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PUC-SP
São Paulo
2017
Ana Carolina Nilce Barreira Candia
São Paulo
2017
Banca Examinadora
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_____________________________
_____________________________
Dedico este trabalho a Deus, a toda minha
família e a todos aqueles que de alguma
forma contribuíram na evolução desta
dissertação.
Agradeço ao CNPQ pela concessão da bolsa.
AGRADECIMENTOS
Título: Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto e inverso
Dedica-se o presente trabalho a observar que o fato de algum dos genitores não deter a
guarda da prole não é fator a permitir a total ausência, ainda que haja o custeio de
alimentos e outras questões materiais. Isto porque, o poder familiar imputa deveres
paternos que não podem ser cumpridos sem que haja presença. Desta forma, a ausência
implica, necessariamente, em inadimplemento, pelos pais, dos deveres de cuidado
inerentes ao poder familiar, ou seja, se constitui como ato antijurídico. Os danos
decorrentes deste devem, assim, ensejar a incidência da responsabilidade, a qual tem
como base o preceito de não lesar a outrem. Buscando obedecer a este princípio, é que o
genitor que vê o outro progenitor praticando alienação parental do(a) filho(a), deve
buscar tutela jurisdicional a fim cessar este ato e garantir o seu direito-dever de visitar e
conviver com o filho. Se o pai ou a mãe nada faz para cessar a alienação parental, não
poderá usá-la como pretexto para afastar a responsabilidade civil caso pratique o
abandono, vez que esse cenário configuraria o ato de se beneficiar da própria torpeza,
pois se utilizaria da omissão em não cessar a alienação para se furtar do adimplemento
do dever de cuidado. Por outro lado caso haja busca pelo não guardião em visitar o(a)
filho(a), mas este é que – por motivos próprios- pratique a rejeição, não se estará diante
de hipótese de abandono paterno a ensejar o dever de indenizar, vez que, nesta hipótese,
há a prática, pelo pai ou mãe, de atos comissivos para a convivência. Com relação ao
amor, verificou-se que a incidência da indenização não é por falta de afeto, e sim por
ausência de cuidado; cabendo notar que quem cuida não demostra rejeição, ainda que
não ame. Também se apontou que a paternidade biológica, adotiva ou socioafetiva são
equivalentes, portanto, os deveres inerentes também o são. Por sua vez, aquele que,
apesar de não efetivar averbação de paternidade no registro civil, cativa infante agindo
como se pai ou mãe fosse, também deverá responder pelos danos causados caso
posteriormente abandono o menor. Isto porque, estar-se-á diante de descumprimento
dos preceitos da boa-fé objetiva. Seguindo a mesma lógica de raciocínio, porém, de
maneira inversa, denotamos também o direito dos idosos à convivência familiar e o
dever dos filhos cuidarem daqueles. Assim, ainda que haja o custeio de questões
materiais, a falta de zelo e ausência da prole quando os pais são idosos se constitui
como ato antijurídico a enseja os decorrentes danos. Contudo, há exceção da
exigibilidade deste cuidado quando o filho que abandona, outrora foi vítima
abandonado na infância ou adolescência, ou seja, foi vítima de ato indigno que deve
afastar a exigibilidade tanto de alimentos como de cuidados imateriais.
Title: Liability for immaterial (or affective) abandonment forward and reverse
The work at hand intends show that, if one of the parents does not detain custody of the
offspring, that is not a factor to allow total absence, even when it already
involves support regarding cost of food and other material issues. This is because a
parent’s obligation to impute paternal duties cannot be fulfilled without presence. In this
way, absence necessarily implies the parent's failure to fulfil the duties of care inherent
to the parent’s obligation, that is, it constitutes an unlawful act. The damages resulting
from this must, therefore, give rise to the incidence of liability, which is based on the
precept of not harming others. Seeking to obey this principle, is that the parent who sees
the other parent practicing parental alienation of the child should seek judicial
protection in order to cease this act and ensure their right-duty to visit and live with the
child. If the father or mother does nothing to stop the parental alienation, he cannot use
it as a pretext to exclude civil liability if he practices abandonment, since this scenario
would be the act of benefiting from his own inaction, since it would use the omission in
not ceasing the alienation in order to avoid the duty of care. On the other hand, if
the non-custodian seeks to visit the child, but - for reasons of his own - is faced with
rejection by the child, there will be no possibility of parental abandonment to give rise
to the obligation to indemnify. Instead, in this hypothesis, there is the practice, by the
father or mother, of commissive acts for their convenience. With respect to love, it was
verified that the incidence of the indemnity is not for lack of affection, but for lack of
care; It should be noted that those who care do not show rejection, even if they do not
love. It was also pointed out that biological, adoptive or socio-affective parenthood are
equivalent, therefore, the inherent duties are also equivalent. In turn, the one who,
although not effecting paternity registration in the civil registry, captivates the infant
acting as if the father or mother were, must also respond for the damages caused in case
of later abandonment of the minor. This is because it will be faced with non-compliance
with the precepts of objective good faith. Following the same logic of reasoning,
however, in reverse, we also denote the right of the elderly to family life and the duty of
their sons to care for them. Thus, even if there is material costing, the lack of zeal and
absence of the offspring when the parents are old constitutes itself as an unlawful act
and causes the consequent damages. However, there is an exception to the
enforceability of this care, when the child who leaves was once a victim abandoned in
childhood or adolescence, that is, he was the victim of an unworthy act that should rule
out the enforceability of both food and immaterial care.
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA
........................................................................................................................................ 14
2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a Constituição
Brasileira de 1824 .................................................................................................................. 14
2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até a Carta
Magna de 1988 ....................................................................................................................... 17
3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS
PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A
CARTA MAGNA DE 1988 .......................................................................................... 22
3.1. O Direito e a era pós-moderna ...................................................................................... 22
3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito Civil ......... 24
3.3. Constitucionalização do Direito de Família ................................................................. 26
4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU
AFETIVO)..................................................................................................................... 30
4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)” ................... 30
4.2. Aplicação dos princípios constitucionais ...................................................................... 31
4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família ........................................ 33
4.3.1. Princípio da cidadania ............................................................................................... 35
3.3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................................. 37
4.3.3. Princípio da solidariedade ......................................................................................... 40
4.3.4. Princípio da afetividade ............................................................................................. 42
4.3.5. Princípio da convivência familiar.............................................................................. 45
4.3.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos .................. 48
4.3.7. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente ....................................... 50
4.3.8. Princípio da paternidade responsável ........................................................................ 51
4.4 Aspectos relevantes da responsabilidade civil aplicados ao caso ................................ 52
4.4.1. Considerações iniciais ............................................................................................... 52
4.4.2. Requisitos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva .......................... 57
4.4.2.1. Culpa ................................................................................................................................ 57
4.4.4.2. Dano ................................................................................................................................. 62
4.4.2.4.1. Dano moral................................................................................................................ 65
4.2.3. Nexo causal ............................................................................................................... 73
4.5. Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto ........................... 75
4.5.1. Transformação do pater familias em poder familiar ................................................. 76
4.5.2. Conteúdo do poder familiar....................................................................................... 79
4.5.3. Suspensão do Poder familiar ..................................................................................... 83
4.5.4. Extinção do Poder familiar ........................................................................................ 83
4.5.4.1. Reincidência das faltas previstas no artigo 1.637, CCB ................................................... 84
4.5.4.2. Castigo imoderado ............................................................................................................ 84
4.5.4.3. Prática de atos contrários à moral e aos bons costumes ................................................... 86
4.5.4.4. Deixar o filho em abandono ............................................................................................. 88
4.5.5. Considerações sobre a expressão abandono afetivo (ou imaterial) ‘direto’ .............. 91
4.5.6. Presença como dever ................................................................................................. 92
4.5.6.1. Dever do não guardião supervisionar os interesses do filho ............................................. 93
4.5.6.2. Dever de dirigir a criação e a educação ............................................................................ 95
4.5.6.3. Dever de educação e cuidado: responsabilidade compartilhada entre os pais .................. 96
4.5.6.4. Dever de garantir a efetivação da saúde ........................................................................... 98
4.5.6.5. Dever de garantir a convivência familiar.......................................................................... 99
4.5.6.6. Dever do não guardião em visitar o filho ....................................................................... 100
4.5.7. Danos decorrente da culposa não convivência do pai ou da mãe com os filhos ..... 106
4.5.8. Dever de reparar os danos causados à prole com o abandono imaterial (ou afetivo)
........................................................................................................................................... 115
4.5.8.1. Presença de substituto não apaga a dolorosa realidade de ser um filho rejeitado ........... 119
4.5.8.2. Desamor e dever de cuidado ........................................................................................... 120
4.5.8.3. Dano material com tratamento psicológico .................................................................... 122
4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos causados
aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar........................................... 123
4.6.1. O termo “abandono afetivo inverso” ....................................................................... 123
4.6.2. Abandono afetivo inverso: a difícil realidade de muitos idosos.............................. 125
4.6.3. Danos decorrentes do abandono afetivo inverso ..................................................... 128
4.6.4. Dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso .................. 135
4.7. Jurisprudência e questões controvertidas referentes ao denominado ‘abandono
afetivo’ .................................................................................................................................. 138
4.7.1. Quanto ao abandono afetivo direto ......................................................................... 138
4.7.1.1. Prescrição e decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre “abandono afetivo”
publicada em 29 de novembro de 2017 ................................................................................... 147
4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não ama ................................... 153
4.7.1.3. Há dever de a mãe ou o pai socioafetivo indenizar danos por abandono imaterial do(a)
filho(a) afetivo(a)? .................................................................................................................. 158
4.7.2. Quanto ao abandono afetivo inverso ....................................................................... 163
4.7.2.1. Pai que abandonou a prole que era criança ou adolescente, pode exigir que esta o cuide
quando estiver idoso? .............................................................................................................. 167
4.8. Projetos de Lei sobre o denominado “abandono afetivo” ........................................ 169
4.9. Função compensatória e sancionadora da responsabilidade civil: sanção como
elemento integrado à norma jurídica ................................................................................ 171
5. CONCLUSÃO......................................................................................................... 178
6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 185
11
1. INTRODUÇÃO
presença, pode ser legalmente exigida? Existe dever jurídico de convivência paterno ou
materno-filial? O dever de indenizar pecuniariamente o abandono material serve para
compensar a dor da ausência? Pode-se punir aquele que não quis ser presente? É
possível o caráter punitivo na responsabilidade civil?
São esses os questionamentos que se pretende responder com esta dissertação.
Para tanto, faz-se primordial breve contextualização história da configuração
familiar ao longo dos tempos, passando pelo Direito Romano e alcançando a atual
concepção abordada na Constituição Federal Brasileira datada de 1988. Isto porque, não
há como tratarmos do assunto família sem ao menos compreendermos o que de fato é
essa instituição e como ela tomou os contornos dos quais se reveste atualmente. É disto
que se trata no primeiro capítulo.
Já o capítulo consecutivo é dedicado à transformação do Direito Civil
Brasileiro. Passou-se de tempos de valorização patrimonial para uma era de
supervalorização do individuo e de seu bem estar social. Tal alteração foi configurada
com a promulgação em 1988 da atual Carta Constitucional. Ocorreu, entretanto, que
alguns dispositivos do Código Civil de 1916 se tornaram inaplicáveis por não estarem
de acordo com os novos preceitos trazidos pela Constituição vigente. Verificou-se,
assim, a chamada Constitucionalização do Direito Civil, pois era necessário que os
civilistas, por muitas vezes, buscassem as soluções diretamente nos artigos da
Constituição e não mais nos artigos do Código Beviláqua. O cenário alterou-se com a
edição do Código Civil que passou a vigorar em 2002. Neste codex foram assumidos os
preceitos preconizados pela Carta de 1988 e concretizados em forma de lei civil.
No terceiro e último capítulo serão consideradas as transformações referidas
anteriormente, que resultaram no contexto atualmente verificado, para se analisar a
responsabilidade civil por abandono imaterial ou afetivo. De início, irá se esclarecer o
uso da terminologia adotada e em seguida serão apresentados os princípios que
embasam o tema sustentado nesta dissertação.
Posteriormente, será realizado breve esclarecimento quanto ao instituto da
responsabilidade civil e dos elementos genéricos necessários para a sua configuração.
Tais elementos serão especificamente apontados nas hipóteses em concreto quando se
tratar do dever de reparar os danos causados com o abandono afetivo direto e também
na oportunidade de se referir ao dever de indenizar os danos decorrentes do abandono
afetivo inverso.
13
Para tratar sobre o estudo do Direito de Família, faz-se necessária uma breve
análise histórica para se compreender a maneira como as relações familiares se
apresentam e se modificam com o passar do tempo. Esta contextualização é
fundamental para se entender corretamente as normativas jurídicas de cada época, bem
como as alterações destas.
Afinal, não são as leis ou o Estado que criam o conceito de família e seus
institutos; ao contrário: é o sistema jurídico, por meio de seus legisladores e intérpretes,
que busca absorver e acompanhar as intensas e constantes modificações no arquétipo
familiar. Conforme ensina Batista Villela, “a família antecede o Estado, preexiste à
Igreja e é contemporânea ao Direito”1. É nesta toada que se faz prudente uma breve
análise do direito familiar praticado desde Roma.
O termo família, no período Romano, se referia, inicialmente, ao conjunto de
escravos pertencentes a um homem, enquanto que o termo fumulus seria destinado a
cada escravo doméstico desta ‘família’. Em razão de sua transmissibilidade por
testamento, a expressão família passou a abranger não apenas o conjunto de escravos,
mas também a mulher e os filhos pertencentes ao homem chefe daquela organização, o
qual detinha absoluta propriedade sobre os membros da família, podendo dispor
inclusive sobre o direito de vida ou morte destes integrantes. Era o denominado pater
família.
Neste sentido, relata Friederich Engels que o termo família:
1
VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.).
Anais do I Congresso Brasileiro de Família – Repensando o Direito de Família. Belo Horizonte:
IBDFAM: OAB-MG, 1999, p. 15-30.
15
O arcabouço da família não era tampouco o afeto natural, visto que o direito
grego e romano não tomavam na menor conta esse sentimento. Poderia este
2
existir no íntimo dos corações, mas para o direito não representava nada .
O mesmo autor explica que com a Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim
Tabularum; 449 a.C.) a configuração do instituto mudou: somente consumava o
matrimônio se a mulher permanece por um ano ininterrupto na casa do marido, podendo
2
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 45.
3
WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 22.
4
DANTAS, Santiago. Direito de Família e das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 30-31.
16
dormir fora por apenas duas noites. Caso a mulher passasse três noites fora, configurava
o denominado “trinoctium” e o prazo para constituição do matrimônio recomeçava.
Na hipótese de ocorrência do “trinoctium”, configurava-se um matrimônio
especial denominado “matrimônio sine manu”. Neste, a mulher, apesar de assumir o
posto social de esposa, não figurava em posição submissa perante seu marido (pater),
pois continuava sobre o poder de seu pai. Por outro lado, contudo, a esposa no
‘casamento sine manu’ não tinha direito à sucessão marital, mas apenas na sucessão de
seu pai (pater originário).
Com o predomínio do cristianismo no Império Romano, a forma de
constituição inicial da família foi alterada: para a constituição do matrimônio não
bastava que a mulher passasse a morar com o homem por um ano ininterrupto; era
necessária a celebração de um sacramento que formalizaria o matrimônio e tornaria
indissolúvel o vínculo matrimonial.
Foi, assim, a partir do Direito Canônico, e de seu primeiro compilado de
normas por meio do Decreto de Graciano (denominado de Corpus Iuris Canonici),
redigido entre 1.140 e 1.142, que o matrimônio passou a ser visto como um sacramento
indissolúvel, que, para ser celebrado, exigia o consentimento das partes5. Neste sentido,
tem-se que:
5
WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 26.
6
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 50.
17
7
SZANIAWSKI, Elimar, Direitos da Personalidade e sua Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p.130.
88
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676.
9
AMARILLIA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laços e os
nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 44.
