codificação civil, a
indenização deve ser fixada tendo em conta a gravidade da culpa do autor do dano em
confronto com a culpa da vítima. A esse respeito, Luiz Cláudio Silva expressa:

[...] tem-se como concorrente a culpa quando os envolvidos no evento


danoso concorrem para o seu acontecimento. Assim, a responsabilidade é
dividida entre eles, de acordo com a concorrência de culpa de cada um, sendo
os prejuízos experimentados rateados nessa proporcionalidade.”122

Tratando-se das hipóteses de abandono afetivo, para se verificar a culpa, bem


como o grau desta, faz-se necessária a análise de cada caso em concreto. Pode-se supor
a possibilidade de um pai não saber que determinada criança é sua filha, por ter sido
enganado pela mãe da prole. Neste caso, não há culpa do pai, a mãe é que deve arcar
com a responsabilidade, pois foi ela que impossibilitou o relacionamento entre pai e
filho.
Outra hipótese que pode ser vislumbrada é a do pai que comete alienação
parental do filho contra a mãe. Neste caso, o pai contribui (e muito) para o abandono
afetivo do filho pela mãe, em que pese ainda seja dever desta mãe lutar para proteger
seu filho da alienação e manter convivência com a prole. Caso esta mãe se mantenha
inerte e distante da prole, ainda terá culpa pelo dano resultante do abandono afetivo,
porém esta culpa deverá ser compartilhada com o pai alienante.
Ainda é possível imaginar a hipótese de pai que assume sua própria
homossexualidade quando o filho já está adulto, e, por conseguinte, passa a ser rejeitado
por este até ser abandonado quando idoso.
Nesta hipótese, não há nenhuma legitimidade na atitude do filho, que será
culpado pelos danos decorrentes do abandono afetivo que praticou. Entretanto, caso –
hipoteticamente – este filho comprove que buscou meios para superar e saber lidar com
a homossexualidade do pai (com sessões de psicoterapia, por exemplo), a culpa deste

121
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 7.
122
SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade Civil – Teoria e Prática das Ações. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 15.
62

filho será em grau menor em relação ao filho que sequer procurou alternativas para
conseguir aceitar a homossexualidade de seu pai e ampará-lo quando esse for idoso.
Vale, mais uma vez, destacar que apesar de o grau de culpa não dever embasar
o valor da indenização, esta deve corresponder ao dano causado. Poderá, todavia,
justificar a redução do quantum indenizatório se o grau de culpa for desproporcional ao
dano.

4.4.4.2. Dano

O dano é o prejuízo causado. A doutrina, em unanimidade, sustenta que não há


responsabilidade civil se não houver prejuízo. Exatamente por essa razão, o dano é visto
como o pressuposto central do instituto, não cabendo se falar em ato punível sem o dano
causado123.
Esse ponto é claramente observado por meio do caput do artigo 927 da
codificação civil, que estabelece a obrigação de indenizar ao causador do dano, ou seja,
se não for causado dano não há titular da obrigação de reparar.
O dano pode ser patrimonial, moral ou à imagem, conforme discrímen
estabelecido pelo inciso V do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Alguns juristas
elencam ainda o dano físico e o dano estético.
Tendo em vista que o foco do presente trabalho trata sobre dano moral,
realizar-se-á apenas breve pontuação quanto aos demais danos.
O dano patrimonial é aquele que gera ofensa ou diminuição no patrimônio
econômico da vítima. Contemplam-se nesse os danos emergentes e os lucros cessantes.
Tratando sobre essa espécie de prejuízo Carvalho Santos assim escreve:

O verdadeiro conceito de dano contém em si dois elementos, pois se


representam toda a diminuição do patrimônio do credor, é claro que tanto ele
se verifica com a perda sofrida, ou seja, a perda ou diminuição que o credor
sofreu por efeito de inexecução da obrigação – damnum emergens, como
também a privação de um ganho que deixou de auferir, ou de que foi privado
em consequência daquela inexecução ou retardamento – lucrum cessans124.

A obrigação de reparar o dano emergente bem como os lucros cessantes é


expressamente determinada pelo artigo 402 do codex civil, o qual prevê que as perdas e

123
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 14.
124
SANTOS, Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado: principalmente do ponto de vista prático,
12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p. 255.
63

danos contemplam tanto o que se efetivamente perdeu, quanto o que razoavelmente


deixou-se de lucrar.
Dentre os danos patrimoniais, destacam-se os gastos com tratamento de saúde,
bem como os lucros cessantes referentes ao período da recuperação, incidentes em
função de lesão à saúde de outrem. Seria o que Arnaldo Rizzardo125 denomina de dano
físico.
O artigo 949126 do Código do Código Civil dispõe expressamente sobre o dever
de o ofensor indenizar as despesas do tratamento e dos lucros cessantes, a quem tiver
ocasionado lesão ou outra ofensa à saúde, configurando o denominado dano físico.
Conforme Arnaldo Rizzardo127, a expressão “ofensa à saúde” envolve qualquer
alteração orgânica e distúrbios mórbidos que exigem tratamento para a recuperação da
saúde.
A indenização envolveria, assim, todo o dano patrimonial suportado na busca
da recuperação de saúde após o evento danoso, incluindo cirurgias, internações, entre
outros. Além desses custeios, também deve ocorrer ressarcimento pelo autor do dano de
tudo o que a vítima deixou de lucrar no período do tratamento médico.
Caso a vítima sofra redução ou, ainda, impossibilidade laborativa total, a
indenização deverá compreender ainda pensão correspondente à importância do
trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu, como reza o artigo 950
da codificação civil.
A par dos danos patrimoniais, fala-se no chamado dano à imagem. Este integra
a relação dos denominados pelos alemães personalitätesrechte (direitos da
personalidade). Se conceituarmos ‘dano moral’ como sendo ameaça ou violação a um
direito da personalidade, observaremos que o dano à imagem integra o rol dos danos
morais.
Contudo, há danos que podem gerar ao mesmo tempo prejuízos materiais (de ordem
pecuniária), à imagem (abalando a reputação da vítima), bem como outros prejuízos de
ordem moral (causando à vítima danos à esfera íntima, que lhe atingem a personalidade).
Por esta razão é que o referido dispositivo constitucional se refere tanto ao dano moral, como

125
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 217.
126
Artigo 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do
tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o
ofendido prove haver sofrido.
127
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 215.
64

o dano à imagem. Esta mesma distinção é efetivada na Constituição espanhola (artigo 18)
e também no Texto Constitucional Português (artigo 26º).

A imagem se traduz por um conceito abstrato e multiforme, que resulta de um


conjunto de traços e características que individualizam um determinado sujeito. Envolve
o aspecto físico, mas principalmente o caráter reputacional. Por essa razão o dano à
imagem é associado às hipóteses de uso indevido de imagem e não a danos físicos.
Quando o dano à imagem for acompanhado de lesão física aparente, estar-se-á diante
do chamado dano estético. Ou seja, o ‘dano à imagem’ aludido no artigo 5º da
Constituição Federal difere-se do chamado ‘dano estético’.
Conforme ensina Arnaldo Rizzardo, o dano estético se configura com presença
de duas características simultaneamente: com a deformidade física ou a carência de um
órgão ou sentido, e com o lado moral do indivíduo, que se sente diminuído na
integridade corporal e na estética de sua imagem externa128.
Diversos autores, como Rui Stoco, Yussef Said Cahali e Caio Mário da Silva
Pereira129, defendem que o dano estético integra o dano moral: “o conceito de dano
estético está intimamente ligado ao do dano moral, tendo em vista que aquele acarreta,
sempre, prejuízos morais e, às vezes, também prejuízos materiais ou patrimoniais”130.
Para Stoco, a condição sine qua non à caracterização do dano estético, que
justifica que se indenize por dano moral, é a ocorrência de efetiva e permanente
transformação física da vítima, que já não teria a mesma aparência que tinha131.
Yussef Cahali, por sua vez, entende que é possível cumular o pleito por dano
moral e dano estético, ainda que este seja uma das espécies daquele. Isto porque:
[...] todo dano estético, na sua amplitude conceitual, representa um dano
moral, devendo como tal ser indenizado; mas o dano moral consequente das
lesões à integridade físico-psíquica do ofendido não se exaure nas
repercussões do dano estético vinculado à deformidade permanente” 132.

128
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 223.
129
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 321.
130
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999, p. 669.
131
Ibidem., p. 669.
132
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 256.
65

Sem discordar desta ideia, o Superior Tribunal de Justiça sumulou


entendimento de que “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano
moral” (Súmula 387).
A justificativa para a dupla indenização resta bem aclarada em decisão
proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

O dano moral é aquele que invade a psique do indivíduo, tais como a dor, o
sofrimento, a humilhação, o constrangimento, o vexame e outros, enquanto o
dano estético abala o corpo físico, o visível, a deformidade, o aleijão, a
cicatriz, a repulsa que pode causar àqueles que, sem sentimento e respeito,
expõem ao lesado a sua repugnância. A diferença é notória, pois não guarda
qualquer semelhança à violação da honra – princípio que norteia o caráter, a
honestidade, a dignidade – com o aleijão, a deformidade e as cicatrizes,
ressaltando, ainda, que o tempo se encarrega de fazer a vítima superar a
primeira, enquanto a segunda se perpetua até a morte133.

Do julgado se extrai ainda uma importante observação: para se falar em


indenização por dano estético é necessário que a deformidade seja permanente. Caso
contrário, se estará diante de indenização por dano material concernente nos custos para
a correção da lesão aparente.
Em outras palavras, para que exista dano estético é necessário que a lesão que
enfeiou determinada pessoa seja duradoura, caso contrário não se poderá falar em dano
estético propriamente dito (dano moral), mas em atentado reparável à integridade física
ou lesão estética passageira que se resolve em perdas e danos habituais134.
A indenização pelo dano estético seria, assim, para ressarcir todo o sofrimento
e dor física que a vítima enfrentaria pela permanente mutilação em seu corpo, seja uma
cicatriz, seja por estar mancando, seja por estar com um membro a menos – o que sem
dúvida dificulta os relacionamentos e diminui as oportunidades sociais.
Já a indenização pelo dano moral se daria em função da mácula ao direito da
personalidade da vítima, que sofre, além do abalo físico, lesão psicológica consistente
na vergonha e sentimento de inferioridade quando se compara ao que era antes do
evento danoso.

4.4.2.4.1. Dano moral

133
TJRJ, Apelação n. 2001.001.08334, 11ª Câmara Cível, ADCOAS 22/344.
134
MAGALHÃES, Tereza Ancona Lopes. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.
17-18.
66

A aplicação plena do instituto dos danos morais como se tem atualmente só foi
possível após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Antes desta, é possível
verificar uma evolução doutrinária e jurisprudencial tímida iniciada com a
responsabilidade civil nas estradas de ferro, por meio do artigo 21 do Decreto n. 2.681
de 7 de junho de 1912135, o qual previa o dever de o juiz arbitrar ‘indenização
conveniente’, além dos lucros cessantes e despesas com tratamento, para o caso de lesão
corpórea ou deformidade.
Com a promulgação do Código Civil de 1916, novos dispositivos passaram a
trazer à baila a ideia de dano moral. O artigo 76136 era um destes, vez que apresentava
como requisito para propositura ou contestação de ação, o interesse econômico ou
moral.
Caio Mário da Silva Pereira137 aponta também a previsão de hipóteses
casuísticas que sugeriam a indenização por danos extrapatrimoniais por meio dos
artigos 1.538, caput138 (que tratava de ofensa corpórea que resultasse em lesão ou
deformidade), 1.547 e 1.548139 (referentes à previsão de indenização por ofensa à honra
de alguém). O autor ainda destaca que o artigo 159140 abordava a responsabilidade
aquiliana e dispunha sobre a possibilidade de reparação de qualquer dano, não limitando
a hipótese de indenização apenas quanto aos danos materiais.

135
“Artigo 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras
circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o
tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente”.
136
“Artigo 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse econômico, ou
moral.
Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou á sua
família”.
137
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. 8ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1986, p. 321-322.
138
“Artigo 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, indenizará o ofensor ao ofendido as
despesas do tratamento e os lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a
importância da multa no grão médio da pena criminal correspondente”.
139
“Artigo 1547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte
ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no
grão máximo da pena criminal respectiva (artigo 1.550).
Artigo 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não
quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à condição e estado da ofendida: I. Se,
virgem e menor, for deflorada.
II. Se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças.
III. Se for seduzida com promessas de casamento.
IV. Se for raptada”.
140
“Artigo 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito,
ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
67

Além do Código Civil de 1916, Fábio Ulhoa Coelho141 traz alguns diplomas
esparsos que também passaram a mencionar especificamente a possibilidade de
indenização por danos morais, quais sejam: Código Brasileiro de Telecomunicações
(1962), a Lei de Imprensa (1967), o Código Eleitoral (1965) e a Lei dos Direitos
Autorais (1973).
Apesar das referidas previsões legais, a aceitação da ideia de reparação por
dano moral tinha pouca adesão nos Tribunais. Inicialmente, alegava-se que o dano
moral não poderia ser auferível e nem ressarcido de forma pecuniária. Sobre esta fase da
irreparabilidade, Sérgio Cavalieri Filho expõe142:

Numa primeira fase negava-se ressarcibilidade ao dano moral, sob


fundamento de ser ele inestimável. Chegava-se, mesmo, ao extremo de
considerar imoral estabelecer um preço para a dor. Aos poucos, entretanto,
foi sendo evidenciado que esses argumentos tinham por fundamento um
sofisma, por isso que não se trata de ‘pretium doloris’, mas de simples
compensação, ainda que pequena, pela tristeza injustamente infligida à
vítima.

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que foi


estancada a discussão sobre a possibilidade de se determinar a reparação por dano
moral; isto porque, a reparabilidade por dano moral foi expressamente exposta nos
incisos V e X do artigo 5º da Carta Magna.
Como ensina Yussef Said Cahali:

Finalmente, a Constituição de 1988 cortou qualquer dúvida que pudesse


remanescer a respeito da reparabilidade do dano moral, estatuindo em seu art.
5º, no item V, que ‘é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’; e. no
item X, que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
143
decorrente de sua violação” .
Entretanto nova discussão surgiu: quanto à possibilidade ou não de se cumular
indenização por danos morais e materiais ocasionados por um mesmo fato.
O entendimento majoritário era pela impossibilidade de cumulação, sob o
argumento de que o dano moral já estaria contemplado no dano material. A Suprema

141
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2. 6ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2014, p. 428.
142
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
119.
143
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53-54.
68

Corte, por sua vez, exarou entendimento quanto à possibilidade de cumulação de


indenização por dano moral e material, desde que pleiteados pela própria vítima144.
Acerca desta segunda fase, em que se discutiu a cumulação de danos morais e materiais,
Sérgio Cavalieri Filho145 escreve:

Passou-se então, numa segunda fase, a admitir o ressarcimento do dano


moral, desde que autonomamente, isto é, não cumulado com o dano material.
O argumento, agora, era o de que o dano material absorve o moral, afastando,
nesse caso, a sua reparação. Também aqui, com a devida vênia, fundava-se o
argumento em um sofisma. Em inúmeros casos, o ofendido, além do prejuízo
patrimonial, sofre também dano moral, que constitui um ‘plus’ não abrangido
pela reparação material. E assim é porque o dano material, conforme já
demonstrado, atinge bens do patrimônio da vítima, enquanto o dano moral
ofende bens da personalidade”.

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 37146 pondo fim a
qualquer dúvida sobre a possibilidade de cumulação das indenizações por dano material
e moral referentes a um mesmo fato. Além disto, a admissão da reparabilidade por dano
moral passou a ser expressa também no artigo 6º, inciso IV do Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990) e no artigo 186 do Código Civil
de 2002.
A resistência quanto à aplicação do dever de indenizar o dano moral causado
passou, em seguida, a se manifestar nos assuntos relacionados ao Direito de Família.
Os argumentos consistiam em sustentar que as regras morais impediriam o
litígio por atos ilícitos cometidos no seio da família147; que não seria possível o
tabelamento do amor, pois o Direito de Família pertence a uma ramificação especial do
Direito Privado, sem espaço para a incidência da reparação pecuniária148; e ainda que a
perfilhação da responsabilidade civil na família faria com que os seres humanos se
paralisassem por receio de incidirem em dano moral a alguém149.

144
Neste sentido: RE 95.103 (RTJ 108/646); 100.297 (RTJ 110/342); 89.558 (RTJ 89/660), entre outros.
145
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed.. São Paulo: Atlas, 2015, p.
120.
146
STJ, Sum. 37: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo
fato.
147
GUITIÁN, Alma María Rodríguez. Responsabilidade civil en el Derecho de Familia: Especial
referencia al ámbito de las relaciones paterno-filiales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2009, p. 33.
148
CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no Direito de Família. Curitiba: Juruá, 2002,
p. 299.
149
PEREIRA, Sérgio Gischkow. O dano moral no direito de família: O perigo dos excessos capazes de
repatrimonializar as relaçãoes familiares. In:LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes temas da
69

Com relação ao último argumento, é realmente necessário que as pessoas se


preocupem em refletir suas atitudes para não causar dano a outrem. Inclusive, esta é
uma das consequências da responsabilidade civil que gera aplicabilidade ao princípio
neminem laedere. Já no que concerne à ideia de que não seria possível a incidência no
Direito de Família do dever de indenizar pecuniariamente danos morais causados,
verifica-se que não há nenhuma disposição jurídica neste sentido. O preceito é,
meramente, o de reparar o dano causado por ato ilícito, independentemente de a relação
ser entre familiares. Além disto, o sistema jurídico é autopoiético, ou seja, possui as
suas próprias regras de aplicabilidade, não sendo possível evitar a aplicação de regras
jurídica da responsabilidade civil por supostas regras morais prevendo a não incidência
no direito de família.
Nenhum dos argumentos contrário à aplicação do instituto prosperou. E a
responsabilidade civil por danos morais passou a incidir também no direito de família.
No entendimento de Graciela Medina150, a doutrina e os precedentes
jurisprudenciais afastaram a ideia de não serem reparáveis os danos causados entre
integrantes de uma família, em razão de os princípios clássicos da responsabilidade civil
sofrerem sensível evolução. Da mesma forma se avançou nas concepções
contemporâneas no Direito de Família por influência dos princípios constitucionais de
valorização do ser humano. Assim, a evolução do Direito de Família conduziu à
supremacia da personalidade e à autonomia da pessoa diante de seu grupo familiar, não
existindo qualquer prerrogativa doméstica a permitir possa um membro de uma família
causar dano doloso ou culposo a outro membro da família e se eximir de responder em
virtude de vínculo familiar.
Não se fala, atualmente, em exclusão do instituto da responsabilidade civil em
razão de as partes serem familiares. A regra jurídica é a de aquele que causa dano a
outrem comete a ato ilícito e fica obrigado a indenizar. Esta regra é a que tem sido
aplicada inclusive no Direito de Família, campo que verifica a ocorrência de diversos
danos morais, como destaca Arnaldo Marmitt:

No direito de família abundam os valores imateriais indenizáveis. É terreno


fértil da violência familiar, que por sua força e insuportabilidade já não mais
pertence oculta aos olhos dos outros. Com frequência exsurgem lesões graves

atualidade, dano moral, aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas.. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 408.
150
MEDINA, Graciela. Daños em el Derecho de Familia. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2002, p. 21.
70

dessa área do Direito. São os prejuízos morais resultantes de vulneração de


virtudes de personalidade, dos atributos mais valiosos da pessoa, sua riqueza
interior, de sua paz jurídica (...). A ofensa a esses bens superiores gera o dano
151
moral ressarcível .

No que se refere à definição de dano moral, este foi visto, por longo período,
como sendo dor, sofrimento, aflição ou vergonha por grande parte da doutrina nacional
e alienígena. Em 1917, Alfredo Minozzi152 assim explicava o dano moral: “é a dor, o
espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa
sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais largo significado”.
No mesmo sentindo era que, em 1939, René Savatier153 tratava do aludido
instituto:
[...]qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade
legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio
estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.

Tais definições foram acompanhadas por Agostinho Alvim154, Rafael Durán


Trujilo155, Henri de Page156, Brugi157, Gabba158, Lafaille159, Demogue160, dentre outros.
Entretanto, o enquadramento dos danos morais neste sentido acarreta, como
consequência, a não contemplação, no conceito deste dano, de diversas lesões a direitos
da personalidade que não resultem em dor ou aflições em geral161.

151
MARMITT, Arnaldo. Dano moral. Aide: Rio de Janeiro, 1999. p. 113.
152
MINOZZI, Alfredo. Studio sul Danno Non Patrimoniale: Dano Morale, 3ª ed. Milano: Società
Editrice Libraria, 1917, p. 41 : “il dolore, lo spavento, l’emozione, l’onta, lo strazio físico o morale, in
generale una dolorosa sensazione provata dalla persona, atribuendo ala parola dolore il più largo
significato”.
153
SAVATIER, René. Traité de La Responsabilité Civile en Droit Français. Tome I. Paris: Librairie
Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939, p. 11, livre tradução.
154
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5ª ed. São Paulo: Saraiva,
1980, p. 157.
155 TRUJILLO, Rafael Durãn. Nociones de responsabilidade civil. Bogotá: Temis, 1957, p. 82.
156 PAGE, Henri de. Traité élémentaire de droit civil belge. Vol. 2. 2ª ed. Bruxelles: Émile Bruylant ,
1948, p. 951.
157 BRUGI, Biagio. Istituzioni di diritto civile italiano. 4ª ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1905, p.
570 e 571
158
GABBA, Carlo Francesco. Dizionario pratico di diritto privato, fondato da Scialoja. Milano: Diretto
da Bonfante, 1952, p. 543.
159
LAFAILLE, Hector. Derecho civil, Tratado de las obligaciones. Tomo I, Buenos Aires: Ediar, 1947,
p. 288.
160
DEMOGUE, René. Traité des obligations en general. Vol. 4. Paris: Librairie Athur Rousseau, 1928, p.
403.
71

Por esta razão, é o que o dano moral tem sido definido como sendo qualquer
lesão ou ameaça a direito da personalidade162. A respeito, ensina Eduardo Zannoni:

O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a


humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses
estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do
dano. A dor que experimenta os pais pela morte violenta do filho, o
padecimento ou complexo de quem suporta um dano estético, a humilhação
de quem foi publicamente injuriado são estados de espírito contingentes e
variáveis em cada caso, pois cada pessoa sente a seu modo. O direito não
repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem
decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria
interesse reconhecido juridicamente. Por exemplo: se vemos alguém
atropelar outrem, não estamos legitimados para reclamar indenização, mesmo
quando esse fato nos provoque grande dor. Mas, se houver relação de
parentesco próximo entre nós e a vítima poderão reclamar a reparação
pecuniária em razão de dano moral, embora não peçam um preço para a dor
que sentem ou sentiram, mas, tão-somente, que se lhes outorgue um meio de
163
atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica por eles sofrida .

Exatamente neste sentido é que dispôs o Tribunal de Justiça da Argentina:

La reparación del daño moral no se limita al ‘dolor’ y al ‘sufrimiento’, sino


que debe abarcar el conjunto de repercusiones extrapatrimoniales
desfavorables164. (...) Todo cambio disvalioso del bienestar psicofísico de una
persona por una acción atribuible a otra configura un daño moral 165.

O Brasil também adotou esta direção para o conceito e assim foi disposto no
Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil: “O dano moral indenizável não pressupõe

161
ANDRADE, André Gustavo C. de. A evolução do conceito de dano moral, Revista Forense, vol. 375,
set-out. 2004, p. 16.
162
Neste sentido, Rogério Donnini explica que:“Condicionar o arbitramento de danos morais à dor, ao
sofrimento e à aflição da vítima ou de seus parentes, consiste em descaracterizar e restringir os direitos
da personalidade, uma vez que os danos extrapatrimoniais podem não ser necessariamente vinculados a
esses sentimentos. Apenas exemplificando, a mera veiculação da imagem de uma pessoa, sem a sua
concordância, por si só, já transgride esse direito da personalidade, independentemente de qualquer
sofrimento. Na mesma direção, o abalo de crédito, mesmo que não cause maiores aflições ao ofendido,
propicia uma reparação pelo dano causado”(DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-
modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Ed., 2015, p. 155.)
163
ZANNONI, Eduardo. El dano em la responsabilidad civil. Buenos Aires: Astrea, 1982, p. 234 e 235.
164
Argentina, CNCiv., Sala H, 29/10/99, ED, 190-385.
165
Argentins, Cám.1ª Cív. Y Com. La Plata, Sala III, 24/6/97, ED, 174-220.
72

necessariamente a verificação de sentimentos humanos desagradáveis como dor ou


sofrimento”166
A consequência deste entendimento é: toda circunstância que atinja o ser
humano em sua dignidade, será automaticamente considerada como causadora de dano
moral a ser reparado; tal posição é sustentada tanto por Maria Celina Bodin de
Moraes167 quanto por Sérgio Cavalieri Filho168.
Com efeito, verifica-se que o dano moral surge a partir da transgressão a
qualquer direito da personalidade:

A cláusula geral da dignidade humana, na realidade, emana para as relações


de Direito Civil e os direitos da personalidade exercem função primordial,
mesmo porque, além da prevenção de danos à pessoa (art. 12 do CC), é a
partir da violação desses direitos que surge o dever de repará-los, mediante a
fixação de uma quantia indenizatória. Em outras palavras, o dano moral
aparece a partir da transgressão a qualquer direito da personalidade 169.

O direito de personalidade, por sua vez, deve ser visto como “um círculo de
direito necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada
pessoa”170. Ou, como ensina Rubens Limongi França: “direitos da personalidade dizem-
se faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito,
bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior”171.
Outra consequência da aludida conceituação de dano moral é apresentada por
Yussef Said Cahali, o qual, ao concluir que os danos morais tratam de lesões a direito
da personalidade, ensina que não há como apresentar classificação ou enumeração
exaustiva dos danos morais:

no que se atrela a reparabilidade do dano moral ao direito da personalidade


lesado, inviabiliza-se desde logo uma enumeração exaustiva dos danos

166
Autor do enunciado: Felipe Teixeira Neto. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-
Coedi/jornadas-cej/v-jornada-direitocivil/VJornadadireitocivil2012.pdf/at_download/file> acesso em
20.05.2016.
167
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 181-188.
168
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.
132-133.
169
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção,
enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015, p. 154.
170
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 209.
171
FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 1025.
73

morais possíveis, como também se tem como dificultosa qualquer tentativa


de sua classificação172.

Isto porque os direitos da personalidade são revestidos de proteção


constitucional por meio de “regras fundamentais, de caráter geral, de proteção à pessoa
como ser humano na sua amplitude conceitual: dignidade, liberdade de manifestação de
pensamento, inviolabilidade de intimidade, da vida privada, da honra e da imagem”173.
Da mesma forma que a sociedade muda a ideia do que deve ser juridicamente
protegido, o conceito de dano se altera com o tempo, pois não se trata de conceito dado,
mas sim construído, como ensina Judith Martins Costa174.
A ideia de dano, como ensina a referida autora, sofre variações por influência
dos avanços da psicanálise, pela mudança social provocada com a propagação da
internet, entre outros fatores que impulsionam a mudança de concepção dos interesses
que podem ser violados.
E foi o avanço da psicanálise, juntamente com o espírito social de valorização
do ser humano, que trouxe à baila a percepção sobre a violação a direito da
personalidade (dano moral) sofrido por aquele que é abandonado imaterialmente pelo
progenitor que não detém a guarda, ou, no caso dos idosos, pelo filho adulto que ignora
os pais, arcando apenas com questões materiais.
Em outras palavras: a evolução social, juntamente com estudos da psicanálise,
é que permitiu enxergar o dano moral afetivo que sofre o ser humano em
desenvolvimento que é abandonado imaterialmente pelos pais, ou que suporta o ser
humano idoso que é esquecido pelos filhos, os quais apenas efetivam cuidados com
aspectos materiais.

4.2.3. Nexo causal

O terceiro pressuposto para a configuração da responsabilidade civil subjetiva é


a existência de nexo causal entre o dano sofrido e a conduta culposa. Ou seja, o dano
deve ser resultado da ação ou omissão praticada com culpa por aquele que será
responsabilizado pelo dever indenizatório (causador do dano).

172
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 59.
173
Ibidem., p. 62.
174
MARTINS-COSTA, Judith. Os Danos à Pessoa no Direito Brasileiro e a Natureza da sua Reparação,
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001, p. 187-190.
74

Existem seis teorias que se propõem a apontar o causador do dano:


(i) Teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non:
considera, para fins de responsabilização, todas as causas que
contribuíram de alguma forma para a ocorrência do dano. Conforme
aponta Rogério Donnini, trata-se de teoria que deve ser rechaçada por
tornar ilimitado o dever de reparar, pois seria a hipótese de
responsabilizar quem vendeu um produto qualquer utilizado para a
prática de lesão corporal175.

(ii) Teoria da causa própria ou da última condição: responsabiliza apenas o


autor da última causa que contribuiu para a efetivação do dano. Também
é criticada essa abordagem, pois, dentre a cadeia causal, nem sempre a
última etapa é, de fato, a determinante na causa do dano.

(iii) Teoria da condição eficiente: busca, dentre todas as causas do dano,


aquela que foi a mais importante para a ocorrência do evento danoso. A
crítica que se apresenta é quanto à subjetividade para se apontar a causa
‘mais importante’.

(iv) Teoria do escopo da norma violada: relaciona o nexo causal com a


proteção jurídica contida no bojo da norma violada.

(v) Teoria do dano direto e indireto: busca responsabilizar o agente apenas


pelos danos ocorridos em decorrência de ações imediatas e diretas desse.
Afastaria, assim, o dever de este agente reparar os danos advindos
secundariamente e não diretamente de seu ato.

(vi) Teoria da causa adequada: por meio de um juízo de probabilidade e


previsibilidade, busca responsabilizar aquele que realizou a conduta mais
adequada para a configuração do dano. Ou seja, a causa deve ser
relevante para gerar o dano, de acordo com as regras de experiência e as

175
DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 37.
75

circunstâncias conhecidas do agente ou passíveis de serem conhecidas


por uma pessoa normal no momento da prática do resultado danoso176.

A jurisprudência vale-se, ao mesmo tempo, e dependendo do caso concreto,


das diversas teorias, não existindo a prevalência de um só caminho para se apontar o
nexo causal.
Essa flexibilização do nexo de causalidade se dá pela busca da efetiva justiça
distributiva, que visa à reparação integral do lesado em consonância com o princípio da
solidariedade, o qual se instrumentaliza em função do princípio da dignidade humana,
tratado em capítulo anterior.
O nexo de causalidade a justificar o dever de indenizar o abandono imaterial
(ou afetivo) será demostrado nos próximos itens que tratam sobre as consequências
danosas que o inadimplemento das obrigações paterno filiais de cuidado causa aos
filhos em desenvolvimento ou aos pais idosos.

4.5. Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto

A responsabilização civil por abandono afetivo é assunto de ventilação recente


no Direito, e se configura como uma das consequências da busca pela valorização do ser
humano, de maneira que não se verificava em períodos anteriores.
O preceito da igualdade entre homens e mulheres, e princípios como os já
aludidos da solidariedade e o da dignidade humana, notadamente expostos na Carta
Magna de 1988, impulsionam o escopo por uma sociedade livre, justa, igualitária e
acima de tudo que tenha como prioridade máxima o bem-estar coletivo e individual de
cada ser humano em suas capacidades físicas, psíquicas e moral.
Como ensina Paulo Lôbo, quando trata de tema relacionado às crianças e
adolescentes:

[...] a assunção de deveres fundamentais em face da criança resulta de seu


reconhecimento como sujeito de direitos próprio. A responsabilidade com a
sua formação integral, em respeito à sua condição de pessoa em
desenvolvimento, é muito recente na história da humanidade. A concepção
então existente de pátrio poder era de submissão do filho aos desígnios quase

176
DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 38.
76

ilimitados do pai; a criança era tida mais como objeto de cuidado e correção
do que como sujeito próprio de direitos177.

Somente com essa mudança de valores é que foi permitido enxergar o tema
atinente à reparação pelos danos causados em decorrência do abandono afetivo. Nesse
contexto, destaca-se a substituição do denominado “pater familias” pelo atual “poder
familiar”.

4.5.1. Transformação do pater familias em poder familiar

Conforme já relatado brevemente, o pater familias é figura originária do


Direito Romano e se referia à autoridade do ‘pai de família’ que exercia incontestável
chefia dentro de sua casa. Por ser o senhor absoluto do lar, todos lhe deviam obediência,
fosse a esposa, os filhos, netos, irmãos, clientes, libertos, escravos e as pessoas
colocadas in mancipio178. O chefe da família detinha o jus vitae et necis, que era o
direito sobre a vida e a morte do filho.
Graças à influência do cristianismo sobre o Estado Romano, com o decorrer do
tempo restringiram-se os poderes outorgados ao chefe de família, que não podia mais
expor o filho (jus exponendi), matá-lo (jus vitae et necis) ou entregá-lo como
indenização (noxae deditio)179.
No Brasil, verificou-se durante o período colonial, sob as Leis e Ordenações de
Portugal, a absoluta autoridade do pater familia sobre a esposa e filhos (além dos
escravos, como já elucidado anteriormente). No texto do Código Civil não vigorado de
Augusto Teixeira de Freitas cogitou-se até em possibilitar que o pai, a fim de castigar o
filho, requeresse autorização judicial para a detenção da prole por até quatro meses na
casa correncial180.
A autoridade do pai sobre o filho só passou a assumir caraterísticas de direito
protetivo após a influência do Cristianismo, o qual instigou que se atribuísse aos pais,
por meio de uma imposição de ordem pública, a responsabilidade por zelar pela
formação integral dos filhos181.