18
de autoria de Rui Barbosa. Este mesmo Decreto acabou reproduzido no Código Civil de
1916, o qual apenas alterou o termo ‘Divórcio’ pela expressão ‘desquite’ a fim de
configurar a ruptura da sociedade conjugal com a manutenção do vínculo.
A subordinação da legitimidade da família ao casamento civil foi, portanto,
mantida no Codex de 1916. Sobre este aspecto, Euclides de Oliveira e Giselda Hironaka
narram que
10
OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda. Do direito de família. In: Direito de família e o novo
Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey; 2002. p. 3.
19
Ou seja, apesar da autoridade do homem com relação à sua prole, esse estava –
desde o ano de 1937 – expressamente subordinado, junto com a mulher, ao dever de
cuidado e zelo pela integridade física, psíquica e moral dos filhos.
Já com relação à emancipação da mulher dentro de seu próprio lar, isso só
ocorreu com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) e com a Lei
do Divórcio (Lei n. 6.515/1977).
Em função do artigo 30 da Lei n. 4.121/1962 e do artigo 50, §5º da Lei n.
6.515/1977, a ideia de subordinação foi substituída pelo conceito de colaboração e a
mulher, após as núpcias, passou a assumir a condição de colaboradora e consorte do
esposo na chefia da sociedade conjugal, contribuindo, assim, tanto com a condição
moral quanto com a material da família, sem mais depender de outorga marital.
Junto com a perda de autoridade do marido, adveio também a possibilidade de
reconhecimento da filiação extrapatrimonial por um dos cônjuges, ainda na vigência do
casamento, por meio do testamento cerrado11, além da possibilidade jurídica de
dissolução da sociedade conjugal12.
A previsão legal de permitir a dissolução do casamento teve como
consequência a necessidade de disposição jurídica quanto à guarda da prole advinda da
sociedade conjugal desfeita. Assim, os artigos 325 a 329 do Código Civil de 1916 foram
alterados pelo Estatuto da Mulher Casada e pela Lei do Divórcio, a fim de determinar
diretrizes sobre a guarda dos filhos após a separação judicial ou divórcio. Sob um
prisma diferente do atual,
11
Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 51, parágrafo único: “Ainda na vigência do casamento qualquer dos
cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou
depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável".
12
Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 2º, parágrafo único: “O casamento válido somente se dissolve pela
morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”.
13
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28a ed. rev. e atual. por Francisco José
Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245.
20
14
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28a ed. rev. e atual. por Francisco José
Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245.
15
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de
família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 43.
16
TEPEDINO. Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 350.
17
FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.
83.
21
18
ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999, p. 9-10.
19
LUKACS, John. O fim de uma era. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 13.
Título Original: At the end of na age.
20
Ibidem., p. 19.
21
ANDERSON, op. cit., p. 13-18.
23
22
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação, Revista de Direito do
Consumidor, n. 33, p. 125-127, jan/mar 2000.
23
BRITO, Alexis Augusto Couto de. Princípios e topoi: a abordagem do sistema e da tópica na ciência do
direito. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e tópica na interpretação do ordenamento. Barueri:
Manole, 2006, p. 192-193.
24
ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed.
ver. São Paulo: Malheiros. 2010, p. 25.
25
AMARAL, Francisco. O dano à pessoa no direito civil brasileiro, Revista Brasileira de Direito
Comparado. Rio de Janeiro, n. 1, p. 13-46, jul. 1982, p. 14-15.
24
imagem (artigo 5º, V), e o princípio neminem laedere26 (artigo 5º, XXXV), dentre
outros dispositivos que sobrepõem o humanismo ante ao patrimonialismo.
26
Conforme ensina Rogério Donnini: “O dispositivo constitucional que completa o princípio neminem
laedere é o artigo 5º, XXXV, que estabelece: “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito”. Ao estabelecer o direito de ação, destina-se esse dispositivo, também, à reparação e
prevenção de danos, com a determinação de que caberá ao Poder Judiciário apreciar a lesão e a ameaça a
direito”. O autor continua e expõe: “A dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III), como um
princípio que não autoriza a ofensa física ou moral e protege a vida digna, ou seja, ultrapassa a proteção
prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal (inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade), com o escopo de dar-lhe dignidade, respaldada no artigo
subsequente (artigo 6º, caput), para propiciar uma vida com educação, saúde, trabalho, moradia, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância e aos desamparados. E isso significa a
antiga e, ao mesmo tempo, atual exigência do princípio neminem laedere”. (DONNINI, Rogério.
Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho,
no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 46-47).
27
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das relações de parentesco. In: PEREIRA, Tânia da Silva;
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003, p. 101-132, p. 106.
25
Sob este espírito eivado de noções éticas e sociais é que foi editado o Código
Civil de 2002, o qual, no âmbito do direito de família serviu para, conforme ensina
Francisco José Cahali30, reproduzir legislações precedentes (que, por serem disformes,
haviam revogado dispositivos do Código Beviláqua) e confirmar as novas regras
vigentes após a Constituição de 1988, embora escritas em outros termos.
O viés humanista na codificação de 2002, com valores sociais e liberais, é
notado por meio da inclusão de capítulo sobre “os direitos da personalidade” prevendo
perdas e danos em casos de ameaças ou lesões a esses direitos, bem como por meio de
institutos como o da função social do contrato, função social da propriedade, fim da
distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, possibilidade de resolução de contrato
quando este se tornar extremamente oneroso a uma das partes por motivos
extraordinários ou imprevisíveis, relativização de contratos de adesão, possibilidade de
anulação de contratos celebrados “em decorrência de lesão ou estado de perigo” etc.
28
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237.
29
THEODORO JÚNIOR. Humberto. Alguns Impactos da Nova Ordem Constitucional sobre o Direito
Civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 79, n. 662, dez. 1990, p. 7.
30
CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência de união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 279.
26
31
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 36.
32
LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.
33
TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; BARBOZA, Heloisa Helena. Código Civil
interpretado conforme a Constitucionalização da República. v. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 13.
27
mãos do Homem – pater familis) pela igualdade entre homem e mulher – o que permitiu
que essa passasse a contribuir diretamente nas ordenações da família.
Essas modificações demostram a intervenção do Estado nas relações de direito
privado, o que permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do
novo texto constitucional, força o intérprete a redesenhar o tecido do direito civil à luz
da nova Constituição.34 Resta claro, assim, a migração de um Estado Liberal para um
Estado Social, o qual intervém em setores da vida privada como forma de proteger o
cidadão.
Neste aspecto, Paulo Lôbo destaca que as Constituições brasileiras, no terreno
das relações familiares, refletiram fielmente a fase histórica vivenciada por cada época,
trazendo elementos de identificação do processo de transição do Estado Liberal para o
Estado social35.
As inovações normativas deixam claro o pendor humanista arraigado na
Constituição de 1988, o qual tem por consequência o direcionamento à família dos
influxos do princípio da dignidade humana.
Nesta seara de valorização do indivíduo, da dignidade humana, a família passa
ser vista como
Com esse espírito de tutela do bem-estar dos entes da entidade familiar, foi
editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) em consonância
com o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes previsto no artigo 227 da
Constituição Federal de 1988, o qual comtempla seu caput com a seguinte redação:
34
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 21.
35
LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6.
36
TEPEDINO, op. cit., p. 421.
28
Artigo 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade.
37
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 33.
29
Assim, ignorar a existência da prole menor de idade ou dos pais idosos, apenas
com presença financeira ou material, custeando a manutenção pecuniária, sem nenhuma
presença além do que ‘custeio’, passou a não mais se coadunar com os preceitos
jurídicos advindos com as modificações trazidas com o espírito humanista.
Conforme se verificará com os atuais princípios e regras do ordenamento
jurídico apontados neste trabalho, há uma desaprovação jurídica ao abandono imaterial
(ou afetivo), ou seja, a prática deste abandono não é ação que converge com os deveres
impostos aos pais e aos filhos pelas normas atuais, justamente em razão da nova era do
direito inaugurada com a Carta de 1988, também chamada de Constituição Humanista38.
Desta forma, ainda que haja custeio de questões materiais, há ilicitude na total
ausência tanto dos pais na vida dos filhos menores, quanto dos filhos adultos na vida
dos pais idosos. Esta ilicitude gera danos, os quais dão ensejo à obrigação de indenizar,
como se demonstra nos demais capítulos do presente trabalho.
38
Passou a se verificar um Estado constitucional e humanista de direito a partir da promulgação da
Constituição Federal de 1988 ou, nas palavras de Luiz Flávio Gomes, a partir da última evolução do
sistema jurídico. GOMES, Luiz Flávio. Primeiras linhas do Estado Constitucional e humanista de
Direito. Artigo disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI103486,31047-
Primeiras+linhas+do+Estado+constitucional+e+humanista+de+direito> acesso em 10. out. 2017.
30
menores ou da prole adulta na velhice dos pais idosos é que se verifica o abandono que
se quer tratar no presente trabalho, dai porque o uso da expressão ‘abandono imaterial’.
Importante, destacar, entretanto, que em razão da praticamente unânime
utilização do termo ‘abandono afetivo’ pelos juristas pátrios é que aponta essa expressão
ao longo da dissertação, ainda que não se queira tratar de afeto.
Demostrar-se-á a seguir que, apesar de ordenamento jurídico brasileiro não
exigir afeto, nem impor o dever de amar; a falta de convivência e presença dos pais na
vida dos filhos menores, ou dos filhos adultos em relação aos pais idosos, é omissão que
não se coaduna com os deveres impostos pela Codificação Civil, Estatuto da Criança e
do Adolescente e Estatuto do Idoso, e nem é compatível com os princípios da
Constituição Federal promulgada em 1988.
40
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237.
41
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 39.
32
Neste contexto é que entrou em vigor o código de 2002, que trouxe em seu
bojo o reflexo das modificações constitucionais. Desta forma, verificou-se a permuta do
termo ‘homem’ pelo emprego da palavra ‘pessoa’, a fim de refletir o objetivo de
igualdade entre homens e mulheres; substituição da expressão “pátrio poder” para
“poder familiar”, a fim de denotar a igualdade de poderes do pai e da mãe na unidade
familiar; possibilidade de o marido adotar o sobrenome da mulher; fim da distinção
entre filhos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’; fim do direito do homem mover ação para anular
o casamento se descobrir que a mulher não era virgem; revogação do dispositivo que
permitia aos pais utilizarem a ‘desonestidade da filha que vive na casa paterna’ como
motivo para deserdá-la etc.
48
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família. São Paulo:
Atlas, 2008, p. 69-100.
34
49
O Projeto de Lei 4.294/2008, de autoria do deputado Carlos Bezerra, prevê o dever de os pais
indenizarem os filhos por abandono afetivo e também a responsabilização civil da prole que abandona
afetivamente os genitores idosos.
50
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 6ª ed., São Paulo: Noeses,
2015, p. 252.
51
O autor ressalta, entretanto, que a expressão ‘norma jurídica’, quando referida a princípios, deve ser
entendida em seu sentido amplo, pois há ‘princípio’ como norma jurídica (forma), que expressa um valor
ou um limite objetivo e há princípio como valor e como limite objetivo presente nas regras (conteúdo).
35
52
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 42.
53
Instituto Jurídico Roberto Parentoni – IDECRIM. Cidadania.
<http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/10-cidadania> acesso em 20. set. 2017.
54
CAFFARO, Leonardo de Mello. Os Direitos Humanos Fundamentais e a Cidadania. O Juiz Cidadão e o
Cidadão como Juiz. Considerações sobre o disposto nos §§ 1º, 2º, 3º do art. 5º da CRFB/88, Revista
Virtual da AGU No 71.
<file:///C:/Users/Ana%20Carolina%20Candia/Downloads/revista_virtual_da_agu_-_071.pdf> acesso em
20. set. 2017.
55
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. 1ª ed. São Paulo: Moderna, 1998, p. 14.
36
O autor continua e afirma que “sendo o idoso uma pessoa humana como
qualquer outra, é-lhes assegurada a cidadania”59. Da mesma forma, às crianças, aos
adolescentes, aos jovens e aos adultos são assegurados os direitos previstos no
ordenamento jurídico, justamente pelo fato de esses serem pessoas humanas, ou seja,
serem cidadãos.
É, portanto, em razão do princípio da cidadania que os cidadãos têm direito a
ter direitos.
56
<https://dicionariodoaurelio.com/cidadania> acesso em 20. set. 2017.
57
Ibidem.
58
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 26.
59
Ibidem., p. 26.
37
Daniel Sarmeto61, por sua vez, ressalta que o princípio da dignidade humana é
o epicentro axiológico da ordem constitucional, de modo a irradiar efeitos sobre todo o
ordenamento jurídico e balizar não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de
relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.
Seguindo esta mesma linha, Roxana Cardoso Brasileiro Borges afirma:
Com relação ao preceito trazido pelo aludido princípio, não há dúvidas de que
este é dotado de forte conteúdo axiológico, o que dificulta uma definição precisa de seu
conteúdo. Nesse sentido, Ingo Wofgang Sarlet, destaca ser, no mínimo, tormentosa, essa
conceituação, em razão da fluidez e vagueza do valor enredado, além da porosidade
trazida pelo conteúdo e pela natureza polissêmica63.
60
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 92.
61
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003, p. 60.
62
BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da Personalidade e autonomia privada. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 15.
63
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição
Federal de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 50.
38
64
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:
Ed. 70, 2007, p. 77.
65
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005, p. 212.
66
AMARILLA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laços e os
nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 81-82.
39
Uma vez que a carência da presença dos pais suportada pelos filhos durante o
desenvolvimento ou carência da presença dos filhos experimentada pelos pais na
velhice acarreta danos à higidez psicológica, deve-se incidir o dever de indenizar sob
pena de se instrumentalizar a prole em desenvolvimento ou os genitores idosos, que
passariam a suportar os danos sem nenhuma reparação em detrimento do causador do
dano que descumpriu com seus deveres legais.
Em outras palavras: não admitir a aludida reparação por dano afetivo é
desvalorizar o ser humano em sua essência, em sua constituição psicológica, é abalar
diretamente a dignidade humana. Não é à toa que é reprovável ética e socialmente o
comportamento daquele que abandona afetivamente os pais quando idosos ou os filhos
que estão em desenvolvimento. Essa reprovação social generalizada advém exatamente
da sensação de que este comportamento causa real sofrimento psíquico àquele que é
abandonado, ou seja, que tal descuido afeta a dignidade daquele que é descuidado.
67
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil no Direito de Família. In: WELTER,
Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos Fundamentais do Direito de Família.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 361-362.
40
68
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 48.
41
69
LÔBO, Paulo. Princípio da Solidariedade Familiar. Jus Navegandi. Teresina, a. 18, n. 3759, 2013.
Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/25364/princípio-da-solidariedade-familiar> . Acesso em 22.
maio. 2017.
70
TARTUCE, Flávio; Manual de direito civil: volume único. 4ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1230-
1231.
42
71
LÔBO, Paulo. Princípio da Solidariedade Familiar. Jus Navegandi. Teresina, a. 18, n. 3759, 2013.
Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/25364/principio-da-solidariedade-familiar> . Acesso em 22.
maio. 2017.
72
LÔBO, Paulo. Socioafetividade no direito de família: a persistente trajetória de um conceito
fundamental. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Márcio Martins
(coords). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 453.
43
73
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015, p. 52.
74
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 682.
75
SANTOS, Romualdo Baptista dos. A tutela jurídica da afetividade – os laços humanos como valor
jurídico na pós-modernidade. Curitiba: Juruá, 2011, p. 150.
44
76
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. Vol. 5. 30ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 42.
77
TJRJ, Agravo de instrumento nº 2007.002.32991, 5ª Câmara Cível, Des. Cherubin Helcias Shwartz, j.
27.05.2008
78
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. A multiparentalidade como nova estrutura de parentesco na
contemporaneidade, Revista brasileira de direito civil, vol. 4, ab./jun. 2015, p. 17-18.
45
Neste aspecto, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel81 destaca que a
convivência familiar é, sem dúvida, um porto seguro para a integridade física e
emocional de toda criança e todo adolescente, uma vez que ser criado e educado junto
aos pais biológicos ou adotivos representa para o menor de 18 anos estar integrado a um
núcleo de amor, respeito e proteção.
A privação do filho da convivência de um dos progenitores ocasionaria, assim,
uma grande carga de carências e frustrações de ordem emotiva, sentimental e afetiva,
segundo Arnaldo Rizzardo, que dispõe:
79
COSTA, Tarcísio José Martins. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004, p. 38.
80
VICENTE, Cenise Monte. O direito à convivência familiar e comunitária: uma política de manutenção
do vínculo. In: KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (org.). Família brasileira: a base de tudo. 9ª ed. São
Paulo: Cortez, 2010, p. 50-51.
81
MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos
teóricos e práticos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 129.
47
Com relação aos idosos, não é diferente. A fragilidade advinda com o avanço
da idade insere a pessoa, novamente, em uma situação de vulnerabilidade, tanto física
quanto psíquica. Da mesma forma que a criança e o adolescente necessitam de proteção
e amparo físico e afetivo, o idoso também precisa desse cuidado.
O direito do idoso em ter seus filhos em sua companhia vai muito além de ser
um dever legal imposto pelo já referido Estatuto do Idoso; relaciona-se ao direito à
dignidade humana, pois não há como se falar em dignidade de alguém frustrado da
companhia e afeto da própria família.
Conforme afirma Renata Diniz, médica diretora de empresa especializada em
cuidados domiciliares para pessoas idosas:
82
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 688.
83
<https://direito-legal.jusbrasil.com.br/noticias/231637743/quando-foi-a-ultima-vez-que-voce-visitou-
seus-pais-e-avos> acesso em 26. maio. 2017.
48
84
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 23.
49
85
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 55-56.
86
SANTIN, Janaina Rigo; BOROWSKI, Marina Zancanaro. O idoso e o princípio constitucional da
dignidade humana, Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano - RBCEH, Passo Fundo,
v. 5, n. 1, p. 141-153, jan./jun. 2008.
50
momento em que mais precisam. O dano psicológico que ausência da participação dos
pais no desenvolvimento dos filhos ou destes na velhice daqueles causa é absolutamente
contrário à ideia de proteção integral.
Por óbvio que a ideia de proteção integral contempla a preservação da saúde
psíquica. Assim, uma vez que a ausência no desenvolvimento do filho ou na velhice dos
pais causa abalo psicológico, há falta de observação ao que preconizado no princípio em
tela, ou seja, há descumprimento normativo que causa dano – e, portanto, como se
verifica com os demais elementos do presente trabalho, há o dever de indenizar.
87
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor
interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 577.
88
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 75.
51
89
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 76.
90
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 55.
52
91
<https://dicionariodoaurelio.com/responsabilidade> Acesso em: 03.mar. 2017.
92
LIMA, Alvino. Da culpa ao risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1938, p. 10.
93
Talio traduz-se pelo termo equivalência. Por isso, a expressão lei de talião, para se referir a
equivalência entre o Dano e a Punição.
53
C.), comtemplando a ideia de “olho por olho, dente por dente”94, a fim de demostrar o
limite no direito do ofendido em relação ao ofensor. O limite estava na exata
reciprocidade, equivalência entre o dano causado e a pena a ser aplicada ao causador
deste dano – não se poderia, portanto, penalizar além do dano causado.
A vingança recíproca ao prejuízo causado passa a ser substituída por
composições voluntárias, quando os prejudicados notam as vantagens e conveniências
da compensação econômica. Esta compensação, contudo, ficava a critério da vítima,
que ainda poderia optar pela vingança como forma de reintegração do dano sofrido.
É este o período da Lei das XII Tábuas, que contemplava a Tábua VII, Lei II
com o seguinte preceito: “Si membrum rupit, ni cum eo pacit, talio est”95.
Ou seja, a vingança (vindicta) mantinha-se privada, mas passava a ter
intervenção do poder público. Com o avanço do tempo e das organizações, possibilitou-
se, por meio de uma autoridade soberana, que o legislador vedasse a vítima de ‘fazer
justiça com as próprias mãos’. Assim, as composições, antes voluntárias, passaram a ser
obrigatórias e tarifadas.
É o que se constata na Tábua VIII, Lei III da Lei das XII Tábuas: “Para a
fratura de um osso de um homem, pena de 300 asses, a de um escravo 150 asses”. A
ideia de reparação do prejuízo sofrido passa a tomar o espaço da vingança primitiva.
Conforme expõe Wilson de Melo da Silva, esse período
é quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por morte de um
homem livre ou de um escravo, surgindo, em consequência, as mais
esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de
96
indenizações preestabelecidas por acidente de trabalho .
94
“Se houver morte, então pagarás a vida pela vida; olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por
pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe” (COLOMBO, Leonardo A. Culpa
aquiliana (cuasidelitos). 3a ed. Buenos Aires: La Ley, 1965, p. 58.
95
Contra aquele que parte um membro e não entra em acordo, a pena de talião.
96
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização do risco. Belo Horizonte:
Bernardo Álvares, 1962, p. 40.
54
portanto, a função de punir. Quando a ação repressiva passou para o Estado, surgiu a
ação de indenização. A responsabilidade civil tomou lugar ao lado da responsabilidade
penal97.
Após se tornar independente da responsabilidade delitual, a responsabilidade
civil passou a ter seus contornos e definições mediante a realização de plebiscito no
período da República, século III a. C., que culminou na promulgação da lei romana Lex
Aquilia 98.
Esta lei se tornou um importante marco, pois determinou o elemento culpa
como fundamental para se configurar o dever de reparar. Além desta importante
transformação na responsabilidade civil, as penas com indenizações tarifadas fixadas
foram substituídas por penas proporcionais aos prejuízos gerados99.
O avanço do Direito Romano foi aperfeiçoado, ainda mais, no período do
Direito Francês e serviu para estabelecer, nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
97
MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Leon. Traité théorique et prtatique de la responsabilité civile,
délictuelle et contractuelle. 3ª ed. Paris: Recueil Sirey, 1938, p. 19.
98
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.10ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997, p. 18.
99
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1999, p. 4.
100
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. V. 4: responsabilidade civil. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 26.
101
DIAS. Op. cit., p. 20.
55
102
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor,
no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011,
p. 29.
103
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
5.
56
Sob a égide dessa Magna Carta, editou-se o Código Civil de 2002, o qual,
segundo Sérgio Cavalieri Filho104, prestigia a responsabilidade objetiva em
contraposição ao codex de 1916, que era subjetivista.
O aludido autor embasa sua afirmação destacando a existência de três cláusulas
gerais de responsabilidade civil objetiva no Código atual: (i) o artigo 187 combinado
com artigo 927, que trata da obrigação indenizatória daquele que comete abuso de
direito, independente de culpa; (ii) o artigo 927, parágrafo único, o qual traz o dever de
indenizar os danos advindos em decorrência do risco da atividade desenvolvida pelo
autor do dano (teoria do risco em contraposição à teoria da culpa); e (iii) o artigo 931, o
qual determina que empresários individuais e empresas respondam pelos danos
causados pelos produtos postos em circulação, independente de culpa.
O mesmo escritor destaca, contudo, que tal conceito não significa dizer que a
responsabilidade subjetiva tenha sido banida:
O aludido artigo 186 do Codex de 2002 define como sendo ato ilícito a ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência que violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral. Uma vez caracterizada a ilicitude, surge, para
o causador do dano, o dever de reparar, conforme disposto no artigo 927 do Código
atual. Resta evidente nesses dispositivos a prevalência da teoria subjetivista, uma vez
que ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência pressupõem culpa.
Por meio desses dispositivos legais, nota-se a exigência de três elementos
essenciais para a configuração da responsabilidade subjetiva, que serão analisados a
seguir: (i) dano; (ii) culpa e (iii) nexo de causalidade entre o dano e o ato ou omissão
culposa.
De toda forma, sob um prisma pragmático, faz se mister destacar que o
instituto da Responsabilidade Civil é fundamental para garantir a manutenção do
104
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
6.
105
Ibidem., p. 7-9.
57
direito, vez que se constitui como um forte mecanismo para compelir o cumprimento
das normas e das avenças (responsabilidade contratual) em razão de seu viés punitivo,
também chamado de preço do desestímulo. Ao mesmo tempo, o instituto possui um
destacado viés compensador ou reparador, embasado no princípio da reparação
integral, que minora os danos causados por aquele que lesa a outrem – seja por culpa,
seja em razão do risco da atividade (teoria do risco), seja nos casos expressamente
previsto em lei.
4.4.2.1. Culpa
106
DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol.1, p. 123.
58
107
DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1979, vol.1, p. 121-
122.
108
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação
doutrinária e jurisprudencial. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 97.
109
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
50.
110
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 247-248.
59
Fácil observar, nesse ponto, que o zelo e cuidado exigidos têm por finalidade
um só escopo: o de não lesar a outrem. E é este exatamente o conteúdo de um dos
princípios que mais se destaca no instituto da Responsabilidade Civil: o já referido
princípio neminem laedere, o qual, segundo Rogério Donnini,
111
DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ªed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 45.
112
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39.
113
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 6.
60
[...] é a culpa magna, nímia, como se dizia, que tanto pode haver no ato
positivo como no negativo, é a culpa ressaltante, a culpa que denuncia
descaso, temeridade, falta de cuidado indispensável. Quem devia conhecer o
alcance do seu ato positivo ou negativo incorre em culpa grave 114.
A culpa leve, por sua vez, ocorrerá: “se a falta puder ser evitada com atenção
ordinária, com o cuidado próprio do homem comum, de um bonus pater famílias”115. E
a culpa levíssima, por fim, se configurará quando o erro, que ocasionou o dano, só
pudesse ser evitado com uma atenção especial e muito concentrada116.
Em resumo, a gravidade da culpa está na maior ou menor previsibilidade do
resultado e na maior ou menor falta de cuidado objetivo por parte do causador do
dano117.
Apesar de o dever de reparar se constituir independentemente da vontade
subjetiva do agente em causar ou não o dano, vale notar que a intensidade do dolo ou o
grau de culpa (se grave, leve ou levíssima) pode influenciar no estabelecimento do
quantum indenizatório. Por essa razão, Yussef Cahali afirma que na liquidação do
dano, é possível levar-se em consideração a gravidade da culpa do demandado118.
Esclarece-se: apesar de, conforme caput do artigo 944 do Código Civil119, o
critério para a fixação da indenização ser medido pela extensão do dano e não pelo grau
de culpa, o parágrafo único120 desse mesmo dispositivo legal reza sobre a possibilidade
de o magistrado reduzir o montante indenizatório se verificada a desproporção da culpa
e o montante do prejuízo. Arnaldo Rizzardo tratando sobre o tema afirma:
114
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,
p. 72.
115
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª edição. São Paulo: Atlas,
2014, p. 53.
116
RIZZARDO, op. cit., p. 6.
117
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.
53.
118
CAHALI, Yussef Said. Indenização segundo a gravidade da culpa. In: Revista da Escola Paulista da
Magistratura, São Paulo, 1ª ed., no 1, set/dez de 1996, p. 22.
119
“Artigo 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”
120
“Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz
reduzir, eqiitativamente, a indenização”.
61
condenação por uma falta mínima. Os efeitos dos atos não podem direcionar
sempre o montante da condenação121.
121
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 7.
122
SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade Civil – Teoria e Prática das Ações. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p. 15.
62
filho será em grau menor em relação ao filho que sequer procurou alternativas para
conseguir aceitar a homossexualidade de seu pai e ampará-lo quando esse for idoso.
Vale, mais uma vez, destacar que apesar de o grau de culpa não dever embasar
o valor da indenização, esta deve corresponder ao dano causado. Poderá, todavia,
justificar a redução do quantum indenizatório se o grau de culpa for desproporcional ao
dano.
4.4.4.2. Dano
123
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 14.
124
SANTOS, Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado: principalmente do ponto de vista prático,
12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p. 255.
63
125
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 217.
126
Artigo 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do
tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o
ofendido prove haver sofrido.
127
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 215.
64
o dano à imagem. Esta mesma distinção é efetivada na Constituição espanhola (artigo 18)
e também no Texto Constitucional Português (artigo 26º).
128
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 223.
129
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 321.
130
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999, p. 669.
131
Ibidem., p. 669.
132
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 256.
65
O dano moral é aquele que invade a psique do indivíduo, tais como a dor, o
sofrimento, a humilhação, o constrangimento, o vexame e outros, enquanto o
dano estético abala o corpo físico, o visível, a deformidade, o aleijão, a
cicatriz, a repulsa que pode causar àqueles que, sem sentimento e respeito,
expõem ao lesado a sua repugnância. A diferença é notória, pois não guarda
qualquer semelhança à violação da honra – princípio que norteia o caráter, a
honestidade, a dignidade – com o aleijão, a deformidade e as cicatrizes,
ressaltando, ainda, que o tempo se encarrega de fazer a vítima superar a
primeira, enquanto a segunda se perpetua até a morte133.
133
TJRJ, Apelação n. 2001.001.08334, 11ª Câmara Cível, ADCOAS 22/344.
134
MAGALHÃES, Tereza Ancona Lopes. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.
17-18.
66
A aplicação plena do instituto dos danos morais como se tem atualmente só foi
possível após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Antes desta, é possível
verificar uma evolução doutrinária e jurisprudencial tímida iniciada com a
responsabilidade civil nas estradas de ferro, por meio do artigo 21 do Decreto n. 2.681
de 7 de junho de 1912135, o qual previa o dever de o juiz arbitrar ‘indenização
conveniente’, além dos lucros cessantes e despesas com tratamento, para o caso de lesão
corpórea ou deformidade.
Com a promulgação do Código Civil de 1916, novos dispositivos passaram a
trazer à baila a ideia de dano moral. O artigo 76136 era um destes, vez que apresentava
como requisito para propositura ou contestação de ação, o interesse econômico ou
moral.
Caio Mário da Silva Pereira137 aponta também a previsão de hipóteses
casuísticas que sugeriam a indenização por danos extrapatrimoniais por meio dos
artigos 1.538, caput138 (que tratava de ofensa corpórea que resultasse em lesão ou
deformidade), 1.547 e 1.548139 (referentes à previsão de indenização por ofensa à honra
de alguém). O autor ainda destaca que o artigo 159140 abordava a responsabilidade
aquiliana e dispunha sobre a possibilidade de reparação de qualquer dano, não limitando
a hipótese de indenização apenas quanto aos danos materiais.
135
“Artigo 21. No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras
circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o
tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente”.
136
“Artigo 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legitimo interesse econômico, ou
moral.
Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou á sua
família”.
137
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. 8ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1986, p. 321-322.
138
“Artigo 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, indenizará o ofensor ao ofendido as
despesas do tratamento e os lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de lhe pagar a
importância da multa no grão médio da pena criminal correspondente”.
139
“Artigo 1547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte
ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no
grão máximo da pena criminal respectiva (artigo 1.550).
Artigo 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não
quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à condição e estado da ofendida: I. Se,
virgem e menor, for deflorada.
II. Se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças.
III. Se for seduzida com promessas de casamento.
IV. Se for raptada”.
140
“Artigo 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito,
ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
67
Além do Código Civil de 1916, Fábio Ulhoa Coelho141 traz alguns diplomas
esparsos que também passaram a mencionar especificamente a possibilidade de
indenização por danos morais, quais sejam: Código Brasileiro de Telecomunicações
(1962), a Lei de Imprensa (1967), o Código Eleitoral (1965) e a Lei dos Direitos
Autorais (1973).
Apesar das referidas previsões legais, a aceitação da ideia de reparação por
dano moral tinha pouca adesão nos Tribunais. Inicialmente, alegava-se que o dano
moral não poderia ser auferível e nem ressarcido de forma pecuniária. Sobre esta fase da
irreparabilidade, Sérgio Cavalieri Filho expõe142:
141
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Obrigações e Responsabilidade Civil. Vol. 2. 6ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2014, p. 428.
142
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
119.
143
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53-54.