177
LÔBO, Paulo. Direto civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51.
178
ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder. São Paulo: Leud, 1978, p. 19-23.
179
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 418.
180
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676.
181
GONÇALVES, op. cit., p. 418.
77

O termo “pátrio poder” foi mantido até a codificação civil de 1916. Contudo,
tal expressão induzia a noção de um poder do pai sobre os filhos, apresentando-se de
forma incoerente com a igualdade dos cônjuges, e sendo contrário à doutrina da
proteção integral dos filhos como sujeitos de direitos. Por essa razão, houve, no Código
Civil de 2002, a substituição da denominação para que passasse a ser “poder familiar”182
– expressão que esclarece a noção de autoridade pessoal e patrimonial tanto do pai,
quanto da mãe na condução prioritária dos interesses da prole183.
Dessa forma, como elucida Carlos Roberto Gonçalves, o atual poder familiar
deve ser visto da seguinte forma:

Modernamente, graças à influência do Cristianismo, o poder familiar


constitui um conjunto de deveres, transformando-se em instituto de caráter
eminentemente protetivo, que transcende a órbita do direito privado para
ingressar no âmbito do direito público. Interessa ao Estado, com efeito,
assegurar a proteção das gerações novas, que representam o futuro da
sociedade e da nação. Desse modo, o poder familiar nada mais é do que um
múnus público, imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro
de seus filhos. Em outras palavras, o poder familiar é instituído no interesse
dos filhos e da família, não em proveito dos genitores em atenção ao
princípio da paternidade responsável insculpido no artigo 226, §7º da
184
Constituição Federal .

Resta cristalino, assim, que a busca por satisfazer os anseios daquele que era
tido como o chefe, a autoridade máxima da entidade familiar (pátrio poder) foi
substituída pelo anseio em se propiciar uma célula capaz de desenvolver seres humanos
dignos e íntegros – tanto fisicamente quanto emocionalmente. Ou seja, houve uma forte
mudança de foco: a autoridade absoluta do homem foi trocada pela igualdade entre
gêneros em busca do bem-estar familiar, sobretudo das crianças e adolescentes.
É nesse mesmo sentido que Paulo Lôbo discorre sobre a transição do instituto:

Ao longo do século XX, mudou substancialmente o instituto, acompanhando


a evolução das relações familiares, distanciando-se de sua função originária –
voltada ao interesse do chefe da família e ao exercício de poder dos pais
sobre os filhos – para constituir um múnus, em que ressaltam os deveres 185.

182
O projeto do Estatuto das Famílias prefere utilizar a denominação “autoridade parental” a fim de fugir
da ideia de ‘poder’, pois em verdade trata-se de múnus público, com mais ‘dever’ do que ‘poder’.
183
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 677.
184
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 418.
185
LÔBO. Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.
78

Arnaldo Rizzardo também anota essa mudança e dispõe sobre o fato de outrora
se verificar que o poder do pai, e não do pai e da mãe, era absoluto, a ponto de manter
quase uma posição de senhor com amplos direitos de tudo decidir e impor; agora,
contudo, chegou-se em um momento histórico de igualdade praticamente total entre os
membros da família, onde a autoridade dos pais é uma consequência do diálogo e
entendimento, e não de atos ditatoriais ou de comando cego186.
Em complemento, Ana Carolina Teixeira observa que

o conteúdo do poder familiar mudou porque também se transformou a


relação parental, que, hoje, é pautada no afeto. No âmbito de uma família
solidarista, o autoritarismo cedeu espaço à afetividade. A autoridade é
187
conjugada com o amor” .

A aludida evolução também é referida por Maria Helena Diniz, a qual anota:

[...] a família sofreu um processo de democratização, constituindo-se numa


comunidade ou instituição convivencial, regida pelos laços da afetividade,
liberdade e respeito, buscando a realização plena de todos os seus
188
membros .

Tal alteração possibilitou se falar em indenização por abandono afetivo dos


filhos menores praticados pelo genitor que não detêm a guarda. Afinal, se o escopo
anterior era a satisfação dos interesses do homem chefe de família, não cabia se falar em
responsabilizá-lo por ignorar necessidades afetivas da prole.
Sem discordar, Rolf Madaleno anota:

O pai era o patrão dos filhos e deles tinha o direito de exigir obediência e
respeito, e seria inimaginável pensar em impor qualquer espécie de dano por
agravo moral intrafamiliar, em um contexto de absoluta hierarquia e de
incontestável subordinação ao provedor da família, que estava habilitado por
lei e pela realidade sociofamiliar a exercer com exclusiva a sua autoridade.
Uma nova legislação brasileira passou a valorizar o indivíduo dentro do
núcleo familiar e a tutelar a dignidade humana da pessoa (...)Os tempos
remodelaram a estrutura familiar e nos dias de hoje, não existe mais espaço
para modelos que outorguem ao pai a livre decisão de se ausentar como
genitor, porquanto a família tem como essência e razão de existência a sua
comunhão espiritual, onde mulher e homem trabalham em igualdade de

186
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 541.
187
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, Guarda e Autoridade Parental. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 129.
188
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 30ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 625.
79

direitos, princípios, valores e oportunidades, em uma atmosfera que visa o


189
crescimento e a fortificação da unidade familiar.

4.5.2. Conteúdo do poder familiar

Determina o artigo 1.630 da codificação civil de 2002 que “os filhos estão
sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. A menoridade cessa aos 18 anos
completos, conforme artigo 5º do CC; por isso, extingue-se nessa idade o poder
familiar, ou antes, se configurada alguma das hipóteses aludidas no parágrafo único190
desse dispositivo legal.
Além das disposições previstas no código civil (artigos 1.630 a 1.638), o
instituto do poder familiar também é tratado pelo Estatuto da Criança e Adolescente
(Lei n. 8.069/1990) por meio dos artigos 21 a 24, que se referem ao direito à
convivência familiar e comunitária, e também dos artigos 155 a 163, os quais dispõem
sobre os procedimentos relativos à perda e à suspensão do poder familiar. A gênese do
poder familiar, contudo, encontra-se, como ensina Rolf Madaleno191, no já referido
artigo 229 da Constituição Federal.
Maria Helena Diniz define o poder familiar como um conjunto de direitos e
obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em
igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos
que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho 192.
Washington de Barros Monteiro conceitua o instituto como

o conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no tocante à pessoa e bens dos


filhos menores. Debaixo de seu manto protetor, colocam-se todos os filhos

189
MADALENO, Rolf. O custo do abandono afetivo. Disponível em
<http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/conteudo.php?id=943>. Acesso em 08. mar. 2017.
190
Artigo 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de
todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver
dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em
função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
191
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 681.
192
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 30ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 624.
80

menores, sem exceção, seja qual for a sua categoria: legítima, legitimados,
193
legalmente reconhecidos e adotivos .

Paulo Lôbo, por sua vez, aponta que o poder familiar é o exercício dos pais
sobre os filhos, no interesse destes e configura uma autoridade temporária, exercida até
a maioridade ou emancipação dos filhos194.
Conforme artigo 21 do ECA195, podemos afirmar que o poder familiar é
poder/dever a ser exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, os quais
possuem, como reza o artigo 22 do ECA196, responsabilidades compartilhadas no
cuidado e na educação da criança, bem como no sustento e na guarda. Desta forma, é
atribuído, pelo artigo 1.634 do codex civil, aos pais, qualquer que seja a sua situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar, cabendo aos genitores em relação aos
filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;


II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência
permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos
pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos,
nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua
idade e condição.

193
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito de Família. 38ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 276.
194
LÔBO. Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.
195
Artigo 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma
do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância,
recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
196
Artigo 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes
ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades
compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão
familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído
pela Lei 13.257, de 2016)
81

Vale destacar ainda que o ‘poder familiar’ abrange dois aspectos: o pessoal e o
patrimonial. Aquele se refere ao direito-dever de guarda, educação e correição; ao passo
que esse contempla a administração e usufruto dos bens dos filhos197.
O usufruto e administração dos bens dos filhos pelos pais são inerentes ao
poder familiar e decorrem, respectivamente, dos incisos II e I do artigo 1.689 do Código
Civil. Sílvio Venosa198 esclarece que esse usufruto é irrenunciável e intransferível, e que
possui origem histórica no usufruto concedido ao pater familias na legislação de
Justiniano, sendo justificado sob duas faces: para compensar os pais pelos encargos do
múnus do poder familiar; e, sob o prisma da entidade familiar, se configura porque
todos os seus membros devem compartilhar os bens.
Como características do poder familiar, destaca-se o fato de se constituir um
múnus público199 imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus
filhos200. Ao Estado interessa o bom desempenho do poder familiar, tanto que existem
normas sobre o seu exercício, ou sobre a atuação do poder dos pais na pessoa dos
filhos201.
A justificativa para o múnus público do poder familiar está na razão natural de
dependência da prole humana, que necessita da proteção e cuidado dos pais de forma
absoluta no nascimento202. Essa dependência, em geral203, vai se dissipando na medida
do crescimento do filho. Por essa razão, a norma civil estabelece uma idade cronológica
para duração do poder familiar (18 anos completos, com exceção das hipóteses
elencadas no parágrafo único do artigo 5º do Código Civil), que é interrompido quando
o filho habilita-se para a prática de todos os atos da vida civil.
Conforme preleciona Orlando Gomes, o ser humano necessita

197
GOMES, Orlando. Direito de Família. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 394.
198
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 333.
199
Em nota, o TJDFT assim expõe: “A palavra múnus tem origem no latim e significa dever, obrigação,
etc. O múnus público é uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público, que beneficia a
coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei”. Disponível em
<http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/munus-publico>, acesso em 10. jun. 2017.
200
GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 358.
201
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 544.
202
O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente cita expressamente a ‘condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento’.
203
Diz-se ‘em geral’, pois algumas pessoas com deficiências físicas e/ou psíquicas são eternamente
dependentes de cuidado e proteção.
82

durante sua infância, de quem o crie e eduque, ampare e defenda, guarde e


cuide de seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e seus
bens. As pessoas naturalmente indicadas para o exercício dessa missão são os
204
pais. A eles confere a lei, em princípio, esse ministério .

Outro caractere que marca o poder familiar é o fato de ser inalienável, vez que
não pode ser transferido pelos pais a outrem nem a título oneroso, nem gratuito.
Destaca-se também a irrenunciabilidade do instituto, afinal se assim não fosse teríamos
a não aceitação de uma obrigação de ordem pública, o que é incabível. Vale observar,
entretanto, que há uma única hipótese de exceção, e que se encontra prevista no artigo
166 da Lei 8.069/1990: trata-se da adesão direta à adoção:

Só quando se trata de adoção é que se pode falar de renúncia do pátrio poder.


Mas, aqui, estão em jogo outros princípios. Acolhendo o direito brasileiro o
instituto da adoção, não poderia deixar de conceder ao pai adotivo a
autoridade paternal. Com a adoção, há uma transferência do pátrio poder.
Perde-o, realmente, o pai natural; adquire-o, para todos os efeitos, o pai
adotivo. A renúncia do pátrio poder, que neste caso é uma exceção resulta um
benefício de outro instituto, admitido em nosso direito positivo 205.

Cita-se, ainda, a característica da imprescritibilidade, pois não há o decaimento


do poder familiar pelo fato de não ser exercido. Só é possível a perda e suspensão desse
poder-dever nos casos previstos em lei.
Por fim, destaca-se que o incumprimento dos deveres concernentes ao poder-
familiar implica em sanção referente, ao menos, à perda do poder familiar. Nas palavras
de Orlando Gomes: “verifica-se a perda do pátrio poder em consequência da conduta
culposa dos pais, configurando, assim, como verdadeira sanção”206.
No mesmo sentido, Gonçalves ensina que a perda ou destituição do poder
familiar “assim como a suspensão, constitui sanção aplicada aos pais pela infração ao
dever genérico de exercer a patria potestas em consonância com as normas
regulamentares, que visam atender ao melhor interesse do menor”207.

204
GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 389.
205
ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder. São Paulo: Leud, 1978, p. 40.
206
GOMES, Orlando. Direito de Família. 12ª edição rev. e at. por Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro:
Forense, 2000, p. 399.
207
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 11ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 432.
83

Dai também porque se fala em poder-dever do denominado “poder-familiar”,


afinal não seria possível se falar em sanção pelo não exercício de um poder. Pois, se é
poder, tem o titular a faculdade de exercê-lo ou não sem ser sancionado.

4.5.3. Suspensão do Poder familiar

Há a suspensão do poder familiar do pai ou da mãe condenados por sentença


irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão, conforme
paragrafo único do artigo 1.637 do Código Civil.
Finda a causa da suspensão, restaura-se ao impedido o poder familiar pleno ou
segundo restrições determinadas pelo juiz, exceto se a causa da punição tenha sido
crime doloso, sujeito à pena de reclusão, praticado contra o filho ou com participação
deste. Nesta hipótese, é vedada – tanto pelo ECA (Lei 8.069/1990), mediante artigo 23,
§2º, quanto pelo Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), por meio do artigo 92, inciso
II combinado com o parágrafo único do artigo 93 – a restauração do poder familiar,
tutela ou curatela em relação ao filho, tutelado ou curatelado.
O caput do referido dispositivo legal trata da possibilidade de suspensão do
referido múnus publico, por meio de requerimento do Ministério Público ou de algum
parente do menor, quando o pai ou a mãe “abusar de sua autoridade, faltando aos
deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos”. Nesta hipótese, cabe ao juiz
adotar a melhor medida pela segurança do menor e de seus bens, podendo até suspender
o poder familiar (com possibilidade de restauração) ou extingui-lo em caso de
comportamento reiterado (como reza o artigo 1.638, IV do CC).

4.5.4. Extinção do Poder familiar

Já a extinção do poder familiar se opera ipso iure nas hipóteses elencadas nos
incisos I a IV do artigo 1.635 do Código Civil, quais sejam, respectivamente: morte dos
pais ou do filho; emancipação; maioridade; adoção; e decisão judicial, na forma
do artigo 1.638.
Caso ocorra a morte de apenas um dos pais, o poder familiar se concentrará no
outro genitor. No cenário de uma adoção, os deveres de cuidado e zelo se extinguem
para os pais naturais e se transferem aos adotantes.
84

Nas hipóteses de morte do filho, emancipação (nos termos do artigo 5º,


parágrafo primeiro do CCB) ou maioridade verifica-se a perda da razão de ser do
instituto, que é a proteção do menor.
Por fim, o inciso V do artigo 1.635 faz alusão ao artigo 1.638, o qual trata das
hipóteses de destituição do poder familiar por ato judicial, cujo rito é regulado pelos
artigos 155 a 163 do Estatuto da criança e adolescente.
As hipóteses que dão aso para a destituição do poder familiar são as seguintes:

Artigo 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Vale destacar que a declaração de perda ou suspensão do poder familiar não


implica necessariamente na desobrigação de prestar alimentos ao filho. Caso ordenado
em sentença, continuam os progenitores obrigados a atender as necessidades materiais
dos infantes por meio da prestação de alimentos208.

4.5.4.1. Reincidência das faltas previstas no artigo 1.637, CCB

Como já mencionado quando se tratou das hipóteses de suspensão do poder


familiar, o comportamento de abuso de autoridade, falta aos deveres de pais ou
dilapidação dos bens do filho pode não apenas justificar a suspensão do pode familiar,
como também, quando reiterado, dar razão à destituição do poder familiar (artigo 1.638,
inciso IV, CCB).

4.5.4.2. Castigo imoderado

No que concerne ao intitulado “castigo imoderado”, vale ressaltar que alguns


doutrinadores entendiam que o Código Civil de 2002 admitia não haver ilicitude na
aplicação de castigos físicos ‘moderados’.

208
É o que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Alimentos. Ação aforada pelo avô em
favor da menor sob sua guarda. Mesmo que tenha sido alvo de suspensão ou perda do pátrio poder, é
dever do pai manter a subsistência da filha. Prestação alimentar fixada com razoabilidade, atenta à
necessidade da menor e às possibilidades do alimentante” (Revista de Jurisprudência do TJ do RS,
137/147).
85

Nas palavras de Antonio Carlos Mathias Coltro209:

O primeiro inciso diz respeito ao castigo que seja imposto de forma


imoderada ao filho, com o que o Código, mantendo posição antiga, admite o
castigo moderado, o que acaba por permitir inferência sobre ser possível aos
pais até aqueles que tenham natureza física, o que embora algumas vezes
acabe por escapar ao controle dos mesmos.

O mesmo autor, porém, ao continuar no texto, demonstrava que não apoiava a


aplicação de castigos físicos e sobre eles dispunha: “já não seja o caso de aplicar, uma
vez que apesar de caber aos pais dirigir a criação e educação dos filhos, também é certo
que a correção pode ser feita por outros meios que não o físico”.210
O escritor ainda mencionou ensinamentos de Paulo Luiz Netto Lôbo para
demonstrar que, por outro lado, sob o enfoque constitucional, inexistia amparo legal à
punição física ou psíquica. Lôbo, sobre tal castigo, declarava ser inadmissível

ainda que ‘moderado’, pois não deixa de consistir violência à integridade


física do filho, que é direito fundamental inviolável da pessoa da pessoa
humana, também oponível aos pais. O artigo 227 da Constituição determina
que é dever da família colocar o filho (criança ou adolescente) a salvo de toda
violência. Todo castigo configura violência. Note-se que a Constituição
(artigo 5º, XLIX) assegura a integridade física do preso. Se assim é com
adulto, com maior razão não se pode admitir violação da integridade física da
criança ou adolescente, sob pretexto de castiga-lo. Portanto, na dimensão do
tradicional pátrio poder era concebível o poder de castigar fisicamente; na
dimensão do poder familiar fundado nos princípios constitucionais, máxime o
da dignidade da pessoa humana, não há como admiti-lo. O poder disciplinar,
contido na autoridade parental, não inclui, portanto, a aplicação de castigos
que violem a integridade física do filho211.

A fim de cristalizar a questão e não abrir mais nenhuma margem para que se
sustentasse a possibilidade de castigos físicos, foi editada, no final de junho de 2014, a
Lei n. 13.010, a qual estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados
e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
Tal lei acresceu o seguinte dispositivo ao Estatuto da Criança e do
Adolescente:

209
CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti; COLTRO, Antonio Carlos Mathias; FREIRE, Rodrigo Cunha
de Lima; GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. In: ALVIM,
Arruda; ALVIM, Thereza (coords). Comentários ao Código Civil Brasileiro, volume XIV: do direito de
família. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 468.
210
Ibidem., p. 468.
211
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(coords). Direito de Família e o Novo Código Civil. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 153-164.
86

Artigo 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e


cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante,
como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto,
pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos
agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer
pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso
da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em
relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.

Com essa alteração restou-se cristalino que castigos físicos devem ser
classificados como ‘castigo imoderado’ quando causarem sofrimento físico ou lesão, e,
por esta razão, devem ser causa de destituição do poder familiar.
É importante observar que nem todo castigo físico leva à perda do poder
familiar, apenas aqueles aplicados com uso de força física.
Dessa forma, a título de exemplo, caso um filho tenha um mau comportamento
para com seu irmão, e receba castigo determinando que arrume a cama desse irmão, não
se estará diante da hipótese de castigo imoderado, pois trata de castigo físico que não foi
imposto com força física e que não causa lesão, nem sofrimento físico, nem humilhação,
nem degradação. Ao contrário, além de demonstrar que o comportamento da criança foi
errado, ensina ainda a ideia de compensação.
O castigo físico que inflige lesão ou sofrimento ao menor, além de não ser
educativo, é absolutamente destoante da ideia de poder familiar que visa ao bem estar e
desenvolvimento de todos os membros da família; aproxima-se, em verdade, da noção
de poder do pater familias. Neste aspecto, Paulo Lôbo analisa que

na dimensão do pátrio poder era concebível o poder de castigar fisicamente


os filhos; na dimensão do poder familiar fundado nos princípios
constitucionais, máxime o da dignidade da pessoa humana, não há como
212
admiti-lo .

4.5.4.3. Prática de atos contrários à moral e aos bons costumes

212
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 309.
87

Carlos Roberto Gonçalves213 afirma que o lar é uma escola onde se forma a
personalidade dos filhos, os quais são facilmente influenciáveis; por essa razão,
necessitam que os pais mantenham postura digna e honrada a fim de moldar o caráter
dos menores.214 A preocupação do legislador quando prevê a hipótese de destituição do
poder familiar em razão da prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, é a
de evitar a influência de maus comportamentos na formação psíquica e moral das
crianças e adolescentes.
A respeito dos menores, Rizzardo escreve:

No lar, eles adquirem os princípios que nortearão seu futuro, como a


dignidade pessoal, a honestidade, a correção da conduta, o respeito pelo
semelhante, a responsabilidade profissional, dentre outras virtudes. De sorte
que as atitudes imorais ou indignas do ser humano, as práticas delinquenciais,
a falta de pudor, a libertinagem, a expansão do sexo sem recato, depõem
contra a formação do filho, ainda não maduro e sem conhecimento de certos
assuntos para entender e saber conduzir-se frente aos mesmos”215.

Verifica, portanto, que dentro do conceito de imoral e contrário aos bons


costumes, se inclui o alcoolismo, a prática de prostituição, o lenocínio, o uso ou tráfico
de entorpecentes, dentre outras hipóteses de vida desregrada.
Desta forma, conforme afirma Maria Helena Diniz216, é considerado menor em
situação irregular o que se acha em perigo moral, por encontrar-se, de modo habitual,
em ambiente promíscuo, inadequado ou contrário aos bons costumes.
Quando os genitores permitem que a criança ou adolescente frequente (ou até
resida) em tal ambiente, devem ser destituídos do poder familiar a fim de preservar a
integridade na formação dos infantes.
Além da perda do poder familiar, há a possibilidade de sanção penal em razão
da tipificação, por meio do artigo 245217 do Código Penal, do crime de ‘entrega de filho

213
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 434.
214
Esse mesmo posicionamento é compartilhado por Arnaldo Rizzardo a fls. 554 da obra Direito de
Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
215
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 554.
216
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 30ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 640.
217
Entrega de filho menor a pessoa inidônea
Artigo 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber
que o menor fica moral ou materialmente em perigo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
88

menor a pessoa inidônea’, em cuja companhia, o guardião saiba ou deva saber que o
menor fica moral ou materialmente em perigo.

4.5.4.4. Deixar o filho em abandono

O caput artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que cabe


aos pais, além de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais, também o dever de
sustento, guarda e educação dos filhos menores.
O descumprimento destas obrigações é causa de destituição do poder familiar,
como reza o inciso II do artigo 1.638 do CCB, e pode configurar abandono material,
intelectual, moral ou afetivo.
Ou seja, a falta de assistência material coloca em risco a sua saúde e
sobrevivência, mas não constitui a única forma de abandono. Este pode ser também
moral e intelectual, quando importa em descaso com a educação e moralidade do
infante218.
Visando a reprimir tais abandonos, o Código Penal tipifica os crimes de
‘abandono material’ em seu artigo 244219; de ‘abandono intelectual’ no artigo 246 e
247220; de ‘abandono de incapaz’ no artigo 133221; e ainda, de ‘abandono de recém-
nascido’ expresso no artigo 134222.

§ 1º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o
menor é enviado para o exterior
§ 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material,
auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.
218
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 434.
219
Abandono material
Artigo 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18
(dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não
lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou
ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente
no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo,
inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada.
220
Abandono intelectual
Artigo 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Artigo 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou
vigilância:
I - frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;
89

Além da criminalização dos referidos abandonos, foi aprovado pelo Senado e


remetido à Câmara dos Deputados, em outubro de 2015, projeto de lei que visa a alterar
o Estatuto da Criança e do Adolescente para caracterizar o abandono moral como ilícito
não apenas civil, mas também penal.
Independente da tipificação penal, toda espécie de abandono praticada pelos
pais, em relação ao menor, é causa de sanção civil consistente na perda do poder
familiar223, conforme inciso II do artigo 1.638 do CCB, o qual não especifica apenas
uma espécie e cita apenas a palavra ‘abandono’ a fim de abranger todo o tipo dessa
ausência.
Arnaldo Rizzardo, acerca do referido dispositivo legal, assim profere:

Corresponde esta infração de dever dos pais a negar ao filho a devida


assistência econômica, alimentar, familiar, moral, educacional e médico-
hospitalar. Aliás, tal situação ocorre amiúde, especialmente quando um dos
pais abandona o lar, deixando completamente de prestar assistência aos

II - frequente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de


igual natureza;
III - resida ou trabalhe em casa de prostituição;
IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
221
Abandono de incapaz
Artigo 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por
qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:
Pena - detenção, de seis meses a três anos.
§ 1º - Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º - As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço:
I - se o abandono ocorre em lugar ermo;
II - se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima.
III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.
222
Exposição ou abandono de recém-nascido
Artigo 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - detenção, de um a três anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
223
DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DESTITUIÇÃO POR ABANDONO
AFETIVO.POSSIBILIDADE. ARTIGO 395, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL C/C ARTIGO 22
DOECA. INTERESSES DO MENOR. PREVALÊNCIA. - Caracterizado o abandono efetivo, cancela-se
o pátrio poder dos pais biológicos. Inteligência do Artigo 395, II do Código Bevilacqua, em conjunto com
o Artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se a mãe abandonou o filho, na própria
maternidade, não mais o procurando, ela jamais exerceu o pátrio poder.
(STJ - REsp: 275568 RJ 2000/0088886-9, Relator: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data
de Julgamento: 18/05/2004, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/08/2004 p. 267)
90

filhos. Não mais são oferecidos alimento, e nem qualquer colaboração à


educação e assistência médico-hospitalar.224

Faz-se mister destacar, contudo, que concernente ao denominado abandono


material, a perda ou suspensão do poder familiar não devem ser aplicadas como
penalidade a fato isolado consistente na carência ou ausência de recursos materiais dos
pais, conforme disposição expressa do artigo 23 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Desta forma, não existindo outro motivo que justifique a suspensão ou
cassação do referido múnus publico, a família da criança ou do adolescente deve ser
incluída em serviços e programas oficiais de proteção, apoio e promoção, em
consonância com o §1º do artigo 23 do ECA.
Paulo Lôbo justifica essa norma jurídica por duas razões: a de que deve ocorrer
a preservação do poder familiar quando presente a afetividade, bem como realizados os
demais deveres dos pais; e a de que seria contra a dignidade humana valorizar as
condições materiais mais do que as afetivas e destituir o poder familiar de um pai ou
mãe que, apesar de exercer os demais deveres, não cumpre o papel material em razão de
pobreza involuntária:

O artigo 23 do ECA estabelece que a falta ou carência de recursos materiais


não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder
familiar. Em primeiro lugar, são os laços afetivos e o cumprimento dos
deveres impostos aos pais que determinam a preservação do poder familiar.
Em segundo lugar, pobreza não é causa de sua perda forçada, porque o
prevalecimento das condições materiais seria atentatório da dignidade da
pessoa humana225.

Nota-se que o aludido autor, ao justificar a impossibilidade de perda do poder


familiar em relação ao genitor que não arca com as necessidades materiais do filho,
destaca a necessidade de esse genitor cumprir, ao menos, com o dever afetivo. Esse
fator, aliás, é a base para a manutenção do poder familiar. Afinal, como manter tantos
deveres a um genitor que se quer dá afeto a sua prole?!
Evidente que o abandono afetivo é causa de destituição do poder familiar.
Contudo, entendemos que a aplicação dessa medida é para garantir o cumprimento do
preceito exarado no bojo do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente,

224
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 553.
225
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310.
91

pois se o genitor ou genitora já ignora o filho completamente, arcando apenas com a


parte material (ou talvez, nem isso), o que a perda do poder familiar representaria de
prejuízo a esses pais?! Seria, em verdade, irrelevante a estes.
Conforme se verificará a seguir, a perda do poder familiar é a resposta do
ordenamento jurídico pelo descumprimento dos deveres paternais. Já para os danos
advindos com tal inobservância, a resposta deve ser a reparação ou compensação por
meio do instituto da responsabilidade civil.
Faz-se mister, assim, a condenação desses pais ao pagamento de indenização, a
fim de, ao menos, se tentar compensar os danos causados aos filhos.

4.5.5. Considerações sobre a expressão abandono afetivo (ou imaterial)


‘direto’

Paulo Lôbo tratando de tema intitulado ‘abandono afetivo do filho’ assim


aponta:

Sob essa expressão, a doutrina e a jurisprudência brasileira atentaram para o


fato de o pai, que não convive com a mãe, contentar-se em pagar alimentos
ao filho, privando-o de sua companhia. A questão é relevante, tendo em conta
a natureza dos deveres jurídicos do pai para com o filho, o alcance do
princípio jurídico da afetividade e a natureza laica do Estado de Direito, que
226
não pode obrigar o amor ou afeto às pessoas .

‘Abandono afetivo’ é termo referido para tratar a culposa ausência do genitor


(ou genitora) na vida da prole, apesar do adimplemento com as responsabilidades
materiais, como pensão e alimentos.
Quando configurada a não convivência do filho com os pais idosos, fala-se em
abandono afetivo inverso. Dai porque a utilização do termo abandono afetivo direto
para se referir a não convivência do(a) genitor(a) com a prole.
Desta forma, a culposa não convivência e ausência de cuidado (independente
do custeio referente às questões materiais) configura o abandono afetivo. Se tal omissão
for do pai ou da mãe em relação ao filho se terá a hipótese denominada de ‘abandono
afetivo direto’, ‘abandono imaterial direto’ ou simplesmente ‘abandono
afetivo’/’abandono imaterial’. Já se a culposa ausência for dos filhos em relação aos

226
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310-311.
92

pais, estará configurado o chamado ‘abandono afetivo inverso’ ou ‘abandono imaterial


inverso’.
A ausência de ambos ou de um dos pais, conforme estudos interdisciplinares
no campo da psicologia, acarreta dano afetivo de natureza psicológica na prole,
configurando-se assim como um prejuízo de natureza moral227.
Desta forma, o abandono afetivo (ou abandono afetivo direto) se constitui com
o inadimplemento de deveres, que são não apenas morais, mas são também jurídicos e
decorrem do instituto da paternidade. A violação destes deveres possui consequências
jurídicas que não podem ser desconsideradas. Uma delas, como já referido, é a perda do
poder familiar, em consonância com o artigo 1.638, inciso II da codificação civil.
A aplicação exclusiva dessa sanção, porém, em nada repara os danos
configurados em decorrência desse abandono. Por isso, a necessidade de aplicação da
teoria da responsabilidade civil.
A responsabilidade civil por abandono afetivo deve incidir sobre pais que
prestam obrigação alimentar, mas são ausentes e ignoram afetivamente seus filhos; bem
como sobre pais que, apesar de terem ciência da existência do filho, o ignoram
completamente – hipótese em que se configura não apenas o abandono afetivo (ou
imaterial), mas também o abandono material.
Verifica-se que o abandono afetivo deve ter como sanção a perda do poder
familiar; já o dano afetivo advindo desse abandono há de ter como consequência o dever
de os pais ausentes indenizarem seus filhos.
Referida indenização se configura, assim, em função da ilicitude na ausência
dos pais, que é ensejadora do abandono afetivo e ocasiona, aos filhos, o chamado dano
afetivo.

4.5.6. Presença como dever

Conforme Alexandre Junqueira Gomide, o “pai não pode simplesmente deixar


de cuidar de seu filho, limitando-se a prover os recursos financeiros para sua educação,
alimentação e assim por diante”228.

227
Podendo haver prejuízo material referente ao custeio de tratamento médico psicológico para tratar o
dano causado com o abandono afetivo.
228
GOMIDE, Alexandre Junqueira. Abandono Afetivo. In: LAGRASTA NETO. Caetano; SIMÃO, José
Fernando (coords.). Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.
93

Rolf Madaleno também destaca que as obrigações paternas vão muito além de
questões materiais:

“Nem seria preciso ressaltar ser direito dos filhos a convivência e


comunicação com os pais, fonte de seu crescimento, e da sua lúcida
formação, fornecendo-lhes todos os substratos materiais e imateriais, tão
caros ao sadio desenvolvimento de uma criana em crescimento, dependente
da proteção e do zelo dos pais”229.

Diversas são as razões legais para a presença (e não apenas o custeio material)
dos pais ser vista como um dever jurídico, e não apenas dever moral. Apenas por uma
questão de organização, tais razões serão apresentadas em tópicos, devendo, contudo,
serem sempre consideradas em conjunto:

4.5.6.1. Dever do não guardião supervisionar os interesses do


filho

Em dezembro de 2014 entrou em vigor a chamada popularmente lei da guarda


compartilhada’ (Lei no 13.058). Essa regra visa a priorizar o compartilhamento da
guarda dos filhos, a fim de que estes tenham a presença de ambos os genitores de forma
equilibrada.
Dentre as alterações, destaca-se a inclusão dos seguintes parágrafos nos artigos
1.583 e 1584, respectivamente:

o
Artigo1.583, §2 Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os
filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre
tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.

Artigo 1.584, §2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder
familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores
declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

Além dessas inclusões, a ‘lei da guarda compartilhada’ alterou também o já


mencionado artigo 1.634 do Código Civil, que traz as obrigações concernentes ao poder
familiar. O caput do artigo que dispunha “compete aos pais, quanto à pessoa de seus
filhos:” passou a ser regido da seguinte forma: “compete a ambos os pais, qualquer que

229
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In: WELTER,
Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords). Direitos Fundamentais do Direito de Família.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.
94

seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em,
quanto aos filhos:”
A modificação legislativa deixa claro, portanto, o fato de que o exercício do
poder familiar compete tanto ao pai quanto à mãe, independente de estes estarem ou não
juntos e de serem ou não os guardiões. Ou seja, todos os cuidados (incluindo o cuidado
psicológico) que devem ser aplicados pelos pais em relação ao filho são obrigações de
ambos genitores – não importando a situação conjugal destes.
Outra alteração que deve ser citada é a revogação do inciso II desse mesmo
dispositivo, que antes determinava, dentre outras obrigações dos pais em relação aos
filhos, “tê-los em sua companhia e guarda”. Muitos juristas justificavam o dever legal
de os pais estarem presentes afetivamente na vida de seus filhos em função, dentre
outras disposições jurídicas, do revogado inciso.
O conteúdo do novo inciso II dispõe ser dever dos pais “exercer a guarda
unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.584”. O mencionado artigo 1.584230
trata de questões procedimentais referentes à guarda, unilateral ou compartilhada.
Vale destacar, contudo, que apesar de suprimida a regra que impelia os pais a
estarem na companhia dos filhos, o artigo 1.583 do Código Civil recebeu a inclusão de
importante parágrafo para evidenciar os deveres do não guardião:

230
Artigo 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação,
de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de
tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada,
a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo
descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os
genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos
genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda
compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o
pai e com a mãe.
§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou
compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda
a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de
parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
§ 6o Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos
genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos
reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
95

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a


supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão,
qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações
e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações
que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação
de seus filhos.