68
Por fim, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 37146 pondo fim a
qualquer dúvida sobre a possibilidade de cumulação das indenizações por dano material
e moral referentes a um mesmo fato. Além disto, a admissão da reparabilidade por dano
moral passou a ser expressa também no artigo 6º, inciso IV do Código de Defesa do
Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990) e no artigo 186 do Código Civil
de 2002.
A resistência quanto à aplicação do dever de indenizar o dano moral causado
passou, em seguida, a se manifestar nos assuntos relacionados ao Direito de Família.
Os argumentos consistiam em sustentar que as regras morais impediriam o
litígio por atos ilícitos cometidos no seio da família147; que não seria possível o
tabelamento do amor, pois o Direito de Família pertence a uma ramificação especial do
Direito Privado, sem espaço para a incidência da reparação pecuniária148; e ainda que a
perfilhação da responsabilidade civil na família faria com que os seres humanos se
paralisassem por receio de incidirem em dano moral a alguém149.
144
Neste sentido: RE 95.103 (RTJ 108/646); 100.297 (RTJ 110/342); 89.558 (RTJ 89/660), entre outros.
145
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª ed.. São Paulo: Atlas, 2015, p.
120.
146
STJ, Sum. 37: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo
fato.
147
GUITIÁN, Alma María Rodríguez. Responsabilidade civil en el Derecho de Familia: Especial
referencia al ámbito de las relaciones paterno-filiales. Navarra: Editorial Aranzadi, 2009, p. 33.
148
CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no Direito de Família. Curitiba: Juruá, 2002,
p. 299.
149
PEREIRA, Sérgio Gischkow. O dano moral no direito de família: O perigo dos excessos capazes de
repatrimonializar as relaçãoes familiares. In:LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes temas da
69
atualidade, dano moral, aspectos constitucionais, civis, penais e trabalhistas.. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 408.
150
MEDINA, Graciela. Daños em el Derecho de Familia. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2002, p. 21.
70
No que se refere à definição de dano moral, este foi visto, por longo período,
como sendo dor, sofrimento, aflição ou vergonha por grande parte da doutrina nacional
e alienígena. Em 1917, Alfredo Minozzi152 assim explicava o dano moral: “é a dor, o
espanto, a emoção, a vergonha, a aflição física ou moral, em geral uma dolorosa
sensação provada pela pessoa, atribuindo à palavra dor o mais largo significado”.
No mesmo sentindo era que, em 1939, René Savatier153 tratava do aludido
instituto:
[...]qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade
legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao seu amor próprio
estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.
151
MARMITT, Arnaldo. Dano moral. Aide: Rio de Janeiro, 1999. p. 113.
152
MINOZZI, Alfredo. Studio sul Danno Non Patrimoniale: Dano Morale, 3ª ed. Milano: Società
Editrice Libraria, 1917, p. 41 : “il dolore, lo spavento, l’emozione, l’onta, lo strazio físico o morale, in
generale una dolorosa sensazione provata dalla persona, atribuendo ala parola dolore il più largo
significato”.
153
SAVATIER, René. Traité de La Responsabilité Civile en Droit Français. Tome I. Paris: Librairie
Générale de Droit et de Jurisprudence, 1939, p. 11, livre tradução.
154
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5ª ed. São Paulo: Saraiva,
1980, p. 157.
155 TRUJILLO, Rafael Durãn. Nociones de responsabilidade civil. Bogotá: Temis, 1957, p. 82.
156 PAGE, Henri de. Traité élémentaire de droit civil belge. Vol. 2. 2ª ed. Bruxelles: Émile Bruylant ,
1948, p. 951.
157 BRUGI, Biagio. Istituzioni di diritto civile italiano. 4ª ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1905, p.
570 e 571
158
GABBA, Carlo Francesco. Dizionario pratico di diritto privato, fondato da Scialoja. Milano: Diretto
da Bonfante, 1952, p. 543.
159
LAFAILLE, Hector. Derecho civil, Tratado de las obligaciones. Tomo I, Buenos Aires: Ediar, 1947,
p. 288.
160
DEMOGUE, René. Traité des obligations en general. Vol. 4. Paris: Librairie Athur Rousseau, 1928, p.
403.
71
Por esta razão, é o que o dano moral tem sido definido como sendo qualquer
lesão ou ameaça a direito da personalidade162. A respeito, ensina Eduardo Zannoni:
O Brasil também adotou esta direção para o conceito e assim foi disposto no
Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil: “O dano moral indenizável não pressupõe
161
ANDRADE, André Gustavo C. de. A evolução do conceito de dano moral, Revista Forense, vol. 375,
set-out. 2004, p. 16.
162
Neste sentido, Rogério Donnini explica que:“Condicionar o arbitramento de danos morais à dor, ao
sofrimento e à aflição da vítima ou de seus parentes, consiste em descaracterizar e restringir os direitos
da personalidade, uma vez que os danos extrapatrimoniais podem não ser necessariamente vinculados a
esses sentimentos. Apenas exemplificando, a mera veiculação da imagem de uma pessoa, sem a sua
concordância, por si só, já transgride esse direito da personalidade, independentemente de qualquer
sofrimento. Na mesma direção, o abalo de crédito, mesmo que não cause maiores aflições ao ofendido,
propicia uma reparação pelo dano causado”(DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-
modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Ed., 2015, p. 155.)
163
ZANNONI, Eduardo. El dano em la responsabilidad civil. Buenos Aires: Astrea, 1982, p. 234 e 235.
164
Argentina, CNCiv., Sala H, 29/10/99, ED, 190-385.
165
Argentins, Cám.1ª Cív. Y Com. La Plata, Sala III, 24/6/97, ED, 174-220.
72
O direito de personalidade, por sua vez, deve ser visto como “um círculo de
direito necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada
pessoa”170. Ou, como ensina Rubens Limongi França: “direitos da personalidade dizem-
se faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito,
bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior”171.
Outra consequência da aludida conceituação de dano moral é apresentada por
Yussef Said Cahali, o qual, ao concluir que os danos morais tratam de lesões a direito
da personalidade, ensina que não há como apresentar classificação ou enumeração
exaustiva dos danos morais:
166
Autor do enunciado: Felipe Teixeira Neto. Disponível em <http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-
Coedi/jornadas-cej/v-jornada-direitocivil/VJornadadireitocivil2012.pdf/at_download/file> acesso em
20.05.2016.
167
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 181-188.
168
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.
132-133.
169
DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção,
enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2015, p. 154.
170
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 2005, p. 209.
171
FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 1025.
73
172
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 59.
173
Ibidem., p. 62.
174
MARTINS-COSTA, Judith. Os Danos à Pessoa no Direito Brasileiro e a Natureza da sua Reparação,
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001, p. 187-190.
74
175
DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 37.
75
176
DONNINI, Rogério. Responsabilidade Civil Pós-Contratual no direito civil, no direito do
consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 38.
76
ilimitados do pai; a criança era tida mais como objeto de cuidado e correção
do que como sujeito próprio de direitos177.
Somente com essa mudança de valores é que foi permitido enxergar o tema
atinente à reparação pelos danos causados em decorrência do abandono afetivo. Nesse
contexto, destaca-se a substituição do denominado “pater familias” pelo atual “poder
familiar”.
177
LÔBO, Paulo. Direto civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51.
178
ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder. São Paulo: Leud, 1978, p. 19-23.
179
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 418.
180
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676.
181
GONÇALVES, op. cit., p. 418.
77
O termo “pátrio poder” foi mantido até a codificação civil de 1916. Contudo,
tal expressão induzia a noção de um poder do pai sobre os filhos, apresentando-se de
forma incoerente com a igualdade dos cônjuges, e sendo contrário à doutrina da
proteção integral dos filhos como sujeitos de direitos. Por essa razão, houve, no Código
Civil de 2002, a substituição da denominação para que passasse a ser “poder familiar”182
– expressão que esclarece a noção de autoridade pessoal e patrimonial tanto do pai,
quanto da mãe na condução prioritária dos interesses da prole183.
Dessa forma, como elucida Carlos Roberto Gonçalves, o atual poder familiar
deve ser visto da seguinte forma:
Resta cristalino, assim, que a busca por satisfazer os anseios daquele que era
tido como o chefe, a autoridade máxima da entidade familiar (pátrio poder) foi
substituída pelo anseio em se propiciar uma célula capaz de desenvolver seres humanos
dignos e íntegros – tanto fisicamente quanto emocionalmente. Ou seja, houve uma forte
mudança de foco: a autoridade absoluta do homem foi trocada pela igualdade entre
gêneros em busca do bem-estar familiar, sobretudo das crianças e adolescentes.
É nesse mesmo sentido que Paulo Lôbo discorre sobre a transição do instituto:
182
O projeto do Estatuto das Famílias prefere utilizar a denominação “autoridade parental” a fim de fugir
da ideia de ‘poder’, pois em verdade trata-se de múnus público, com mais ‘dever’ do que ‘poder’.
183
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 677.
184
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 418.
185
LÔBO. Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.
78
Arnaldo Rizzardo também anota essa mudança e dispõe sobre o fato de outrora
se verificar que o poder do pai, e não do pai e da mãe, era absoluto, a ponto de manter
quase uma posição de senhor com amplos direitos de tudo decidir e impor; agora,
contudo, chegou-se em um momento histórico de igualdade praticamente total entre os
membros da família, onde a autoridade dos pais é uma consequência do diálogo e
entendimento, e não de atos ditatoriais ou de comando cego186.
Em complemento, Ana Carolina Teixeira observa que
A aludida evolução também é referida por Maria Helena Diniz, a qual anota:
O pai era o patrão dos filhos e deles tinha o direito de exigir obediência e
respeito, e seria inimaginável pensar em impor qualquer espécie de dano por
agravo moral intrafamiliar, em um contexto de absoluta hierarquia e de
incontestável subordinação ao provedor da família, que estava habilitado por
lei e pela realidade sociofamiliar a exercer com exclusiva a sua autoridade.
Uma nova legislação brasileira passou a valorizar o indivíduo dentro do
núcleo familiar e a tutelar a dignidade humana da pessoa (...)Os tempos
remodelaram a estrutura familiar e nos dias de hoje, não existe mais espaço
para modelos que outorguem ao pai a livre decisão de se ausentar como
genitor, porquanto a família tem como essência e razão de existência a sua
comunhão espiritual, onde mulher e homem trabalham em igualdade de
186
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 541.
187
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, Guarda e Autoridade Parental. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005, p. 129.
188
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 30ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2015, p. 625.
79
Determina o artigo 1.630 da codificação civil de 2002 que “os filhos estão
sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. A menoridade cessa aos 18 anos
completos, conforme artigo 5º do CC; por isso, extingue-se nessa idade o poder
familiar, ou antes, se configurada alguma das hipóteses aludidas no parágrafo único190
desse dispositivo legal.
Além das disposições previstas no código civil (artigos 1.630 a 1.638), o
instituto do poder familiar também é tratado pelo Estatuto da Criança e Adolescente
(Lei n. 8.069/1990) por meio dos artigos 21 a 24, que se referem ao direito à
convivência familiar e comunitária, e também dos artigos 155 a 163, os quais dispõem
sobre os procedimentos relativos à perda e à suspensão do poder familiar. A gênese do
poder familiar, contudo, encontra-se, como ensina Rolf Madaleno191, no já referido
artigo 229 da Constituição Federal.
Maria Helena Diniz define o poder familiar como um conjunto de direitos e
obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em
igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos
que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho 192.
Washington de Barros Monteiro conceitua o instituto como
189
MADALENO, Rolf. O custo do abandono afetivo. Disponível em
<http://www.rolfmadaleno.com.br/novosite/conteudo.php?id=943>. Acesso em 08. mar. 2017.
190
Artigo 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de
todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público,
independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver
dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em
função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.
191
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 681.
192
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 5: direito de família. 30ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 624.
80
menores, sem exceção, seja qual for a sua categoria: legítima, legitimados,
193
legalmente reconhecidos e adotivos .
Paulo Lôbo, por sua vez, aponta que o poder familiar é o exercício dos pais
sobre os filhos, no interesse destes e configura uma autoridade temporária, exercida até
a maioridade ou emancipação dos filhos194.
Conforme artigo 21 do ECA195, podemos afirmar que o poder familiar é
poder/dever a ser exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, os quais
possuem, como reza o artigo 22 do ECA196, responsabilidades compartilhadas no
cuidado e na educação da criança, bem como no sustento e na guarda. Desta forma, é
atribuído, pelo artigo 1.634 do codex civil, aos pais, qualquer que seja a sua situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar, cabendo aos genitores em relação aos
filhos:
193
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito de Família. 38ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 276.
194
LÔBO. Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 295.
195
Artigo 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma
do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância,
recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
196
Artigo 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes
ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades
compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão
familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (Incluído
pela Lei 13.257, de 2016)
81
Vale destacar ainda que o ‘poder familiar’ abrange dois aspectos: o pessoal e o
patrimonial. Aquele se refere ao direito-dever de guarda, educação e correição; ao passo
que esse contempla a administração e usufruto dos bens dos filhos197.
O usufruto e administração dos bens dos filhos pelos pais são inerentes ao
poder familiar e decorrem, respectivamente, dos incisos II e I do artigo 1.689 do Código
Civil. Sílvio Venosa198 esclarece que esse usufruto é irrenunciável e intransferível, e que
possui origem histórica no usufruto concedido ao pater familias na legislação de
Justiniano, sendo justificado sob duas faces: para compensar os pais pelos encargos do
múnus do poder familiar; e, sob o prisma da entidade familiar, se configura porque
todos os seus membros devem compartilhar os bens.
Como características do poder familiar, destaca-se o fato de se constituir um
múnus público199 imposto pelo Estado aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus
filhos200. Ao Estado interessa o bom desempenho do poder familiar, tanto que existem
normas sobre o seu exercício, ou sobre a atuação do poder dos pais na pessoa dos
filhos201.
A justificativa para o múnus público do poder familiar está na razão natural de
dependência da prole humana, que necessita da proteção e cuidado dos pais de forma
absoluta no nascimento202. Essa dependência, em geral203, vai se dissipando na medida
do crescimento do filho. Por essa razão, a norma civil estabelece uma idade cronológica
para duração do poder familiar (18 anos completos, com exceção das hipóteses
elencadas no parágrafo único do artigo 5º do Código Civil), que é interrompido quando
o filho habilita-se para a prática de todos os atos da vida civil.
Conforme preleciona Orlando Gomes, o ser humano necessita
197
GOMES, Orlando. Direito de Família. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 394.
198
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 333.
199
Em nota, o TJDFT assim expõe: “A palavra múnus tem origem no latim e significa dever, obrigação,
etc. O múnus público é uma obrigação imposta por lei, em atendimento ao poder público, que beneficia a
coletividade e não pode ser recusado, exceto nos casos previstos em lei”. Disponível em
<http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil/munus-publico>, acesso em 10. jun. 2017.
200
GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 358.
201
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 544.
202
O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente cita expressamente a ‘condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento’.
203
Diz-se ‘em geral’, pois algumas pessoas com deficiências físicas e/ou psíquicas são eternamente
dependentes de cuidado e proteção.
82
Outro caractere que marca o poder familiar é o fato de ser inalienável, vez que
não pode ser transferido pelos pais a outrem nem a título oneroso, nem gratuito.
Destaca-se também a irrenunciabilidade do instituto, afinal se assim não fosse teríamos
a não aceitação de uma obrigação de ordem pública, o que é incabível. Vale observar,
entretanto, que há uma única hipótese de exceção, e que se encontra prevista no artigo
166 da Lei 8.069/1990: trata-se da adesão direta à adoção:
204
GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 389.
205
ROCHA, José Virgílio Castelo Branco. O pátrio poder. São Paulo: Leud, 1978, p. 40.
206
GOMES, Orlando. Direito de Família. 12ª edição rev. e at. por Humberto Theodoro Jr. Rio de Janeiro:
Forense, 2000, p. 399.
207
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 6: direito de família. 11ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 432.