Ou seja, está expresso o dever de o genitor que não detém a guarda


supervisionar os interesses do filho, inclusive no que concerne a assuntos ou situações
que afetem a saúde psicológica de seus filhos. Dessa forma, resta evidente que, mesmo
quando se tratar de hipótese de guarda unilateral, o legislador quis deixar claro o dever
do não guardião em zelar também pela educação e saúde – não apenas física, mas
também psicológica – dos filhos.
Ora, como coadunar o abandono afetivo com a supervisão de interesses do
filho, sobretudo psicológica? Não são compatíveis, pois é evidente que um pai ou mãe
que ignora sua prole (arcando apenas com fatores materiais, e talvez nem isso) não
supervisiona os interesses desse filho, nem em relação à educação e muito menos
quanto à saúde física e psicológica.
Em outras palavras, não basta enviar dinheiro para arcar com o custeio da
escola, da alimentação, do transporte, dos medicamentos e do plano de saúde. É preciso
que seja presente a fim de fiscalizar os interesses do filho.
Uma vez que a supervisão dos interesses do filho é uma obrigação do pai ou da
mãe que não detém a guarda, ficam os não guardiões impedidos de ignorar sua prole.
Ou seja, não podem abandonar a preocupação com a educação, com a formação moral,
com a saúde de seus filhos. Não podem, portanto, abandoná-los, nem materialmente e
nem afetivamente.

4.5.6.2. Dever de dirigir a criação e a educação

O artigo 229 da Carta Magna determina o dever de os pais assistirem, criarem e


educarem os filhos menores. A Constituição não atribui esses deveres àquele que detém
a guarda, a expressão usada é ‘os pais’.
Este comando constitucional se reflete no caput e no inciso I do artigo 1.634 do
Código Civil, o qual determina ser obrigação dos pais, qualquer que seja a situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar que contempla o dever de os pais
dirigirem a criação e educação dos filhos.
96

Em outras palavras: ambos os genitores têm o dever legal de criar e educar seus
filhos, além de os assistirem materialmente, independente da guarda ou da situação do
conjugal dos pais.
Esta obrigação de educação e criação deve ser vista da maneira ampla, não
bastando assistência material referente ao custeio de escola, como dispõe Paulo Lôbo:

A noção de educação é a mais larga possível. Inclui a educação escolar, a


formação moral, política, religiosa, profissional, cívica que se dá em família e
em todos os ambientes que contribuam para a formação do filho, como
pessoa em desenvolvimento. Ela inclui, ainda, todas as medidas que
permitam ao filho aprender a viver em sociedade. A educação ou formação
231
moral envolve a elevação da consciência e a abertura para os valores .

Ora, como é possível que o pai ou a mãe completamente ausente afetivamente


possa repassar ao filho algum valor moral ou ainda ensinar qualquer medida sobre viver
em sociedade? Não é possível, pois, para se efetivar esse direcionamento, no mínimo, é
preciso se fazer presente, acompanhando e direcionando o desenvolvimento desse ser
humano.
Bernardo Castelo Branco, neste aspecto, ressalta que, não obstante o dever de
os pais se fazerem presentes desde a concepção até o pleno desenvolvimento do filho,
durante a infância é especialmente importante a participação dos pais na assistência
moral e intelectual aos filhos, pois nessa fase é que ocorre a formação dos principais
traços da personalidade do indivíduo232.
Ou seja, é fundamental – além de ser um dever legal – que os pais direcionem a
criação e os valores educacionais passados aos filhos. E para que haja esse norteamento
a presença é indispensável. Daí porque a presença se torna um dever: pois ela é meio
imprescindível para o cumprimento das obrigações legais impostas aos genitores.

4.5.6.3. Dever de educação e cuidado: responsabilidade


compartilhada entre os pais

Além dos elencados dispositivos do Código Civil que atribuem


responsabilidades a ambos os genitores, a Lei n. 13.257 de 2016 buscou apresentar de

231
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 303.
232
BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: Método. 2006, p. 195.
97

forma expressa que tanto o pai quanto a mãe possuem deveres e responsabilidades
compartilhados no que concerne ao cuidado e educação dos filhos.
Assim, foi inserido no artigo 22 do ECA o seguinte parágrafo:

Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e


deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da
criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas
crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.

Ou seja, o cuidado e a educação se tratam de responsabilidades compartilhadas


entre os pais e não de dever apenas daquele que detém a guarda.
Cabe a ambos os genitores educar os filhos para que saibam conviver em
sociedade e tenham um desenvolvimento moral, profissional, religioso233 e cívico de
forma íntegra.
Nesta seara, vale destacar que a educação envolve a assistência moral e
intelectual. Isto porque ela se desenvolve em dois planos: o da educação informal e o da
formal. Aquela se refere à transmissão de um ideário filosófico e religioso, de modo a
promover o desenvolvimento de virtudes e habilidades que devem vir a ser moldadas
pela educação formal. Esta, por sua vez, contempla a escolarização em estabelecimento
de ensino oficialmente reconhecido, cujo processo pedagógico também exige a ativa
participação dos pais234.
Evidente, assim, que apenas arcar com alimentos e ser totalmente ausente se
configura ilícito por descumprimento ao dever de cuidado e de educação referido no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Afinal, o genitor que custeia a escola e não participa da vida de seu filho sequer
pode saber se a escola está de fato ensinando seu filho ou o maltratando de alguma
forma. Cita-se, a título de exemplo, os casos de bullying ou até mesmo de estupro de
vulnerável pelos cuidadores da criança. Cuidar para que essas hipóteses não aconteçam
(ou ao menos não se repitam) não é responsabilidade apenas do guardião. É igualmente
dever do não guardião, que, para tanto, deve se fazer presente e saber sobre as angústias,
as alegrias, os anseios, as aflições e demais sentimentos de seu filho, bem como
transmitir-lhe valores morais que deverão servir de base para a formação de caráter do
filho.

233
Pois é preciso, ao menos, que o filho saiba respeitar as diversas religiões existentes na sociedade.
234
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 101-104.
98

Inconcebível, por evidente, coadunar o dever de educação e cuidado com a


ausência.
Recursos financeiros não suprem a necessidade da presença dos pais para
cuidarem de seus filhos.
O cuidado exige que haja participação na vida do filho a fim de que este tenha
pleno desenvolvimento de suas capacidades, com proteção e zelo.

4.5.6.4. Dever de garantir a efetivação da saúde

O dever de os pais estarem presentes na vida de seus filhos também advém do


dever destes em garantir a efetivação do direito à saúde dos menores, conforme artigo
227 da Carta Magna e artigo 4º do ECA, o qual assim dispõe:

Artigo 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

Vale destacar que o direito à saúde dos filhos, contempla, ainda, o direito à
integridade psíquica (elencado no artigo 15 combinado com o artigo17, ambos do
ECA235), que requer, para se configurar, o desenvolvimento sadio e harmonioso da
criança e do adolescente (que é direito descrito no artigo 7º do ECA236).
Em outras palavras, não há que se falar em preservação da saúde se estiver
violada a integridade psíquica da prole. E para preservação desse campo psicológico, é
necessário possibilitar o desenvolvimento sadio da criança ou adolescente.
A ausência de algum dos pais afeta diretamente o desenvolvimento do filho, e
macula a saúde da prole, vez que atinge sua integridade psíquica.
Ou seja, não há como se falar em plena saúde psicológica de indivíduo que
tenha sido abandonado afetivamente por algum de seus genitores. A carência abala o

235
Artigo 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas
humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis.
Artigo 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores,
ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
236
Artigo 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência.
99

psicológico da criança ou adolescente. Mais adiante observar-se-á, por meio da


interdisciplinariedade com os estudos da psicologia, os danos psicológicos causados ao
ser humano que cresce com carência de afeto relacionada a algum de seus genitores.
Não se pode admitir que a saúde psíquica de um ser humano seja afetada pelo
seu próprio genitor. Ignorar o direito-dever dos pais em estarem presentes na vida de
seus filhos é macular o direito de um ser humano em ter preservada sua saúde psíquica.
E não admitir o dever desses pais ausentes de indenizar seus filhos significa prestigiar a
ausência desses genitores em detrimento da dignidade humana da prole.
Ainda que amar a prole seja apenas dever moral e não jurídico, o cuidado é
posto como dever jurídico. Mais do que isso, é dever jurídico de responsabilidade
atribuída expressamente a ambos os genitores, inclusive ao não guardião.

4.5.6.5. Dever de garantir a convivência familiar

A importância do convívio familiar é anotada pelas educadoras Vania Herédia,


Ivonne Cortelletti e Miriam Casara:

A família, por ser o locus onde se inicia o desenvolvimento da personalidade,


a construção dos valores e da identidade, é onde se originam as primeiras,
manifestações da sociabilidade humana, também por ser o pilar fundamental,
237
no qual o indivíduo pode buscar e encontrar apoio .

Conforme já retratado em capítulo anterior, o direito do menor à convivência


familiar advém de princípio constitucional expresso no artigo no artigo 227 da Carta
Magna, que assim dispõe:

Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,


ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.

A convivência familiar também é garantida ao menor por meio do artigo 9.3 da


Convenção dos Direitos da Criança, que prevê o direito desta de “manter regularmente

237
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; E CASARA, Miriam Bonho (coords.),
Idosos asilado: um estudo gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 68.
100

relações pessoais e contato direto com ambos genitores, a menos que isso seja contrário
ao interesse maior da criança”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente buscando a aplicação do aludido
princípio constitucional, determina o dever da família, dentre outros, de garantir a
convivência familiar (artigo 4º), que é um direito da criança e do adolescente, conforme
artigo 19:

Artigo 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio


de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral.

Logo, se está dentre os deveres dos pais efetivar o direito dos filhos à
convivência familiar, e a presença destes genitores é indispensável para tal efetivação,
conclui-se que a presença e participação dos pais se configuram como um dever destes
que é correspondente ao direito da criança e do adolescente em conviver com aqueles de
sua família.
Em outras palavras: não há como se falar em cumprimento do preceito de
convivência familiar sem que haja contato entre pais e filhos. É por isso que o
relacionamento entre genitor e prole se configura como um dever legal.

4.5.6.6. Dever do não guardião em visitar o filho

Conforme apresentado, entre os deveres do genitor que não detém a guarda do


filho estão os de compartilhar as responsabilidades com o guardião, dirigindo a
educação e criação, bem como supervisionando os interesses do filho.
Nenhum destes deveres pode ser efetivado se o genitor é completamente
ausente. Ao contrário, para que haja supervisão, educação com transmissão de valores,
etc., se faz mister a visita daquele que não detém a guarda.
Ou seja, a visita é um meio necessário para que o não guardião cumpra com os
deveres que lhe são impostos, bem como garanta o direito do filho à convivência
familiar.
Não é possível a supervisão de interesses, por um pai ou mãe que simplesmente
não visita seus filhos, que não se importa em saber sobre a vida deles e menos ainda em
estar presente. Pais que ignoram afetivamente seus filhos não são capazes, obviamente,
de supervisionar nenhum interesse desses filhos.
101

Da mesma forma, não é plausível supor o adimplemento do dever de educação


e cuidado (responsabilidade que deve ser compartilhada entre guardião e não guardião,
conforme alteração legislativa de 2016 que incluiu o parágrafo único do artigo 22 do
ECA) por um pai ou mãe que sequer visita seus filhos.
Exatamente por essa razão é que a visita ao filho pelo não guardião se
configura como um dever, e não como um mero direito dos pais.
Se fosse apenas direito dos genitores, estar-se-ia diante da faculdade de o pai
ou mãe não guardião ignorar afetivamente sua prole, o que implica, entre outras
consequências, no não cumprimento dos deveres de (i) supervisão de interesses dos
filhos (expostos no § 5º do artigo 1.583 do Código Civil); (ii) criação e educação – não
apenas sustento material (previsto no inciso I do artigo 1.634 do Código Civil e no
artigo 229 da Constituição Federal); e (iii) compartilhar, com o outro genitor, as
responsabilidades quanto à educação e cuidado dos filhos (como determina o parágrafo
único do artigo 22 do ECA).
Evidente que se esses deveres existem, devem ser cumpridos. E se para tal
cumprimento a presença do não guardião é indispensável, tal presença se configura
também como um dever.
Ainda que assim não fosse, e que tais deveres não estivessem expressos, a
presença do não guardião ainda se configuraria como dever legal. Isso porque, a criança
e o adolescente têm direito à convivência familiar e, obviamente, não há convivência
com alguém que é totalmente ausente. Nas palavras de Paulo Lôbo: “o direito à
companhia dos filhos tem como contrapartida o direito dos filhos à companhia de
ambos os pais e à convivência familiar, constitucionalmente atribuída”238.
Ou seja, a presença é um dever dos pais correspondente ao direito do menor à
convivência familiar. E é por meio da visita que o genitor não detentor da guarda
possibilita a convivência familiar.
Como escreve Maria Berenice Dias: “a convivência dos filhos com os pais não
é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-lo, é obrigação de conviver com
ele.”239.
Nesta seara se faz mister destacar que apesar de o artigo 1.589240 do Código
Civil usar a expressão “poderá visitar” os filhos e ainda em seu parágrafo único
238
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 304.
239
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 97.
102

apresentar o termo “direito de visita”, entendemos que se trata de um poder-dever de o


genitor não guardião visitar sua prole e não de uma mera faculdade ou apenas direito
dos pais. Afinal, como ensina Silvio Rodrigues “não são poucos os deveres impostos
que surgem sob a máscara de direitos”241.
Explica-se: disposição jurídica não é norma. Aquela é o suporte físico desta. A
partir do suporte físico é que se busca a norma, que, portanto, é construída. Para se
alcançar a construção de sentido da norma a partir da disposição jurídica, é necessário
realizar percurso hermenêutico para construção do sentindo considerando o sistema de
referência. Tomando como método interpretativo o Constructivismo Lógico
Semântico242, verificamos por meio do plano S4 no ‘percurso gerador de sentido’ que a
construção da norma como sendo apenas um ‘direito’ dos pais em visitar seus filhos não
estabelece sentido lógico com as demais normativas do ordenamento jurídico vigente,
sobretudo com as anteriormente apresentadas.
Diante desta incongruência, não há sentido dizer que a visita não é um direito
do filho, e ao mesmo tempo admitir que este filho tem direito à convivência familiar.
Ora, a convivência familiar pressupõe que esse filho visite ou seja visitado pelo genitor
que não faz parte de seu convívio cotidiano.
Conforme escreve Rolf Madaleno,

as visitas são um expediente jurídico forçado para preencher os efeitos da


ruptura da convivência familiar antes exercida no primitivo domicílio

240
Artigo 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua
manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os
interesses da criança ou do adolescente.
241
RODRIGUES, Silvio. Direito civil, direito de família. V. 6. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 10.
242
Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho e Aurora Tomazini de Carvalho, por meio do percurso
gerador de sentido das normas tem-se que: no plano S1: o intérprete tem contato com o dado físico do
direito (enunciados prescritivos); no plano S2: o intérprete inicia, por meio de um processo hermenêutico,
a construção de proposições isoladas a corresponder com os sentidas das frases que lhe compõem; no
plano S3: o intérprete ordena as frases na forma implicacional, anexando algumas significações na
posição sintática de hipótese e outras no lugar do consequente (HC). “Nesta concepção, a norma
jurídica não se confunde com os enunciados prescritivos que lhe servem como base empírica (elementos
do plano S1), nem com as proposições que a compõem (pertencentes ao plano S2)”; no plano S4: o
interprete estabelece os vínculos de subordinação e coordenação entre as normas por ele construídas. É
neste plano “que o interessado estabelece as relações horizontais e as graduações hierárquicas das
significações normativas construídas no plano S3, cotejando a legitimidade das derivações e
fundamentações produzidas” (CARVALHO, Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de Teoria Geral do
Direito (o constructivismo lógico-semântico). 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 196.)
103

conjugal. Representam, em realidade, um desdobramento da guarda definida


com a separação dos pais243.

Fala-se em ‘poder-dever’ de visita, pois ao mesmo tempo em que é um dever


correspondente ao direito do filho à convivência familiar, é também um direito do
genitor não guardião ter contato com sua prole e ter meio para efetivar os deveres
decorrentes do poder familiar, dentre eles fiscalizar o interesse da prole, transmitir
valores morais, etc.
Entender que não há dever de visita, mas apenas direito dos pais, é ignorar
completamente o direito dos menores à convivência familiar, bem como o princípio do
melhor interesse da criança e do adolescente, mencionado anteriormente. É quase um
regresso ao período do pater familia, destacando apenas os direitos do chefe em
detrimento dos interesses dos demais membros da célula familiar.
Neste aspecto, José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira
Muniz, analisando brevemente a evolução da funcionalização do poder familiar, que
transformou o instituto em um poder concedido aos pais em função de deveres para com
seus filhos (poder-função ou poder-dever), assim expuseram em doutrina escrita no ano
de 1998:

A doutrina do início do século conceituava o pátrio poder como um direito


subjetivo sobre o filho, vendo no filho um objeto de direito, e vendo no poder
do pai um poder de senhorio, embora tal poder fosse descrito de modo a
deixar clara a inexistência de identidade com a noção de direito real. A
Pandectística e, como reflexo de sua posição, a Exposição de Motivos do
BGB, procuraram conceituar o pátrio poder como poder concedido aos pais
em função dos deveres éticos existentes para com os filhos. (...) o clima
dominante após a segunda guerra mundial levou os juristas a acentuar que
essa vinculação dos pais ao interesse dos filhos não deveria ser meramente
ética, moral, costumeira, porém uma vinculação jurídica. Isso explica
historicamente o surgimento e o fortalecimento da corrente funcionalista, que
244
passa a acentuar as noções de ‘poder-função’, de ‘direito-dever’ .

Resta evidente que enxergar a visita como um poder-dever faz parte da


evolução histórica do poder familiar, que não se coaduna com a configuração da visita
como uma mera faculdade dos pais – isto seria na época do pater familia.

243
MADALENO, Rolf Hanssen. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In:
WALTER, Belmiro Pedro Welter; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos Fundamentais do
Direito de Família.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.
244
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família.
2ª ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 26-27.
104

A funcionalização de direitos (que passam a ser vistos como direito-função ou


direito dever) se refere a direitos subjetivos em que o titular “é obrigado a exercê-los; e
é obrigado a exercê-los de certo modo, do modo que for exigido pela função do direito,
pelo interesse a que ele serve”245. Essa obrigação se verificaria em relação ao poder
familiar por ser este um munus público ou ofício-múnus, pelo qual é atribuído a um
sujeito o encargo de cuidar de determinados interesses alheios 246. Assim, os direitos
subjetivos concernentes ao Direito de família se configuram como ‘direitos-deveres’ e
muito se contrapõem aos direitos subjetivos em que seu titular escolhe livremente o
modo de seu exercício.
José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, nessa
seara, esclarecem o que há de peculiar na relação jurídica familiar: é que direitos
subjetivos são exercidos e deveres jurídicos são cumpridos por meio de uma mesma
ação do titular do direito e do dever. O interesse de quem realiza a ação (o pai, por
exemplo) e o interesse da outra pessoa (o filho, em exemplificação) são conjuntos e não
separados e recíprocos, como ocorreria na relação jurídica sinalagmática. É por isso
que, na relação jurídica familiar, não podem ser pensados separados os direitos e
deveres247.
Na hipótese do direito/dever de visita, o genitor se utiliza dessa para poder
cumprir com os deveres que lhe competem e adimplir, correspondentemente, aos
direitos do filho; ao mesmo tempo, por meio da visita o genitor exerce seu direito de
manter contato com a prole. Por isso se fala em poder-dever.
Portanto, temos, em suma, que os pais têm o direito-dever de visitar a prole. É
direito, porque não pode o guardião impedir o outro genitor de ter contato o filho, e
também porque é por meio desse direito (de visitar) que o não guardião tem a
possibilidade de cumprir com seus deveres de (i) supervisão de interesses dos filhos, de
(ii) criação e educação – não apenas sustento material, e de (iii) compartilhar, com o
outro genitor, as responsabilidades quanto à educação e cuidado dos filhos. Ao mesmo
tempo, se tais deveres não podem ser adimplidos sem a visita; a visita, por
consequência, também se torna um dever. Além disto, a visita também se reveste da
245
PEREIRA COELHO, Francisco Manuel. Curso de direito de família. n. 16. dactilografia por João
Abrantes, Coimbra, 1970p. 98-101.
246
CICCARELLO, Sebastiano. Patria potestà (diritto privato). In: Enciclopedia del Diritto. v. 32. Milano:
Giuffrè. 1982, p. 258.
247
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família.
2ª ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 32.
105

roupagem de dever por ser correspondente ao direito da criança e do adolescente à


convivência familiar.
Neste ponto vale mencionar: caso um dos pais aja de modo a impedir ou
dificultar a visita pelo outro genitor, este deverá buscar a tutela jurisdicional a fim de
efetivar o direito-dever da visita. Há inclusive decisão aplicando astreinte (ou multa
cominatória diária) para compelir o genitor, que realiza alienação parental, a levar o
filho para as visitas pelo outro progenitor:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER.
IMPOSIÇÃO À MÃE/GUARDIÃ DE CONDUZIR O FILHO À
VISITAÇÃO PATERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA
DIÁRIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR
PARTE DA GUARDIÃ QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA. RECURSO
CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (SEGREDO DE
JUSTIÇA).”248

O que não se pode admitir é a tolerância das atitudes contrárias ao ato da


visitação, sem que nada seja feito; e, posteriormente, o genitor omisso busque afastar o
dever de indenizar o abandono imaterial com a desculpa de a visitação ter sido
impedida. Esta seria a clara hipótese de busca por benefício decorrente da própria
torpeza.
Apesar de o judiciário brasileiro aplicar astreintes normalmente para compelir
o guardião a possibilitar a visita do filho pelo não guardião 249, tem-se notícia da
aplicação na França de astreintes por não cumprimento do direito de visita pelo
progenitor não guardião250. No mesmo sentido já decidiu o judiciário Alemão251, e na
Itália252 também se verificou decisão que considerou o direito de visita não como uma
mera faculdade, mas sim como um dever. Mister destacar, por fim, que o dever de visita
248
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sétima Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº
70023276330.Relator: Ricardo Raupp Ruschel. Julgado em: 18 de junho de 2008
249 “O exercício de visita da mãe para com o filho, supervisionado no fórum e que foi estabelecido em
sentença, deve ser cumprido com eficiência pelo juiz da execução, inclusive aplicando multa diária para
persuadir o opositor a não prejudicar o direito de convivência, variante da dignidade humana (art. 1º, III,
da CF) – Inocorrência de ofensa a direito do impetrante, que busca, por vias oblíquas, obstaculizar a
ordem neste sentido passada pelo Ministro relator do recurso especial – Denegação, com observação.”
(Mandado de segurança nº 170.531-4/4, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani,
julgado em 04/2001
250
Astreinte de cem francos por dia ao não cumprimento do direito de visita pelo progenitor não guardião.
Tribunal de Grande Instância Saint-Brieuc, de 25 de setembro de 1980, referido por LABRUSSE-RIOU,
Catherine, Droit de La Famille, 1, Les Personnes, Masson, 1984, p. 386
251
Acórdão do Bundesverfassungsgericht, de 1 de abril de 2008 (1 BvR 1620/04), Pressemitteilung Nr.
44/2008 de 1 de abril de 2008, disponível em <www.bverfg.de/pressemitteilungen/bvg08-044.html>
acesso em 05 Mai 2017.
252
Acórdão da Corte di Cassazione, de 8 de Fevereiro de 2000, disponível em
<http://www.mammeseparate.it/avvocato.html> acesso em 05 Mai 2017.
106

não se delimita ao contato físico. Com a evolução tecnológica, ainda que


geograficamente distante é possível estar presente de forma virtual, por meio de
ligações de vídeo e áudio, comunicação por aplicativos de mensagens, ligações
telefônicas, e-mails, entre outros meios, como escreve Theodureto de Almeida Camargo
Neto ao tratar sobre o dever de os pais se fazerem presentes na vida dos filhos:

Esse dever consiste não apenas na prerrogativa do respectivo titular de se


avistar com a criança ou o adolescente, mas também de com ela ou com ele
se comunicar por meio de correspondência, e-mail, telefone, celular, etc.
253
assegurando-lhe, ainda, o poder de fiscalizar a manutenção e a educação .

No mesmo sentido, Rolf Madaleno escreve:

Resulta compreender e concluir terem os pais um compromisso natural de


afeto para com os seus filhos menores e incapazes, sendo direito da prole a
convivência familiar, a assistência moral e material de seus pais, mesmo se
separados ou se ascendente não guardião estiver geograficamente distante,
porque ainda assim deverá manter uma razoável e adequada comunicação
para com a sua prole, contato cada vez mais facilitado diante dos modernos
meios de comunicação, inclusive pela via eletrônica, permitindo a
conversação direta, escrita e falada, sem referir as facilidades de locomoção,
deslocando-se com segurança pais e filhos em tempos de férias que
compensam as eventuais vistas restritas em razão de distancias físicas, mas
que não justificam distâncias afetivas e deliberados agravos morais 254.

Pelo exposto, resta demostrado ser dever legal do genitor não guardião se fazer
presente na vida de seus filhos, garantindo a convivência familiar, zelando pela saúde
física e psíquica do filho, supervisionando os interesses da prole, dirigindo a criação e
compartilhando as responsabilidades concernentes à educação e cuidado, não sendo a
distância física argumento para justificar o abandono afetivo.

4.5.7. Danos decorrente da culposa não convivência do pai ou da mãe


com os filhos

O elemento essencial para a incidência da responsabilidade civil é o dano. Sem


dano, não há que se falar em indenização. O dano é fundamental para que haja o dever

253
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,
Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 22.
254
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 385.
107

de reparar, porque indenizar significa tornar indene, ou seja, sem danos. O pagamento
de valor pecuniário a título de indenização sem dano pode configurar locupletamento
ilícito.
Neste sentido, Arruda Alvim assim ensina:

A responsabilidade civil é calcada na ideia de reparação, ou seja, nasce a


responsabilidade para reparar, recompor o direito violado. A responsabilidade
então teria a função primordial de fazer retornar o estado anterior das coisas.
Desta forma, havendo dano, não nasceria a responsabilidade, pois não
haveria o que recompor. O próprio termo “indenização” tem significado que
revela esta necessária premissa. Indenizar significa tornar indene, ou seja,
deixar ileso, sem dano. Seria uma incongruência indenizar quando não há
dano, ou melhor, para mais que uma incongruência, seria verdadeira fonte de
enriquecimento sem causa, fato repudiado pelo direito, como qualquer
ilicitude. Assim, qualquer ‘reparação’ deferida a alguém que não sofreu dano
algum, longe de realizar um resultado querido pelo direito, acaba por
alcançar algo rechaçado por ele, acarretando locupletamento ilícito. Reitere-
se que é uníssono o entendimento que não existe responsabilidade sem dano.
Ainda que se fale de responsabilidade subjetiva ou objetiva, fundada na culpa
ou mesmo no risco integral, o dever de reparar só nasce quando se verifica o
dano255.

No caso dos danos decorrentes do abandono afetivo, tem-se clara lesão aos
direitos da personalidade, vez que se atinge exatamente o período de desenvolvimento
do ser humano. Desta forma, os danos oriundos da negligência dos pais ausentes se
refletem na dor com o enfretamento da rejeição bem como com a dificuldade que o
infante terá em alcançar a plena higidez física, mental, emocional e espiritual, conforme
aponta Theodureto de Almeida Camargo Neto ao tratar da relação entre pais e filhos:

Pressupõe que haja convivência entre ambos, para que, conforme o caso, o
vínculo se estabeleça ou se consolide, gradativamente, e que a criança ou o
adolescente possa receber o afeto, a atenção, a vigilância e a influência
daquele ou daquela que não detém sua guarda, de modo a alcançar a plena
higidez física, mental, emocional e espiritual, que, como se sabe, depende
entre outros fatores, do contato e da comunicação recíproca e permanente
com seus dois progenitores256.

255
ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Responsabilidade Contratual inaplicabilidade do efeito
pedagógico punitivo ao dano moral. In Soluções práticas – Arruda Alvim. Vol. 2. Ago/2011.
DTR/2012/201. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 2/11.
256
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,
Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23.
108

O magistrado conclui de forma catedrática sobre o direito-dever de


convivência: “Descumprido esse dever, surgem, invariavelmente, inúmeras sequelas
psíquicas e emocionais”257.
Sem discordar, Maria Berenice Dias cita os danos psicológicos causados em
razão do abandono afetivo por algum dos genitores:

A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano acabou por
escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento
sadio das pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade,
tanto que passou a se falar em paternidade responsável. (...) O distanciamento
entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer
o sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode deixar
258
reflexos permanentes em sua vida .

Giselda Hironaka, por sua vez, destaca o dano à personalidade, decorrente da


rejeição do(a) genitor(a), que:

Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo


que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar,
responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade
social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa,
no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e
259
socialmente aprovada .

Rolf Madaleno também anota as consequências nefastas que a ausência de


algum dos genitores acarreta à prole:

Ao filho choca ter transitado pela vida, em tempo mais curto ou mais longo,
sem a devida e necessária participação do pai em sua história pessoal e na sua
formação moral e psíquica, desconsiderando o descendente no âmbito de suas
relações, causando-lhe irrecuperáveis prejuízos, que ficarão indelevelmente
marcados por toda a existência do descendente socialmente execrado pelo
genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um profundo sentimento de
insuperável rejeição260.

257
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,
Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23.
258
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. Saraiva: Revista dos Tribunais, 2015,
p. 97.
259
HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por
abandono afetivo. In: PEREIRA, Tania da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) A ética da
convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 141.
260
MADALENO. Rolf. O Dano moral no direito de família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 386.
109

Diante de tais danos, Rodrigo da Cunha Pereira aponta que o abandono


material não é o pior, pois “o mais grave é mesmo o abandono psíquico e o afetivo, a
não presença do pai no exercício de suas funções paternas, como aquele que representa
a lei, o limite, segurança e proteção”261.
Os estudos no campo da psicanálise concluem exatamente no sentido apontado
pelos juristas.
Flávio Torres D’Andrea262 aponta que a personalidade se constitui como o
resultado de experiências vivenciadas no passado (história pregressa) e de estímulos do
meio (circunstância). Ou seja, as experiências vividas pela criança influenciam a
personalidade do adulto que essa irá se tornar.
Segundo o mesmo autor, o conceito de personalidade pode ser definido
brevemente como “a resultante psicofísica da interação da hereditariedade com o meio,
manifestada através do comportamento, cujas características são peculiares a cada
pessoa”263. É evidente, assim, que o comportamento apresentado no que se relaciona à
interação familiar, influencia diretamente na personalidade da criança.
Em pesquisa acadêmica referente à línea de investigación em desarrollo
psíquico intitulada “Los efectos de la ausencia paterna en el vinculo con la madre y la
pareja”, acompanhada por Maggui Gutiérrez e realizada por Nathalia Martínez para
obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica pela Pontificia Universidad
Javeriana em Bogotá, foram apontadas algumas das consequências maléficas (e
patológicas) da ausência imaterial do pai na vida do(a) filho(a) em fase de
desenvolvimento:

La investigación permitió observar algunos de los diversos estados mentales


esencialmente patológicos, promovidos por la ausencia de la figura
264
paterna .

Dentre tais consequências anotou-se:

261
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA. Tânia da Silva (coord.). O
melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 581-582.
262
D’ANDREA, Flávio Forres. Desenvolvimento da personalidade: enfoque psicodinâmico. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p.9.
263
Ibidem., p. 10.
264
MARTINÉZ, Nathalia Carolina Rodríguez. Los efectos de la ausencia paterna em el vinculo com la
madre e la pareja. Trabalho apresentado em mestrado de psicologia clinica pela Pontificia Universidad
Javeriana de Bogota em novembro de 2010, p.191.
110

Se exploró el impacto de la vivencia de abandono o ausencia del padre em las


relaciones actuales; se observa que el vacío de padre tiene a convertise em
una búsqueda constante del padre odealizado. En la adultez, el vínculo
materno o paterno que vivieron en su infância la ausencia de sus padres,
tienen grandes dificultates para desarrollar su rol paterno-materno”265

O trabalho apontou ainda que, dentre os diversos danos causados pelo


abandono imaterial do pai, há alguns que se manifestam de formas diferentes em filhas
e filhos:

En el caso del hombre y de la mujer se vieron diferencias con respecto a la


representación de la masculinidad. Por un lado se veía como la mujer
buscaba a través de relaciones promiscuas el pene del padre, como fantasia
inconsciente de la carencia por la cual había sido abandonada por el padre. Y
por outra parte, el hombre quien también veía frustrada parte de su
masculinidad, y en especial la posibilidad de cumplir las proprias funciones
266
paternas .

No bojo da pesquisa é apontado claramente o forte dano moral suportado pelo


filho abandonado imaterialmente, configurado com aquilo que é intitulado de ‘gran
cantidad de dolor psíquico’:

Las vivencias traumáticas que tuvo como experiência en la niñez, han


promovido un gran monto de agresión que no há sido posible elaborar o
expressar en ningún momento de su desarrollo y que ahora se presentan como
‘acting out’ de tal manera que no posibilitan la comprensión en el sujeito y
poe esse motivo generan al mismo tiempo una gran cantidad de dolor
psíquico267.

É ressaltada também a forte intensidade das consequências danosas do


abandono imaterial:

Con relación a la vivencia de abandono, en tanto registro mental, adquiere un


poder tan fuerte que la alianza terapéutica y, en específico, la adherencia al
proceso de psicoterapia se encuentran constantemente amenazadas por la
268
“actuaciones abandónicas” de estos pacientes .

265
MARTINÉZ, Nathalia Carolina Rodríguez. Los efectos de la ausencia paterna em el vinculo com la
madre e la pareja. Trabalho apresentado em mestrado de psicologia clinica pela Pontificia Universidad
Javeriana de Bogota em novembro de 2010, p. 192.
266
Ibidem., 192.
267
Ibidem., p. 92.
268
Ibidem., p.194.
111

Sem divergir das conclusões apresentadas pela pesquisadora de Bogotá, a


psicanalista brasileira Sonia Pires, após análise de diversos casos sobre crianças
desamparadas afetivamente, anota: “estava provado também que um vínculo de
referência é fundamental para o desenvolvimento psíquico da criança. O investimento
afetivo do adulto faz toda a diferença na sua história”269.
Essa mesma profissional publicou pesquisa a respeito do ‘Desamparo na
Infância’ e apontou as diversas dificuldades psíquicas que passam a enfrentar as
crianças sem apoio psicológico dos genitores. A profissional montou um grupo para
tentar solucionar as carências advindas da total ausência de um dos pais e contribuir
para solução dos transtornos psíquicos consequentes:

O atendimento do grupo de crianças, duas vezes por semana de uma hora e


meia cada, desenrolou-se com maior facilidade. Elas estavam ávidas por
270
investimentos afetivos .

Porém, tiveram resultados apenas crianças cujos pais participaram do


tratamento terapêutico juntamente com o(a) filho(a). As demais obtiveram avanço
mínimo – o que comprova a grande dificuldade que é lidar com o abandono imaterial.

Os resultados do trabalho anterior só ocorreram de forma satisfatória em


crianças cujos pais também foram acompanhados em grupo terapêutico (...)
com crianças que tinham pais que não faziam parte do grupo de atendimento,
271
o resultado da nossa intervenção era mínimo, isso estava provado .

Sonia Pires ainda anotou caso em que uma criança abandona imaterialmente já
havia desenvolvido transtorno psicótico:

Fomos surpreendidos com apenas um caso de transtorno psicótico. Em pouco


tempo, foi necessário oferecer um horário só para ele. O desafio maior era
atender aquela criança em suas demandas disformes sem poder contar com a
272
presença dos pais .

Sobre o mesmo assunto, o psicanalista Daniel Schor publicou recentemente


livro intitulado ‘Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo’. Nesta obra, é descrito

269
PIRES, Sonia. Desamparo na Infância. 1ª ed. São Paulo: Biblioteca24horas, 2013, p. 142.
270
Idibem., p. 137.
271
Ibidem., p. 141.
272
Ibidem., p. 138.
112

claramente os danos psicoafetivos causados a crianças e adolescentes que tiveram de


enfrentar a ausência de algum dos genitores.
Os efeitos do abandono afetivo, para o autor, apontariam para claro prejuízo
psíquico: “De nosso ponto de vista, esta seria uma maneira de descrever uma situação
de abuso e violência psíquicos”273.
Como base para suas conclusões, o pesquisador apresentou integralmente três
casos reais de crianças vítimas do abandono afetivo: Bernardo, João e Ian. A conclusão
foi a de sofrimento (e sequelas) nos três casos:

Podemos considerar que os três casos clínicos apresentados, os quais


funcionaram para nós como disparadores e apoiadores de nossa discussão,
possuem, é claro, algo em comum. Bernardo, João e Ian sofriam todos,
visivelmente, cada um a seu modo, de uma desconfiança a respeito de suas
representações da realidade e de suas histórias, isto é, suas memórias274.

Daniel Schor prossegue:

Em todos os casos estamos diante de defesas contra o pavor da queda no


abismo interno a que nos referimos páginas atrás, isto é, uma angústia de
fragmentação e despersonalização gerada pela profunda insegurança a
respeito da confiabilidade do objeto275.

Em conclusão, o psicanalista dispõe expressamente sobre os invisíveis


sofrimentos suportados por quem sofre abandono afetivo:

a deficiência de que padecem tais sujeitos refere-se, mais do que tudo, à


precariedade de suas condições para estar em relação, isto é, crer-se sujeito
diante de um outro sujeito de quem possa, enfim, estar em companhia. 276

Daniel aponta, ainda, a consequente carência plantada na criança e prossegue


destacando a necessidade de o sujeito receber ajuda para possibilitar talvez a
recuperação:
A falta de uma presença afetiva, regular, atenta, determinada essencialmente
pelo amor e pela identificação dos pais com as necessidades infantis

273
SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as
dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 202.
274
Idibem., p. 204.
275
Idibem., p. 208.
276
Ibidem., p. 208
113

impedem o sujeito de fazer o luto daquilo que nunca foi, renunciar ao que
nunca teve, aniquilando ou comprometendo gravemente seu sentimento de
existir, único capaz de lança-lo a uma jornada existencial baseada na
confiança íntima e profundamente guardada na possibilidade de um devir.
Nesse caso, a possibilidade de que o sujeito inicie uma trajetória pessoal
depende de que seja auxiliado a experimentar o que permaneceu em si em
estado apenas potencial, mas nunca acontecido 277.

Restam evidentes os danos que a ausência dos genitores não guardiões causam
em seus filhos. O sentimento de rejeição e a sensação de insegurança são as
consequências primárias, mas não únicas. O adulto abandonado afetivamente na
infância pelo pai ou mãe tem seu psicológico, invariavelmente, abalado, e terá mais
dificuldade do que os demais para solucionar seus conflitos internos e estruturar
psicologicamente suas relações em sociedade. O dano atinge exatamente a
personalidade do indivíduo que não conviveu com algum de seus genitores. E se a
conceituação de dano moral se apresenta como sendo um dano à personalidade, não há
como negar que o abandono afetivo – quando configurado – causa dano moral à vítima
abandonada imaterialmente.
O dano é mais do que evidente. É presumível. Não seria razoável sustentar que
a situação de ser rejeitado por um dos próprios pais não causa abalo.
Nesta seara, faz-se mister destacar que em ação judicial visando à reparação
por danos morais por abandono afetivo, a apresentação de laudo médico que aponte as
consequências do desrespeito aos deveres paterno-filiais é importante, mas não
imprescindível. Isto porque, como já denotado, o dano moral causado pela ausência de
um dos pais é presumível (dano in re ipsa).
Este é, inclusive, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, do Superior
Tribunal de Justiça, conforme disposto no Recurso Especial n. 1.159.242 - SP
(2009/0193701-9), julgado em abril de 2012, que manteve a condenação de pai ausente
ressarcir a filha por abandono afetivo:

[...] não obstante o desmazelo do pai em relação a sua filha, constado desde o
forçado reconhecimento da paternidade – apesar da evidente presunção de
sua paternidade –, passando pela ausência quase que completa de contato
com a filha e coroado com o evidente descompasso de tratamento outorgado
aos filhos posteriores, a recorrida logrou superar essas vicissitudes e crescer
com razoável aprumo, a ponto de conseguir inserção profissional, constituir
família, ter filhos, enfim, conduzir sua vida apesar da negligência paterna.
Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento,

277
SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as
dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 200-201.
114

mágoa e tristeza, e que esses sentimentos ainda persistam, por ser


considerada filha de segunda classe. Esse sentimento íntimo que a recorrida
levará, ad perpetuam , é perfeitamente apreensível e exsurge,
inexoravelmente, das omissões do recorrente no exercício de seu dever de
cuidado em relação à recorrida e também de suas ações, que privilegiaram
parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e
traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação.278

Vale aqui destacar, ainda, outra hipótese muito comum na jurisprudência sobre
dano moral presumível: a inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito.
Nos termos da jurisprudência do STJ, o protesto indevido de título de crédito é
suficiente para que haja pedido indenizatório, tendo em vista a presunção de dano moral
sofrido em razão desse ato279.
Se para configurar o dever de indenizar nestas hipóteses o abalo psíquico é
presumível (sendo dispensável a comprovação de ter ocorrido negativa de crédito em
razão na inscrição indevida), o que dizer a respeito do abalo provocado pela ausência de
um dos pais?
Não há como sustentar não haver abalo àquele que é ignorado e rejeitado pelo
próprio pai ou mãe. O dano é evidente quando comprovada a ausência.
Faz-se mister observar, contudo, que o entendimento sobre o dano moral
decorrente do abandono imaterial ser presumível não é unanimidade nos julgamentos do
Superior Tribunal de Justiça280.

278
STJ, Recurso Especial 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em abril
de 2012.
279
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. TÍTULO DE CRÉDITO.
PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL PRESUMIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, o
protesto indevido de título de crédito é suficiente para que haja pedido indenizatório, tendo em vista a
presunção de dano moral sofrido em razão desse ato. 2. "Não se conhece do recurso especial pela
divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." 3.
Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AgRg no AREsp: 179588 PR 2012/0103360-0, Relator:
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 06.08.2013, T3 - TERCEIRA TURMA,
Data de Publicação: DJe 19.08.2013)
280
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALEGADA OCORRÊNCIA DO
DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDADO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DO
DANO DIRETO E IMEDIATO. PREQUESTIONAMENTO INEXISTENTE NO QUE TANGE AOS
ACORDOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº.s 282 E 235
DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO ESPECIAL NÃO
PROVIDO. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são rejeitados pela
inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo dirime a controvérsia de forma
completa e fundamentada, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. Considerando a
complexidade dos temas que envolvem as relações familiares e que a configuração de dano moral em
hipóteses de tal natureza é situação excepcionalíssima, que somente deve ser admitida em ocasião de
efetivo excesso nas relações familiares, recomenda- e uma análise responsável e prudente pelo magistrado
dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, principalmente no caso de alegação de abandono
115

Por isso, é prudente que a Ação Indenizatória por Abandono Afetivo seja
sempre proposta com laudo psicológico que aponta os danos causados com a ausência
do(a) genitor(a).

4.5.8. Dever de reparar os danos causados à prole com o abandono


imaterial (ou afetivo)

Conforme tratado em tópico anterior, a responsabilidade civil subjetiva exige


para sua configuração a presença de três elementos: (i) dano (ii) culpa e (iii) nexo
causal.
O elemento dano é configurado pelo abalo psicológico acarretado ao filho que
sofre com a ausência do pai ou da mãe. Aludido dano afetivo foi apresentado em tópico

afetivo de filho, fazendo-se necessário examinar as circunstâncias do caso concreto, a fim de se verificar
se houve a quebra do dever jurídico de convivência familiar, de modo a evitar que o Poder Judiciário seja
transformado numa indústria indenizatória. 3. Para que se configure a responsabilidade civil, no caso,
subjetiva, deve ficar devidamente comprovada a conduta omissiva ou comissiva do pai em relação ao
dever jurídico de convivência com o filho (ato ilícito), o trauma psicológico sofrido (dano a
personalidade), e, sobretudo, o nexo causal entre o ato ilícito e o dano, nos termos do art. 186 do
CC/2002. Considerando a dificuldade de se visualizar a forma como se caracteriza o ato ilícito passível de
indenização, notadamente na hipótese de abandono afetivo, todos os elementos devem estar claro e
conectados. 4. Os elementos e as peculiaridades dos autos indicam que o Tribunal a quo decidiu com
prudência e razoabilidade quando adotou um critério para afastar a responsabilidade por abandono
afetivo, qual seja, o de que o descumprimento do dever de cuidado somente ocorre se houver um descaso,
uma rejeição ou um desprezo total pela pessoa da filha por parte do genitor, o que absolutamente não
ocorreu. 5. A ausência do indispensável estudo psicossocial para se estabelecer não só a existência do
dano mas a sua causa, dificulta, sobremaneira, a configuração do nexo causal. Este elemento da
responsabilidade civil, no caso, não ficou configurado porque não houve comprovação de que a conduta
atribuída ao recorrido foi a que necessariamente causou o alegado dano à recorrente. Adoção da teoria do
dano direto e imediato. 6. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes legais e regimentais,
pois além de indicar o dispositivo legal e transcrever os julgados apontados como paradigmas, cabia ao
recorrente realizar o cotejo analítico, demonstrando-se a identidade das situações fáticas e a interpretação
diversa dada ao mesmo dispositivo legal, o que não ocorreu. 7. Recurso especial não provido. (REsp.
1.557.978-DF, rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 17.11.2015) RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO
DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO
ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA.
PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM . VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. 1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais
por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas
especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam
mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivada unicamente pelo
interesse econômico- financeiro. 2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar
financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada com investigação de
paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material. 3. É insindicável, nesta
instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice
da Súmula nº 7/STJ. 4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium. 5.
Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido. (REsp. 493.125SP, relator Ministro
Ricardo Villas Boas Cueva, DJe 01.03.2016).
116

anterior e pode ser compreendido por meio de visão que passa pela
interdisciplinariedade com os estudos da Psicologia.
A culpa, por sua vez, se configura na omissão do genitor por não cumprir com
os deveres que lhe são impostos em razão do poder familiar. Esses deveres não se
limitam a recursos financeiros, como expõe Yussef Cahali:
O pai deve propiciar ao filho não apenas os alimentos para o corpo, mas tudo
o que for necessário (...) Todos os esforços dos pais devem ser orientados no
sentido de fazer o filho por eles gerado um ser em condições de viver por si
281
mesmo, de desenvolver-se e sobreviver sem o auxílio de terceiros .

Desta sorte, não basta o custeio dos alimentos. Faz-se mister a presença dos
genitores, a convivência com os filhos durante o desenvolvimento da prole.
Como já exposto, o genitor ausente descumpre os deveres (i) de supervisionar
os interesses do filho; (ii) de dirigir a criação e a educação; (iii) de compartilhar as
responsabilidades com o genitor guardião; (iv) de garantir a efetivação da saúde; (v) de
garantir a convivência familiar; (vi) de visitar o filho. A consequência é o dano (in re
ipsa) concernente em abalo psicológico à prole carente da presença do pai ou da mãe.
Uma vez que o dano ao filho é resultado da conduta culposa do genitor não
guardião que descumpre os deveres decorrentes do poder familiar, resta configurado o
nexo causal entre o dano e culpa282. Presentes estes três elementos, deve incidir o dever
de indenizar, conforme artigo 186 combinado com o artigo 927, ambos do Código Civil.
Vale dizer que o descumprimento do dever paterno que resulta em dano afetivo
gerador de prejuízo psicológico ao filho não dever ser tolerado e muito menos
prestigiado pelo Judiciário. Ao contrário, deve ser combatido, pois não se coaduna com
a ordem jurídica, que tem como princípio maior a busca pela dignidade humana.
Conforme Rodrigo Cunha Pereira:

[...] se um pai ou uma mãe não quiser cuidar, dar atenção, carinho e afeto
àqueles que trouxeram ao mundo, essa recusa e essa negligência implicam
danos à personalidade, os quais devem ser ressarcidos para provocar
reflexões e coibir práticas semelhantes. Afinal, eles são os responsáveis pelos
filhos e isso constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O
descumprimento dessas obrigações significa violação a direitos do filho. Se
os pais desrespeitarem direitos do filho devem responder por isso 283.

281
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 347.
282
Enunciado 8 IBDFAM: O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado.
283
PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e
Estado., Brasília: Scielo , v. 21, n. 3, p. 667-680, Disponível em
117

O desenvolvimento de filhos com danos de ordem psicológica ocasionados


pela ausência justamente daqueles que deveriam zelar pela proteção e cuidado é
incompatível com a ordem jurídica atual, que trata a família como uma célula que busca
impulsionar o bem-estar e as capacidades de cada membro.
A tutela dos direitos da personalidade passa pelas normas previstas no bojo do
direito de família, vez que este visa, dentre outros, a garantir o desenvolvimento
saudável, com integridade psíquica, a cada um dos integrantes de uma célula familiar,
como ensina Danilo Medeiros Pereira:

Relacionando-o com o Direito da Personalidade, tem-se que o Direito de


Família age principalmente quanto ao direito à integridade psíquica do
indivíduo, garantindo-lhe seu desenvolvimento saudável e seu direito à
284
integridade moral .

Assumir a posição de inexigibilidade de reparação parece-nos completamente


contrária aos já mencionados princípios da cidadania, da dignidade humana, da
solidariedade familiar, da paternidade responsável, da afetividade, da convivência
familiar e da proteção integral a crianças e adolescentes.
Nas palavras de Clayton Reis,

é inadmissível que na pré-modernidade onde predomina o princípio da


dignidade humana, que encarna o espírito da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, o ser humano continue a ser sistematicamente
estigmatizado em seus direitos essenciais. Na vida familiar não mais se
justificam que violações a esses direitos de primeira dimensão interfiram no
pleno desenvolvimento da personalidade dos membros familiares,
subtraindo-se deles o inarredável direito ao afeto para que a pessoa tenha
condições no futuro, de crescer e atingir sua plenitude como ser humano 285.

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23. out. 2017, p. 678.
284
PEREIRA, Danilo Medeiros Pereira. Direito de Família e sua influência na formação da personalidade
do indivíduo e garantia da dignidade humana. In: FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara
Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus (coords.). Estudos a cerca da efetividade dos direitos
de personalidade no Direito das famílias: construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da
dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 251.
285
REIS, Clayton. O Abandono Afetivo do Filho como Violação aos Direitos da Personalidade. In:
FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus
(coords). Estudos a cerca da efetividade dos direitos de personalidade no Direito das famílias:
construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2013, p. 131.
118

Talvez a ausência afetiva do pater familia fosse admitida em outros tempos,


nos períodos anteriores à Constituição Federal de 1988, em que os membros da família
eram sujeitados às vontades do chefe familiar. Não se falava em desenvolvimento de
cada membro, mas, sim, tratava-se de satisfazer o pater familia, pouco importando a
saúde psicológica dos demais integrantes da instituição familiar.
Neste cenário, não havia espaço para se falar em dever de indenizar o
abandono afetivo dos filhos.
Atualmente é o contrário: não deveria haver espaço para se falar em ausência
do dever de indenizar quando estiver configurado o abandono afetivo. Admitir a
possibilidade de não indenizar esse dano é um desprestígio a todo caminho evolutivo
que o ordenamento jurídico brasileiro trilhou até alcançar as normas atuais.
Assim como a figura do pater familia ficou para a história, a ideia de tolerar o
abandono afetivo também deve ser esquecida. Afinal, estamos na era do poder familiar,
termo este que implica responsabilidades e deveres de ambos os pais – sejam ou não
detentores da guarda – para com a saúde e integridade psíquica de seus filhos.
Como escreve Ana Carolina Teixeira:

Se uma criança veio ao mundo – desejada ou não, planejada ou não – os pais


devem arcar com as responsabilidades que esta escolha (consciente ou não)
lhes demanda286.

Não há que se admitir que pessoas causem culposamente danos a outrem sem
nenhuma responsabilização. Sobretudo, quando esse outrem é a prole!
Importante destacar, neste ponto, que sustentamos o dever de indenizar em
razão do ato omissivo configurado com o abandono. Desta forma, o genitor não
guardião que busca a prole, mas é renegado por esta, não pode ser condenado por
abandono imaterial; afinal, não foi por ato omissivo do não guardião que a convivência
não se efetivou.
Contudo, caso existam indícios de que a rejeição praticada pelo(a) filho(a) é
resultante de alienação parental efetivada pelo cônjuge guardião, cabe aquele que não
detém a guarda buscar tutela judicial (conforme já mencionado há jurisprudência que
menciona indícios de alienação parental e fixar astreintes a fim de compelir o guardião
a permitir a visita pelo outro progenitor) para cessar as atitudes alienantes. Se não o

286
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana, Revista
Brasileira de direito de família. Porto Alegre, n. 32, p. 156, out./nov. 2005.
119

fizer, deverá ser responsabilizado, juntamente com o alienante, pelos danos resultantes à
prole, vez que esta omissão se configuraria a busca por se beneficiar da própria torpeza.
Em outras palavras, ocorre a alienação parental, o cônjuge alienado nada faz para cessa-
la e em seguida a utiliza como argumento para afastar o deve de indenizar: é típica
hipótese do venire contra factum proprium.

4.5.8.1. Presença de substituto não apaga a dolorosa realidade de


ser um filho rejeitado

Muito se discute se a presença afetiva de outra pessoa como substituto do pai


ou mãe ausente é suficiente para rechaçar o dever de indenizar.
Evidente que a presença de outra pessoa pode reduzir os danos, mas não apagar
o fato de que aquela pessoa é rejeitada e ignorada pelo próprio pai ou mãe. Esta
dolorosa realidade não deixará de existir.
Nas palavras de Alexandre Junqueira Gomide:

Qualquer filho certamente sentirá, sempre, o vazio deixado pela falta de afeto
de um de seus genitores. Por mais que esse afeto seja preenchido,
parcialmente, pela figura de um avô, tio, padrasto e assim por diante, restará
um vazio287.
Da mesma forma que o fato de uma criança ter uma tia (ou qualquer outra
pessoa) para assumir o papel de sua mãe não afasta o dever de indenizar de quem deu
causa à morte dessa mãe, temos que o fato de outrem substituir o papel de mãe ou pai,
não afasta o dever de estes indenizarem o filho, se esta ausência se deu por culpa.
Assim, a indenização à prole ignorada, que não conviveu com algum dos pais,
não deixará de ser necessária em razão de outrem poder exercer o papel que deveria ser
exercido por esses pais, pois a situação de ser um filho rejeitado continuará existindo.
Vale destacar o seguinte trecho sobre caso clínico de adolescente que morava
com o pai e convivia com os avós, mas foi abandonado afetivamente pela mãe, a qual
foi morar na França e deixou o filho no Brasil:

Pude reconhecer a importância da comunicação que Bernardo me havia feito.


Ficava claro que, a cada vez que sua mãe passava pelo Brasil, o menino
regredia ao horror, vivido na infância, de seu eterno abandono por parte dela,
e temia despencar no abismo que se abria pela insuficiência de seus recursos
para lidar com o fato. Sempre que isto se dava, Bernardo voltava a ser o

287
GOMIDE, Alexandre Junqueira. Abandono Afetivo. In: LAGRASTA NETO, Caetano; SIMÃO, José
Fernando (coords.). Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.
120

garotinho fechado em seu quarto, arrancado literalmente os cabelos, no limite


de suas forças para crer na sobrevivência da mãe e em seu amor por ele 288.

No caso apontado, a criança contava com o amparo do pai e dos dois avôs
paternos, mas isso não afastou – em nenhum momento – os danos causados com o
abandono imaterial praticado pela mãe.
Mesmo que outros parentes tentem assumir o papel que deveria ser exercido
por algum dos progenitores, o dano existe, pois a realidade de aquele ser um filho
abandonado imaterialmente pela própria mãe ou pelo próprio pai não é apagada nunca.

4.5.8.2. Desamor e dever de cuidado

Outro argumento que busca afastar o dever de reparar os danos causados com o
abandono afetivo diz respeito à impossibilidade de obrigar alguém a amar.
Entretanto, é muito importante destacar que a reparação por abandono afetivo
não se refere à falta de amor, mas sim à inobservância dos princípios que regem o
ordenamento jurídico e dos deveres paternos filiais (dever de cuidado, educação,
fiscalização de interesses dos filhos pelo não guardião, etc.) que não podem ser
descumpridos culposamente.
Ressalta-se: não se fala em condenação contra pai ou mãe que cuida mas não
ama. Busca-se condenar aquele que arca com deveres materiais, mas não cuida (mesmo
se ainda amar o filho de alguma forma).
Em outras palavras: não se trata de indenizar danos causados por desamor, mas
sim danos causados pela falta de cuidado, pois apenas o custeio de questões materiais
não é suficiente para denotar o cumprimento dos deveres paternos ou maternos.
Conforme Rolf Madaleno:

[...] embora possa ser dito que não há como o Judiciário obrigar a amar,
também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de tentar,
buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que
grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas
configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável
dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar, além de
coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CF, artigo 227). A condenação de hoje pelo
dano moral causado no passado, tem imensurável valor propedêutico para
evitar ou arrefecer o dano afetivo do futuro, não mais pela ótica do amor que

288
SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as
dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 48.
121

foi omitido, mas como entendeu a Ministra Nancy Andrighi no REsp. n.


1.159.242-SP, pelo dever jurídico de cuidar, para que filhos sejam postos a
salvo de toda a forma de negligência e para que pais irresponsáveis pensem
duas vezes antes de usar seus filhos como instrumento de vingança de suas
289
frustrações amorosas .

Vale destacar que não importa se está se tratando de dever de cuidado ou de


dever de amar, pois o artigo 186 do Código Civil determina que causar culposamente
(por meio ação ou omissão voluntária negligência, imprudência ou imperícia) dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, configura ato ilícito. Ou seja, o genitor
ausente, quando causa dano afetivo a sua prole, comete ato ilícito.
A ilicitude está em causar o dano culposamente, e é isso que gera o dever de
reparar (conforme artigo 927 do CC), independente de o dano ter sido causado pela falta
de amor ou falta de cuidado. O fato é que houve dano decorrente de culpa (dano afetivo
à prole decorrente de carência quanto à presença do pai ou da mãe), sendo mister a
reparação.
É de se anotar, entretanto, que, mesmo sem amar, caso o genitor cumpra
devidamente com seu dever de cuidado, não haverá dano.
Explica-se. A lei não dispõe sobre o dever de amar. Mas dispõe claramente
sobre o dever de cuidado (incluindo neste o cuidado com a educação, com a supervisão
de interesses, etc.). Quem ama, cuida. Mas quem cuida, não necessariamente ama.
Desta forma, mesmo sem amar o filho, o genitor preocupado em não lesar essa
prole, não irá demonstrar desamor; não irá ignorar a prole; não será absolutamente
ausente. E caso tenha dificuldade em cumprir seus deveres paternais, deverá buscar
meios que o auxiliem a exercer a função que lhe cabe. Neste sentido, é possível até
imaginar a hipótese de o(a) genitor(a) se submeter a sessões de psicoterapia para lidar
com a necessidade de adimplir seu dever e evitar que os filhos é que venham a ser
carentes e precisem de tratamento psicológico.
Trata-se da busca por não lesar o outrem, princípio básico concretizado pela
expressão neminem laedere.
Ainda que não verdadeiramente se ame o filho, é necessário que tenha cuidado
para não lesar a própria prole, e que se busque cumprir os deveres legais atribuídos ao
genitor que não detém a guarda.

289
MADALENO. Rolf. O Dano moral no direito de família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 384
- 385.
122

Portanto, não é o desamor em si que deve gerar o dever de indenizar. É o


desamor seguido do descaso em lesar o outro (que no caso é o próprio filho) por não
cumprir com os deveres paternais (ou maternais) do não guardião.
Tal descaso gera danos terríveis que acompanharão o infante rejeitado por toda
a sua vida. É fundamental a incidência de danos punitivos a serem suportado por quem
dá causa a esses danos, a fim de desestimular a prática e incentivar a busca pelo
adimplemento dos deveres paternos filiais, ainda que não haja amor. Pois este é
sentimento, é elemento subjetivo daquele que deu causa à prole, não devendo o desamor
ser externado, mas sim internalizado e coibido com o adimplemento do dever de
cuidado e da busca por não lesar a outrem.
No mesmo sentido é o entendimento da Ministra Nancy Andrighi:

Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de


cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou
adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os
lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa
materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da
religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos,
distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de
seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença;
contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole;
comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –,
entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador,
290
pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever .

O dever de indenizar não incide em razão do sentimento interno, subjetivo do


genitor que não ama seu filho. Mas sim em função dos danos causados em decorrência
da externalização do desamor configurada na omissão do genitor em cumprir os
encargos decorrentes do poder familiar. O termo abandono afetivo se refere, portanto,
ao abandono imaterial, à ‘não convivência’, à não participação, à ausência imaterial, à
falta de cuidado e não ao amor em si.

4.5.8.3. Dano material com tratamento psicológico

As consequências do não convivência, ou abandono afetivo, não se limitam aos


aludidos danos morais. Há também a possibilidade de se configurar danos materiais.

290
STJ – Resp. 1.159.242 - SP 2009/0193701-9, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de
Julgamento: 24/04/12, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10.05.2012.
123

Isto porque, existe a necessidade de tratamento psicológico ao filho lesado para


que este possa ter a possibilidade de saber lidar com a violência do abandono e de talvez
até superar os danos na higidez psíquica decorrentes da rejeição pela ausência culposa
de um dos genitores.
Conforme teoria da responsabilidade civil apresentada anteriormente, aquele
que lesa outrem culposamente é obrigado a indenizar os danos causados. Assim, os
custos de todo o tratamento médico devem ser suportados por aquele que deu causa ao
abalo psíquico do filho rejeitado e abandonado imaterialmente, ou seja, deve ser
custeado pelo pai ou mãe ausente que não conviveu, não interagiu com o filho, e deu
causa ao dano.
Deve, portanto, ser configurada a incidência da responsabilidade civil para
compelir os pais ausentes a arcar com os danos materiais decorrentes dos custos com
tratamento psicológico ao filho vítima da violência com a rejeição.
Vale observar, por fim, que o dano material é configurado a cada vez que o
filho que não conviveu com o(a) genitor(a) custeia uma sessão ou consulta com
psicanalista ou psiquiatra para lidar ou superar o abandono afetivo. Portanto, a
prescrição para a propositura de ação reparatória deve ser contada da data de cada
pagamento com o tratamento, pois esse gasto é que configura o prejuízo material.
Desta forma, ainda que se entenda estar prescrita a possibilidade de reparação
moral pelo abandono afetivo, o dever de reparação material incidirá a cada novo gasto
gerado em decorrência de tratamento objetivando dirimir os danos da rejeição. Ou seja,
se o prazo prescricional para a pretensão de reparação civil é de três anos (conforme
artigo 206, § 3º, V do Código Civil), o filho terá três anos para cobrar ressarcimento do
gasto que venha a ter com cada consulta ou tratamento psicológico para tratar os danos
do abandono afetivo.
Tem-se, portanto, a possibilidade de incidência do dever de indenização
também quanto a danos materiais, cuja contagem prescricional da reparação deve ser
contada a partir da data do gasto com cada dia de tratamento psicológico.

4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos
causados aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar

4.6.1. O termo “abandono afetivo inverso”


124

Conforme já referido em tópico anterior, a terminologia ‘abandono afetivo


inverso’ é utilizada para se referir à ausência dos filhos em relação aos pais idosos, ou
seja, à não convivência familiar com os genitores quando estes se encontram em
situação de vulnerabilidade.
Segundo Caetano Lagrasta Neto e José Fernando Simão:

Atualmente, fala-se também em abandono afetivo inverso, o qual se


caracteriza pelo descumprimento do dever de cuidado pelos filhos em face
dos pais, geralmente quando estes são idosos ou enfermos291.

No mesmo sentido, Jones Figueirêdo Alves:

Diz-se abandono afetivo inverso a inação de afeto ou, mais precisamente, a


não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos,
quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base
fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança
afetiva da família292.
O desembargador de Pernambuco e diretor nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM) explica ainda que:

O vocábulo ‘inverso’ da expressão do abandono afetivo corresponde a uma


equação às avessas do binômio da relação paterno-filial, dado que ao dever
de cuidado repercussivo da paternidade responsável, coincide valor jurídico
idêntico atribuído aos deveres filiais293.

Temos assim que o ‘abandono afetivo’ ou ‘abandono afetivo direto’ é


configurado pela culposa não convivência e ausência de cuidado (independente do
custeio referente às questões materiais) dos pais em relação aos filhos. Já o ‘abandono
afetivo inverso’ é verificado quando ocorrer culposa ausência dos filhos (não
convivência familiar) em relação aos pais idosos.

291
LAGRASTA NETO. Caetano; SIMÃO, José Fernando (coords.). Nota da Coordenadoria em
Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.
292
Abandono afetivo inverso pode gerar indenização – IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de
Família). Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%
C3%A3o> acesso em 10. abr. 2017.
293
Ibidem.
125

Como já destacado anteriormente, ainda que se utilize o termo afetivo, não se


quer referir à obrigação de afeto ou amor. Trata-se de adimplir os deveres de cuidado
para com a prole em desenvolvimento ou com os genitores idosos.
Por esta razão é que neste trabalho também é utilizado o termo abandono
imaterial. O intuito é se referir ao abandono praticado por quem se limita a efetivar o
custeio de questões materiais (alimentos, escola, cuidadores, etc.), e é completamente
ausente, sem nenhuma participação ou demais cuidado com o filho ou com o pai.
Desta forma, tem-se que o termo abandono afetivo (ou imaterial) inverso é
usado para se referir ao ato de filhos não conviverem e ignorarem os pais idosos, ainda
que haja, pelos filhos, custeio pecuniário (ou material) dos pais.

4.6.2. Abandono afetivo inverso: a difícil realidade de muitos idosos

Conforme aponta relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde


(OMS), um em cada seis idosos é vítima de algum tipo de violência em todo o mundo.
A especialista independente das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre Direitos
Humanos, Rosa Kornfeld-Matte, afirmou que a maioria dos casos acontece de forma
discreta e passa despercebida294. Com o intuito de conscientizar e alertar a sociedade, a
ONU instituiu, em 2007, o Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Pessoa Idosa,
a ser celebrado no dia 15 de junho.
No Brasil, a estatística divulgada pelo Disque 100, serviço telefônico da
Secretaria de Direitos Humanos, expõe uma sombria realidade, conforme exposto por
José Renato Nalini:
[...]no Brasil, filhos e netos são os principais agressores dos velhos. Dos 71
mil suspeitos de agressão os filhos foram apontados em 36,6 mil casos –
51,5% do total – e os netos em 5,9 mil – 8,25%. Toda espécie de agressão é
registrada: violência psicológica, violência física e abuso financeiro. Ocorre
que a maior parte da violência cotidiana contra os idosos não é denunciada 295.

Não bastasse o fato de a prole ser o maior agressor dos idosos, estes ainda são
submetidos à diversas espécies de abusos. Em estudo publicado pela Secretaria Especial

294
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-06/um-em-cada-6-idosos-sofre-algum-
tipo-de-violencia-alerta-oms> acesso em 29. jun. 2017.
295
NALINI, José Renato. A tragédia familiar – reflexões sobre a falta de amor. In: PINTO, Eduardo
Vera-Cruz; PERAZZOLO, José Rodolpho; SILVA, Marco Antônio Marques da. (coords). Família:
patrimônio da humanidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 134.
126

dos Direitos Humanos foram elencadas as seguintes variações de violência contra os


idosos:
Abusos Físico, maus-tratos físicos ou violência física são expressões que se
referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não
desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.
Abusos Psicológico, violência psicológica ou maus-tratos psicológicos
correspondem a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar
os idosos, humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio
social.
Abuso sexual, violência sexual são termos que se referem ao ato ou jogo
sexual de caráter homo ou hetero-relacional, utilizando pessoas idosas. Esses
abusos visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio
de aliciamento, violência física ou ameaças.
Abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou
deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de
prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção.
Negligência refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e
necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou
institucionais. A negligência é uma das formas de violência contra os idosos
mais presentes no país. Ela se manifesta, frequentemente, associada a outros
abusos que geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais, em
particular, para as que se encontram em situação de múltipla dependência ou
incapacidade.
Abuso financeiro e econômico consiste na exploração imprópria ou ilegal dos
idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e
patrimoniais. Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar.
Autonegligência diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça a sua
própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si
mesma296.