83
Já a extinção do poder familiar se opera ipso iure nas hipóteses elencadas nos
incisos I a IV do artigo 1.635 do Código Civil, quais sejam, respectivamente: morte dos
pais ou do filho; emancipação; maioridade; adoção; e decisão judicial, na forma
do artigo 1.638.
Caso ocorra a morte de apenas um dos pais, o poder familiar se concentrará no
outro genitor. No cenário de uma adoção, os deveres de cuidado e zelo se extinguem
para os pais naturais e se transferem aos adotantes.
84
Artigo 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
208
É o que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Alimentos. Ação aforada pelo avô em
favor da menor sob sua guarda. Mesmo que tenha sido alvo de suspensão ou perda do pátrio poder, é
dever do pai manter a subsistência da filha. Prestação alimentar fixada com razoabilidade, atenta à
necessidade da menor e às possibilidades do alimentante” (Revista de Jurisprudência do TJ do RS,
137/147).
85
A fim de cristalizar a questão e não abrir mais nenhuma margem para que se
sustentasse a possibilidade de castigos físicos, foi editada, no final de junho de 2014, a
Lei n. 13.010, a qual estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados
e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.
Tal lei acresceu o seguinte dispositivo ao Estatuto da Criança e do
Adolescente:
209
CAMILLO, Carlos Eduardo Nicoletti; COLTRO, Antonio Carlos Mathias; FREIRE, Rodrigo Cunha
de Lima; GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; SILVA, João Carlos Pestana de Aguiar. In: ALVIM,
Arruda; ALVIM, Thereza (coords). Comentários ao Código Civil Brasileiro, volume XIV: do direito de
família. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 468.
210
Ibidem., p. 468.
211
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(coords). Direito de Família e o Novo Código Civil. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 153-164.
86
Com essa alteração restou-se cristalino que castigos físicos devem ser
classificados como ‘castigo imoderado’ quando causarem sofrimento físico ou lesão, e,
por esta razão, devem ser causa de destituição do poder familiar.
É importante observar que nem todo castigo físico leva à perda do poder
familiar, apenas aqueles aplicados com uso de força física.
Dessa forma, a título de exemplo, caso um filho tenha um mau comportamento
para com seu irmão, e receba castigo determinando que arrume a cama desse irmão, não
se estará diante da hipótese de castigo imoderado, pois trata de castigo físico que não foi
imposto com força física e que não causa lesão, nem sofrimento físico, nem humilhação,
nem degradação. Ao contrário, além de demonstrar que o comportamento da criança foi
errado, ensina ainda a ideia de compensação.
O castigo físico que inflige lesão ou sofrimento ao menor, além de não ser
educativo, é absolutamente destoante da ideia de poder familiar que visa ao bem estar e
desenvolvimento de todos os membros da família; aproxima-se, em verdade, da noção
de poder do pater familias. Neste aspecto, Paulo Lôbo analisa que
212
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 309.
87
Carlos Roberto Gonçalves213 afirma que o lar é uma escola onde se forma a
personalidade dos filhos, os quais são facilmente influenciáveis; por essa razão,
necessitam que os pais mantenham postura digna e honrada a fim de moldar o caráter
dos menores.214 A preocupação do legislador quando prevê a hipótese de destituição do
poder familiar em razão da prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, é a
de evitar a influência de maus comportamentos na formação psíquica e moral das
crianças e adolescentes.
A respeito dos menores, Rizzardo escreve:
213
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 434.
214
Esse mesmo posicionamento é compartilhado por Arnaldo Rizzardo a fls. 554 da obra Direito de
Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
215
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 554.
216
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 30ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2015, p. 640.
217
Entrega de filho menor a pessoa inidônea
Artigo 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja companhia saiba ou deva saber
que o menor fica moral ou materialmente em perigo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
88
menor a pessoa inidônea’, em cuja companhia, o guardião saiba ou deva saber que o
menor fica moral ou materialmente em perigo.
§ 1º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente pratica delito para obter lucro, ou se o
menor é enviado para o exterior
§ 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora excluído o perigo moral ou material,
auxilia a efetivação de ato destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter lucro.
218
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 434.
219
Abandono material
Artigo 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18
(dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não
lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou
ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente
no País.
Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo,
inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordada, fixada ou majorada.
220
Abandono intelectual
Artigo 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.
Artigo 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou confiado à sua guarda ou
vigilância:
I - frequente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;
89
224
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 553.
225
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310.
91
226
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4a ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 310-311.
92
227
Podendo haver prejuízo material referente ao custeio de tratamento médico psicológico para tratar o
dano causado com o abandono afetivo.
228
GOMIDE, Alexandre Junqueira. Abandono Afetivo. In: LAGRASTA NETO. Caetano; SIMÃO, José
Fernando (coords.). Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.
93
Rolf Madaleno também destaca que as obrigações paternas vão muito além de
questões materiais:
Diversas são as razões legais para a presença (e não apenas o custeio material)
dos pais ser vista como um dever jurídico, e não apenas dever moral. Apenas por uma
questão de organização, tais razões serão apresentadas em tópicos, devendo, contudo,
serem sempre consideradas em conjunto:
o
Artigo1.583, §2 Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os
filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre
tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
Artigo 1.584, §2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder
familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores
declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
229
MADALENO, Rolf. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In: WELTER,
Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen (coords). Direitos Fundamentais do Direito de Família.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.
94
seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em,
quanto aos filhos:”
A modificação legislativa deixa claro, portanto, o fato de que o exercício do
poder familiar compete tanto ao pai quanto à mãe, independente de estes estarem ou não
juntos e de serem ou não os guardiões. Ou seja, todos os cuidados (incluindo o cuidado
psicológico) que devem ser aplicados pelos pais em relação ao filho são obrigações de
ambos genitores – não importando a situação conjugal destes.
Outra alteração que deve ser citada é a revogação do inciso II desse mesmo
dispositivo, que antes determinava, dentre outras obrigações dos pais em relação aos
filhos, “tê-los em sua companhia e guarda”. Muitos juristas justificavam o dever legal
de os pais estarem presentes afetivamente na vida de seus filhos em função, dentre
outras disposições jurídicas, do revogado inciso.
O conteúdo do novo inciso II dispõe ser dever dos pais “exercer a guarda
unilateral ou compartilhada nos termos do artigo 1.584”. O mencionado artigo 1.584230
trata de questões procedimentais referentes à guarda, unilateral ou compartilhada.
Vale destacar, contudo, que apesar de suprimida a regra que impelia os pais a
estarem na companhia dos filhos, o artigo 1.583 do Código Civil recebeu a inclusão de
importante parágrafo para evidenciar os deveres do não guardião:
230
Artigo 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação,
de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de
tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.
§ 1o Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada,
a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo
descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os
genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos
genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda
compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação
técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o
pai e com a mãe.
§ 4o A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou
compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.
§ 5o Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda
a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de
parentesco e as relações de afinidade e afetividade.
§ 6o Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos
genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos
reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.
95
Em outras palavras: ambos os genitores têm o dever legal de criar e educar seus
filhos, além de os assistirem materialmente, independente da guarda ou da situação do
conjugal dos pais.
Esta obrigação de educação e criação deve ser vista da maneira ampla, não
bastando assistência material referente ao custeio de escola, como dispõe Paulo Lôbo:
231
LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011, p. 303.
232
BRANCO, Bernardo Castelo. Dano Moral no Direito de Família. São Paulo: Método. 2006, p. 195.
97
forma expressa que tanto o pai quanto a mãe possuem deveres e responsabilidades
compartilhados no que concerne ao cuidado e educação dos filhos.
Assim, foi inserido no artigo 22 do ECA o seguinte parágrafo:
233
Pois é preciso, ao menos, que o filho saiba respeitar as diversas religiões existentes na sociedade.
234
COMEL, Denise Damo. Do poder familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 101-104.
98
Vale destacar que o direito à saúde dos filhos, contempla, ainda, o direito à
integridade psíquica (elencado no artigo 15 combinado com o artigo17, ambos do
ECA235), que requer, para se configurar, o desenvolvimento sadio e harmonioso da
criança e do adolescente (que é direito descrito no artigo 7º do ECA236).
Em outras palavras, não há que se falar em preservação da saúde se estiver
violada a integridade psíquica da prole. E para preservação desse campo psicológico, é
necessário possibilitar o desenvolvimento sadio da criança ou adolescente.
A ausência de algum dos pais afeta diretamente o desenvolvimento do filho, e
macula a saúde da prole, vez que atinge sua integridade psíquica.
Ou seja, não há como se falar em plena saúde psicológica de indivíduo que
tenha sido abandonado afetivamente por algum de seus genitores. A carência abala o
235
Artigo 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas
humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
garantidos na Constituição e nas leis.
Artigo 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da
criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores,
ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
236
Artigo 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência.
99
237
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; E CASARA, Miriam Bonho (coords.),
Idosos asilado: um estudo gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 68.
100
relações pessoais e contato direto com ambos genitores, a menos que isso seja contrário
ao interesse maior da criança”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente buscando a aplicação do aludido
princípio constitucional, determina o dever da família, dentre outros, de garantir a
convivência familiar (artigo 4º), que é um direito da criança e do adolescente, conforme
artigo 19:
Logo, se está dentre os deveres dos pais efetivar o direito dos filhos à
convivência familiar, e a presença destes genitores é indispensável para tal efetivação,
conclui-se que a presença e participação dos pais se configuram como um dever destes
que é correspondente ao direito da criança e do adolescente em conviver com aqueles de
sua família.
Em outras palavras: não há como se falar em cumprimento do preceito de
convivência familiar sem que haja contato entre pais e filhos. É por isso que o
relacionamento entre genitor e prole se configura como um dever legal.
240
Artigo 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua
companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua
manutenção e educação.
Parágrafo único. O direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os
interesses da criança ou do adolescente.
241
RODRIGUES, Silvio. Direito civil, direito de família. V. 6. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 10.
242
Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho e Aurora Tomazini de Carvalho, por meio do percurso
gerador de sentido das normas tem-se que: no plano S1: o intérprete tem contato com o dado físico do
direito (enunciados prescritivos); no plano S2: o intérprete inicia, por meio de um processo hermenêutico,
a construção de proposições isoladas a corresponder com os sentidas das frases que lhe compõem; no
plano S3: o intérprete ordena as frases na forma implicacional, anexando algumas significações na
posição sintática de hipótese e outras no lugar do consequente (HC). “Nesta concepção, a norma
jurídica não se confunde com os enunciados prescritivos que lhe servem como base empírica (elementos
do plano S1), nem com as proposições que a compõem (pertencentes ao plano S2)”; no plano S4: o
interprete estabelece os vínculos de subordinação e coordenação entre as normas por ele construídas. É
neste plano “que o interessado estabelece as relações horizontais e as graduações hierárquicas das
significações normativas construídas no plano S3, cotejando a legitimidade das derivações e
fundamentações produzidas” (CARVALHO, Aurora Tomazini de Carvalho. Curso de Teoria Geral do
Direito (o constructivismo lógico-semântico). 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 196.)
103
243
MADALENO, Rolf Hanssen. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. In:
WALTER, Belmiro Pedro Welter; MADALENO, Rolf Hanssen (coords.). Direitos Fundamentais do
Direito de Família.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 347.
244
OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família.
2ª ed. Curitiba: Juruá, 1998, p. 26-27.
104
Pelo exposto, resta demostrado ser dever legal do genitor não guardião se fazer
presente na vida de seus filhos, garantindo a convivência familiar, zelando pela saúde
física e psíquica do filho, supervisionando os interesses da prole, dirigindo a criação e
compartilhando as responsabilidades concernentes à educação e cuidado, não sendo a
distância física argumento para justificar o abandono afetivo.
253
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,
Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 22.
254
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 385.
107
de reparar, porque indenizar significa tornar indene, ou seja, sem danos. O pagamento
de valor pecuniário a título de indenização sem dano pode configurar locupletamento
ilícito.
Neste sentido, Arruda Alvim assim ensina:
No caso dos danos decorrentes do abandono afetivo, tem-se clara lesão aos
direitos da personalidade, vez que se atinge exatamente o período de desenvolvimento
do ser humano. Desta forma, os danos oriundos da negligência dos pais ausentes se
refletem na dor com o enfretamento da rejeição bem como com a dificuldade que o
infante terá em alcançar a plena higidez física, mental, emocional e espiritual, conforme
aponta Theodureto de Almeida Camargo Neto ao tratar da relação entre pais e filhos:
Pressupõe que haja convivência entre ambos, para que, conforme o caso, o
vínculo se estabeleça ou se consolide, gradativamente, e que a criança ou o
adolescente possa receber o afeto, a atenção, a vigilância e a influência
daquele ou daquela que não detém sua guarda, de modo a alcançar a plena
higidez física, mental, emocional e espiritual, que, como se sabe, depende
entre outros fatores, do contato e da comunicação recíproca e permanente
com seus dois progenitores256.
255
ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Responsabilidade Contratual inaplicabilidade do efeito
pedagógico punitivo ao dano moral. In Soluções práticas – Arruda Alvim. Vol. 2. Ago/2011.
DTR/2012/201. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 2/11.
256
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,
Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23.
108
A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano acabou por
escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento
sadio das pessoas em formação. Não se pode mais ignorar essa realidade,
tanto que passou a se falar em paternidade responsável. (...) O distanciamento
entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e pode comprometer
o sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode deixar
258
reflexos permanentes em sua vida .
Ao filho choca ter transitado pela vida, em tempo mais curto ou mais longo,
sem a devida e necessária participação do pai em sua história pessoal e na sua
formação moral e psíquica, desconsiderando o descendente no âmbito de suas
relações, causando-lhe irrecuperáveis prejuízos, que ficarão indelevelmente
marcados por toda a existência do descendente socialmente execrado pelo
genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um profundo sentimento de
insuperável rejeição260.
257
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: SILVA,
Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de
Família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23.
258
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. Saraiva: Revista dos Tribunais, 2015,
p. 97.
259
HIRONAKA, Giselda Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por
abandono afetivo. In: PEREIRA, Tania da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) A ética da
convivência familiar e sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 141.
260
MADALENO. Rolf. O Dano moral no direito de família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 386.
109
261
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Pai, por que me abandonaste? In: PEREIRA. Tânia da Silva (coord.). O
melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 581-582.
262
D’ANDREA, Flávio Forres. Desenvolvimento da personalidade: enfoque psicodinâmico. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p.9.
263
Ibidem., p. 10.
264
MARTINÉZ, Nathalia Carolina Rodríguez. Los efectos de la ausencia paterna em el vinculo com la
madre e la pareja. Trabalho apresentado em mestrado de psicologia clinica pela Pontificia Universidad
Javeriana de Bogota em novembro de 2010, p.191.
110
265
MARTINÉZ, Nathalia Carolina Rodríguez. Los efectos de la ausencia paterna em el vinculo com la
madre e la pareja. Trabalho apresentado em mestrado de psicologia clinica pela Pontificia Universidad
Javeriana de Bogota em novembro de 2010, p. 192.
266
Ibidem., 192.
267
Ibidem., p. 92.
268
Ibidem., p.194.
111
Sonia Pires ainda anotou caso em que uma criança abandona imaterialmente já
havia desenvolvido transtorno psicótico:
269
PIRES, Sonia. Desamparo na Infância. 1ª ed. São Paulo: Biblioteca24horas, 2013, p. 142.
270
Idibem., p. 137.
271
Ibidem., p. 141.
272
Ibidem., p. 138.
112
273
SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as
dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 202.
274
Idibem., p. 204.
275
Idibem., p. 208.
276
Ibidem., p. 208
113
impedem o sujeito de fazer o luto daquilo que nunca foi, renunciar ao que
nunca teve, aniquilando ou comprometendo gravemente seu sentimento de
existir, único capaz de lança-lo a uma jornada existencial baseada na
confiança íntima e profundamente guardada na possibilidade de um devir.
Nesse caso, a possibilidade de que o sujeito inicie uma trajetória pessoal
depende de que seja auxiliado a experimentar o que permaneceu em si em
estado apenas potencial, mas nunca acontecido 277.