A negligência praticada em relação aos pais pelos filhos (ainda que estes
arquem com custeio material dos pais) não apenas é um dos tipos de violência sofridos
pelos idosos, como também é a violência com maior incidência.
O abandono afetivo dos pais idosos é uma forma de negligência, que se
configura pela ausência dos filhos relacionada a questões imateriais. Ou seja, ainda que
haja o custeio de gastos e despesas materiais, a total ausência da prole quando
configurada a vulnerabilidade dos pais idosos caracteriza o denominado abandono
afetivo inverso.
Conforme dados divulgados em junho de 2016 pelo Ministério da Justiça e
Cidadania sobre a violação de direitos da pessoa idosa, 77% das denúncias são por
negligência; 51% por violência psicológica; 38% por abuso financeiro e econômico ou
violência patrimonial; e 26% por violência física e maus-tratos297.

296
MINAYO, Maria Cecília. Violência contra Idosos: O avesso do respeito à experiência e à sabedoria.
2ª ed. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2005, p. 15.
297
Ministério dos Direitos Humanos, Dados do disque 100 mostram que mais de 80 dos casos de
violência contra idosos acontece dentro de casa <http://www.sdh.gov.br/noticias/2016/junho/dados-do-
127

Portanto, temos que: os que mais violam os direitos dos idosos são os próprios
filhos, e as violações com maior incidência são a negligência e a violência psicológica.
Ora, estes dados são os mesmos há, pelo menos, 15 anos298. Está mais do que
na hora de o Estado coibir a prática do abandono afetivo pelos filhos em relação aos
pais.
Certo é que a Lei 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso) criminaliza o ato de
“abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou
congêneres, ou não prover suas necessidades básicas”, contudo só estará configurado o
crime, por esta norma, quando o agente estiver obrigado por lei ou por mandado a
efetivar a manutenção do idoso:

Artigo 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de


longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas,
quando obrigado por lei ou mandado:
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.

Já o Código Penal não exige que a obrigação derive de lei ou mandato e


tipifica, no artigo 133, § 3º, inciso II, o crime de abandono de incapaz com aumento de
pena se o agente é ascendente ou descendente da vítima (ou ainda cônjuge, irmão,
curador ou tutor).
A respeito, Marco Antonio Villas Boas observa:

É de se notar que o Código Penal foi mais rígido que o Estatuto ao não exigir
que o agente estivesse obrigado ao sustento de seus dependentes ou parentes
próximos, por lei ou mandato. Na verdade, não precisa de lei, contrato ou
mandado para que o filho socorra seus pais na velhice ou nas necessidades.
299
Pode ter havido no Estatuto um mero artificialismo .

Na mesma oportunidade, o autor aponta que o abandono de idosos em hospitais


ou instituições congêneres não deixa de ser, à primeira vista, um abandono material, e à
segunda vista, um abandono moral.
Contudo, o que se pretende esclarecer neste trabalho é que – ainda que em
algumas hipóteses se verifique o abandono moral atrelado à negligência material – o

disque-100-mostram-que-mais-de-80-dos-casos-de-violencia-contra-idosos-acontece-dentro-de-casa>
acesso em 3. abr. 2017.
298
Conforme dados da Secretaria de Direitos Humanos: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-
idosa/dados-estatisticos/DadossobreoenvelhecimentonoBrasil.pdf> acesso em 11. jul. 2017.
299
VILAS BOAS, Marco Antonio. Estatuto do Idoso comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.
185.
128

abandono moral (ou abandono afetivo) pode também ocorrer independente do abandono
material, pois é possível que filhos arquem com o custeio da melhor estrutura física para
a manutenção de seus pais, mas simplesmente os ignorem, não realizem visitas e nem
convivam com eles quando esses se tornam idosos.
Também é possível imaginar a hipótese de pais idosos que tenham condições
financeiras de se sustentar, com rendimentos, aplicações, etc. sem precisar de auxílio
material, mas sejam ignorados pelos filhos quando idosos, sendo relegados à solidão e
ausência familiar.
Quando se atrela o abandono apenas a questões materiais, e não à convivência
familiar em si, tutela-se o abandono afetivo dos pais idosos, como se o sofrimento com
a ausência e a solidão não configurasse abalo à direito da personalidade.

4.6.3. Danos decorrentes do abandono afetivo inverso

Conforme o sociólogo alemão Nobert Elias, a solidão do idoso, que é ceifado


do direito à convivência familiar, é a pior forma de abandono enfrentada por eles:

A fragilidade dos velhos é muitas vezes suficiente para separar os que


envelhecem dos vivos. Sua decadência os isola. Podem tornar-se menos
sociáveis e seus sentimentos menos calorosos, sem que se extinga a sua
necessidade dos outros. Isso é o mais difícil: o isolamento tácito dos velhos,
o gradual esfriamento de suas relações com pessoas a quem eram
afeiçoados, a separação em relação aos seres humanos em geral, tudo o que
lhes dava sentido e segurança300.

Essa violência apesar de ser frequente, é selada e pouco retratada. No livro “O


conluio do silêncio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa”, três sociólogos,
antropólogos e psicólogos coordenam pesquisa aprofundada sobre a negligência dos
filhos com os pais idosos.
De acordo com os pesquisadores, as faltas e negações dos filhos estão entre as
piores queixas dos idosos: “Os tipos de maus-tratos referem-se à percepção destas como
faltas e negações do outro e também de atendimento a necessidades do idoso, tanto das
necessidades de ordem emocional, como das necessidades básicas”301.

300
ELIAS, Noberto. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 8.
301
BRITO, Denise Orbage de Brito; FALEIROS, Vicente de Paula. A Violência Intrafamiliar contra a
pessoa idosa e as relações familiares. In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado
129

Em outras palavras, o abandono afetivo é percebido pelos idosos com a


configuração de maus-tratos.
De acordo com a pesquisa, quando perguntado sobre o que seriam maus-tratos,
o idoso Joaquim de 70 anos respondeu: “É a falta de conversar, né. Dialogar. Como diz
o outro não dá a mínima por aqueles mais velhos, né? O que acontece mais? É a falta de
compreensão mesmo, né, dos filhos.”
Já Rute, de 80 anos, assim respondeu: “Solidão também é maltratar (...) Eu
passei foi muita solidão, sentia muito sozinha. Acho que não pode fazer nada”.
Margarida, de 70 anos, afirmou com a mesma percepção: “também os maus-
tratos a idosos é, por exemplo, a família deixar abandonado, desprezado (...) muitos
filhos abandonam os pais pra lá, desprezam. Outros deixam passar até fome”.
Os pesquisadores apontaram ainda o seguinte relato de um idoso para concluir
o sofrimento deste com as faltas e negações decorrentes do abandono afetivo dos filhos:

Não querem conversas comigo e não têm paciência comigo. Me deixam


isolado num canto como um lixo qualquer. Estou abandonado e discriminado
pela minha idade e não sou atendido no que preciso. Não me dão atenção e
nem mesmo amor. Não me compreendem e sou desrespeitado. Isso tudo pra
mim é mau trato. As pessoas que maltratam a nós idosos pensam que não vão
ficar velhos e que não vão precisar de ninguém. Eles são egoístas e não têm
coração, são iguais a maribondos. Acham que a gente está velho e fraco e que
302
está na hora da gente morrer .

Em outro capítulo do livro, Maria Aparecida Penso e Ivalda Alves de Morais


apresentam resultado de pesquisa intitulada “Geracionalidade, Violência e Imaginário”,
financiada pela Universidade Católica de Brasília e pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Por meio desse trabalho, conclui-se que muitos idosos não verificam a inversão
dos papéis no envelhecimento, em um processo natural e saudável em que filhos passam
a cuidar dos pais. Para estes idosos, “o processo não ocorreu; eles não só não são

Lahud; PENSO, Maria Aparecida (coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a
pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009, p. 28.
302
BRITO, Denise Orbage de Brito; FALEIROS, Vicente de Paula. A Violência Intrafamiliar contra a
pessoa idosa e as relações familiares. In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado
Lahud; PENSO, Maria Aparecida (coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a
pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009, p. 27.
130

cuidados, como sequer mantêm um contato constante com os filhos, mesmo morando na
mesma cidade”303.
Os relatos apresentados na pesquisa são eivados de clara tristeza. Mariana, de
70 anos, assim declarou sobre a ausência dos filhos: “Às vezes, quando falo por telefone
com eles, eles dizem que não têm tempo para me visitar”.
Marta, de 73 anos, também vivencia o abandono afetivo pelos filhos:

Meus filhos moram aqui, em Brasília, mas alegam que moram longe. Meus
filhos não me telefonam, só conversam comigo quando eu ligo. Eu nem tenho
o telefone de minha filha, só do meu filho. Meu filho me aceita mais, mas a
aceitação dele é dentro de suas possibilidades. Gostaria de ter mais contatos,
ver mais meus netos, sinto falta deles”.

Segundo as pesquisadoras Penso e Morais, tais relatos demonstram a “ausência


de uma convivência mínima que garanta a manutenção da identidade familiar e o
sentimento de pertencimento de seus membros”304. As psicólogas questionam como é
possível manter a continuidade familiar se pais e filhos sequer se visitam, e concluem
que os idosos buscam justificar o injustificável sobre o abandono afetivo (como, por
exemplo, que não são merecedores de atenção) para si mesmo e para a sociedade, a fim
de garantir minimamente a sobrevivência psíquica.
O dano é, portanto, evidente. Os idosos abandonados afetivamente se sentem
maltratados e alguns chegam até a buscar subterfúgios para conseguir enfrentar a
dolorosa realidade.
Outra situação muito comum de abandono afetivo se verifica em internações
asilares.
As internações apenas deveriam ocorrer em caráter excepcional, pois, em razão
do princípio da convivência familiar, é direito do idoso a priorização do atendimento do
por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a
possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência, como reza
o artigo 3º, § 1º, V do Estatuto do Idoso.
O Decreto Federal n. 1.948 de 1996 por meio do parágrafo único do artigo 3º
reforça o caráter excepcional da internação asilar:

303
PENSO, Maria Aparecida; MORAIS, Ivalda Alves de. O ciclo da violência em famílias com Idosos.
In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado Lahud; PENSO, Maria Aparecida
(coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009,
p. 57.
304
Ibidem., p. 58.
131

Artigo 3° Entende-se por modalidade asilar o atendimento, em regime de


internato, ao idoso sem vínculo familiar ou sem condições de prover à
própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia,
alimentação, saúde e convivência social.
Parágrafo único. A assistência na modalidade asilar ocorre no caso da
inexistência do grupo familiar, abandono, carência de recursos financeiros
próprios ou da própria família.

Neste sentido é a lição de Oswaldo Peregrina Rodrigues:

“a prioridade é a permanência do idoso no seio de sua família – isso quando


ele não tenha interesse em ficar só, tendo condições para tanto – natural ou
substituta, como garantia do direito fundamental à convivência familiar.
Impossibilitada essa permanência, a pessoa será encaminhada para entidade
de atendimento adequada às suas condições e necessidades pessoais
peculiares (...) sempre se priorizará a convivência familiar” 305.

Tendo em vista que o internato asilar deve ser adotado como última opção, a
lei apresenta outras opções para atendimento do idoso em modalidade não asilar por
meio do artigo 4º do referido Decreto Federal n. 1.948 de 1996306.
A intenção de evitar a internação se justifica em razão do sofrimento
enfrentado pelos idosos que são retirados de suas casas para serem ‘aprisionados’ em
uma instituição e perdem a liberdade em razão da falta de autonomia. Nesta seara,
ensinam especialistas em gerontologia:

Desempenhando função de guarda, proteção, alimentação e atendimento


permanentes, as casas asilares realizam função funções institucionais
comumente descritas na literatura pertinente. Entretanto, nesse meio, o idoso
não é considerado como sujeito histórico, é ignorado nas suas diferenças,

305
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 78-
79.
306
Artigo 4° Entende-se por modalidade não asilar de atendimento:
I - Centro de Convivência: local destinado à permanência diurna do idoso, onde são desenvolvidas
atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais, associativas e de educação para a cidadania;
II - Centro de Cuidados Diurno: Hospital-Dia e Centro-Dia - local destinado à permanência diurna do
idoso dependente ou que possua deficiência temporária e necessite de assistência médica ou de assistência
multiprofissional;
III - Casa-Lar: residência, em sistema participativo, cedida por instituições públicas ou privadas,
destinada a idosos detentores de renda insuficiente para sua manutenção e sem família;
IV - Oficina Abrigada de Trabalho: local destinado ao desenvolvimento, pelo idoso, de atividades
produtivas, proporcionando-lhe oportunidade de elevar sua renda, sendo regida por normas específicas;
V - atendimento domiciliar: é o serviço prestado ao idoso que vive só e seja dependente, a fim de suprir as
suas necessidades da vida diária. Esse serviço é prestado em seu próprio lar, por profissionais da área de
saúde ou por pessoas da própria comunidade;
VI - outras formas de atendimento: iniciativas surgidas na própria comunidade, que visem à promoção e à
integração da pessoa idosa na família e na sociedade.
132

nos desejos e nas expectativas, o que o impede de ser agente da promoção


de sua autonomia, da integração e da participação social, direito que lhes é
assegurado por lei307.

Todo esse sofrimento pela perda da liberdade, justificada pela falta de


autonomia, é profundamente acentuado quando estes idosos internados são ‘esquecidos’
pelos filhos no asilo.
Em trabalho intitulado “Idoso Asilado: um estudo gerontológico” três
pedagogas, sociólogas e especialistas em gerontologia apresentam resultado de
pesquisas realizadas mediantes diferentes enfoques metodológicos a permitir a
apreensão da realidade do asilamento e de quem vive nessa situação.
Por meio destas pesquisas, concluiu-se que o enfrentamento da condição de
asilado se dá de formas diferentes entre os idosos que possuem filhos e aqueles que não
constituíram família própria. Estes, por serem solteiros e não terem filhos, manifestam
certo conformismo de se encontrarem em uma casa asilar, porque ela representa a
garantia de um lugar para ficar. Já aqueles sofrem pela perda do convívio familiar –
sofrimento que é acentuado quando não são visitados e esquecidos pelos filhos que os
abandona afetivamente.
Ou seja, a falta do convívio familiar advinda da rejeição e ausência dos filhos é
o fator mais sentido pelos idosos asilados.
Tal sofrimento decorrente do abandono é claramente notado no seguinte
depoimento coletados na pesquisa:

A minha filha me colocou aqui sem eu querer. Eu não queria sair da minha
casa. É mesmo minha. O motivo que eu vim para cá é que minha filha me
disse que aqui tinha um churrasquinho. Era para eu vir junto. Eu disse: mas
não gosto de churrasco, eu fico em casa. Mas eu não quero ir junto. A
senhora vai junto, ela disse. Eu disse: tá, então eu vou. Eu nunca desobedeci
ao que ela dizia, porque sabia que ela era braba. Então eu vim junto. Eu saí
do táxi e ela foi embora, e eu chorei. Chorei que me lavei. Depois, então,
sempre com minha roupa pronta para ir embora, mas não deu para eu ir
embora, ninguém veio me buscar. Faz dois anos que eu estou aqui. Eu
fiquei muito sentida de estar aqui. Eu queria estar na minha casa (...) Minha
filha vem me visitar muito pouco. Ela só trabalha, está sempre ocupada. Ela
não vem muito me visitar por causa disso (...) Agora faz dois meses que a
filha não me aparece, mas ela trabalha muito. Daqui para frente eu
penso em morrer. Sabe o que eu imagino? Não adianta, eu tenho que
308
morrer aqui, porque desconfio que a filha não vem me buscar .

307
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.)
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.58.
308
Na pesquisa atrelou-se o depoimento à senhora A. B. B. de 90 anos.
133

A pesquisa anotou ainda os seguintes depoimentos dos idosos asilados sobre os


filhos309:

Eles ficaram na minha casa para cuidar de tudo para quando eu voltar, eles
quase não me visitam, porque não têm tempo, porque trabalham.(S.T.P)

Minha filha disse que era só para passar o fim de semana aqui e não veio
mais me buscar, nem me visita. (C.F.P.T.)

Sabe, minha filha, acho isto um desaforo, criei meus filhos e agora olha só o
que eles me fizeram, me largaram aqui. (T.P.L.H.)

Muitas vezes os idosos não têm condições de morar sozinhos, o que justificaria
a asilamento, uma vez que “liberdade implica em autonomia”310. Entretanto, a
necessidade de um idoso residir em um asilo que lhe forneça condições materiais de
sobrevivência não justifica a ausência dos filhos que passam a ignorar os pais, com
visitas raras e esporádicas.
Segundo as pesquisadoras, mesmo os idosos que inicialmente são visitados
pelos filhos no asilo tendem ao abandono, pois com o aumento de anos do asilamento,
reduz-se, em geral, a frequência das visitas:

Um dado que confirma a situação e acentua o sentimento de abandono é o


fato de diminuir o número de visitas de companheiro(a), filhos e netos,
parentes e amigos à medida que aumentam os anos de asilamento. Isso pode
estar relacionado às perdas representadas por mortes e/ou fragilização dos
311
laços afetivos .

A conclusão dos pesquisadores é a de que existe uma necessidade emergente


de se rediscutir o papel da família e também de se avaliar o retorno desse idoso asilado à

309
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 126 - 127.
310
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 31.
311
HERÉDIA; CORTELLETTI; CASARA. Op. cit., p.41.
134

sua própria família312. Pois o homem, por ser um ser social, tem necessidades afetivas; e
é por meio da afetividade que o ser humano encontra o sentido existencial313.
Tem-se que a combinação asilo com abandono afetivo pelos filhos caracteriza
sofrimento tamanho que configura desincentivo aos idosos a continuar a viver:

Os depoimentos contrariam aspectos da Política Nacional do Idoso que tem


por objetivo assegurar os direitos sociais dos mesmos, criando condições para
promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Vê-
se , claramente, que em vez de asseguras os direitos sociais no momento em
que o idoso é institucionalizado, este é afastado na participação social (...) A
perda da autonomia pode ser um motivo de asilamento. Entretanto, a perda
da autonomia dentro da instituição fechada conduz a uma consciência de
que não existe mais opções para a vida do asilado. Para muitos esse é um
314
motivo para deixar de lutar pela vida .

A mesma conclusão dos trabalhos realizados em asilo foi obtida na pesquisa


realizada fora do asilo com idosos que também sofriam abandono afetivo: “nos conflitos
intergeracionais e na violência existe um desejo social da morte dos idosos”. Nesta
pesquisa colheu-se o seguinte depoimento de senhora de 80 anos:

O abandono, todo mundo abandona, ninguém quer saber de idoso. (...) sabe o
que é: é falta de educação, falta de compreensão, não compreende a pessoa,
não é? Por enquanto é novo, né, mas quando tiver idade é que vai ver o que
fez. Quando está novo não sabe o que é ter idade. Acabou... acha que o idoso
315
não presta mais, não serve mais para nada, já está na hora de morrer .

De acordo com os pesquisadores, a percepção da velhice como um fardo para a


família possibilita o abandono. O idoso passa se olhar com a percepção do outro e,
assim, entende que já não tem serventia, que está na hora de morrer, pois sua vida já não
tem mais motivo. A afetividade, como já apontado, é fundamental para o sentido

312
GROEWALD, Rosa. Idosos Asilados no Município de Canoas. . In: HERÉDIA, Vania;
CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.). Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª
ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p 133.
313
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 80-81.
314
Ibidem., p. 127
315
PENSO, Maria Aparecida; e MORAIS, Ivalda Alves de. O ciclo da violência em famílias com Idosos.
In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado Lahud; PENSO, Maria Aparecida
(coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009,
p. 29.
135

existencial, por essa razão, “percebe-se que há uma necessidade constante de buscar,
permanentemente, a família ausente”316.
Restam evidentes, por meio destas análises pragmáticas, os danos morais que o
abandono afetivo pelos filhos acarreta nos idosos, que, com o sentimento de rejeição e
desestímulo, chegam a desejar até a morte.

4.6.4. Dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo


inverso

Uma vez denotado os danos decorrentes do abandono afetivo inverso, faz-se


necessário analisar a ilicitude da ausência da prole para que haja a incidência da
responsabilidade civil.
O dever de a família assegurar ao idoso a efetivação do direito à dignidade e à
convivência familiar, dentre outros, é instituído no artigo 3º da Lei n. 10.741/2003
(Estatuto do Idoso):

Artigo 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder


Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao
trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência
familiar e comunitária.

Já o dever de os filhos ampararem seus pais idosos é mandamento


constitucional descrito expressamente no artigo 229 na Lei Maior, o qual determina que
“os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade”.
Vale, nesta seara, destacar a expressão ‘amparar’. Segundo o Dicionário
Aurélio, este termo é definido como “1- ajudar a ficar de pé (o que está para cair); 2-
proteger, resguardar; 3- escorar, patrocinar; e 4 - apoiar”317.
Amparo, portanto, não está atrelado exclusivamente a questões materiais, ao
custeio ou patrocínio da subsistência. Ao contrário, amparo é muito mais do que isso. É
suporte, é dar segurança.

316
GROEWALD, Rosa. Idosos Asilados no Município de Canoas. In: HERÉDIA, Vania;
CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.). Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª
ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p 130.
317
<https://dicionariodoaurelio.com/ampara> acesso em 10. ago. 2017.
136

Não há como supor o apoio (ou amparo) por pessoa totalmente ausente, pois o
ser humano tem necessidade de conviver de se relacionar:

Todo ser humano tem necessidades afetivas. Quando as relações possibilitam


uma proximidade mais íntima, uma maior afinidade, nascem os afetos e se
estabelecem os vínculos. O vínculo é a representação da relação que
permanece. Isso se reflete na vida de cada pessoa, na sua própria felicidade,
porque os afetos permitem partilhar alegrias, tristezas, conquistas, fracassos,
perdas, realizações... e permitem trocas de atenção, de preocupação, de
carinho, de cuidados. Sua felicidade e seu bem-estar vão depender da
qualidade desse entrelaçamento de relações estabelecidas em sua vida,
porque o ser humano para se realizar, precisa de vínculos com os
outros318.

Se é obrigação do filho amparar, conforme estabelecido pelo artigo 229 da


Constituição Federal, é obrigação desse filho conviver com os pais idosos a fim de
possibilitar a manutenção do cuidado da higidez psíquica do idoso, garantindo a
proteção da dignidade humana desse idoso.
Não há como supor amparo por alguém ausente, ainda que haja o custeio das
necessidades materiais. A falta do convívio com os pais idosos configura desrespeito à
situação de vulnerabilidade da velhice, e, como apontado, desestimula o idoso a lutar
pela vida.
Tal situação é claramente contrária ao princípio da solidariedade familiar, da
convivência familiar e da afetividade, além de ser completa afronta à dignidade humana
e à cidadania, justamente em uma das fases da vida em que o ser humano mais precisa
de amparo (tanto material, quanto imaterial): a velhice.
Nas palavras de Danilo Medeiros Pereira:

A família não deve ter apenas seus olhos voltados à sua prole. Deve também
ter seu cuidado voltado aos indivíduos que contribuíram para que essa prole
crescesse com dignidade e respeito. Por essa razão entende-se que o
tratamento digno dado aos idosos, de forma respeitável e paciente é um
importante princípio do Direito de Família além do que faz parte também do
319
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana .

318
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 81.
319
PEREIRA, Danilo Medeiros Pereira. Direito de Família e sua influência na formação da personalidade
do indivíduo e garantia da dignidade humana. In: FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara
Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus (coords). Estudos a cerca da efetividade dos direitos de
personalidade no Direito das famílias: construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da
dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 247.
137

Quão carentes de atenção e cuidados vivem tantos idosos que são abandonados
imaterialmente pelos filhos, os quais apenas arcam com questões materiais, como se as
obrigações com os genitores se esgotassem com um mero pagamento mensal às clínicas
e cuidadores – muitas vezes nem isso?
Enganam-se os filhos que acreditam cumprir as obrigações com os pais idosos
com o envio mensal de quantia em dinheiro.
Pagamentos, custeio de cuidadores, mantimentos ou clínicas não cumprem o
dever de convivência familiar, de amparo, de apoio, etc. Estes deveres exigem
participação, presença, dedicação e tempo.
Não há como sustentar a licitude de filho que – apesar de custear questões
materiais – culposamente ignora os pais idosos. Esta hipótese, além de ser socialmente
reprovável, é de clara ilicitude, vez que contrária aos mencionados art. 3o da Lei n.
10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e art. 229 da Constituição Federal.
Uma vez que esta ilicitude causa danos aos idosos – conforme apontado no
presente trabalho em item anterior – não há outra alternativa que não seja o dever de
indenizar.
Em outras palavras, uma vez presentes os requisitos ensejadores da
responsabilidade civil, quais sejam, abalo psicológico aos pais idosos (dano) causado
em razão (nexo causal) da ausência dos filhos, que é contrária ao art. 3º do Estatuto do
Idoso, ao art. 229 da CF, bem como aos demais princípios e preceitos do ordenamento
jurídico (ato ilícito), deve incidir o dever de indenizar.
Em que pese a indenização seja em pecúnia e não tenha o condão de apagar o
sofrimento causado ao pai idoso, esta vale não apenas como um desestímulo ao filho
que, culposamente, rejeita e prejudica o pai ou mãe idosos, como também serve para
acalentar a sensação de abandono ao demonstrar que o Estado, por meio do Judiciário,
está agindo para tutelar e defender os direitos das pessoas vulneráveis em função da
idade. Afinal, a família e o Estado (além da sociedade) têm o dever garantir à pessoa
idosa dignidade e bem-estar, e a convivência do idoso com a prole é fundamental para a
estabilidade física, moral e psíquica do idoso320.
A negativa, pelo Estado, em compelir a prole a indenizar os genitores quanto
aos danos causados com o abandono afetivo significaria apoiar a prática do abandono

320
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e Garantias do Idoso: doutrina, jurisprudência e
legislação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 144.
138

imaterial, considerando esta omissão como ato lícito e tolerável, o que é totalmente
contrário aos preceitos jurídicos apontados ao longo do presente trabalho, quais sejam:
princípio da solidariedade familiar, da convivência familiar, da afetividade, da
dignidade humana, da cidadania, art. 3o da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e art.
229 da Constituição Federal.

4.7. Jurisprudência e questões controvertidas referentes ao denominado


‘abandono afetivo’

4.7.1. Quanto ao abandono afetivo direto

No que concerne ao abandono afetivo direto, desde 2003 o assunto foi


enfrentado algumas vezes pelo Judiciário Brasileiro e acarreta intensa controvérsia
jurisprudencial.
A primeira decisão versando sobre a matéria referiu-se à ação interposta em
maio de 2003 na 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa – RS, contra pai que pagava
pensão alimentícia, mas não mantinha contato com a filha. A sentença, prolatada pelo
juiz Mario Romano Maggioni, julgou procedente o pedido para condenar o réu ao
pagamento de indenização no valor correspondente a duzentos salários mínimos em
razão da prática de abandono moral e afetivo da filha de nove anos. A sentença teve
trânsito em julgado sem interposição de recurso do pai, revel na ação321.
Quatro pretensões reparatórias desta natureza alcançaram julgamento no
Superior Tribunal de Justiça.
O primeiro enfretamento do tribunal superior com o tema referiu-se à ação
originada em Minas Gerais. O autor alegou sofrer danos morais após ter sido
abandonado por seu pai aos seis anos de idade, período em que teve a convivência
interrompida em razão da constituição de nova família pelo seu genitor, que passou a
arcar apenas com a obrigação alimentar. A primeira instância negou o pleito e a
sentença foi objeto de recurso de apelação deferido pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo, que condenou o pai a indenizar o filho.
A decisão, entretanto, foi alterada pelo STJ, que julgou improcedente o pedido
reparatório sob o seguinte argumento:

321
TJRS, Processo 141/1030012032-0. Ação indenizatória. 2ª Vara, Comarca de Capão da Canoa, Juiz
Mario Romano Maggioni, julgado em 16.09.2003.
139

[...] escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou manter


relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a
indenização pleiteada. Nesse contexto, inexistindo a possibilidade de
reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como
reconhecer o abandono afetivo como dano passível de indenização 322.

O acórdão ainda consignou que a sanção pelo abandono afetivo seria perda do
poder familiar:

a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-


poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no
Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a
determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser
imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente,
dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a
sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai
por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo
323
abandono moral .

Vale frisar, nesta seara, que o presente trabalho sustenta a responsabilização


civil pelo abandono afetivo em função do descumprimento dos deveres de cuidado
paternais. Não sustentamos o dever de amor, mas destacamos os deveres de cuidado
imputado aos genitores pela legislação vigente.
No que concerne à perda do poder familiar, como já exarado ao longo desta
dissertação, entendemos que tal instituto jurídico visa à proteção do infante, garantindo
o cumprimento do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Portanto, a perda do poder familiar é a sanção ou resultado jurídico para o
descumprimento, em si, dos deveres paterno-filiais. Já para os danos causados com a
inobservância desses deveres, a resposta do ordenamento jurídico é a compensação do
dano, por meio da responsabilização civil.
Não se discorda, portanto, do entendimento do Ministro de que a legislação
prevê a perda do poder familiar quando ocorrer o descumprimento dos deveres
paternais. O que se aponta é que, por outro lado, para os danos causados (com tal
descumprimento), a resposta deve ser a de reparação ou compensação, conforme
instituto jurídico da responsabilidade civil.

322
REsp 757.411/MG, 4ª Turma do STJ, Rel. Fernando Gonçalves, unânime, julgado em 29.11.2005.
323
Ibidem..
140

Em outras palavras, o abandono imaterial (ou afetivo) deve ter como sanção a
perda do poder familiar; já o dano moral advindo desse abandono há de ter como
consequência o dever de os pais ausentes indenizarem seus filhos.
Aproximadamente quatro anos depois do julgado apresentado, o STJ julgou,
em abril de 2009, novo caso versando sobre o tema do abandono afetivo praticado por
pai contra a prole. O filho moveu ação de reconhecimento de paternidade cumulada com
indenizatória por danos morais, e expôs que seu genitor manteve outro relacionamento
ao mesmo tempo em que namorava sua mãe. O varão acabou por casar-se com a outra
namorada, com quem, tempos depois, veio a ter dois filhos. Tais crianças, segundo
relatado nos autos “sempre exibiram condição social e financeira de alto padrão e
invejável à classe média”, ao passo que o filho mais velho sequer contava com a
presença do pai; razão pela qual sofreu “sérios danos, tanto morais quanto patrimoniais,
intelectuais e afetivos”.
Em primeiro grau, tanto o pleito pelo reconhecimento da paternidade quanto o
pedido de reparação por danos morais foram julgados procedentes pelo magistrado
Clóvis Ricardo de Toledo Júnior. A sentença, contudo, foi atacada em recurso de
apelação que afastou a condenação por danos morais.
No acordão, entretanto, restou evidenciado que o afastamento da condenação
pelo abandono afetivo se deu em razão de a filiação se constituir apenas após a decisão
final da ação de investigação de paternidade; assim, seria inexigível o cumprimento dos
deveres paternos antes da filiação. A ementa do julgado expôs:

DANOS MORAIS - Condenação em investigação de paternidade julgada


procedente - Inadmissibilidade - Hipótese em que só após o reconhecimento
da paternidade é que surgiu a filiação, e dessa forma, antes disto não existia
filiação reconhecida, e, conseguintemente, não poderia o apelado descumprir
quaisquer deveres inerentes à condição de pai - Recurso provido.324

A decisão foi mantida pelo STJ325, o qual reiterou, ademais, o julgado do


Recurso Especial 757.411/MG que negou indenização pelos danos causados com
abandono afetivo.
O que se poderia cogitar, por outro lado, seria a responsabilidade civil por
danos morais causados pela omissão do genitor na busca pela verdade da filiação. Neste

324
TJSP – AC 229.873.4/8.00 – 7ª Câm. – Rel. Des. Leite Cintra – julgado em 05.06.2002.
325
REsp 514.350, 4ª Turma do STJ, Rel. Aldir Passarinho Junior, julgado em 29. 04.2009.
141

caso, deveria ser comprovada a negativa e omissão do pai em realizar exames


comprobatórios da filiação, a despeito de a mulher o ter alertado sobre a paternidade.
Tal cenário seria exatamente aquele de ‘fuga de responsabilidade’, em que o pai se
omite para não ter que arcar com o ônus da filiação.
Essa omissão, contudo, imputa à mãe e à prole o sentimento de rejeição, bem
como os obriga a ter que mover ação judicial para compelir o pai a assumir o seu papel.
É a hipótese de se beneficiar da própria torpeza (venire contra factum proprium), pois
enquanto o homem dificulta a filiação por intermédio de mecanismos processuais, vai
ser furtando e adiando as obrigações da paternidade, como se o filho fosse apenas da
mãe. Evidente que tal atitude não deve ser prestigiada e os danos causados devem ser
objeto de reparação.
No julgado pela 7ª Câmara do TJSP e pela 4ª Turma do STJ, deve se observar
que não houve análise sobre a perspectiva do dever de indenizar o dano causado pelo
pai com a furtiva em realizar análise biológica que comprovasse a paternidade. O que se
analisou foi a inexistência de deveres paternais enquanto não configurada a filiação.
Portanto, o dever de indenizar não seria por descumprimento de deveres
paterno-filiais, mas sim pela fuga do genitor na análise da paternidade. Em outras
palavras: não havia obrigação paternal, justamente porque o pai se furtava de realizar
exames biológicos que apontassem a filiação, compelindo a mãe e a prole a buscarem
mecanismos judiciais, enquanto, neste ínterim, o homem se livrava da incidência dos
deveres paternais, ou seja, o pai se beneficiava na própria torpeza justamente por não
realizar os exames, enquanto rejeitava o filho.
Apesar de essa hipótese não ter sido analisada pela Corte Superior Brasileira,
na Argentina, desde a década de noventa, tem sido admitido o dever de o pai indenizar o
filho em razão de ação furtiva ao reconhecimento da paternidade. Vale ressaltar que o
instituto jurídico da responsabilidade civil na Argentina326 é muito próximo ao
brasileiro, assim como as obrigações referentes ao poder familiar.
Em julgamento datado de 1996, a Corte Argentina assim expôs:

326
Código Civil e Comercial Argentino: ARTICULO 1716.-Deber de reparar. La violación del deber de
no dañar a otro, o el incumplimiento de una obligación, da lugar a la reparación del daño causado,
conforme con las disposiciones de este Código.
ARTICULO 1717-Antijuridicidad. Cualquier acción u omisión que causa un daño a otro es antijurídica
si no está justificada
142

El menor tiene um verdadeo derecho subjetivo a ser reconocido por su


progenitor biológico y, asimismo, a reclamar de éste indemnización por daño
327
moral por la paternidade extramatrimonial no reconocida .

Noutra decisão, expedida em 2016, a Camara Nacional De Apelaciones En Lo


Civil da Capital Federal, Ciudad Autónoma De Buenos Aires, assim expos:

El padre que no reconoció a su hijo deberá indemnizarlo en concepto de daño


moral habida cuenta que la omisión voluntaria del demandado de haber
reconocido a su hijo constituye un acto antijurídico en los términos del art.
1066 del Código Civil y su interpretación por la doctrina y la jurisprudencia,
noción que ha sido reafirmada en la actualidad por el art. 1717 del Código
Civil y Comercial de la Nación328.

No mesmo sentido, decidiu a “Cámara de Apelaciones Civil y Comercial de


Necochea”, em julgamento proferido em 2017, que não apenas manteve condenação por
indenização para o filho, como também consentiu com o dever de indenizar a mãe pela
ausência de reconhecimento da filiação paternal. O comportamento do pai em tentar se
furtar da responsabilidade foi claramente exposto no julgado que o condenou por tal
atitude:

Las constâncias de autos y sus agregados nos informan que la actora, a los
pocos meses del nacimiento de su hijo (ocurrido el 27/12/1997) intimó al
demandado al reconocimiento del menor (fs. 5/7 expte. De filiación) sin
resultado. Frente a ello inició demanda filiatoria (08/04/1998) e intento
realizar estúdios genéticos em um instituto privado pero el demandado se
excusó por razones laborales (fs. 36). Posteriormente en la etapa probatória
ed demandado se negó al examen de extracción de sangue (fs. 73/vta.)
dictándose luego sentencia con base en la prueba colectada, la que fuera
confirmada por la precedente Cámara departamental el 25/8/2005 (fs.
329
147/152 vta) .

A doutrina Argentina também se manifesta acerca do dever de o pai ser


responsabilizado civilmente por se furtar ao reconhecimento filial:

[...] la indeterminación del vínculo, implica la privación de la titularidade y


goce de los derechos emergentes del emplaziamiento filial y al mismo
tiempo, la imposibilidad de acceder a un título de estado impiede el uso del

327
Argentina, Cámara Civil y Comercial 1ª, Sala 1, Mar del Plata, 31-10-96, “A., S.G. c/R., F.J. s/
reconoc. De filiación y daños y perjuicios”.
328
Argentina, Camara Nacional De Apelaciones En Lo Civil da Capital Federal, Ciudad Autónoma De
Buenos Aires, 26-10-2016,“C.R.E. y Otro c/ C.F.A. s/ Filiación”
329
Argentina, Cámara de Apelaciones Civil y Comercial de Nocochea, 21-03-2017, Causa No 9755 “P.,
M. C. c/B., M. S. s/Danõs Y Perjuicios”.
143

apellido del progenitor biológico. Es decir, que es el derecho a la identidade


del hijo el que resulta vulnerado por la falta de reconocimiento filial” 330

No Brasil, contudo, as decisões são no sentido de negar o dever de o pai


indenizar a prole ou a genitora pelos danos causados com a omissão no reconhecimento
da paternidade331. Vale destacar, por outro lado, a decisão exarada pela quarta Vara
Cível de Taguatinga, no Distrito Federal, que negou pleito de reparação por danos
materiais em decorrência da ausência de prova quanto ao específico prejuízo pecuniário,
mas condenou o réu a responder pelos danos morais causados à genitora com ações
furtivas ao reconhecimento da filiação, a qual ocorreu apenas mediante ação judicial,
conforme exarado na decisão:

Reconhecimento só veio a ser possível mediante ordem judicial, após grande


batalha jurídica, com a feitura de exame laboratorial de constatação de
paternidade (...) a autora, com o nascimento da filha, tentou assegurar o
direito desta ao estado de filiação, o que foi sempre objeto de negação do réu.
E, nesse cotejo. (...) coloca sempre em dúvida o comportamento da autora,
procurando se refugiar no aforístico brocado latino ‘mater semper certa est,
pater semper incertus est’, porquanto à época não se possuía mecanismos
eficazes para demonstração da filiação, dentre eles o próprio exame
biológico. Apresenta-se evidente ofensa a predicativos da parte autora332.

Apesar de nos parecer devida a aludida condenação aplicada, o pedido da


autora foi declarado improcedente em decisão referente a recurso de apelação333, que
assim exarou:

330
FRUSTRAGLI, Sandra; KRASNOV, Adriana. La reparación del daño moral causado por ausencia
del reconocimiento de hijo y la demora en el ejercicio de la acción de reclamación de filiación. Em
Derecho de Familia, Revista interdisciplinaria de doctrina y jurisprudencia. V. 2004-I. Lexis Nexis, p. 24.
331
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
RECONHECIMENTO. ABANDONO AFETIVO. DANOS MORAIS. REJEITADOS. 1. A não
declinação da paternidade em documentos oficiais, bem como a falta de afeto, de relação paternoafetiva,
por si sós, não conduzem ao dever de indenizar, porquanto ausente o primeiro pressuposto para a
responsabilidade civil, a saber, a ocorrência de ato ilícito; 2. Enquanto não reconhecida a filiação e,
portanto, o poder familiar e os deveres jurídicos a ele inerentes, não há se falar em abandono de qualquer
espécie, pois impossível se exigir indenização de quem sequer tinha certeza de que era genitor; 3. Recurso
conhecido e não provido. (Acórdão n.441986, 20070110318449APC, Relator: NILSONI DE FREITAS,
Revisor: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 25.08.2010).

332
TJDF, Taguatinga, 4ª Vara Cível, Dr. José Roberto Moraes Marques, Processo 2013.07.1.042464-5,
julgado em 18.08.2015.
333
TJDF, Apelação Cível 2013 07 1 042464-5, 1a Turma Cível, Rel. Des. Nídia Corrêa Lima, julgado em
28.09.2016.
144

Embora seja inegável que o exercício do dever de sustentar financeiramente e


cuidar, sozinha, da criação de uma criança, constitua uma tarefa penosa para
a genitora, não se revela possível compelir o genitor ao pagamento de
indenização por danos morais e materiais, por não haver contribuído
financeiramente para o sustento da infante, no período anterior ao
reconhecimento judicial da paternidade.

A nosso ver, a decisão não observa que o dever de indenizar seria justamente
pela ação furtiva do pai em assumir a paternidade ou a se submeter a métodos
biológicos de análise que o apontassem como pai. De fato, não seria exigível o
pagamento de alimentos paternos sem a filiação, entretanto, esta não estava configurada
justamente pela omissão do pai, que se furtava em assumir a paternidade para não ter
que assumir tais deveres. Exatamente a hipótese de se aproveitar da própria torpeza.
Portanto, não é a inobservância de deveres paternos que deve gerar a indenização na
hipótese, mas sim a fuga da responsabilidade em analisar a filiação da prole. São
hipóteses diferentes, entretanto, muitas vezes tal diferença não é notada.
A boa notícia, neste caso concreto, é que a decisão de apelação não transitou
em julgado, e está, pendente julgamento do Recurso Especial 334 interposto pela genitora
em 26.11.2017.
Neste ínterim, vale observar que apesar de, em oposição aos julgados
brasileiros, a jurisprudência Argentina reconhecer o dever de o pai indenizar tanto a mãe
quanto o filho pela omissão no reconhecimento filial, não se tem notícias sobre o
enfrentamento na Argentina, ou em outro país latino-americano, sobre o abandono
imaterial. O que se verifica são vertentes que sustentam a ausência do dever de
indenizar por falta de afeto e de amor que ocasionam carências afetivas à prole.
Segundo julgado do aludido país, o ressarcimento por carência afetiva pertence
a um aspecto espiritual das relações de família sobre as quais o direito não atua, a não
ser em hipóteses como a de abandono:

No se trata del resarcimiento por carencias afectivas que pudo hallar, en esos
años, frente a su progenitor, ya que ello pertenece al aspecto espiritual de las
relaciones de familia, sobre el cual el derecho no actúa, salvo que asciendan
en determinadas conductas como el abandono, que permitan accionar por
privación de la patria potestad la falta de asistencia, que permitiera demandar
alimentos, las injurias entre cónyuges, que dan lugar al divorcio 335.

334
Até a conclusão do presente trabalho, o Recurso Especial ainda não havia sido distribuído e estava em
fase de digitalização no TJDF por se tratar de autos físicos.
335
Argentina, Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil G. B. N. y otro c/C. M. S. s/filiación. . Sala C.
(7/6/2007). MJJ15260.
145

Este mesmo entendimento é verificado no Peru. Ao mesmo tempo em que se


admite o dever de indenizar os danos causados pelo pai que se furta a reconhecer a
filiação, não se admite que o direito trate sobre carências afetivas, pois estas
pertenceriam a um aspecto espiritual das relações de família:

Deberá distinguirse entre daño moral y material. Con respecto al daño moral
en ciertos casos existirá in re ipsa, en otras circunstancias deberá realizarse
una evaluación fáctica para determinar su existencia. En este punto cabe
distinguir: entre el daño moral, por no contar con el apellido paterno y no
haber sido considerado hijo del progenitor en los medios sociales, del
derivado de las carencias afectivas, pues ello pertenece al aspecto espiritual
de las relaciones de familia, como dice el Dr. Bossert, en su voto de la
C.N.Civ., Sala F., 19-X-89, L. 41.325. Con relación al daño material en todos
los casos deberá ser probado y no en todos los supuestos producirse. Estos
daños se configurarían por las carencias materiales que la falta de
reconocimiento del progenitor le ocasionó al hijo336.
Neste ponto, destaca-se, mais uma vez, que não sustentamos, neste trabalho, o
dever de reparação por carências afetivas, resultantes da falta de amor. O que se sustenta
é a falta de cumprimento de deveres de cuidado próprios da obrigação paterno-filial na
atitude do(a) progenitor(a) que não detém a guarda e não convive com a prole,
efetivando cumprimento apenas do pagamento de alimentos. A análise é objetiva e
concreta: não há convivência, não há participação na vida do filho(a), e, por esta razão,
não é cumprido o dever de cuidado pelo genitor que não detém a guarda.
Não se trata de falta de abraço, de afeto, de “aspectos espirituais das relações
de família” (como escrito pela Corte Argentina). Trata-se de total ausência de relação ou
relacionamento familiar paterno-filial e absoluto abandono pelo(a) genitor(a) não
guardião, com apenas custeio pecuniário, o que é contrário aos deveres paternos.
A convivência com os pais é direito dos filhos. A este direito corresponde o
dever dos pais de visitar a prole, quando não detém a guarda desta. Neste sentindo é que
foi pronunciado, em julgamento italiano, que destacou ainda o princípio da
solidariedade. Vale observar que a Itália contempla ordenamento jurídico semelhante ao
brasileiro no que concerne ao poder familiar. Assim restou disposto no julgado:

che l’esercizio della c.d. visita del non affidatario non ~ solo una facoltà ma
anche un dovere derivante dal principio di solidarietà che vige anche tra i

336
DELGADO. Rosa Isabel Olortegui. Responsabilidad civil por omisión de reconocimento voluntário de
la paternidade extramatrimonial. Tesis para optar el grado académico de Magíster em Derecho con
Mención em Derecho Civil y Comercial. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Facultad de
derecho y ciência política unidad de postgrado. Lima, Peru, 2010, p. 135.
146

genitori separati o divorziati. In tali casi pur non potendosi parlare di un


diritto di libertà incompatibile con il dovere - potere assunto con
l’affidamento dal genitore, questi, sul piano economico patrimoniale può
domandare il rimborso degli oneri maggiori di quelli a suo carico derivante
dall’inosservanza dei doveri del genitore non affidatario.
Poiché il dovere dell’affidatario verso il figlio è un obbligo verso l’altro
genitore, espressione della solidarietà negli oneri per i figli, esattamente si è
disposto il rimborso delle somme versate in eccedenza nel caso di specie,
dall’intimata per le mancate visite alla figlia del padre che sarebbero state
giustificate solo per caso fortuito o forza maggiore 337.

Como já demonstrado em tópico anterior no presente trabalho, também a


legislação brasileira atribui a ambos os genitores o cuidado com a prole, e não apenas
àquele que detém a guarda. Exatamente por esta obrigação de cuidado imputada por lei
aos pais é que a ausência imaterial (ou afetiva) constitui ato ilícito, cujo consequente
dano deve ensejar o dever de indenizar.
Neste sentido é que consta no – já mencionado ao longo desta dissertação –
julgado do Superior Tribunal de Justiça a respeito do denominado “abandono afetivo”,
prolatado em abril de 2012, com voto vencedor exarado pela relatora Ministra Nancy
Andrighi:

“Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o


grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a
impossibilidade de se obrigar a amar.
Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal
de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de
gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais,
situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa
materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da
religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se
do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu
cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença;
contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole;
comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –,
entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador,
pelas partes338.

Tal decisão é um marco na jurisprudência e foi citada inclusive em dissertação


Portuguesa:

337
Acórdão da Corte di Cassazione, I Sezione Civile. 8 Febbraio 2000 n.1365, disponível em
<http://www.mammeseparate.it/avvocato.html> acesso em 10 out. 2017
338
STJ, Recurso Especial 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em abril
de 2012.
147

A omissão culposa do dever de cuidado ou de afeto tem merecido a atenção


da doutrina e da jurisprudência estrangeiras, mas é ainda questão
insuficientemente debatida em Portugal seja porque se entende que a
harmonia familiar é um bem a preservar, imune aos efeitos da quantificação
monetária dos cuidados e dos afetos, ou que existem outros mecanismos de
tutela e de proteção em caso de violação dos direitos da criança,
designadamente por via da limitação ou inibição do exercício das
responsabilidades parentais.
Com base em premissas normativas semelhantes às que vigoram no
ordenamento jurídico português, o Superior Tribunal de Justiça do Brasil foi
chamado a pronunciar-se sobre uma situação de ressarcibilidade dos danos
decorrentes da omissão culposa dos deveres de afeto paterno-filiais.
Esta decisão, considerada inédita e inovadora, veio afirmar não estar em
causa o dever de amar, verdadeira faculdade, mas a omissão do dever
biológico e jurídico de cuidar do qual resultou mágoa e tristeza, justificando a
adequada compensação uma vez que não seria possível recuperar a situação
anterior à ocorrência do evento danoso339.
Apesar da elogiosa decisão em comento, exarada pela Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça; a Quarta Turma da mesma Corte manifestou entendimento
contrário no Acórdão proferido em dezenove de outubro de dois mil e dezessete e
publicado no Diário Oficial em vinte e nove de novembro deste mesmo ano.

4.7.1.1. Prescrição e decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre


“abandono afetivo” publicada em 29 de novembro de 2017

No mais recente julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema - após


retificação do voto da relatora para aderir à divergência - a Quarta Turma, negou
indenização por abandono afetivo, com ressalva de fundamentação do Ministro Marco
Buzzi. A ementa restou assim consignada:

CIVIL DIREITO DE FAMÍLIA. RESPONSABILIDADE CIVIL


SUBJETIVA. GENITOR.ATO ILÍCÍTO. DEVER JURÍDICO
INEXISTENTE. ABANDONO AFETIVO.INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS.
1. Não ofende o art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma
fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial.
2. A ação de indenização decorrente de abandono afetivo prescreve no prazo
de três anos (Código Civil, art. 206, §3º, V).
2. A indenização por dano moral, no âmbito das relações familiares,
pressupõe a prática de ato ilícito.
3. O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação
dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o
abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da

339
FIALHO, Ana Catarina Janeiro. Da Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo. Dissertação com
vista à obtenção do grau de Mestre em Direito. Lisboa. Faculdade de Direito Universidade Nova de
Lisboa. 2014. Disponível em <https://run.unl.pt/bitstream/10362/15244/1/Fialho_2014.pdf> acesso em 5
set. 2017.
148

prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de


vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável. Precedentes da 4ª
Turma.
4. Hipótese em que a ação foi ajuizada mais de três anos após atingida a
maioridade, de forma que prescrita a pretensão com relação aos atos e
omissões narrados na inicial durante a menoridade. Improcedência da
pretensão de indenização pelos atos configuradores de abandono afetivo, na
ótica do autor, praticados no triênio anterior ao ajuizamento da ação.
4. Recurso especial conhecido em parte e, na parte conhecida, não provido 340.

Entretanto, o entendimento da Corte sobre o caso só pode ser compreendido


mediante descrição efetivada nos documentos de ‘Voto da Relatora’, ‘Voto-Vencido’,
‘Voto-Vista’, ‘Esclarecimento’, e ‘Ratificação de Voto’341.
O que se extrai do julgamento é que não houve unanimidade quanto à
impossibilidade de se exigir indenização por abandono afetivo (ou imaterial) praticado
pelos pais em relação aos filhos menores. Este foi o entendimento isolado da Ministra
Relatora.
A Relatora, Ministra Maria Isabel Gallotti, apesar de – posteriormente –
admitir a prescrição da pretensão referente às situações ocorridas durante a menoridade
da autora, analisou o mérito sustentando que

não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono


afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou
de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de
vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável.

Neste ponto, vale destacar que, em nosso entendimento, conforme já exposto,


não há como se falar em cumprimento do dever de educação sem a presença dos pais.
Esta é imprescindível para aquela, uma vez que educação não se resume à alfabetização,
conhecimento de matemática e estudos escolares em geral, mas pressupõe ensinamentos
de comportamento, de moral, de ética, de responsabilidade, entre outros fundamentais
para a edificação do ser humano em desenvolvimento e que não são ensinados na
escola, por serem, tais lições, deveres dos pais que devem ser presentes – ainda que não
detenham a guarda.

340
REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
19/10/2017, DJe 29.11.2017.
341
Documentos disponíveis em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/
2017> acesso em 30. Nov. 2017.
149

Em seu voto, a Ministra adentrou ao mérito, negou provimento e não tratou a


respeito da questão prescricional. Após o voto do Ministro Marco Buzzi, a relatora
proferiu Retificação de Voto, afastando a prescrição.
Entretanto, após o “Voto-Vista” do Ministro Antônio Carlos Ferreira, a relatora
admitiu a prescrição para os atos ocorridos antes da maioridade da autora e afastou a
prescrição para os que se sucederam após os dezoito anos da requerente.
Conforme exposto em “Esclarecimento”, assim restou consignado:

ESCLARECIMENTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, no meu
voto inicial eu não havia analisado a questão da prescrição porque o acórdão
recorrido não o fez. Mas, o Ministro Marco Buzzi, em seu atento voto-vista,
como tinha uma opinião diferente da minha sobre a tese de mérito, verificou
que a prescrição havia sido alegada na instância anterior e, conhecido o
recurso, é possível examinar as questões alegadas no julgamento anterior. Em
minha ratificação de voto na assentada anterior, considerei que não havia
prescrição, baseando-me exatamente no mesmo ponto de Vossa Excelência,
ou seja, que a inicial alegava fatos supostamente lesivos ao direito da autora
ocorridos em 2012 e reclamava que a falta de cuidado atencioso era uma
constante desde a infância e persistia na vida adulta, causando danos
psicológicos ainda na atualidade. Encarei a relação entre as partes como um
todo incindível, mas agora, diante do Realmente, atos anteriores estão
abrangidos pela prescrição. Então, eu vou aderir à conclusão de Vossa
Excelência. Penso que, realmente, é salutar que haja um termo final nessa
possibilidade de a pessoa, 50 anos depois, dizer que foi abalada
emocionalmente na infância. Considero que a solução de decretar a
prescrição da pretensão de reparação em decorrência de atos ou omissões
anteriores ao triênio do ajuizamento da ação é correta. Não está prescrito,
portanto, o abandono afetivo alegado na inicial a partir da maioridade. Nesse
sentido, é improcedente a pretensão.
Na linha do voto que eu havia proferido quanto à prescrição, eu penso que,
nas relações familiares, se se considerar que o afeto é um elemento jurídico,
ele vai ser um elemento jurídico não só na menoridade. Na menoridade pode
ser mais grave, mas um idoso desamparado também está na mesma situação
de hipossuficiência de um menor e o dever de cuidar de pais idosos penso
que é equivalente.

A ministra entendeu que não há o dever de cuidar afetuosamente. Entretanto, se


existisse, este dever não seria limitado à menoridade. Assim, a falta de afeto
configurada após a maioridade poderia ser exigível caso fosse admitida juridicamente, o
que não é, segundo o entendimento da Ministra.
Portanto, verificamos que se a pretensão referente à menoridade estava
prescrita, não caberia análise referente aos deveres do poder familiar.
Este também foi o entendimento dos Ministros Marco Buzzi e Antonio Carlos
Ferreira, que entenderam pela prescrição da pretensão referente à menoridade – e não
pela inexigibilidade da pretensão.
150

Denota-se do caso que na pretensão inicial a autora descreveu ocorridos de


abandono afetivo durante a menoridade e também situação configurada após a
maioridade.
No voto proferido pelo Ministro Marco Buzzi restou consignado entendimento
de que a presença dos genitores na vida da prole menor de idade é um dever legal que,
quando descumprido, gera o dever de indenizar os danos decorrentes. Entretanto, como
a ação foi movida após o decurso do prazo prescricional para tal pretensão, entendeu
pela improcedência da ação, com fundamentação diversa da exposta pela relatora:

[...] analisando-se o ordenamento positivo, a par de inexistir um dever de


amar, observa-se que aos pais compete o dever de sustento, guarda e
educação dos filhos em fase de crescimento, deveres esses que apenas sob
uma perspectiva simplista poderiam ser compreendidos de forma
exclusivamente patrimonial, haja vista a expressa determinação legal quanto
às obrigações de criar e educar. Portanto, o interesse subjacente às demandas
que envolvem abandono afetivo funda-se no dever normativo expresso dos
pais de educarem e criarem seus filhos. E, nesse sentido, pode-se concluir
pelo merecimento de tutela jurisdicional. Nesse contexto, diante da
violação/infringência do referido dever de cuidado, com inegável potencial
lesivo para formação da prole, exsurge a obrigação de reparar os danos.
Desse modo, na hipótese dos autos, forçoso o afastamento da fundamentação
utilizada pela Corte local, aplicando- se, de conseguinte, o direito à espécie,
342
conforme artigo 255, § 5º, do RISTJ .

O voto do Ministro Antônio Carlos Ferreira, por sua vez, apontou, além da
prescrição para os fatos ocorridos durante a menoridade da autora, a impossibilidade de
se aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente para os casos ocorridos após a
maioridade da requerente:

[...] observo que o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei


Federal n.8.069/1990) não tem aplicação à hipótese versada nestes autos.
Efetivamente, como antes apontado, os fatos danosos não alcançados pela
prescrição ocorreram após a recorrente ter atingido a maioridade,
circunstância suficiente, a meu ver, para obstar o conhecimento do recurso
nesse ponto, haja vista que a norma legal invocada pela recorrente tão só
disciplina o dever de sustento, guarda e educação dos pais em relação aos
filhos menores: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e
educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a
obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. A
impertinência do dispositivo legal no que se refere aos fatos danosos (não
prescritos) apontados na peça inicial e nas razões recursais força reconhecer a
inaptidão do recurso excepcional no particular, que se depara com o óbice
erigido pelo enunciado n. 284 da Súmula do STF. (...) concluindo pela

342
Voto disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/
2017> acesso em 03. dez. 2017.
151

inexistência do dever legal de afeto ou atenção e, desse modo, por inexistir


ilicitude e obrigação de indenizar por parte do pai que deixa de prestar
assistência imaterial ao filho maior de idade”(grifo originalmente exposto no
Voto)343.

Concordamos com os Ministros: não há que se falar em abandono imaterial de


filho que não se encontra sobre o poder familiar dos pais. No presente trabalho, no que
concerne ao abandono afetivo direto, tratamos sempre do dever de presença como sendo
um cuidado inerente ao poder familiar, o qual cessa, conforme artigo 1.630 do Código
Civil de 2002344, com a maioridade da prole.
Entretanto, no que concerne ao entendimento de prescrição da pretensão com
início a partir da maioridade da prole, vale apresentar posição minoritária que contraria
este termo inicial.
A posição majoritária345, sustentada não apenas pelo Superior Tribunal de
Justiça346, mas também nos Tribunais estaduais em muitos dos recentes julgados sobre o
tema tratado, é a de que “a pretensão de indenização por abandono afetivo prescreve em
três anos, conforme o prazo estabelecido no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, e começa
a contar a partir da maioridade do alimentando”347.
A posição minoritária, por sua vez, se baseia na teoria da feição subjetiva da
actio nata (segundo a qual “O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-
se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a

343
Voto disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/
2017> acesso em 03. dez. 2017.
344
Código Civil/ 2002: “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”
345
Sustentada por Ricardo Calderón, Rodrigo Toscano de Brito, João Ricardo Brandão Aguirre, Maurício
Bunazar, Marcelo Truzzi Otero, Eduardo Busatta, Fábio Azevedo, Alexandre Gomide, Maurício Andere
Von Bruck Lacerda, Roberto Lima Figueiredo, Marcelo Junqueira Calixto, Marco Aurélio Bezerra de
Melo, Fernando Carlos de Andrade Sartori e Marcos Ehrhardt Júnior
(<http://genjuridico.com.br/2017/08/31/prazo-prescricao-aplicavel-casos-abandono-afetivo/> acesso em
25 set. 2017).
346
O entendimento já foi sustentado pela Corte Superior em outras oportunidades, como exarada na
seguinte decisão: “Indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo. Prescrição.
Aplicação do prazo prescricional trienal previsto no artigo 206 § 3º, inciso V, do CC/2002. Precedentes
deste Tribunal” (STJ, AREsp 842.666/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, DJE 29.06.2017)
347
TJPB, Recurso 0028806-67.2013.815.0011, Quarta Câmara Especializada Cível, Rel. Des. Romero
Marcelo da Fonseca Oliveira, DJPB 11/04/2016. No mesmo sentido: TJDF, Apelação cível n.
2015.01.1.064396-6, Acórdão n. 101.8971, Quarta Turma Cível, Rel. Des. Rômulo de Araújo Mendes,
julgado em 11/05/2017, DJDFTE 30/05/2017; TJSP, Apelação n. 0013103-59.2012.8.26.0453, Acórdão
n. 9425346, Pirajuí, Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, julgado em
04.05.2016, DJESP 17/05/2016; TJAM, Apelação n. 0622496-32.2013.8.04.0001, Primeira Câmara
Cível, Relª Desª Maria das Graças Pessoa Figueiredo, DJAM 17.08.2017.
152

extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata” 348) e sustenta que
os danos advindos do abandono imaterial são de trato sucessivo, não sendo possível
estabelecer termo inicial para contagem do prazo. Esta posição seria a defendida por
Pablo Malheiros da Cunha Frota, Marcos Jorge Catalan e Cesar Calo Peghini:

Diante dessa feição subjetiva da actio nata que não se pode dizer qual o
termo a quo para o início do prazo. Os danos são continuados, não cessam,
não saem da memória do ofendido, mesmo em se tratando de pessoa com
idade avançada. Em outras palavras, o prejuízo é de trato sucessivo, atinge a
honra do filho a cada dia, a cada hora, a cada minuto e a cada segundo.
Ninguém esquece o desprezo de um pai 349.

Flávio Tartuce, por sua vez, sustenta a imprescritibilidade da demanda


indenizatória por abandono afetivo:

Com o devido respeito às posições expostas, entendo que, em casos de


abandono afetivo, não há que se reconhecer qualquer prazo para a pretensão,
sendo a correspondente demanda imprescritível. Primeiro, pelo fato de a
demanda envolver Direito de Família e estado de pessoas, qual seja a
situação de filho. Segundo, por ter como conteúdo o direito da personalidade
e fundamental à filiação. Terceiro, porque, no abandono afetivo, os danos são
continuados, não sendo possível identificar concretamente qualquer termo a
350
quo para o início do prazo .

A nosso entender, muitos dos danos decorrentes do abandono imaterial só


serão descobertos pela vítima após os 21 anos, pois as possíveis consequências deste
abandono são diversas e se concretizam de forma peculiar em cada indivíduo rejeitado.
Assim, nos parece mais acertada a teoria que inicia a contagem prescricional a partir da
ciência no dano.
Conforme apontado pelos experts em psicologia (e exposto no presente
trabalho no item que trata sobre os danos causados com a ausência de um dos
genitores), não há regra geral para a configuração do dano resultante da rejeição
imaterial paterna ou materna. Pode ser que o indivíduo tenha dificuldades já na vida
adulta (e com mais de 21 anos) em seus relacionamentos, procure um médico psiquiatra

348
REsp 1257387/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05.09.2013,
DJe 17/09/2013.
349
TARTUCE, Flávio. Do prazo de prescrição aplicável aos casos de abandono afetivo. Disponível em
<http://genjuridico.com.br/2017/08/31/prazo-prescricao-aplicavel-casos-abandono-afetivo/> acesso em
03. set. 2017.
350
Ibidem.
153

ou psicólogo e então receba laudo apontando subdesenvolvimento emocional por


carência resultante da rejeição praticada por algum dos genitores.
Neste caso, desde que juntados os laudos médicos e comprovada a ciência após
os 21 anos da vítima, entendemos ser devida não apenas a reparação pelos danos
morais, como também materiais referentes ao custeio com o tratamento médico. É
necessário, contudo, que haja detida análise dos fatos, sendo, possível, inclusive, a
realização de perícia judicial para comprovar os danos apontados no laudo médico,
perícia esta a ser efetivada com os conhecimentos e interdisciplinariedade da psicologia
jurídica.

4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não
ama

Sustentamos ao longo do trabalho que o exigível legalmente não é o amor, é o


cuidado, o qual presume presença dos pais – mesmo daquele que não detém a guarda.
Um dos pontos que se pode questionar nesta seara é sobre o quão positivo pode ser um
pai ou uma mãe presente que não ama o filho.
A fim de responder tal questionamento, devemos inicialmente frisar que não
sustentamos o dever de reparar por ausência de amor, abraço, beijo ou demonstração de
afeto. A reparação dever ser pela falta de observância dos deveres de cuidado imputados
em razão do poder familiar. Assim, como já anotamos, os pais podem inclusive não
amar, mas devem cuidar. Quem cuida não demostra que não gosta, não rejeita, e não é
totalmente ausente, pois qualquer destas atitudes implicaria em descuidado, ou seja,
descumprimento normativo que enseja o dever de reparar o consequente dano.
Desta forma, entendemos que, mesmo sem afeto, a presença dos pais será
sempre positiva, desde que estes não agridam seus filhos. A demonstração da falta de
amor é, claramente, uma agressão. Não se exige o amor, mas também não se tolera que
a falta de amor – que é elemento interno subjetivo – seja demostrada aos filhos,
configurando a estes a sensação de rejeição. O dever de cuidado implica,
necessariamente, o cuidado de não se demonstrar alguma possível falta de amor.
Ao pai ou mãe que não ama a prole, se faz mister encontrar uma maneira de
lidar com essa situação interna para cumprir com seu dever paterno ou materno sem
causar dano ao filho. É a simples premissa do neminem laedere. O sentimento de falta
154

de amor não é causa de excludente de responsabilidade pelos danos caudados por


incumprimento dos deveres paterno-filiais.
Uma das maneiras de os pais cumprirem com os deveres do poder familiar
mesmo sem amar (ou ainda com sentimento de rejeição em relação para com) o filho é
por meio de tratamento médico psiquiátrico. Estes pais devem se tratar para não
imputarem danos que obriguem os filhos a realizar, posteriormente, tratamento psíquico
para lidar com a rejeição.
Sobre um viés pragmático, apresenta-se caso em que a mãe possuía sentimento
de absoluta rejeição em relação ao filho:

Amigas que me visitaram lembram que eu não conseguia me referir a João


pelo nome ou chamá-lo de filho. Era “aquele moleque”. Estava tão doente
que mal me lembro. Nesse período, quem nos ajudou a cuidar dele foram
minha irmã e duas babás, uma durante o dia e outra à noite. Eu não podia
ficar sozinha com João. Havia a possibilidade de pôr nossas vidas em
risco351.

A aludida mãe realizou tratamento psiquiátrico e aprendeu a cuidar do filho,


sem causar a este o dano configurado com a sensação de ser rejeitado:

O tratamento médico surtiu efeito relativamente rápido. Foram cerca de sete


meses, até que conseguisse me vincular emocionalmente a João. Desde então,
recuperei o tempo perdido de afeto. Os anos em que moramos só ele e eu,
após a separação, ajudaram-me a entender que mãe eu poderia ser para o João
e que mãe ele precisava que eu fosse. Talvez nunca seja aquela que faz um
grande almoço de domingo, passa a roupa e cobra a lição de casa. Sou do tipo
que joga bola, quer saber como foi o dia e dá conselho. Olho no olho e sei o
que meu filho está sentindo 352.