Restam evidentes os danos que a ausência dos genitores não guardiões causam
em seus filhos. O sentimento de rejeição e a sensação de insegurança são as
consequências primárias, mas não únicas. O adulto abandonado afetivamente na
infância pelo pai ou mãe tem seu psicológico, invariavelmente, abalado, e terá mais
dificuldade do que os demais para solucionar seus conflitos internos e estruturar
psicologicamente suas relações em sociedade. O dano atinge exatamente a
personalidade do indivíduo que não conviveu com algum de seus genitores. E se a
conceituação de dano moral se apresenta como sendo um dano à personalidade, não há
como negar que o abandono afetivo – quando configurado – causa dano moral à vítima
abandonada imaterialmente.
O dano é mais do que evidente. É presumível. Não seria razoável sustentar que
a situação de ser rejeitado por um dos próprios pais não causa abalo.
Nesta seara, faz-se mister destacar que em ação judicial visando à reparação
por danos morais por abandono afetivo, a apresentação de laudo médico que aponte as
consequências do desrespeito aos deveres paterno-filiais é importante, mas não
imprescindível. Isto porque, como já denotado, o dano moral causado pela ausência de
um dos pais é presumível (dano in re ipsa).
Este é, inclusive, o entendimento da Ministra Nancy Andrighi, do Superior
Tribunal de Justiça, conforme disposto no Recurso Especial n. 1.159.242 - SP
(2009/0193701-9), julgado em abril de 2012, que manteve a condenação de pai ausente
ressarcir a filha por abandono afetivo:
[...] não obstante o desmazelo do pai em relação a sua filha, constado desde o
forçado reconhecimento da paternidade – apesar da evidente presunção de
sua paternidade –, passando pela ausência quase que completa de contato
com a filha e coroado com o evidente descompasso de tratamento outorgado
aos filhos posteriores, a recorrida logrou superar essas vicissitudes e crescer
com razoável aprumo, a ponto de conseguir inserção profissional, constituir
família, ter filhos, enfim, conduzir sua vida apesar da negligência paterna.
Entretanto, mesmo assim, não se pode negar que tenha havido sofrimento,
277
SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as
dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 200-201.
114
Vale aqui destacar, ainda, outra hipótese muito comum na jurisprudência sobre
dano moral presumível: a inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito.
Nos termos da jurisprudência do STJ, o protesto indevido de título de crédito é
suficiente para que haja pedido indenizatório, tendo em vista a presunção de dano moral
sofrido em razão desse ato279.
Se para configurar o dever de indenizar nestas hipóteses o abalo psíquico é
presumível (sendo dispensável a comprovação de ter ocorrido negativa de crédito em
razão na inscrição indevida), o que dizer a respeito do abalo provocado pela ausência de
um dos pais?
Não há como sustentar não haver abalo àquele que é ignorado e rejeitado pelo
próprio pai ou mãe. O dano é evidente quando comprovada a ausência.
Faz-se mister observar, contudo, que o entendimento sobre o dano moral
decorrente do abandono imaterial ser presumível não é unanimidade nos julgamentos do
Superior Tribunal de Justiça280.
278
STJ, Recurso Especial 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em abril
de 2012.
279
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. TÍTULO DE CRÉDITO.
PROTESTO INDEVIDO. DANO MORAL PRESUMIDO. 1. Nos termos da jurisprudência do STJ, o
protesto indevido de título de crédito é suficiente para que haja pedido indenizatório, tendo em vista a
presunção de dano moral sofrido em razão desse ato. 2. "Não se conhece do recurso especial pela
divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." 3.
Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AgRg no AREsp: 179588 PR 2012/0103360-0, Relator:
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 06.08.2013, T3 - TERCEIRA TURMA,
Data de Publicação: DJe 19.08.2013)
280
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ALEGADA OCORRÊNCIA DO
DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDADO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DO
DANO DIRETO E IMEDIATO. PREQUESTIONAMENTO INEXISTENTE NO QUE TANGE AOS
ACORDOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS Nº.s 282 E 235
DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO ESPECIAL NÃO
PROVIDO. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando os embargos de declaração são rejeitados pela
inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, e o Tribunal a quo dirime a controvérsia de forma
completa e fundamentada, embora de forma desfavorável à pretensão do recorrente. 2. Considerando a
complexidade dos temas que envolvem as relações familiares e que a configuração de dano moral em
hipóteses de tal natureza é situação excepcionalíssima, que somente deve ser admitida em ocasião de
efetivo excesso nas relações familiares, recomenda- e uma análise responsável e prudente pelo magistrado
dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, principalmente no caso de alegação de abandono
115
Por isso, é prudente que a Ação Indenizatória por Abandono Afetivo seja
sempre proposta com laudo psicológico que aponta os danos causados com a ausência
do(a) genitor(a).
afetivo de filho, fazendo-se necessário examinar as circunstâncias do caso concreto, a fim de se verificar
se houve a quebra do dever jurídico de convivência familiar, de modo a evitar que o Poder Judiciário seja
transformado numa indústria indenizatória. 3. Para que se configure a responsabilidade civil, no caso,
subjetiva, deve ficar devidamente comprovada a conduta omissiva ou comissiva do pai em relação ao
dever jurídico de convivência com o filho (ato ilícito), o trauma psicológico sofrido (dano a
personalidade), e, sobretudo, o nexo causal entre o ato ilícito e o dano, nos termos do art. 186 do
CC/2002. Considerando a dificuldade de se visualizar a forma como se caracteriza o ato ilícito passível de
indenização, notadamente na hipótese de abandono afetivo, todos os elementos devem estar claro e
conectados. 4. Os elementos e as peculiaridades dos autos indicam que o Tribunal a quo decidiu com
prudência e razoabilidade quando adotou um critério para afastar a responsabilidade por abandono
afetivo, qual seja, o de que o descumprimento do dever de cuidado somente ocorre se houver um descaso,
uma rejeição ou um desprezo total pela pessoa da filha por parte do genitor, o que absolutamente não
ocorreu. 5. A ausência do indispensável estudo psicossocial para se estabelecer não só a existência do
dano mas a sua causa, dificulta, sobremaneira, a configuração do nexo causal. Este elemento da
responsabilidade civil, no caso, não ficou configurado porque não houve comprovação de que a conduta
atribuída ao recorrido foi a que necessariamente causou o alegado dano à recorrente. Adoção da teoria do
dano direto e imediato. 6. O dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes legais e regimentais,
pois além de indicar o dispositivo legal e transcrever os julgados apontados como paradigmas, cabia ao
recorrente realizar o cotejo analítico, demonstrando-se a identidade das situações fáticas e a interpretação
diversa dada ao mesmo dispositivo legal, o que não ocorreu. 7. Recurso especial não provido. (REsp.
1.557.978-DF, rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 17.11.2015) RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO
DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO
ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA.
PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM . VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL. 1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais
por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas
especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam
mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivada unicamente pelo
interesse econômico- financeiro. 2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar
financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada com investigação de
paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material. 3. É insindicável, nesta
instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice
da Súmula nº 7/STJ. 4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium. 5.
Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido. (REsp. 493.125SP, relator Ministro
Ricardo Villas Boas Cueva, DJe 01.03.2016).
116
anterior e pode ser compreendido por meio de visão que passa pela
interdisciplinariedade com os estudos da Psicologia.
A culpa, por sua vez, se configura na omissão do genitor por não cumprir com
os deveres que lhe são impostos em razão do poder familiar. Esses deveres não se
limitam a recursos financeiros, como expõe Yussef Cahali:
O pai deve propiciar ao filho não apenas os alimentos para o corpo, mas tudo
o que for necessário (...) Todos os esforços dos pais devem ser orientados no
sentido de fazer o filho por eles gerado um ser em condições de viver por si
281
mesmo, de desenvolver-se e sobreviver sem o auxílio de terceiros .
Desta sorte, não basta o custeio dos alimentos. Faz-se mister a presença dos
genitores, a convivência com os filhos durante o desenvolvimento da prole.
Como já exposto, o genitor ausente descumpre os deveres (i) de supervisionar
os interesses do filho; (ii) de dirigir a criação e a educação; (iii) de compartilhar as
responsabilidades com o genitor guardião; (iv) de garantir a efetivação da saúde; (v) de
garantir a convivência familiar; (vi) de visitar o filho. A consequência é o dano (in re
ipsa) concernente em abalo psicológico à prole carente da presença do pai ou da mãe.
Uma vez que o dano ao filho é resultado da conduta culposa do genitor não
guardião que descumpre os deveres decorrentes do poder familiar, resta configurado o
nexo causal entre o dano e culpa282. Presentes estes três elementos, deve incidir o dever
de indenizar, conforme artigo 186 combinado com o artigo 927, ambos do Código Civil.
Vale dizer que o descumprimento do dever paterno que resulta em dano afetivo
gerador de prejuízo psicológico ao filho não dever ser tolerado e muito menos
prestigiado pelo Judiciário. Ao contrário, deve ser combatido, pois não se coaduna com
a ordem jurídica, que tem como princípio maior a busca pela dignidade humana.
Conforme Rodrigo Cunha Pereira:
[...] se um pai ou uma mãe não quiser cuidar, dar atenção, carinho e afeto
àqueles que trouxeram ao mundo, essa recusa e essa negligência implicam
danos à personalidade, os quais devem ser ressarcidos para provocar
reflexões e coibir práticas semelhantes. Afinal, eles são os responsáveis pelos
filhos e isso constitui um dever dos pais e um direito dos filhos. O
descumprimento dessas obrigações significa violação a direitos do filho. Se
os pais desrespeitarem direitos do filho devem responder por isso 283.
281
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 347.
282
Enunciado 8 IBDFAM: O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado.
283
PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e
Estado., Brasília: Scielo , v. 21, n. 3, p. 667-680, Disponível em
117
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23. out. 2017, p. 678.
284
PEREIRA, Danilo Medeiros Pereira. Direito de Família e sua influência na formação da personalidade
do indivíduo e garantia da dignidade humana. In: FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara
Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus (coords.). Estudos a cerca da efetividade dos direitos
de personalidade no Direito das famílias: construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da
dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 251.
285
REIS, Clayton. O Abandono Afetivo do Filho como Violação aos Direitos da Personalidade. In:
FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus
(coords). Estudos a cerca da efetividade dos direitos de personalidade no Direito das famílias:
construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras
Jurídicas, 2013, p. 131.
118
Não há que se admitir que pessoas causem culposamente danos a outrem sem
nenhuma responsabilização. Sobretudo, quando esse outrem é a prole!
Importante destacar, neste ponto, que sustentamos o dever de indenizar em
razão do ato omissivo configurado com o abandono. Desta forma, o genitor não
guardião que busca a prole, mas é renegado por esta, não pode ser condenado por
abandono imaterial; afinal, não foi por ato omissivo do não guardião que a convivência
não se efetivou.
Contudo, caso existam indícios de que a rejeição praticada pelo(a) filho(a) é
resultante de alienação parental efetivada pelo cônjuge guardião, cabe aquele que não
detém a guarda buscar tutela judicial (conforme já mencionado há jurisprudência que
menciona indícios de alienação parental e fixar astreintes a fim de compelir o guardião
a permitir a visita pelo outro progenitor) para cessar as atitudes alienantes. Se não o
286
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Responsabilidade civil e ofensa à dignidade humana, Revista
Brasileira de direito de família. Porto Alegre, n. 32, p. 156, out./nov. 2005.
119
fizer, deverá ser responsabilizado, juntamente com o alienante, pelos danos resultantes à
prole, vez que esta omissão se configuraria a busca por se beneficiar da própria torpeza.
Em outras palavras, ocorre a alienação parental, o cônjuge alienado nada faz para cessa-
la e em seguida a utiliza como argumento para afastar o deve de indenizar: é típica
hipótese do venire contra factum proprium.
Qualquer filho certamente sentirá, sempre, o vazio deixado pela falta de afeto
de um de seus genitores. Por mais que esse afeto seja preenchido,
parcialmente, pela figura de um avô, tio, padrasto e assim por diante, restará
um vazio287.
Da mesma forma que o fato de uma criança ter uma tia (ou qualquer outra
pessoa) para assumir o papel de sua mãe não afasta o dever de indenizar de quem deu
causa à morte dessa mãe, temos que o fato de outrem substituir o papel de mãe ou pai,
não afasta o dever de estes indenizarem o filho, se esta ausência se deu por culpa.
Assim, a indenização à prole ignorada, que não conviveu com algum dos pais,
não deixará de ser necessária em razão de outrem poder exercer o papel que deveria ser
exercido por esses pais, pois a situação de ser um filho rejeitado continuará existindo.
Vale destacar o seguinte trecho sobre caso clínico de adolescente que morava
com o pai e convivia com os avós, mas foi abandonado afetivamente pela mãe, a qual
foi morar na França e deixou o filho no Brasil:
287
GOMIDE, Alexandre Junqueira. Abandono Afetivo. In: LAGRASTA NETO, Caetano; SIMÃO, José
Fernando (coords.). Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.
120
No caso apontado, a criança contava com o amparo do pai e dos dois avôs
paternos, mas isso não afastou – em nenhum momento – os danos causados com o
abandono imaterial praticado pela mãe.
Mesmo que outros parentes tentem assumir o papel que deveria ser exercido
por algum dos progenitores, o dano existe, pois a realidade de aquele ser um filho
abandonado imaterialmente pela própria mãe ou pelo próprio pai não é apagada nunca.
Outro argumento que busca afastar o dever de reparar os danos causados com o
abandono afetivo diz respeito à impossibilidade de obrigar alguém a amar.
Entretanto, é muito importante destacar que a reparação por abandono afetivo
não se refere à falta de amor, mas sim à inobservância dos princípios que regem o
ordenamento jurídico e dos deveres paternos filiais (dever de cuidado, educação,
fiscalização de interesses dos filhos pelo não guardião, etc.) que não podem ser
descumpridos culposamente.
Ressalta-se: não se fala em condenação contra pai ou mãe que cuida mas não
ama. Busca-se condenar aquele que arca com deveres materiais, mas não cuida (mesmo
se ainda amar o filho de alguma forma).
Em outras palavras: não se trata de indenizar danos causados por desamor, mas
sim danos causados pela falta de cuidado, pois apenas o custeio de questões materiais
não é suficiente para denotar o cumprimento dos deveres paternos ou maternos.
Conforme Rolf Madaleno:
[...] embora possa ser dito que não há como o Judiciário obrigar a amar,
também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de tentar,
buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da impunidade que
grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em que as visitas
configuravam um direito do adulto e não como um evidente e incontestável
dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência familiar, além de
coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CF, artigo 227). A condenação de hoje pelo
dano moral causado no passado, tem imensurável valor propedêutico para
evitar ou arrefecer o dano afetivo do futuro, não mais pela ótica do amor que
288
SCHOR, Daniel. Heranças Invisíveis do Abandono Afetivo: um estudo psicanalítico sobre as
dimensões da experiência traumática. São Paulo: Blucher, 2017, p. 48.
121
289
MADALENO. Rolf. O Dano moral no direito de família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 384
- 385.
122
290
STJ – Resp. 1.159.242 - SP 2009/0193701-9, Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de
Julgamento: 24/04/12, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 10.05.2012.
123
4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos
causados aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar
291
LAGRASTA NETO. Caetano; SIMÃO, José Fernando (coords.). Nota da Coordenadoria em
Dicionário de Direito de Família. Vol.1: A-H. São Paulo: Atlas, 2015, p. 30.
292
Abandono afetivo inverso pode gerar indenização – IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de
Família). Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%
C3%A3o> acesso em 10. abr. 2017.
293
Ibidem.
125
Não bastasse o fato de a prole ser o maior agressor dos idosos, estes ainda são
submetidos à diversas espécies de abusos. Em estudo publicado pela Secretaria Especial
294
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-06/um-em-cada-6-idosos-sofre-algum-
tipo-de-violencia-alerta-oms> acesso em 29. jun. 2017.