Mais uma vez destaca-se: o interno sentimento de desamor não é excludente de


responsabilidade a justificar o descumprimento dos deveres de cuidado paterno-filiais.
Pode-se não amar, mas não se pode lesar a outrem, nem deixar de observar os deveres
do poder-familiar.
A fim de corroborar com esta posição, apresenta-se mais um caso de genitora
que não gostaria de ser mãe do infante – e admite que sente, inclusive, raiva do filho –,
mas ainda assim, cumpre os deveres do poder familiar “com todo o amor que pode”:

351
<http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/08/bnao-sou-uma-mae-piorb-porque-meu-filho-mora-com-
o-pai.html> acesso em 11 Jul. 2017.
352
Ibidem.
155

Nos primeiros meses depois do nascimento do meu filho, a única parte da


maternidade que eu gostava era amamentar. Mesmo assim, enxergava aquela
atividade como uma prisão. (...) Quando tinha de fazer, fazia direitinho, mas
também não tinha outra opção. Sabe quando você tem um trabalho muito
chato para fazer, mas acaba fazendo porque é seu dever? Amamentar, para
mim, era a mesma coisa. Sabia que tinha de fazer aquilo porque meu filho
dependia única e exclusivamente de mim para se alimentar, mas fazia a
contragosto.
Meu filho foi crescendo e eu fui cuidando dele por obrigação. Ao mesmo
tempo, dava todo o amor que eu podia a ele. Com tudo o que eu tinha na
minha cabeça, com toda aquela sensação de aprisionamento que eu tive e que
ainda tenho no presente. Até acho que sou muito carinhosa, mas de vez em
quando fico com raiva do meu filho. Raiva mesmo.(...)
Acho que a pior parte foi me privar das coisas pequenas, principalmente no
início. (...) Além disso, por causa do meu filho, já deixei de fazer muitas
viagens e, mais do que isso, de mudar de cidade, que era uma coisa que eu
queria muito. (...)
Uma vez, disse que queria que meu filho fosse o meu sobrinho, e não o meu
filho. Às vezes, ainda tenho esse sentimento, é algo que vai e volta. Vejo o
amor da minha irmã pelo meu filho, por exemplo. É um carinho imenso, acho
que ela daria a vida dela pelo sobrinho. O mesmo acontece com a outra tia,
irmã do meu ex-marido. A diferença é que elas não têm obrigações com o
meu filho. Fico com ele só nos fins de semana, mas às vezes queria ter esse
tempo para mim. Tenho de pegá-lo toda sexta e levá-lo para o pai toda
353
segunda .

O dever de cuidado aos filhos é obrigação legal imputada aos pais. Quem cuida
não necessariamente ama, mas obrigatoriamente não rejeita.
O caso exposto demonstra que a falta de amor não pode implicar em
desobediência aos deveres de cuidado. Pode-se não amar, mas não se pode lesar o filho
sendo ausente imaterialmente ou demonstrando a ele o sentimento interno de falta de
amor.
Por esta razão é que se sustenta, no presente trabalho, a presença dos pais
mesmo sem amor; pois é possível se falar em presença paterna ou materna, ainda que
não haja amor. Por outro lado, o pai ou mãe que é presente mas demonstra a falta de
amor deve também responder pelos danos causados à prole com essa agressão
psicológica.
Assim, ainda que o presente trabalho trate do dever de reparar por total
ausência, vale destacar: o pai ou mãe que é presente, mas claramente agride
psicologicamente o filho, demostrando, intencionalmente, sua ânsia por rejeitar a prole,
também deve responder pelos danos psíquicos que venham a ser causados à prole em

353
<http://epoca.globo.com/sociedade/noticia/2017/08/amo-meu-filho-mas-vezes-queria-que-ele-fosse-
meu-sobrinho.html> acesso em 11 jun. 2017.
156

decorrência da violência psicológica, a qual configura ilicitude também por


descumprimento de dever de cuidado parental.
Dentre as hipóteses de pais presentes que claramente rejeitam a prole, estão os
casos de tentativa de ‘desadotar’ ou ‘devolver’ o filho. A este respeito a jurisprudência
já se manifestou sobre o dever de indenizar “pecuniariamente pelo ilícito causador de
danos imateriais a crianças e adolescentes” conforme expressamente apontado no trecho
julgado a seguir, o qual menciona ainda a “violência psicológica” consistente na
rejeição do infante. O relator apontou, ademais, que o descumprimento dos deveres
paterno-filiais corresponde à desconstituição do poder familiar; já os danos imateriais
causados com tal incumprimento enseja o dever de indenizar:

Castigar imoderadamente os filhos, humilhá-los e desqualificá-los no seio


familiar e publicamente, ameaçá-los com castigos e malefícios diversos,
inclusive a “desconstituição” da adoção, o abuso de autoridade, violência
psicológica, desamparo emocional e a conferição de tratamento desigual
entre os irmãos adotados, e, entre estes e o filho biológico do casal adotante,
entre outras práticas vis, são suficientes para ensejar a destituição do poder
familiar com fulcro no art. 1.637 c/c art. 1.638, incisos I, II e IV do Código
Civil, e art. 18 c/c art. 24 do ECA, na exata medida em que o instituto
jurídico da adoção confere aos adotados idêntica condição de filho, com os
mesmos direitos e qualificações, segundo regra insculpida na Lei Maior (art.
227, § 7º), art. 1.626 do Código Substantivo Civil e art. 20 do ECA.
(...)
A prática de atos que dão ensejo a desconstituição do poder familiar é
causadora, por ação ou omissão, de danos imateriais aos infantes (na
hipótese, casal de irmãos) que experimentam sofrimentos físicos e morais,
decepções e frustrações por não encontrarem um lar substitutivo capaz de
proporcionar-lhes amor, harmonia, paz e felicidade.
In casu, agrava-se o dano das infelizes crianças a circunstâncias de
procederem de família cujos genitores biológicos já haviam sido destituídos,
igualmente, do poder familiar, sendo que residiam em abrigo especializado
enquanto aguardavam, esperançosamente, pela adoção que ora se frustra.
Por essas razões, acertada a formulação de pedido condenatório do Ministério
Público e o seu acolhimento pela magistrada sentenciante, por danos morais,
em face dos atos praticados pelos réus contra seus filhos menores, servido a
providência como medida punitiva e profilática inibidora, além de compensar
pecuniariamente as vítimas do ilícito civil, tendo a quantia estabelecida
observado bem a extensão do dano e a qualidade das partes, em sintonia com
princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
VII – O dano moral, na qualidade de ilícito civil de natureza imaterial, há de
ser compensado pecuniariamente, nos termos do disposto no art. 186 do
Código Civil, tendo-se como balizamento para a quantificação a extensão do
354
dano sofrido pelas vítimas .

354
TJSC, Apelação Cível n. 2011.020805-7, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator: Des. Joel Dias Figueira
Júnior, julgado em 11.08.2011.
157

No mesmo sentindo decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em caso que


versava sobre o abandono imaterial configurado com a tentativa de “desadoção” pelos
pais, após a aproximação do filho em relação à mãe biológica:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DEVOLUÇÃO DE MENOR ADOTADO À


MÃE BIOLÓGICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REFORMA.
REJEIÇÃO PELOS PAIS ADOTIVOS. GRAVE ABALO PSICOLÓGICO.
DANOS MORAIS CONFIGURADOS. PEDIDO DE PENSÃO
ALIMENTÍCIA DESCABIDO. EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR.
INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE PARENTESCO A PARTIR DA
ADOÇÃO PELA MÃE BIOLÓGICA. APELAÇÃO DO AUTOR
PARCIALMENTE PROVIDA, COM DETERMINAÇÃO.
(...)
o ilícito que justifica a indenização não está no fato de o menor voltar para
sua família biológica, e sim no abandono praticado pelos réus, que
simplesmente o devolveram à família biológica diante de um contexto de
grande instabilidade emocional e psicológico355

No aludida decisão, foi mencionado, ainda, laudo psicológico concluindo que o


autor “apresenta grandes marcas emocionais devido à maneira como foi conduzida sua
adoção e posterior entrega à família biológica”. Estes documentos caracterizariam o
nexo causal entre o “ato ilícito praticado pelos réus e os danos morais sofridos pelo
autor”, que gerou “evidente dever de indenizar”.
A conclusão que se quer alcançar, nesta toada, é sobre a necessidade de se
observar o dever de cuidado inerente ao poder familiar, bem como o preceito de não
lesar a outrem. Trata-se de assumir as próprias responsabilidades e cumprir os deveres
que lhe cabem em razão da paternidade ou maternidade.
Assim, mesmo que não haja amor, deve existir presença na vida do filho em
desenvolvimento, em razão dos deveres paternais. Essa presença, por sua vez, deve
ensejar o cuidado em não se demonstrar o possível desamor, pois quem claramente
mostra que não ama descuida e realiza a rejeição, a qual configura agressão psicológica,
também passível de incidência do dever de indenizar os decorrentes danos.
Quem cuida, mesmo que não ame, nem demonstra o desamor.
Os pais que tentaram ‘desadotar’ os filhos, nos julgados expostos,
demonstraram desamor e causaram danos imateriais; por esta razão foram condenados a
arcar com valor a título de responsabilidade civil.

355
TJSP, Apelação 0006658-72.2010.8.26.0266, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Alexandre
Lazzarini, julgado em 08.04.2014.
158

4.7.1.3. Há dever de a mãe ou o pai socioafetivo indenizar danos


por abandono imaterial do(a) filho(a) afetivo(a)?

Em quatorze de novembro de dois mil e dezessete, o Conselho Nacional de


Justiça editou o Provimento 63356, o qual entre outras determinações, dispôs sobre a
possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade e maternidade socioafetiva,
bem como averbação desta no registro de nascimento, o que ocorrerá com a necessidade
de consentimento do filho reconhecido, se este for maior de doze anos.
O artigo 10 do Provimento assim dispõe:

Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade


socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais
de registro civil das pessoas naturais.

Este dispositivo é complementado pelo §4º do artigo 11:

§ 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou


maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.

Mister destacar que, de acordo com o provimento, o reconhecimento da


paternidade ou maternidade socioafetiva “não implicará o registro de mais de dois pais e
de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento” (artigo 14).
Por esta razão, caso haja discussão judicial sobre o reconhecimento da
paternidade ou de procedimento de adoção, é obstado o reconhecimento da filiação pela
sistemática do provimento (artigo 13); mas, por outro lado, o reconhecimento
espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não configura obstáculo a
discussão judicial sobre a verdade biológica (artigo 15).
A real espontaneidade na intenção do pai ou da mãe socioafetivo é tão
importante que o registrador tem o condão de recusar a feitura do registro e encaminhar
o pedido para o juízo competente, caso suspeite “de fraude, falsidade, má-fé, vício de
vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho” (artigo
12).
Por esta razão, é que a “coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do
filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil
das pessoas naturais ou escrevente autorizado” (§5º do artigo 11).

356
Disponível em <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380> acesso em 01. dez. 2017.
159

De acordo com a normativa, o aludido reconhecimento é irrevogável e somente


pode ser desconstituído nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação, a ser
reconhecida pelo Judiciário (§1º do artigo 10).
A facilidade para se efetivar a oficialização da paternidade ou maternidade
socioafetiva, sem dúvida, tende a aumentar o número de certidões contendo o nome de
pais e mães afetivos.
Entretanto, a questão que se coloca nesta nova realidade diz respeito à
responsabilidade que estes pais passam a ter: poderão ser responsabilizados em caso de
abandono imaterial (ou afetivo)?
Sustentamos, no presente trabalho, o dever de o pai socioafetivo indenizar o(a)
filho(a) caso efetive o abandono imaterial deste (a).
Isto porque, a paternidade socioafetiva contempla os mesmos deveres (e
direitos) imputados aos pais biológicos ou adotivos, ou seja, os pais sociafetivos devem
conviver com os filhos e zelar pelas suas necessidades materiais e imateriais. Quando
descumpridos estes deveres, incide o dever de indenizar os danos decorrentes do
descumprimento, assim como ocorre com os pais biológicos ou adotivos. Essa
igualdade entre a paternidade biológica, adotiva e socioafetiva decorre de inovação
trazida no bojo da codificação civil de 2002, por meio do art. 1.593357.
A este respeito Paulo Lôbo anota:

O Código Civil de 2002, por seu turno, consagrou em sede


infraconstitucional as linhas fundamentais da Constituição em prol da
paternidade de qualquer origem e não apenas da biológica. Encerrou-se
definitivamente o paradigma do Código Civil anterior, que estabelecia a
relação entre filiação legítima e filiação biológica; todos os filhos legítimos
eram biológicos, ainda que nem todos os filhos biológicos fossem legítimos.
Com o desaparecimento da legitimidade e a expansão do conceito de estado
de filiação para abrigar os filhos de qualquer origem, em igualdade de
direitos (adoção, inseminação artificial heteróloga, posse de estado de
filiação), o novo paradigma é incompatível com o predomínio da realidade
358
biológica. Insista-se, o paradigma atual distingue paternidade e genética.

Uma importante consequência da equiparação da filiação afetiva com as


demais consiste na impossibilidade de anulação do registro civil que reconhece a
paternidade socioafetiva, a não ser quando este for resultante de erro, dolo, coação,

357
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
358
LÔBO, Paulo. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ. Teresina, Revista Jus
Navigandi, ano 11, n. 1036, 3 maio 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8333>. Acesso
em: 20. set. 2017.
160

estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (que são causas de anulação do
negócio jurídico, conforme art. 171, II do Código Civil/02).
Os mencionados vícios do negócio jurídico não serão suficientes, entretanto,
para afastar a paternidade socioafetiva quando esta já estiver configurada há mais de
quatro anos, conforme artigo 178, II do Código Civil de 2002. Também não poderá se
afastar a filiação quando de tal ato resultar prejuízo ao infante, vez que seria contrário
aos princípios do melhor interesse e proteção integral da criança e do adolescente.
Destaca-se a menção acerca da referida impossibilidade em razão da questão
pragmática configurada com as demandas judiciais em que pais registram os filhos e,
após alguns anos, buscam a anulação do registro com base em exame de DNA atestando
que não se trata de filho consanguíneo, como se os aspectos biológicos se
sobrepusessem a todos os demais, e como se os infantes fossem descartáveis. Sobre esse
assunto, a jurisprudência é praticamente unanime sentido de manter a paternidade:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE –


PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE PATERNIDADE E
EXONERAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONSEQUENTES -
IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO -
SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO 359.

Vale observar, ademais, que a tentativa de anulação do registro de paternidade


configura clara afronta moral ao filho que é expressamente rejeitado. Os danos
decorrentes deste ato, suportados pela prole, devem ensejar a incidência da
responsabilidade civil. A este respeito Rolf Madaleno observa:

Não deixa de adquirir importância jurídica o agravo moral causado ao filho


convocado a responder a uma ação de negativa de paternidade do pai
socioafetivo para desconstituir o registro da filiação, muitas vezes apenas
motivado pelo espírito mesquinho da emulação por ter sido abandonado pela
360
mulher que o pai socioafetivo não deixou de amar .

A nosso ver, a tentativa de anulação de paternidade socioafetiva é equivalente à


tentativa de “desadoção”. Se esta enseja o dever de reparar os danos morais causados
com a rejeição (como apontado anteriormente), aquela também deve resultar na

359
TJRR – AC 0010.12.718018-9, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, Câmara Cível, julg.: 07.04.2016, DJe
11.04.2016
360
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 378.
161

incidência de responsabilidade civil quanto aos consequentes danos morais pelo


abandono imaterial.
Outra questão que se coloca diz respeito aos pais socioafetivos que não
registraram o(a) filho(a), mas agem como se fossem oficialmente pais do infante. Caso
estes decidam abandonar imaterialmente o “filho”, deverão ser responsabilizados
civilmente pelas consequências desse abandono?
No nosso entender, aquele que trata o infante como se fosse seu pai ou mãe,
cativando a criança e desenvolvendo laços de paternidade com essa, fazendo-a acreditar
que se trata de um verdadeiro pai ou mãe afetivo, não pode, em seguida, descartar esse
infante e abandoná-lo imaterialmente. Tal ato se enquadraria na hipótese a que Jonas
Figueirêdo Alves denomina de “estelionato do afeto”361. Esta atitude, para uma criança
que já não tem um pai ou mãe biológico ou adotivo, é demasiadamente cruel e
irresponsável, além de conter grande potencial lesivo à psique do ser em
desenvolvimento. Seria também equivalente aos pais que tentam “desadotar”, a única
diferença é que esta hipótese versaria sobre ‘adoção afetiva’ e ‘desadoção’ não
formalizada.
Tal conduta configurari-se-a como ilícito concernente à inobservância da boa-
fé objetiva; os danos resultantes deste ato devem ser objeto de reparação civil.
A respeito da boa-fé objetiva Gabriel Machado Marinelli expõe:

A boa-fé objetiva é cláusula geral que impõe às partes envolvidas em dada


relação social um dever de conduta leal, não lesiva, honesta, que tenha por
base a tutela do interesse do outro, como membro de uma sociedade que zela
pelas relações nela existentes362.

Anderson Schreiber, por sua vez, esclarece que, apesar de a boa-fé objetiva ter
nascido e se desenvolvido no âmbito do direito das obrigações em contexto negocial, o
conceito se alastrou por todas as relações jurídicas, inclusive nas relações de família,
como critério de controle de legitimidade do exercício da autonomia privada363.

361
ALVES, Jones Figueirêdo. Abuso de direito no direito de família, In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(coord) Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e dignidade humana. Belo
Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 481-506, p. 483. Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/22.pdf> acesso em 15. Set. 2017.
362
MARINELLI, Gabriel Machado. Responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das
negociações preliminares. São Paulo: Contracorrente, 2017, p. 185.
363
SCHREIBER, Anderson. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. In: MORAES, Maria
Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
127.
162

O dever de reparar o dano ao infante iludido e cativado – por aquele que seria
seu pai ou sua mãe afetivo(a) –, e depois rejeitado por este que o cativou, funda-se em
lógica semelhante à responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das
negociações preliminares, já admita pela doutrina e jurisprudência brasileira364. Os
requisitos configuradores do dever de indenizar a ruptura injustificada de negociação
contratual e de relação paterna são praticamente os mesmos, senão vejamos:
(i) “O consentimento das partes no que diz respeito a entrarem em
negociação”365 (no caso do abandono imaterial, seria o entendimento
consentindo entre o adulto e o menor a respeito de se comportarem
como pai ou mãe e filho(a));
(ii) “O desenvolvimento legítimo de um estado de confiança fundado no
comportamento da contraparte no que se refere a buscar/querer a
conclusão do negócio”366 (o comportamento seria no sentido de
buscar/querer a manutenção da vínculo paternal ou maternal);
(iii) “Ruptura desqualificada, contrária à boa-fé objetiva, isto é, sem
motivação justa e suficiente para gerar a impossibilidade de celebração
do contrato – em que está inserido o elemento culpa”367 (decisão
unilateral e sem motivo justo daquele que se comportava como pai ou
mãe do infante e depois rompe a relação e rejeita o(a) ‘filho(a)’);
(iv) “Dano, de qualquer natureza, resultante da ruptura a que se alude”368 (no
caso do abandono imaterial praticado por aquele que figurava como pai
ou mãe, o dano converge como lesão à personalidade e psique da criança
ou adolescente).
Tendo em vista a semelhança nos requisitos, resta evidente o dever de o pai ou
mãe socioafetivo(a) indenizarem o infante abandonado imaterialmente pelos danos
gerados, ainda que a paternidade socioafetiva não tenha sido averbada no registro civil
do menor; trata-se de tutelar juridicamente a confiança, que é a base da boa-fé objetiva,

364
TJSP, Apelação n. 992.09.080714-5, São Paulo, Relator Desembargador Mario A. Silveira, vol. u,
julgado em 14. 09.2009.
365
MARINELLI. Gabriel Machado. Responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das
negociações preliminares. São Paulo: Contracorrente, 2017, p. 254.
366
Ibidem., p. 255.
367
Ibidem., p. 255.
368
Ibidem., p. 255.
163

e impõe o dever jurídico de não serem efetivados comportamentos contrários aos


interesses e às expectativas despertadas em alguém.
Por outro lado, aquele se comporta como pai ou mãe socioafetivo terá o direito,
quando idoso, de ser cuidado pelo filho(a), independentemente de a filiação afetiva ter
sido ou não averbada no registro civil.
O descumprimento pelo filho adulto com os cuidados materiais ou imateriais
do idoso que efetivou adoção (regular ou socioafetiva) quando era aquele era menor,
também configura ato ilícito por clara violação à boa-fé objetiva, podendo ser visto,
inclusive, como um ato repugnante moralmente.
Desta forma, uma vez configurada a ação ilícita, os danos decorrentes desse ato
de abandono imaterial do idoso pai ou mãe socioafetivo(a) também devem ensejar o
dever de o filho indenizar.
A obrigação de cuidado é recíproca: dos pais (biológicos, adotivos ou
socioafetivos) para com os filhos, quando menores, e destes para com aqueles quando
estiverem idosos.

4.7.2. Quanto ao abandono afetivo inverso

No que diz respeito à jurisprudência sobre o abandono imaterial (afetivo)


inverso, poucas foram as vezes em que o tema foi enfrentado judicialmente. No Brasil,
em geral, as ações movidas se baseiam em situações de abandono material e imaterial,
concomitantemente. Não há notícias de julgamento efetivado pelas Cortes Superiores
Brasileiras.
Dentre as poucas ações judiciais que tratam sobre o tema, vale analisar a
decisão da apelação cível 0019973-83.2009.8.19.0045, julgada pela primeira Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, referente à ação de reparação
por danos morais ajuizada por genitora em face da filha.
Segundo exposto nos autos, a genitora moveu ação de alimentos contra sua
filha, a qual concordou em arcar com valor referente a 143% do salário mínimo vigente
a título de pensão alimentícia. Entretanto, o pagamento ocorria com atraso e, em
algumas vezes, em valor inferior ao que pactuado. Por esta razão, o irmão da ré e
também filho autora, enviava e-mails mensais cobrando o adimplemento, porém,
recebia respostas que agrediam a honra da mãe idosa. A contestação sustentou que os e-
mails apresentados são simulados e falsos e que ocorriam perseguições, inclusive aos
164

demais filhos da autora, com propositura de outras demandas judiciais, sempre inserido
o tema ‘indenizações’ como fato litigioso.
A Câmara julgadora manteve a decisão, prolatada na sentença, de
improcedência da ação e assim expuseram em trecho do Acórdão 369 quanto ao dano
moral:

[...] irretocável a ponderação no decisum no sentido de que, em razão dos


reiterados inadimplementos quanto à obrigação alimentar, a autora deve
adotar as medidas necessárias para obtenção do cumprimento do
pensionamento acordado. Indubitavelmente, o não pagamento de pensão
alimentícia não importa em conduta capaz de ensejar a indenização
pretendida.

Não se pretende discutir neste trabalho a respeito de possíveis ou não


indenizações por danos morais que possam advir do atraso pagamento de pensão
alimentícia. Parece-nos correta a decisão quanto à questão material.
Já no que se refere ao âmbito imaterial, assim restou consignado na decisão da
apelação:

[...] fazer valer o cumprimento das obrigações em prol dos idosos, é muito
diferente de concordar com a possibilidade de compensar a dor suportada
pela indiferença de um ente querido.
Aliás, o tema já merece reflexão no mundo jurídico. É possível calcular em
dinheiro quanto vale o amor? A importância de R$ 60.000,00 substituirá,
sabe se lá por quanto tempo, a presença de um filho na vida dos pais e vice-
versa? A condenação ao pagamento de uma indenização resgataria os laços
afetivos entre mãe e filha?
Ora, nem seria necessário um pronunciamento judicial neste sentido, uma vez
que a resposta é obvia.
Por fim, importante salientar que no caso concreto, o acolhimento do pedido,
com certeza, estimularia a equivocada sensação de que quando um
descendente ou ascendente chega a um determinado ponto naquela que
deveria ser uma abençoada relação, só teria “sobrado” bens materiais a serem
perseguidos.

Em que pese todo o saber dos magistrados julgadores da referida ação,


importante anotar, mais uma vez, que a indenização por abandono imaterial (ou afetivo)
não se refere à falta de amor, mas sim à ausência imaterial, à falta de convivência, que
configura descumprimento dos deveres de cuidado imputados aos filhos para com os
pais idosos.

369
TJRJ, Apelação cível 0019973-83.2009.8.19.0045, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Camilo Ribeiro Ruliere,
julgado 26.02.2013.
165

O questionamento sobre se uma quantia pecuniária substitui a presença de um


filho na vida dos pais, e vice-versa, parece-nos um retorno à resistência inicial da
jurisprudência em arbitrar indenizações por dano moral, sob o argumento de tais danos
não poderiam ser reparados com valores pecuniários, os quais não seriam mensuráveis.
Conforme leciona Carlos Alberto Gonçalves:

Muitas são as objeções que se levantaram contra a reparação do dano


puramente moral. Argumentava-se, principalmente, que seria imoral procurar
dar valor monetário à dor, ou que seria impossível determinar o número de
pessoas atingidas (pais, irmão, noivas, etc.), bem como mensurar a dor. Mas
todas essas objeções acabaram rechaçadas na doutrina e jurisprudência. Tem-
se entendido hoje, com efeito, que a indenização por dano moral representa
uma compensação, ainda que pequena, pela tristeza infringida injustamente a
outrem. E que todas as demais dificuldades apontadas ou são probatórias ou
370
são as mesmas existentes para a apuração do dano material” .

Com efeito, como já anotado, somente aquele que sofre o abandono imaterial
pode responder sobre o que, subjetivamente, o ajudará a ver diminuído o prejuízo moral
experimentado. Talvez o fato de haver condenação daquele que ocasionou o dano, possa
servir para acalentar a vítima, simplesmente por saber que, apesar do prejuízo moral
sofrido, ela conta com a tutela do ordenamento jurídico que não admite conduta lesiva
contra outrem (princípio neminem laedere).
No caso concreto, parece estar presente mais do que o abandono. Há ainda
condutas ofensivas à idosa, as quais são assim tratadas no julgamento:

[...] não obstante lastimável litígio desta natureza, principalmente envolvendo


mãe e filha, sua incidência não tem o potencial ofensivo que lhe quer
emprestar a autora, a ponto de gerar dano moral, ficando sua projeção
circunscrita à esfera de aborrecimentos e dissabores experimentados no
núcleo familiar, sem maiores reflexos na esfera da intimidade da apelante. As
situações desagradáveis, a irritação, a mágoa, aliás, sentimentos
provavelmente experimentados por ambas as partes, não conferem direito à
reparação a título de dano moral.

Ora, ao que parece, no caso, há mais do que abandono imaterial, pois este é
acompanhado de agressões diretas à personalidade da idosa, que – se realmente
ocorreram – não devem ser admitidas, pois não se coadunam, de forma alguma, com os
deveres inerentes aos filhos para com os pais idosos e com os princípios gerais do
direito.

370
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. Vol. 4. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 399 - 400.
166

Não é porque se trata de relação familiar que tal postura deve ser tutelada.
Quando se afirma que o direito não deve perfilhar o âmbito familiar dá-se a entender
que condutas antijurídicas praticadas nesse contexto constituem hipóteses de
“excludente de responsabilidade”, apenas em razão de ocorrerem no bojo familiar. Os
questionamentos que surgem neste contexto são: caso a ofensa contra a honra, exposta
em e-mail, tivesse ocorrido entre pessoas que não se constituam mãe e filha, haveria o
dever de indenizar ou tal ofensa deveria ser aceita e tolerada? Se a resposta é a de que
não deve ser aceita, porque a aceitação da ofensa se tais pessoas forem mãe e filha?
Não há nenhuma exceção jurídica que permita ofensas entre familiares. Ao
contrário, há ainda o dever de cuidado, conforme exposto ao longo do trabalho.
Imprescindível destacar: não se pretende discutir o caso concreto, se a mãe
deveria ser indenizada ou não, pois para tanto faz-se mister detida análise de todo o
contexto envolvendo a hipótese concreta, inclusive a verificação sobre se realmente a
filha abandonava imaterialmente a mãe, ou se era presente e os conflitos se constituíam
de forma pontual, como razoáveis resultados naturais da convivência. Caso esta seja a
hipótese, não há que se falar em abandono afetivo ou em dever de reparar.
É importante diferenciar os conflitos razoáveis, naturais da convivência, dos
danos decorrentes da absoluta falta de convivência e total abandono imaterial.
A respeito do dever de cuidado imputado aos filhos para com os pais idosos,
vale apontar decisão judicial que acatou pedido de filho para obter redução de carga
horária de trabalho, com redução de salário, a fim de possibilitar o cuidado do genitor
idoso.
De acordo com o que se extrai dos autos, foi impetrado Mandado de Segurança
por professor da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal contra o gerente
de recrutamento, seleção e movimentação da Secretaria, o qual negou pleito para
redução de carga da jornada de trabalho de quarenta para vinte horas semanais com o
argumento de que não havia substituto para o cargo. A Ordem foi concedida e a ementa
da decisão cita diversos dispositivos também apresentados neste trabalho, razão pela
qual a apresenta na íntegra:

Mandado de segurança - princípio da efetividade máxima das normas


constitucionais - pedido de redução de carga horária, com redução de salário,
formulado por filho de pessoa idosa objetivando assistir-lhe diante da doença
e solidão que o afligem - cuidados especiais que exigem dedicação do filho
zeloso, única pessoa responsável pelo genitor - dever de ajuda e amparo
167

impostos à família, à sociedade, ao estado e aos filhos maiores - doutrina -


ordem concedida.
I. De cediço conhecimento que se deve procurar conferir a maior efetividade
às normas constitucionais, buscando-se alcançar o maior proveito, sendo
também certo que as mesmas (normas constitucionais) têm efeito imediato e
comandam todo o ordenamento jurídico.
II- Ao estabelecer que "a família, a sociedade e o estado têm o dever de
amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida."
(art. 230. CF/88), e que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229, 2ª parte CF/88), a carta
maior prioriza a atenção ao idoso em razão desta sua condição especial que o
torna merecedor de proteção e atenção especial por parte daquelas entidades
(família, sociedade e o estado).
III- A efetividade da prestação jurisdicional implica em resultados práticos
tangíveis e não meras divagações acadêmicas, porquanto, de há muito já
afirmava Chiovenda, que o judiciário deve dar a quem tem direito, aquilo e
justamente aquilo a que faz jus, posto não poder o processo gerar danos ao
autor que tem razão.
IV - Doutrina. "Os idosos não foram esquecidos pelo constituinte. Ao
contrário, vários dispositivos mencionam a velhice como objeto de direitos
específicos, como do direito previdenciário (art. 201, I), do direito
assistencial (art. 203, I–), mas há dois dispositivos que merecem referência
especial, porque o objeto de consideração é a pessoa em sua terceira idade.
Assim é que no art. 230 estatui que a família, a sociedade e o estado têm o
dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o
direito à vida, de preferência mediante programas executados no recesso do
lar, garantindo-se, ainda, o beneficio de um salário mínimo mensal ao idoso
que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por família, conforme dispuser a lei (art. 203, V), e, aos maiores de
sessenta e cinco anos, independentes de condição social, é garantida a
gratuidade dos transportes urbanos." (sic in Curso de direito constitucional
positivo, Malheiros, 18ª edição, José Afonso da Silva, 2000, págs. 824/825).
V- In casu, a denegação da segurança em casos como o dos autos implica em
negativa de vigência às normas constitucionais incrustadas nos artigos 229 e
230 da lei fundamental, de observância cogente e obrigatória por parte de
todos (família, sociedade e estado), na medida em que a necessidade do idoso
Kyu Suk Cho em ter a companhia, o amparo, proteção e ajuda de seu único
filho, o impetrante, diante da enfermidade de seu velho pai, constitui
concretização daquelas normas constitucionais em favor de quem foram
(normas constitucionais) instituídas e pensadas pelo legislador constituinte.
VI - Sentença reformada para conceder-se a segurança nos termos da
inicial371.

A concessão da ordem confirma que é dever dos filhos amparar os pais idosos.
Foi exatamente a necessidade do pai idoso e o dever de cuidado do filho que justificou a
redução da carga horária do professor, mesmo sem existir substituto.

4.7.2.1. Pai que abandonou a prole que era criança ou adolescente,


pode exigir que esta o cuide quando estiver idoso?

371
AC 2005.0110076865 – TJDF – 5ª Turma Cível, Relator Desembargador João Egmont, julgado em
08.11.2006.
168

Pode surgir, nesta fase, questionamento refere à exigibilidade de cuidado


imaterial do filho para com o(a) progenitor(a) que o abandonou imaterialmente. Em
outras palavras: se o pai ou a mãe que não deteve a guarda e foi completamente ausente
imaterialmente na vida da prole, pode exigir que esta venha a exercer cuidados
imateriais com o(a) genitor(a) idoso(a) que foi ausente durante o desenvolvimento da
criança ou adolescente?
A este respeito, entendemos que deve ser aplicada a mesma regra referente ao
abandono material. Conforme decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o(a)
progenitora(a) que abandona materialmente a prole, comete procedimento indigno, o
que torna inexigível o custeio de alimentos:

Apelação cível. Ação de alimentos proposta pela mãe, idosa, em face do filho
biológico. Sentença de improcedência, reconhecendo procedimento indigno
por parte da autora, consistente no abandono do filho desde a infância.
Autora que não se desincumbiu do ônus de comprovar o trinômio
necessidade-possibilidade-proporcionalidade, a amparar o pleito de
alimentos. Manutenção da sentença.
A obrigação de prestar alimentos nasce da relação natural entre familiares,
sendo permitido, nos termos do art. 1694 do Código Civil que parentes,
cônjuges, ou companheiros peçam uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação. Tal previsão legal
possui sua essência no dever de solidariedade que deve existir em todo
seio familiar, conforme preconiza o art. 229 da CF88.2. A conduta da
autora, ao deixar de prestar qualquer tipo de assistência ao seu filho,
seja material, emocional, educacional ou afetiva, configura o
procedimento indigno previsto no parágrafo único do
art. 1.708 do Código Civil, a afastar a responsabilidade do réu em
prestar os alimentos pleiteados na inicial 3. E mesmo se assim não fosse,
convém ressaltar que a autora não logrou êxito em comprovar sua real
necessidade em receber os alimentos, e tampouco a possibilidade do réu em
prestá-los.4. Desprovimento do recurso ”372 (grifos acrescidos).

No mesmo sentido do abandono material, entendemos que o abandono


imaterial pelos pais torna inexigível a presença e cuidado a ser praticada pela prole
quando os progenitores forem idosos. Moralmente a obrigação permanece, mas
juridicamente acaba por incidir na hipótese do parágrafo único do artigo 1.708, do
Código Civil, o qual assim dispõe: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a
alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.”

372
TJRJ - APL 00115498920118190204, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. MARCOS ALCINO DE
AZEVEDO TORRES, julgamento 26.02.2013.
169

Assim, a prática pelos pais do abandono (material ou imaterial) torna inexigível


da prole o cuidado (material ou imaterial, a depender do abandono) para com os
genitores idosos.