295
NALINI, José Renato. A tragédia familiar – reflexões sobre a falta de amor. In: PINTO, Eduardo
Vera-Cruz; PERAZZOLO, José Rodolpho; SILVA, Marco Antônio Marques da. (coords). Família:
patrimônio da humanidade. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 134.
126
A negligência praticada em relação aos pais pelos filhos (ainda que estes
arquem com custeio material dos pais) não apenas é um dos tipos de violência sofridos
pelos idosos, como também é a violência com maior incidência.
O abandono afetivo dos pais idosos é uma forma de negligência, que se
configura pela ausência dos filhos relacionada a questões imateriais. Ou seja, ainda que
haja o custeio de gastos e despesas materiais, a total ausência da prole quando
configurada a vulnerabilidade dos pais idosos caracteriza o denominado abandono
afetivo inverso.
Conforme dados divulgados em junho de 2016 pelo Ministério da Justiça e
Cidadania sobre a violação de direitos da pessoa idosa, 77% das denúncias são por
negligência; 51% por violência psicológica; 38% por abuso financeiro e econômico ou
violência patrimonial; e 26% por violência física e maus-tratos297.
296
MINAYO, Maria Cecília. Violência contra Idosos: O avesso do respeito à experiência e à sabedoria.
2ª ed. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2005, p. 15.
297
Ministério dos Direitos Humanos, Dados do disque 100 mostram que mais de 80 dos casos de
violência contra idosos acontece dentro de casa <http://www.sdh.gov.br/noticias/2016/junho/dados-do-
127
Portanto, temos que: os que mais violam os direitos dos idosos são os próprios
filhos, e as violações com maior incidência são a negligência e a violência psicológica.
Ora, estes dados são os mesmos há, pelo menos, 15 anos298. Está mais do que
na hora de o Estado coibir a prática do abandono afetivo pelos filhos em relação aos
pais.
Certo é que a Lei 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso) criminaliza o ato de
“abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou
congêneres, ou não prover suas necessidades básicas”, contudo só estará configurado o
crime, por esta norma, quando o agente estiver obrigado por lei ou por mandado a
efetivar a manutenção do idoso:
É de se notar que o Código Penal foi mais rígido que o Estatuto ao não exigir
que o agente estivesse obrigado ao sustento de seus dependentes ou parentes
próximos, por lei ou mandato. Na verdade, não precisa de lei, contrato ou
mandado para que o filho socorra seus pais na velhice ou nas necessidades.
299
Pode ter havido no Estatuto um mero artificialismo .
disque-100-mostram-que-mais-de-80-dos-casos-de-violencia-contra-idosos-acontece-dentro-de-casa>
acesso em 3. abr. 2017.
298
Conforme dados da Secretaria de Direitos Humanos: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-
idosa/dados-estatisticos/DadossobreoenvelhecimentonoBrasil.pdf> acesso em 11. jul. 2017.
299
VILAS BOAS, Marco Antonio. Estatuto do Idoso comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.
185.
128
abandono moral (ou abandono afetivo) pode também ocorrer independente do abandono
material, pois é possível que filhos arquem com o custeio da melhor estrutura física para
a manutenção de seus pais, mas simplesmente os ignorem, não realizem visitas e nem
convivam com eles quando esses se tornam idosos.
Também é possível imaginar a hipótese de pais idosos que tenham condições
financeiras de se sustentar, com rendimentos, aplicações, etc. sem precisar de auxílio
material, mas sejam ignorados pelos filhos quando idosos, sendo relegados à solidão e
ausência familiar.
Quando se atrela o abandono apenas a questões materiais, e não à convivência
familiar em si, tutela-se o abandono afetivo dos pais idosos, como se o sofrimento com
a ausência e a solidão não configurasse abalo à direito da personalidade.
300
ELIAS, Noberto. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 8.
301
BRITO, Denise Orbage de Brito; FALEIROS, Vicente de Paula. A Violência Intrafamiliar contra a
pessoa idosa e as relações familiares. In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado
129
Lahud; PENSO, Maria Aparecida (coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a
pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009, p. 28.
302
BRITO, Denise Orbage de Brito; FALEIROS, Vicente de Paula. A Violência Intrafamiliar contra a
pessoa idosa e as relações familiares. In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado
Lahud; PENSO, Maria Aparecida (coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a
pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009, p. 27.
130
cuidados, como sequer mantêm um contato constante com os filhos, mesmo morando na
mesma cidade”303.
Os relatos apresentados na pesquisa são eivados de clara tristeza. Mariana, de
70 anos, assim declarou sobre a ausência dos filhos: “Às vezes, quando falo por telefone
com eles, eles dizem que não têm tempo para me visitar”.
Marta, de 73 anos, também vivencia o abandono afetivo pelos filhos:
Meus filhos moram aqui, em Brasília, mas alegam que moram longe. Meus
filhos não me telefonam, só conversam comigo quando eu ligo. Eu nem tenho
o telefone de minha filha, só do meu filho. Meu filho me aceita mais, mas a
aceitação dele é dentro de suas possibilidades. Gostaria de ter mais contatos,
ver mais meus netos, sinto falta deles”.
303
PENSO, Maria Aparecida; MORAIS, Ivalda Alves de. O ciclo da violência em famílias com Idosos.
In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado Lahud; PENSO, Maria Aparecida
(coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009,
p. 57.
304
Ibidem., p. 58.
131
Tendo em vista que o internato asilar deve ser adotado como última opção, a
lei apresenta outras opções para atendimento do idoso em modalidade não asilar por
meio do artigo 4º do referido Decreto Federal n. 1.948 de 1996306.
A intenção de evitar a internação se justifica em razão do sofrimento
enfrentado pelos idosos que são retirados de suas casas para serem ‘aprisionados’ em
uma instituição e perdem a liberdade em razão da falta de autonomia. Nesta seara,
ensinam especialistas em gerontologia:
305
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 78-
79.
306
Artigo 4° Entende-se por modalidade não asilar de atendimento:
I - Centro de Convivência: local destinado à permanência diurna do idoso, onde são desenvolvidas
atividades físicas, laborativas, recreativas, culturais, associativas e de educação para a cidadania;
II - Centro de Cuidados Diurno: Hospital-Dia e Centro-Dia - local destinado à permanência diurna do
idoso dependente ou que possua deficiência temporária e necessite de assistência médica ou de assistência
multiprofissional;
III - Casa-Lar: residência, em sistema participativo, cedida por instituições públicas ou privadas,
destinada a idosos detentores de renda insuficiente para sua manutenção e sem família;
IV - Oficina Abrigada de Trabalho: local destinado ao desenvolvimento, pelo idoso, de atividades
produtivas, proporcionando-lhe oportunidade de elevar sua renda, sendo regida por normas específicas;
V - atendimento domiciliar: é o serviço prestado ao idoso que vive só e seja dependente, a fim de suprir as
suas necessidades da vida diária. Esse serviço é prestado em seu próprio lar, por profissionais da área de
saúde ou por pessoas da própria comunidade;
VI - outras formas de atendimento: iniciativas surgidas na própria comunidade, que visem à promoção e à
integração da pessoa idosa na família e na sociedade.
132
A minha filha me colocou aqui sem eu querer. Eu não queria sair da minha
casa. É mesmo minha. O motivo que eu vim para cá é que minha filha me
disse que aqui tinha um churrasquinho. Era para eu vir junto. Eu disse: mas
não gosto de churrasco, eu fico em casa. Mas eu não quero ir junto. A
senhora vai junto, ela disse. Eu disse: tá, então eu vou. Eu nunca desobedeci
ao que ela dizia, porque sabia que ela era braba. Então eu vim junto. Eu saí
do táxi e ela foi embora, e eu chorei. Chorei que me lavei. Depois, então,
sempre com minha roupa pronta para ir embora, mas não deu para eu ir
embora, ninguém veio me buscar. Faz dois anos que eu estou aqui. Eu
fiquei muito sentida de estar aqui. Eu queria estar na minha casa (...) Minha
filha vem me visitar muito pouco. Ela só trabalha, está sempre ocupada. Ela
não vem muito me visitar por causa disso (...) Agora faz dois meses que a
filha não me aparece, mas ela trabalha muito. Daqui para frente eu
penso em morrer. Sabe o que eu imagino? Não adianta, eu tenho que
308
morrer aqui, porque desconfio que a filha não vem me buscar .
307
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.)
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p.58.
308
Na pesquisa atrelou-se o depoimento à senhora A. B. B. de 90 anos.
133
Eles ficaram na minha casa para cuidar de tudo para quando eu voltar, eles
quase não me visitam, porque não têm tempo, porque trabalham.(S.T.P)
Minha filha disse que era só para passar o fim de semana aqui e não veio
mais me buscar, nem me visita. (C.F.P.T.)
Sabe, minha filha, acho isto um desaforo, criei meus filhos e agora olha só o
que eles me fizeram, me largaram aqui. (T.P.L.H.)
Muitas vezes os idosos não têm condições de morar sozinhos, o que justificaria
a asilamento, uma vez que “liberdade implica em autonomia”310. Entretanto, a
necessidade de um idoso residir em um asilo que lhe forneça condições materiais de
sobrevivência não justifica a ausência dos filhos que passam a ignorar os pais, com
visitas raras e esporádicas.
Segundo as pesquisadoras, mesmo os idosos que inicialmente são visitados
pelos filhos no asilo tendem ao abandono, pois com o aumento de anos do asilamento,
reduz-se, em geral, a frequência das visitas:
309
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 126 - 127.
310
RODRIGUES, Oswaldo Peregrina. Direitos da Pessoa Idosa. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2016, p. 31.
311
HERÉDIA; CORTELLETTI; CASARA. Op. cit., p.41.
134
sua própria família312. Pois o homem, por ser um ser social, tem necessidades afetivas; e
é por meio da afetividade que o ser humano encontra o sentido existencial313.
Tem-se que a combinação asilo com abandono afetivo pelos filhos caracteriza
sofrimento tamanho que configura desincentivo aos idosos a continuar a viver:
O abandono, todo mundo abandona, ninguém quer saber de idoso. (...) sabe o
que é: é falta de educação, falta de compreensão, não compreende a pessoa,
não é? Por enquanto é novo, né, mas quando tiver idade é que vai ver o que
fez. Quando está novo não sabe o que é ter idade. Acabou... acha que o idoso
315
não presta mais, não serve mais para nada, já está na hora de morrer .
312
GROEWALD, Rosa. Idosos Asilados no Município de Canoas. . In: HERÉDIA, Vania;
CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.). Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª
ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p 133.
313
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 80-81.
314
Ibidem., p. 127
315
PENSO, Maria Aparecida; e MORAIS, Ivalda Alves de. O ciclo da violência em famílias com Idosos.
In: FALEIROS, Vicente de Paula; LOUREIRO, Altair Machado Lahud; PENSO, Maria Aparecida
(coords). O Conluio do Silencio: a violência intrafamiliar contra a pessoa idosa. São Paulo: Roca, 2009,
p. 29.
135
existencial, por essa razão, “percebe-se que há uma necessidade constante de buscar,
permanentemente, a família ausente”316.
Restam evidentes, por meio destas análises pragmáticas, os danos morais que o
abandono afetivo pelos filhos acarreta nos idosos, que, com o sentimento de rejeição e
desestímulo, chegam a desejar até a morte.
316
GROEWALD, Rosa. Idosos Asilados no Município de Canoas. In: HERÉDIA, Vania;
CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.). Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª
ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p 130.
317
<https://dicionariodoaurelio.com/ampara> acesso em 10. ago. 2017.
136
Não há como supor o apoio (ou amparo) por pessoa totalmente ausente, pois o
ser humano tem necessidade de conviver de se relacionar:
A família não deve ter apenas seus olhos voltados à sua prole. Deve também
ter seu cuidado voltado aos indivíduos que contribuíram para que essa prole
crescesse com dignidade e respeito. Por essa razão entende-se que o
tratamento digno dado aos idosos, de forma respeitável e paciente é um
importante princípio do Direito de Família além do que faz parte também do
319
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana .
318
HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho. O asilamento sob o olhar de
histórias de vida. In: HERÉDIA, Vania; CORTELLETTI, Ivonne; CASARA, Miriam Bonho (coords.).
Idoso asilado: um olhar gerontológico. 2ª ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 81.
319
PEREIRA, Danilo Medeiros Pereira. Direito de Família e sua influência na formação da personalidade
do indivíduo e garantia da dignidade humana. In: FROÉS, Carla Baggio Laperuta; TOLEDO, Iara
Rodrigues de; PEREIRA, Sarah Caroline de Deus (coords). Estudos a cerca da efetividade dos direitos de
personalidade no Direito das famílias: construção do saber jurídico & Crítica aos fundamentos da
dogmática jurídica. 1ª ed. São Paulo: Letras Jurídicas, 2013, p. 247.
137
Quão carentes de atenção e cuidados vivem tantos idosos que são abandonados
imaterialmente pelos filhos, os quais apenas arcam com questões materiais, como se as
obrigações com os genitores se esgotassem com um mero pagamento mensal às clínicas
e cuidadores – muitas vezes nem isso?
Enganam-se os filhos que acreditam cumprir as obrigações com os pais idosos
com o envio mensal de quantia em dinheiro.
Pagamentos, custeio de cuidadores, mantimentos ou clínicas não cumprem o
dever de convivência familiar, de amparo, de apoio, etc. Estes deveres exigem
participação, presença, dedicação e tempo.
Não há como sustentar a licitude de filho que – apesar de custear questões
materiais – culposamente ignora os pais idosos. Esta hipótese, além de ser socialmente
reprovável, é de clara ilicitude, vez que contrária aos mencionados art. 3o da Lei n.
10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e art. 229 da Constituição Federal.
Uma vez que esta ilicitude causa danos aos idosos – conforme apontado no
presente trabalho em item anterior – não há outra alternativa que não seja o dever de
indenizar.
Em outras palavras, uma vez presentes os requisitos ensejadores da
responsabilidade civil, quais sejam, abalo psicológico aos pais idosos (dano) causado
em razão (nexo causal) da ausência dos filhos, que é contrária ao art. 3º do Estatuto do
Idoso, ao art. 229 da CF, bem como aos demais princípios e preceitos do ordenamento
jurídico (ato ilícito), deve incidir o dever de indenizar.
Em que pese a indenização seja em pecúnia e não tenha o condão de apagar o
sofrimento causado ao pai idoso, esta vale não apenas como um desestímulo ao filho
que, culposamente, rejeita e prejudica o pai ou mãe idosos, como também serve para
acalentar a sensação de abandono ao demonstrar que o Estado, por meio do Judiciário,
está agindo para tutelar e defender os direitos das pessoas vulneráveis em função da
idade. Afinal, a família e o Estado (além da sociedade) têm o dever garantir à pessoa
idosa dignidade e bem-estar, e a convivência do idoso com a prole é fundamental para a
estabilidade física, moral e psíquica do idoso320.
A negativa, pelo Estado, em compelir a prole a indenizar os genitores quanto
aos danos causados com o abandono afetivo significaria apoiar a prática do abandono
320
FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e Garantias do Idoso: doutrina, jurisprudência e
legislação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 144.
138
imaterial, considerando esta omissão como ato lícito e tolerável, o que é totalmente
contrário aos preceitos jurídicos apontados ao longo do presente trabalho, quais sejam:
princípio da solidariedade familiar, da convivência familiar, da afetividade, da
dignidade humana, da cidadania, art. 3o da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e art.
229 da Constituição Federal.
321
TJRS, Processo 141/1030012032-0. Ação indenizatória. 2ª Vara, Comarca de Capão da Canoa, Juiz
Mario Romano Maggioni, julgado em 16.09.2003.
139
O acórdão ainda consignou que a sanção pelo abandono afetivo seria perda do
poder familiar:
322
REsp 757.411/MG, 4ª Turma do STJ, Rel. Fernando Gonçalves, unânime, julgado em 29.11.2005.
323
Ibidem..
140
Em outras palavras, o abandono imaterial (ou afetivo) deve ter como sanção a
perda do poder familiar; já o dano moral advindo desse abandono há de ter como
consequência o dever de os pais ausentes indenizarem seus filhos.