4.8. Projetos de Lei sobre o denominado “abandono afetivo”

Em que pese a responsabilidade civil pelo abandono imaterial seja norma que
pode, conforme apresentado nesta dissertação, ser observada a partir de detida análise
do ordenamento jurídico como um todo; há projetos de lei que se preocupam em editar
disposição jurídica expressa sobre esse dever de indenizar.
O primeiro Projeto de Lei a tratar sobre esse tema foi apresentado em
novembro de 2011 no Plenário na Câmara dos Deputados, pelo deputado Carlos
Bezerra. Tal projeto, o PL n. 4.294/2008, visa a incluir parágrafo único ao artigo 1.632
do Código Civil com a seguinte disposição: “O abandono afetivo sujeita os pais ao
pagamento de indenização por dano moral”, e ao artigo 3º do Estatuto do Idoso, o
seguinte § 2º: “O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por
dano moral”.
Na justificação do Projeto de Lei, o deputado destaca:

Entre as obrigações existentes entre pais e filhos, não há apenas a prestação


de auxílio material. Encontra-se também a necessidade de auxílio moral,
consistente na prestação de apoio, afeto e atenção mínimas indispensáveis ao
adequado desenvolvimento da personalidade dos filhos ou adequado respeito
373
às pessoas de maior idade .

O projeto foi aprovado, em abril de 2011, pela Comissão de Seguridade Social


e Família (CSSF). Em seguida, encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça
e de Cidadania (CCJC), onde obteve, em março de 2010, parecer do relator, Deputado
Antonio Bulhõe, pela constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e pela
aprovação. O projeto continua em tramitação na aludida Comissão.
Outro projeto de lei que versa sobre o tema é o PL 3.212/2015, de autoria do
Senador Marcelo Crivella. A proposta visa a alterar o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei n. 8.069/1990) para caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil.

373
Inteiro Teor do Projeto de Lei disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=864558&filename=Avulso+-
PL+4294/2008> acesso em 10 out. 2017.
170

Diferente do PL n. 4.294/2008, este trata apenas do abandono afetivo praticado pelos


pais contra a prole.
Dentre as alterações propostas está a inclusão dos seguintes parágrafos ao
artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que definem, inclusive, o que seria a
assistência afetiva exigida:

“§ 2º Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º
desta Lei, prestar aos filhos assistência afetiva, seja por convívio, seja por
visitação periódica, que permita o acompanhamento da formação psicológica,
moral e social da pessoa em desenvolvimento.
§ 3º Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência afetiva:
I – orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,
educacionais e culturais;
II – solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou
dificuldade;
III – presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e
possível de ser atendida”374.

Há também a inclusão de parágrafo ao artigo 5º do Estatuto da Criança e do


Adolescente com a seguinte disposição prevendo expressamente a reparação de danos
por abandono afetivo:

Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos,


sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda
direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os
375
casos de abandono afetivo” .

Este projeto já foi aprovado no Senado e, por ora, também tramita na Câmara
dos Deputados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Há ainda outro Projeto de Lei, este de autoria do deputado Vicentino Júnior,
que versa especificamente sobre o abandono imaterial. Trata-se do PL n. 3.145/2015, o
qual, diferente dos demais, visa a incluir dentre as causas de deserdação dos
descendentes por seus ascendentes (artigo 1.962 do CCB) e também destes por aqueles
(artigo 1.963 do CCB), o “abandono em hospitais, casas de saúde, entidades de longa

374
Inteiro teor disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4A498A5045A156A6D8E
B3CC0990BC9F6.proposicoesWebExterno2?codteor=1396365&filename=PL+3212/2015> acesso em 10
out. 2017.
375
Inteiro teor disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4A498A5045A156A6D8E
B3CC0990BC9F6.proposicoesWebExterno2?codteor=1396365&filename=PL+3212/2015> acesso em 10
out. 2017.
171

permanência, ou congêneres”. O projeto esteve em tramitação na Câmara dos


Deputados376.
Nesta seara legislativa, vale mencionar ainda inovadora lei que entrou em vigor
na China em julho de 2013. Trata-se de proposição jurídica prevendo pena restritiva de
liberdade aos filhos que não visitarem os pais idosos. Apesar de não especificar a
frequência com que os pais deveriam ser visitados, a regra determina alguns cuidados
mínimos a serem observados, tais como “nunca renegar ou ignorar as pessoas mais
velhas” e zelar por suas “necessidades espirituais”377.
Apesar de ordenamento jurídico da China possuir preceitos diversos dos
expostos na ordem jurídica Brasileira, a aludida norma Chinesa serve para apontar uma
nova vertente de preocupação com os idosos.

4.9. Função compensatória e sancionadora da responsabilidade civil: sanção


como elemento integrado à norma jurídica

Muito se discute a respeito dos denominados caráter sancionador (chamado por


alguns juristas de caráter punitivo) e caráter reparador (também chamado de caráter
compensador) da responsabilidade civil.
A função reparadora ou compensadora da responsabilidade civil é admitida em
unanimidade pela doutrina e consiste na busca por restabelecer o status quo anterior ao
dano, de modo a reparar o dano causado. Em muitos casos, entretanto, não é possível
apagar o prejuízo causado e retornar ao modo anterior à ocorrência do fato danoso.
Nestas hipóteses, busca-se minimizar e compensar, o quanto possível, o dano sofrido. É
nesse sentido que dispõe Sérgio Cavalieri Filho:

O anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo, inspira-se no


mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe
o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a
vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o
que se procura fazer recolocando o prejudicado no status quo ante. Impera
neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto
378
possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão .

376
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1805805> acesso em
10 out. 2017.
377
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/07/130701_china_visit_parents> acesso em 10 out.
2017.
378
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 13.
172

No que concerne ao abandono imaterial (ou afetivo), ainda que o pagamento


pecuniário não apague o abalo psicológico sofrido pela vítima, a condenação daquele
que deu causa ao dano demostra que o Estado não apoia a prática do abandono, sendo
esta contrária aos preceitos do ordenamento jurídico vigente.
Por outro lado, a recusa pelo Judiciário em deferir o pleito de reparação pelo
abandono afetivo atinge diretamente a dignidade e cidadania da vítima, como se esta
fosse pessoa que não tenha direito de ser cuidada pelos pais durante a infância e
adolescência, ou fosse idoso que não tenha o direito de querer ser cuidado pelos filhos.
Ainda que alguns magistrados entendam que a indenização pecuniária não
minora os sofrimentos da vítima do abandono afetivo, isto é questão que só pode ser
definida por quem efetivamente sofreu este dano. Se a vítima do abandono move ação
indenizatória, é porque quer ter seu direito tutelado de alguma forma. Uma vez
presentes os requisitos ensejadores do dever de indenizar (ato ilícito, dano e nexo
causal), não cabe ao Estado dizer o que serve ou não para compensar o dano sofrido.
A função compensatória integra o escopo da responsabilidade civil. Dizer o
que compensa ou não um sofrimento por abandono afetivo é questão que só pode ser
respondida individualmente pelo sujeito abandonado. Se este move ação, é porque
entende que a indenização pode compensá-lo de alguma forma.
Já a chamada ‘função punitiva ou sancionadora’ da responsabilidade civil não
encontra unanimidade entre os juristas. É defendida por alguns, mas rejeitada por
outros.
Dentre os que admitem, além do caráter reparatório, também o ‘caráter
punitivo ou sancionador’ da responsabilidade civil, está Caio Mário da Silva Pereira, o
qual afirma que

o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de


duas forças: 'caráter punitivo' para que o causador do dano, pelo fato da
condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o 'caráter
ressarcitório' para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione
379
prazeres como contrapartida do mal sofrido .

Carlos Alberto Bittar também adere à corrente que admite a função


sancionatória/punitiva da responsabilidade civil e defende que

379
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 338.
173

a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente


advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento
assumido, ou o evento lesivo advindo 380.

Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, é um dos que se filiam à vertente de
rejeição da função punitiva/sancionadora da responsabilidade civil. O autor destaca o
princípio da legalidade, o qual determina que

não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
381
legal” e defende que "a responsabilidade civil não pode confundir-se com
a responsabilidade penal, porque enquanto aquela é estritamente de ordem
382
privada, esta é essencialmente de ordem pública .

Assim, para o jurista, não seria permitido a aplicação de nenhuma punição sem
expressa previsão de lei atribuindo pena ao ato praticado.
Taisa Maria Macena de Lima também não aceita a vertente
punitiva/sancionadora e afirma que na sistemática do CCB, a função da
responsabilidade civil por dano moral é sempre compensatória e reparatória, não se lhe
podendo atribuir uma função punitiva383.
Em que pese a intensa discussão entre doutrinadores a respeito do caráter
sancionador da responsabilidade civil, é importante consignar que não existe norma
jurídica sem sanção.
A norma jurídica, conforme teoria geral do constructivismo lógico
semântico384, constitui comando estruturado como juízo hipotético condicional. Desta

380
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2ª ed. São Paulo: RT, 1994, p. 220.
381
Artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal.
382
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 14
383
LIMA, Taisa Maria Macena de. Direito à reparação civil do nascituro por morte do genitor em
acidente de trabalho - dano moral e personalidade do nascituro. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito civil: atualidades IV: teoria e prática
no direito privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 343-375, p. 365.
384
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “O Constructivismo Lógico-Semântico é, antes de tudo,
um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento;
meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos
requisitos do saber científico tradicional”384 (CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o
constructivismo lógico-semântico. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Constructivismo lógico-
semântico. Vol. I, São Paulo: 2014, p. 6). Tal conceito pode ser complementado por Fabiana Del Padre
Tomé, a qual sustenta que “o constructivismo lógico-semântico configura método de trabalho
hermenêutico orientado a cercar os termos do discurso do direito positivo e da Ciência do Direito para
outorgar-lhes firmeza, reduzindo as ambiguidades e vaguidades, tendo em vista a coerência e o rigor da
mensagem comunicativa”384. (TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-
174

forma, para que algo possa se constituir como norma jurídica é necessário que constitua
uma função prescritiva; em outras palavras, deve se apresentar como

um juízo estruturado na forma hipotético-condicional, estrutura mínima


necessária para se construir um sentido deôntico (...) deve estar estruturada na
forma hipotético-condicional, pois esta é a fórmula lógica das ordens, é assim
que as linguagens prescritivas se manifestam formalmente 385.

Tem-se, assim, a norma jurídica como um juízo hipotético condicional


determinando que para uma hipótese deve ser aplicada uma consequência: D(HC).
Caso haja o descumprimento do comando contido neste ‘dever ser’, a sanção é medida
que se impõe em razão da coercibilidade da norma jurídica. Se não há coerção, não há
norma jurídica.
Neste sentido, Fabiana Del Padre Tomé ensina que “a toda norma jurídica
corresponde uma sanção”386. Esta pode ser entendida como uma ‘norma secundária’ e
se constitui como elemento indispensável para que se tenha uma norma jurídica, pois
“as normas caracterizam-se como tal por sua coercibilidade e pela coatividade:
coercibilidade pela circunstancia de impor-se uma sanção na hipótese do seu
descumprimento; e coatividade por admitir-se a execução forçada da sanção”387.
Verifica-se assim que a sanção é elemento intrínseco à constituição de toda e
qualquer norma jurídica, vez que constitui parte integrante da coercibilidade do
comportamento exposto no mandamento da norma jurídica.
Portanto, ainda que a responsabilidade civil tenha como escopo principal a
reparação do dano causado, o dever, em si, de efetivar tal reparação advém justamente
da resposta do ordenamento jurídico ao descumprimento de um comportamento exigido
coercitivamente pela norma jurídica; essa resposta é a sanção.
A penalidade (ou sanção) para aquele que causa dano a outrem é prevista em
lei, e se constitui justamente no dever de efetivar a indenização388. Ou seja, admitir a

semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson Carneiro (coords.). Vilém Flusser e Juristas. São
Paulo: Noeses, 2009, p.11.)
385
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito (o constructivismo lógico-
semântico). 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 216.
386
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A estrutura lógica das normas jurídicas. In: CARVALHO, Paulo de Barros
(coord.). Lógica Jurídica. 1ª ed. São Paulo: Noeses ), 2014, p. 15.
387
Ibidem., p. 14.
388
Cabe consignar, ainda, que a função punitiva também é percebida quando se verifica a possibilidade de
alteração do quantum indenizatório em função do grau da culpa, conforme parágrafo único do artigo 944
175

função punitiva da responsabilidade civil em nada contraria o mandamento


constitucional de que não existe pena sem lei que a preveja, pois a punição para quem
lesa outrem é a obrigação de reparar o dano (conforme art. 927 do Código Civil).
Conclui no mesmo sentido Yussef Said Cahali que, ao admitir a natureza mista
da responsabilidade civil por danos morais, consistente no caráter reparador e também
sancionador, assinala: “O dever de indenizar representa por si a obrigação fundada na
sanção do ato ilícito”389.
O autor continua e também aponta que a norma jurídica é elemento que impõe
um preceito (dever ser), cuja coerção normativa é configurada com a sanção:

A obrigação liga ou vincula o homem (...) pode acontecer que, para induzir
alguém a que se abstenha da violação de um preceito, o direito o ameace com
a cominação de um mal maior do que aquele que lhe provocaria a sua
observância. Nesse caso tem-se a sanção econômica do preceito; e os meios
de diferentes espécies, que visam assegurar a observância do preceito,
recebem justamente o nome de sanção, pois sancionar significa precisamente
390
tornar qualquer coisa, que é o preceito, inviolável e sagrada .

Judith Martins Costa vai além e não apenas admite o caráter misto da
responsabilidade civil, como também expõe que a função punitiva da indenização tem
caráter pedagógico, ou seja, serve como lição, como exemplo para que não seja
praticado o dano a outrem:

[...] evidente que a tendência, nos diversos ordenamentos, é agregar às


funções compensatória – ou simbolicamente compensatória – e punitiva, a
função pedagógica, ou de exemplaridade, de crescente importância nos danos
provocados massivamente391

Tratando das hipóteses de abandono imaterial (ou afetivo), verifica-se o dever


de indenizar como resposta sancionatória que o ordenamento jurídico apresenta à
inobservância da norma; como sanção econômica por ter descumprido o dever de
cuidado e causado dano à prole em desenvolvimento ou aos genitores idosos. Dai
porque se falar em caráter sancionador.

do código civil. O valor será reduzido se a culpa for menor, ou seja, a punição é menor para aquele que
não praticou ato doloso, mas sim culposo.
389
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39.
390
Ibidem., p. 39.
391
MARTINS-COSTA, Judith. Os Danos à Pessoa no Direito Brasileiro e a Natureza da sua Reparação,
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001, p. 207.
176

Neste contexto, tem-se que: os pais devem ser presentes na vida dos filhos para
não prejudicar o desenvolvimento destes; e os filhos adultos devem ser presentes na
velhice dos pais idosos para apoia-los e ampará-los. Caso este dever ser seja
descumprido, os danos causados com este incumprimento deverão ser reparados a titulo
de sanção por inobservância do preceito exposto no bojo da norma jurídica.
Vale frisar: em relação ao abandono imaterial (ou afetivo) direto, a sanção pela
inobservância com os deveres paternais é a perda do poder familiar. Já a sanção por
causar danos imateriais, por descumprir os deveres de cuidado, consistente no dever de
indenizar. Assim, esta indenização tem caráter compensatório e punitivo. Exatamente
neste sentido é que dispôs o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

O Poder Judiciário há de coibir essas práticas ignóbeis e bani-las do nosso


contexto sócio-jurídico de uma vez por todas. Para tanto, há de,
exemplarmente, punir os infratores das leis civis, destituindo-os do poder
familiar e condenando-os pecuniariamente pelo ilícito causador de danos
imateriais a crianças e adolescentes392.

O dever do(a) genitor(a) ou da prole em arcar com valor pecuniário como


forma de compensação pelos danos causados com o abandono imaterial (ou afetivo)
constitui, portanto, a sanção ou norma jurídica secundária (exposta nas disposições
jurídicas referentes à responsabilidade civil) que garante o caráter coercitivo do dever
ser consistente nos preceitos jurídico sobre o dever de cuidado do(a) filho(a) em
desenvolvimento e do pai ou mãe idosos.
Rodrigo Pereira Cunha e Claudia Maria Silva também dispõem nesse sentido
quando tratam do abandono imaterial direto:

Os pais são responsáveis pela educação de seus filhos – aí pressupondo-se,


cuidados, afeto, apoio moral, atenção. Abandonar e rejeitar um filho é violar
direitos. A toda regra jurídica deve corresponder uma sanção, sob pena de se
tornar somente regra moral. Uma das razões da existência da lei jurídica é
obrigar e colocar limites. Admitindo-se não ser possível obrigar ninguém a
dar afeto, a única sanção possível é a reparatória. Não estabelecer tal sanção
aos pais significa premiar a irresponsabilidade e o abandono paterno” 393.

392
TJSC, Apelação Cível n. 2011.020805-7, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator: Des. Joel Dias Figueira
Júnior, julgado em 11.08.2011.
393
PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e
Estado., Brasília: Scielo , v. 21, n. 3, p. 667-680, Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23. out. 2017, p. 680.
177

Por outro lado, há que se ter em mente que a aplicação da sanção desestimula a
prática do abandono imaterial (ou afetivo) pelos pais em relação aos filhos e destes em
relação aqueles justamente na fase em que mais precisam: na infância, adolescência e
velhice. Ou seja, a condenação no dever de indenizar tem, ainda, a função pedagógica
de evitar a prática de novos abandonos. A este respeito, Theodureto de Almeida
Camargo Neto, ao tratar sobre o abandono afetivo direto, ensina:

Ainda que, à primeira vista, possa parecer repulsiva a troca do afeto pela
reparação pecuniária, não se pode perder de vista o incentivo que a simples
possibilidade de eventual indenização possa exercer no espírito do pai, ou da
mãe, recalcitrante no desempenho de seus misteres, nem a enorme vantagem
que disso certamente resultará para os filhos 394.

Conclui-se, assim, que a responsabilidade civil tem o escopo de reparar ou


compensar o dano causado, ao mesmo em que sanciona o causador do dano quando o
impõe a efetivar a aludida compensação. A aplicação desta sanção está atrelada à
coercibilidade inerente à norma jurídica e serve, ainda, como desestímulo ao
descumprimento dos preceitos normativos - como o atinente ao dever de cuidado.
Portanto, no que concerne ao abandono imaterial (ou afetivo), tem-se o dever
de cuidado imputado aos pais em relação aos filhos em desenvolvimento e à prole em
relação aos genitores idosos; o desrespeito a este dever legal justifica o dever de reparar
os danos causados, que é corresponde ao direito daquele que não foi cuidado em pleitear
indenização. Esta, por sua vez, representa a sanção pela inobservância da norma (que
determina o cuidar e o não causar dano a outrem), ao mesmo tempo em que tutela a
reparação do dano e, ainda, serve como desincentivo à inobservância dos deveres de
cuidado paterno-filiais.

394
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: Grandes
Temas de Direito de Família e das Sucessões. SILVA, Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO,
Theodureto de Almeida (coords.). São Paulo: Saraiva, 2011, p. 29.
178

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho buscou efetivar análise concernente à responsabilidade


civil pelos danos ocasionados à prole em desenvolvimento e aos pais idosos em razão
da ausência dos genitores e dos filhos adultos, respectivamente.
Para tanto, realizou-se contextualização história acerca do instituto da família e
se anotou sobre as mudanças no direito, aplicáveis a esta, com a era pós-moderna. Tal
exploração foi importante para a compreensão da lógica dos princípios inerentes ao
direito familiar, os quais são fundamentais para se averiguar a incidência ou não da
responsabilidade civil em tela.
Conforme apontado ao longo da dissertação, o dever de indenizar requer a
configuração de um dano decorrente de ato ilícito; portanto, para tratar do tema
proposto, foi preciso verificar se a ausência referida configura ato ilícito capaz de gerar
danos a ser objeto de indenização.
Primordial, neste ponto, foi afastar o entendimento sobre a falta de amor, vez
que tal carência não configura hipótese ilícita, e, portanto, não pode resultar em
incidência do dever de indenizar. Exatamente por esta razão é que se preferiu a
utilização do termo ‘abandono imaterial’ à expressão ‘abandono afetivo’ (usada pela
grande maioria da doutrina, jurisprudência e mencionada, inclusive, em projetos de lei).
O que se aponta é a ilicitude pela ausência imaterial – falta esta que não se relaciona ao
pagamento de pensão alimentícia, ou de qualquer outro pecuniário ou material, e nem se
refere a cunho afetuoso ou amoroso.
Também foi importante observar que o uso das denominações “abandono
afetivo”, “abandono afetivo direto”, “abandono imaterial” e “abandono imaterial direto”
são utilizadas para se referir à falta de presença e de visita à prole menor de idade pelo
pai ou mãe não guardião.
Em sentido oposto, as expressões “abandono afetivo inverso” ou “abandono
imaterial inverso” são usadas para mencionar a falta de presença da prole na vida dos
pais idosos, ainda que haja o custeio de questões materiais, como de cuidadores e de
diárias em asilo.
Quanto ao abandono imaterial direto, apontamos a evolução do antigo pátrio
poder para o atual poder familiar, o qual contempla conteúdo não mais de submissão
dos filhos ao chefe da família, mas sim de proteção da prole mediante conjunto de
179

obrigações a serem exercidas pelos pais; trata-se dos deveres parentais. O


descumprimento destes acarreta a suspensão ou até extinção do poder familiar, tudo em
conformidade com os princípios aplicáveis ao direito de família, sobretudo ao de
proteção integral a acrianças e adolescentes (além de jovens e idosos) e ao preceito da
paternidade responsável.
Dentre os deveres inerentes ao poder familiar está a presença, mesmo daquele
que não detém a guarda da prole. Esta obrigação do não guardião ser presente decorre
da necessidade de este (i) supervisionar os interesses do filho – o que não pode ser
efetivo se configurada absoluta ausência imaterial; (ii) dirigir a criação e cuidado – o
que requer participação; (iii) compartilhar com o guardião os atos inerentes ao cuidado e
educação, a qual contempla muito mais do que ensino escolar, e abrange a necessidade
de transmissão de valores e comportamentos éticos, morais e de conduta; (iv) garantir a
efetivação da saúde – que contempla equilíbrio psicológico, o qual é totalmente
maculado com o sentimento de rejeição praticada pelo –próprio pai ou mãe; (v) garantir
a convivência familiar – a qual, por óbvio, exige a presença dos pais; e por fim (vii)
visitar o filho – este dever é ao mesmo tempo um direito do não guardião, pois
possibilita o adimplemento das demais obrigações.
Portanto, os deveres do não guardião vão muito além do pagamento de pensão
alimentícia, e não podem ser adimplidos se houver absoluta ausência. É a presença dos
pais que possibilita o adimplemento das obrigações parentais. Se aquela não é
configurada, essas não estão sendo cumpridas. Dai porque o abandono imaterial se
configura como ato ilícito referente ao descumprimento dos deveres paternais de
cuidado.
Uma vez configurada a ilicitude, passou-se a analisar se esta tem o condão de
gerar danos à prole abandonada imaterialmente. Conforme interdisciplinaridade com o
campo da psicologia, a rejeição materna ou paterna configurada com a total ausência
imaterial constitui grave abalo à higidez psíquica do infante. Os efeitos podem ser os
mais diversos possíveis, desde sofrimento calado, passando por crises de arrancar
cabelos e cílios, além de crises de identidade até consequências irradiadas na vida adulta
como dificuldade de exercer a maternidade ou paternidade. Estas consequências, dentre
outras, foram publicadas em pesquisas realizadas por psicólogos acerca do abandono
imaterial.
180

Ainda que a apresentação de laudo psicológico possa atestar alguns dos mais
diversos danos aos filhos por consequência do abandono imaterial, não há como deixar
de observar a evidente mácula interna que a sensação de ser rejeitado pelo próprio pai
ou mãe causa. Esta rejeição configura violência psicológica, pois renega não só o
direito, mas a necessidade do(a) filho(a) em ser cuidado. Por esta razão, é que há o
entendimento – minoritário – na jurisprudência de que é presumível o dano (in re ipsa)
moral decorrente do abandono imaterial.
Analisados os deveres referentes ao poder familiar – os quais exigem a
presença de ambos os pais, sejam ou não guardiões, bem como notados os danos
decorrentes do descumprindo das obrigações paternais de cuidado, a resposta advinda
com a lógica do ordenamento jurídico é o dever de indenizar.
Vale destacar: a consequência do descumprimento dos deveres inerentes ao
poder familiar é a suspensão ou extinção deste. Já a resposta consequente aos danos que
advêm do aludido inadimplemento é o dever de, aquele que deu causa ao dano, arcar
com indenização.
Seguindo a mesma lógica, porém percorrendo caminho inverso, concluímos
pelo dever do(a) filho(a) suportar valor a título de indenização quando abandonar
imaterialmente os pais idosos e causar danos a estes.
Os danos decorrentes do abandono imaterial inverso também são verificados
por meio da interdisciplinaridade com estudos da psicologia, bem como com pesquisas
que apontam a difícil e dolorosa realidade de muitos idosos abandonados
imaterialmente.
Conforme exposto neste trabalho, a preocupação com a negligência e abandono
com os idosos é mundial e reflete nas tentativas das Organizações das Nações Unidas
(ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) em alertar sobre a necessidade de
efetivo amparo aos idosos. No Brasil, diversas pesquisas apontam: os que mais violam
os direitos dos idosos são os próprios filhos, e as violações com maior incidência são a
negligência e a violência psicológica.
O abandono afetivo dos pais idosos é uma forma de negligência, que se
configura pela ausência dos filhos relacionada a questões imateriais. Segundo estudo
sociológico apontado no presente trabalho, o abandono imaterial decorrente da falta de
convivência familiar é a pior forma de abandono enfrentada pelos idosos.
181

Tal omissão de cunho imaterial é expressamente contrária ao princípio da


proteção integral (da criança, do adolescente, do jovem e) do idoso, além de configurar
ato ilícito por descumprimento dos deveres de cuidado dos pais idosos impostos aos
filhos pelo Estatuto do Idoso e pela Constituição Federal.
A regra jurídica determina expressamente o dever de os filhos ampararem os
pais idosos. Amparo contempla apoio, proteção, cuidado – atos que não podem ser
efetivados apenas com o custeio de questões materiais. O adimplemento do
mandamento jurídico está intimamente ligado à presença dos filhos na vida dos pais
idosos. Por essa razão, a total ausência ou abandono imaterial inverso configura ato
ilícito a ensejar a reparação dos danos decorrentes da não convivência familiar.
Após analisar logicamente o ordenamento jurídico pátrio e apontar a incidência
da responsabilidade civil em relação aos danos causados por abandono imaterial direto e
inverso, passou-se a verificar o entendimento jurisprudencial, bem como a mencionar
sobre temas controversos relacionados ao assunto tratado.
Quanto ao abandono imaterial direto, concluiu-se que a jurisprudência pátria se
manifesta tanto no sentido de determinar a indenização dos danos consequentes, como
de negar o pleito indenizatório sobre o argumento de que o afeto não pode ser exigível
legalmente. Eis neste ponto mais uma vez a importância de diferenciar afeto, abraço e
amor do dever de cuidado e adimplemento das obrigações decorrentes do poder familiar
– as quais não podem ser adimplidas sem presença e apenas com custeio material.
Por outro lado, muitos julgados (inclusive o mais recente do Superior Tribunal
de Justiça sobre esse tema) afastam o dever de indenizar os danos decorrente do
abandono imaterial direto com base na prescrição trienal contada a partir da maioridade
do filho. Apesar de a maioria dos doutrinadores acompanhar o entendimento de que o
termo inicial da prescrição é o do encerramento do poder familiar, há correntes
minoritárias que sustentam a imprescritibilidade da pretensão por se tratar de dano
configurado em atos sucessivos, bem como correntes que defendem ser o termo inicial
da prescrição configurado com a ciência da lesão pelo filho abandonado.
Quando se trata do tema apresentado, uma das perguntas que surgem é o quão
positivo pode ser um pai ou uma mãe presente que não ama o filho. Na busca por
aclarar a questão, concluímos que a presença possibilita a efetivação do cuidado do filho
menor pelos pais, ao passo que a ausência impede tais zelos. Desta forma, a presença
será sempre positiva, pois deverá resultar no cuidado da prole – independente de abraço,
182

beijo ou amor. O cuidado, por sua vez, contempla intrinsecamente a não demonstração
da falta de amor ou da rejeição. Exige-se a presença para possibilitar o cuidado; e quem
cuida não demostra que não ama, ainda que assim seja. No bojo do trabalho são
apresentadas hipóteses pragmáticas concretas a corroborar com esse entendimento. Por
outro lado, se os pais forem presentes, mas rejeitarem expressamente os filhos, também
deverão ser condenados. É a hipótese de devolução do adotado ou tentativa de
‘desadoção’, a qual já ensejou julgados condenando os pais a indenizarem os danos
morais resultantes.
Neste ponto, o questionamento que surgiu foi em relação ao dever ou não de o
pai ou mãe socioafetivo indenizar os danos por abandono imaterial do(a) filho(a)
afetivo(a). A conclusão a este respeito foi o da incidência da responsabilidade civil, vez
que a codificação atual iguala a paternidade biológica à paternidade por adoção e à
paternidade socioafetiva. Assim, a regra a ser aplicada deve ser a mesma para todos os
casos.
Existe também a hipótese de pais que tratam o infante, sem filiação, como se
fosse filho, e exercem todos os atos como se pai ou mãe fosse sem, contudo, averbar a
paternidade no registro civil do menor. Diante deste cenário, questionou-se a respeito da
possibilidade de condenar esses ‘pais’ caso, posteriormente, abandonem a prole. Nosso
entendimento foi o de que tal quadro configuraria clara afronta à boa-fé objetiva – vez
que os ‘pais’ cativam livremente a criança para depois a abandonar – e deve ensejar o
dever de indenizar assim como nas hipóteses de tentativa de ‘desadoção’ ou de ruptura
injustificada das negociações preliminares, em que incide a responsabilidade civil pré-
contratual por descumprimento da boa-fé objetiva.
No que concerne ao abandono imaterial inverso, escassa é a jurisprudência
sobre o tema. Mencionou-se no trabalho ação pleiteando reparação por danos
decorrentes de abandono material e ‘afetivo’ de mãe idosa, cuja decisão negou o pleito
referente à omissão ‘afetiva’, por entender que a condenação pecuniária não substituiria
os laços afetivos rompidos. A decisão, ao nosso entender, pareceu expor entendimento
semelhante ao proferido por aqueles que negavam a possibilidade de indenização por
dano moral, além de não ter mencionado os deveres de cuidado impostos legalmente.
Por outro lado, apontamos decisão em que é citado expressamente o dever de os filhos
ampararem os pais idosos; em razão desta obrigação foi deferido pleito de professor por
redução de carga horária (e de salário) a fim de possibilitar o cuidado do pai idoso.
183

A questão que surgiu nesta fase foi sobre a possibilidade ou não de pai que
abandonou a prole criança ou adolescente, exigir que esta – quando estiver adulta –
cuide do genitor idoso. A resposta encontrada foi a de inexigibilidade, pois assim como
o procedimento indigno afasta a obrigação de custeio de alimentos, a atitude indigna de
rejeição da prole coíbe a exigência de que esta ampare imaterialmente aquele que
outrora o abandonou.
Por fim, verificou-se, no bojo da dissertação, a existência da função
compensatória e também sancionadora da responsabilidade civil. Aquela é configurada
pelo escopo em reparar o dano causado. Já esta se constitui com o dever do causador do
dano em suportar a indenização; este dever é a sanção imposta pelo ordenamento
jurídico como resposta ao descumprimento normativo e a inobservância do preceito de
não causar dano a outrem.
A conclusão final é de que a fórmula para analisar a incidência ou não do dever
de reparar os danos causados por abandono imaterial está no fundamento basilar da
responsabilidade civil, qual seja, o de não lesar a outrem (neminem laedere). Assim,
aquele que tem o dever de ser presente, o deve ser. E se, por alguma razão de foro
íntimo, tiver dificuldades para adimplir com sua obrigação de ser presente (e então
cuidar), deve buscar tratamento psicológico a fim de evitar causar dano ao outro e
acabar por compelir este a ter que efetivar o tratamento médico que aquele que
abandonou não realizou. Se este cuidado não for tomado e o dano se configurar, deverá
incidir o dever de indenizar.
Não se poderá falar em abandono afetivo, contudo, caso a rejeição parta
daquele que deve ser cuidado. Isto porque, nesta hipótese não há omissão por aquele
que deve ser presente e pratica atos comissivos em busca da convivência. Não há
abandono, há impossibilidade de convivência por rejeição do menor ou do idoso.
Por outro lado, caso a ausência seja resultante de ato de outrem (como nas
hipóteses de alienação parental), aquele que tem o dever de cuidar (e, para isso, precisa
ser presente) deve buscar meios para cessar o ato do outro que impede a presença na
vida do filho. Há, inclusive, hipóteses de julgados aplicando astreintes (multa diária
cominatória) para compelir o guardião alienante a levar o filho para as visitas com o
outro genitor. O que não se pode admitir é a total omissão, com a desculpa de que o
abandono imaterial se dava por atitude impeditiva de outrem, sendo que nada era feito
para cessar o ato deste outrem. Essa seria a hipótese de se beneficiar da própria torpeza
184

(venire contra factum proprium) e não poderia ensejar o afastamento do dever de


indenizar.
Importante mencionar: toda regra tem sua exceção. No presente caso, esta seria
configurada pela impossibilidade de o pai ou a mãe que praticou o abandono dos filhos
menores de idade, exigir indenização caso os filhos abandonem os pais na velhice.
Trata-se de exceção configurada pelo procedimento indigno.
Nos demais casos deve ser mantida a regra baseada na constante exigência para
que não se lese a outrem. O cuidado da prole em desenvolvimento e dos pais idosos é
obrigação que deve ser cumprida, respectivamente, pelos pais e filhos. E é a presença o
meio que possibilita a efetivação do aludido cuidado, daí porque incidir o dever de
indenizar os danos causados com a total ausência e abandono imaterial.
185

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