Aproximadamente quatro anos depois do julgado apresentado, o STJ julgou,
em abril de 2009, novo caso versando sobre o tema do abandono afetivo praticado por
pai contra a prole. O filho moveu ação de reconhecimento de paternidade cumulada com
indenizatória por danos morais, e expôs que seu genitor manteve outro relacionamento
ao mesmo tempo em que namorava sua mãe. O varão acabou por casar-se com a outra
namorada, com quem, tempos depois, veio a ter dois filhos. Tais crianças, segundo
relatado nos autos “sempre exibiram condição social e financeira de alto padrão e
invejável à classe média”, ao passo que o filho mais velho sequer contava com a
presença do pai; razão pela qual sofreu “sérios danos, tanto morais quanto patrimoniais,
intelectuais e afetivos”.
Em primeiro grau, tanto o pleito pelo reconhecimento da paternidade quanto o
pedido de reparação por danos morais foram julgados procedentes pelo magistrado
Clóvis Ricardo de Toledo Júnior. A sentença, contudo, foi atacada em recurso de
apelação que afastou a condenação por danos morais.
No acordão, entretanto, restou evidenciado que o afastamento da condenação
pelo abandono afetivo se deu em razão de a filiação se constituir apenas após a decisão
final da ação de investigação de paternidade; assim, seria inexigível o cumprimento dos
deveres paternos antes da filiação. A ementa do julgado expôs:
324
TJSP – AC 229.873.4/8.00 – 7ª Câm. – Rel. Des. Leite Cintra – julgado em 05.06.2002.
325
REsp 514.350, 4ª Turma do STJ, Rel. Aldir Passarinho Junior, julgado em 29. 04.2009.
141
326
Código Civil e Comercial Argentino: ARTICULO 1716.-Deber de reparar. La violación del deber de
no dañar a otro, o el incumplimiento de una obligación, da lugar a la reparación del daño causado,
conforme con las disposiciones de este Código.
ARTICULO 1717-Antijuridicidad. Cualquier acción u omisión que causa un daño a otro es antijurídica
si no está justificada
142
Las constâncias de autos y sus agregados nos informan que la actora, a los
pocos meses del nacimiento de su hijo (ocurrido el 27/12/1997) intimó al
demandado al reconocimiento del menor (fs. 5/7 expte. De filiación) sin
resultado. Frente a ello inició demanda filiatoria (08/04/1998) e intento
realizar estúdios genéticos em um instituto privado pero el demandado se
excusó por razones laborales (fs. 36). Posteriormente en la etapa probatória
ed demandado se negó al examen de extracción de sangue (fs. 73/vta.)
dictándose luego sentencia con base en la prueba colectada, la que fuera
confirmada por la precedente Cámara departamental el 25/8/2005 (fs.
329
147/152 vta) .
327
Argentina, Cámara Civil y Comercial 1ª, Sala 1, Mar del Plata, 31-10-96, “A., S.G. c/R., F.J. s/
reconoc. De filiación y daños y perjuicios”.
328
Argentina, Camara Nacional De Apelaciones En Lo Civil da Capital Federal, Ciudad Autónoma De
Buenos Aires, 26-10-2016,“C.R.E. y Otro c/ C.F.A. s/ Filiación”
329
Argentina, Cámara de Apelaciones Civil y Comercial de Nocochea, 21-03-2017, Causa No 9755 “P.,
M. C. c/B., M. S. s/Danõs Y Perjuicios”.
143
330
FRUSTRAGLI, Sandra; KRASNOV, Adriana. La reparación del daño moral causado por ausencia
del reconocimiento de hijo y la demora en el ejercicio de la acción de reclamación de filiación. Em
Derecho de Familia, Revista interdisciplinaria de doctrina y jurisprudencia. V. 2004-I. Lexis Nexis, p. 24.
331
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
RECONHECIMENTO. ABANDONO AFETIVO. DANOS MORAIS. REJEITADOS. 1. A não
declinação da paternidade em documentos oficiais, bem como a falta de afeto, de relação paternoafetiva,
por si sós, não conduzem ao dever de indenizar, porquanto ausente o primeiro pressuposto para a
responsabilidade civil, a saber, a ocorrência de ato ilícito; 2. Enquanto não reconhecida a filiação e,
portanto, o poder familiar e os deveres jurídicos a ele inerentes, não há se falar em abandono de qualquer
espécie, pois impossível se exigir indenização de quem sequer tinha certeza de que era genitor; 3. Recurso
conhecido e não provido. (Acórdão n.441986, 20070110318449APC, Relator: NILSONI DE FREITAS,
Revisor: VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 25.08.2010).
332
TJDF, Taguatinga, 4ª Vara Cível, Dr. José Roberto Moraes Marques, Processo 2013.07.1.042464-5,
julgado em 18.08.2015.
333
TJDF, Apelação Cível 2013 07 1 042464-5, 1a Turma Cível, Rel. Des. Nídia Corrêa Lima, julgado em
28.09.2016.
144
A nosso ver, a decisão não observa que o dever de indenizar seria justamente
pela ação furtiva do pai em assumir a paternidade ou a se submeter a métodos
biológicos de análise que o apontassem como pai. De fato, não seria exigível o
pagamento de alimentos paternos sem a filiação, entretanto, esta não estava configurada
justamente pela omissão do pai, que se furtava em assumir a paternidade para não ter
que assumir tais deveres. Exatamente a hipótese de se aproveitar da própria torpeza.
Portanto, não é a inobservância de deveres paternos que deve gerar a indenização na
hipótese, mas sim a fuga da responsabilidade em analisar a filiação da prole. São
hipóteses diferentes, entretanto, muitas vezes tal diferença não é notada.
A boa notícia, neste caso concreto, é que a decisão de apelação não transitou
em julgado, e está, pendente julgamento do Recurso Especial 334 interposto pela genitora
em 26.11.2017.
Neste ínterim, vale observar que apesar de, em oposição aos julgados
brasileiros, a jurisprudência Argentina reconhecer o dever de o pai indenizar tanto a mãe
quanto o filho pela omissão no reconhecimento filial, não se tem notícias sobre o
enfrentamento na Argentina, ou em outro país latino-americano, sobre o abandono
imaterial. O que se verifica são vertentes que sustentam a ausência do dever de
indenizar por falta de afeto e de amor que ocasionam carências afetivas à prole.
Segundo julgado do aludido país, o ressarcimento por carência afetiva pertence
a um aspecto espiritual das relações de família sobre as quais o direito não atua, a não
ser em hipóteses como a de abandono:
No se trata del resarcimiento por carencias afectivas que pudo hallar, en esos
años, frente a su progenitor, ya que ello pertenece al aspecto espiritual de las
relaciones de familia, sobre el cual el derecho no actúa, salvo que asciendan
en determinadas conductas como el abandono, que permitan accionar por
privación de la patria potestad la falta de asistencia, que permitiera demandar
alimentos, las injurias entre cónyuges, que dan lugar al divorcio 335.
334
Até a conclusão do presente trabalho, o Recurso Especial ainda não havia sido distribuído e estava em
fase de digitalização no TJDF por se tratar de autos físicos.
335
Argentina, Cámara Nacional de Apelaciones en lo Civil G. B. N. y otro c/C. M. S. s/filiación. . Sala C.
(7/6/2007). MJJ15260.
145
Deberá distinguirse entre daño moral y material. Con respecto al daño moral
en ciertos casos existirá in re ipsa, en otras circunstancias deberá realizarse
una evaluación fáctica para determinar su existencia. En este punto cabe
distinguir: entre el daño moral, por no contar con el apellido paterno y no
haber sido considerado hijo del progenitor en los medios sociales, del
derivado de las carencias afectivas, pues ello pertenece al aspecto espiritual
de las relaciones de familia, como dice el Dr. Bossert, en su voto de la
C.N.Civ., Sala F., 19-X-89, L. 41.325. Con relación al daño material en todos
los casos deberá ser probado y no en todos los supuestos producirse. Estos
daños se configurarían por las carencias materiales que la falta de
reconocimiento del progenitor le ocasionó al hijo336.
Neste ponto, destaca-se, mais uma vez, que não sustentamos, neste trabalho, o
dever de reparação por carências afetivas, resultantes da falta de amor. O que se sustenta
é a falta de cumprimento de deveres de cuidado próprios da obrigação paterno-filial na
atitude do(a) progenitor(a) que não detém a guarda e não convive com a prole,
efetivando cumprimento apenas do pagamento de alimentos. A análise é objetiva e
concreta: não há convivência, não há participação na vida do filho(a), e, por esta razão,
não é cumprido o dever de cuidado pelo genitor que não detém a guarda.
Não se trata de falta de abraço, de afeto, de “aspectos espirituais das relações
de família” (como escrito pela Corte Argentina). Trata-se de total ausência de relação ou
relacionamento familiar paterno-filial e absoluto abandono pelo(a) genitor(a) não
guardião, com apenas custeio pecuniário, o que é contrário aos deveres paternos.
A convivência com os pais é direito dos filhos. A este direito corresponde o
dever dos pais de visitar a prole, quando não detém a guarda desta. Neste sentindo é que
foi pronunciado, em julgamento italiano, que destacou ainda o princípio da
solidariedade. Vale observar que a Itália contempla ordenamento jurídico semelhante ao
brasileiro no que concerne ao poder familiar. Assim restou disposto no julgado:
che l’esercizio della c.d. visita del non affidatario non ~ solo una facoltà ma
anche un dovere derivante dal principio di solidarietà che vige anche tra i
336
DELGADO. Rosa Isabel Olortegui. Responsabilidad civil por omisión de reconocimento voluntário de
la paternidade extramatrimonial. Tesis para optar el grado académico de Magíster em Derecho con
Mención em Derecho Civil y Comercial. Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Facultad de
derecho y ciência política unidad de postgrado. Lima, Peru, 2010, p. 135.
146
337
Acórdão da Corte di Cassazione, I Sezione Civile. 8 Febbraio 2000 n.1365, disponível em
<http://www.mammeseparate.it/avvocato.html> acesso em 10 out. 2017
338
STJ, Recurso Especial 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em abril
de 2012.
147
339
FIALHO, Ana Catarina Janeiro. Da Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo. Dissertação com
vista à obtenção do grau de Mestre em Direito. Lisboa. Faculdade de Direito Universidade Nova de
Lisboa. 2014. Disponível em <https://run.unl.pt/bitstream/10362/15244/1/Fialho_2014.pdf> acesso em 5
set. 2017.
148
340
REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
19/10/2017, DJe 29.11.2017.
341
Documentos disponíveis em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/
2017> acesso em 30. Nov. 2017.
149
ESCLARECIMENTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Senhor Presidente, no meu
voto inicial eu não havia analisado a questão da prescrição porque o acórdão
recorrido não o fez. Mas, o Ministro Marco Buzzi, em seu atento voto-vista,
como tinha uma opinião diferente da minha sobre a tese de mérito, verificou
que a prescrição havia sido alegada na instância anterior e, conhecido o
recurso, é possível examinar as questões alegadas no julgamento anterior. Em
minha ratificação de voto na assentada anterior, considerei que não havia
prescrição, baseando-me exatamente no mesmo ponto de Vossa Excelência,
ou seja, que a inicial alegava fatos supostamente lesivos ao direito da autora
ocorridos em 2012 e reclamava que a falta de cuidado atencioso era uma
constante desde a infância e persistia na vida adulta, causando danos
psicológicos ainda na atualidade. Encarei a relação entre as partes como um
todo incindível, mas agora, diante do Realmente, atos anteriores estão
abrangidos pela prescrição. Então, eu vou aderir à conclusão de Vossa
Excelência. Penso que, realmente, é salutar que haja um termo final nessa
possibilidade de a pessoa, 50 anos depois, dizer que foi abalada
emocionalmente na infância. Considero que a solução de decretar a
prescrição da pretensão de reparação em decorrência de atos ou omissões
anteriores ao triênio do ajuizamento da ação é correta. Não está prescrito,
portanto, o abandono afetivo alegado na inicial a partir da maioridade. Nesse
sentido, é improcedente a pretensão.
Na linha do voto que eu havia proferido quanto à prescrição, eu penso que,
nas relações familiares, se se considerar que o afeto é um elemento jurídico,
ele vai ser um elemento jurídico não só na menoridade. Na menoridade pode
ser mais grave, mas um idoso desamparado também está na mesma situação
de hipossuficiência de um menor e o dever de cuidar de pais idosos penso
que é equivalente.
O voto do Ministro Antônio Carlos Ferreira, por sua vez, apontou, além da
prescrição para os fatos ocorridos durante a menoridade da autora, a impossibilidade de
se aplicar o Estatuto da Criança e do Adolescente para os casos ocorridos após a
maioridade da requerente:
342
Voto disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/
2017> acesso em 03. dez. 2017.
151
343
Voto disponível em
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=201600111968&dt_publicacao=29/11/
2017> acesso em 03. dez. 2017.
344
Código Civil/ 2002: “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”
345
Sustentada por Ricardo Calderón, Rodrigo Toscano de Brito, João Ricardo Brandão Aguirre, Maurício
Bunazar, Marcelo Truzzi Otero, Eduardo Busatta, Fábio Azevedo, Alexandre Gomide, Maurício Andere
Von Bruck Lacerda, Roberto Lima Figueiredo, Marcelo Junqueira Calixto, Marco Aurélio Bezerra de
Melo, Fernando Carlos de Andrade Sartori e Marcos Ehrhardt Júnior
(<http://genjuridico.com.br/2017/08/31/prazo-prescricao-aplicavel-casos-abandono-afetivo/> acesso em
25 set. 2017).
346
O entendimento já foi sustentado pela Corte Superior em outras oportunidades, como exarada na
seguinte decisão: “Indenização por danos morais decorrentes do abandono afetivo. Prescrição.
Aplicação do prazo prescricional trienal previsto no artigo 206 § 3º, inciso V, do CC/2002. Precedentes
deste Tribunal” (STJ, AREsp 842.666/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, DJE 29.06.2017)
347
TJPB, Recurso 0028806-67.2013.815.0011, Quarta Câmara Especializada Cível, Rel. Des. Romero
Marcelo da Fonseca Oliveira, DJPB 11/04/2016. No mesmo sentido: TJDF, Apelação cível n.
2015.01.1.064396-6, Acórdão n. 101.8971, Quarta Turma Cível, Rel. Des. Rômulo de Araújo Mendes,
julgado em 11/05/2017, DJDFTE 30/05/2017; TJSP, Apelação n. 0013103-59.2012.8.26.0453, Acórdão
n. 9425346, Pirajuí, Quinta Câmara de Direito Privado, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, julgado em
04.05.2016, DJESP 17/05/2016; TJAM, Apelação n. 0622496-32.2013.8.04.0001, Primeira Câmara
Cível, Relª Desª Maria das Graças Pessoa Figueiredo, DJAM 17.08.2017.
152
extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata” 348) e sustenta que
os danos advindos do abandono imaterial são de trato sucessivo, não sendo possível
estabelecer termo inicial para contagem do prazo. Esta posição seria a defendida por
Pablo Malheiros da Cunha Frota, Marcos Jorge Catalan e Cesar Calo Peghini:
Diante dessa feição subjetiva da actio nata que não se pode dizer qual o
termo a quo para o início do prazo. Os danos são continuados, não cessam,
não saem da memória do ofendido, mesmo em se tratando de pessoa com
idade avançada. Em outras palavras, o prejuízo é de trato sucessivo, atinge a
honra do filho a cada dia, a cada hora, a cada minuto e a cada segundo.
Ninguém esquece o desprezo de um pai 349.
348
REsp 1257387/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05.09.2013,
DJe 17/09/2013.
349
TARTUCE, Flávio. Do prazo de prescrição aplicável aos casos de abandono afetivo. Disponível em
<http://genjuridico.com.br/2017/08/31/prazo-prescricao-aplicavel-casos-abandono-afetivo/> acesso em
03. set. 2017.
350
Ibidem.
153
4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não
ama
351
<http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/08/bnao-sou-uma-mae-piorb-porque-meu-filho-mora-com-
o-pai.html> acesso em 11 Jul. 2017.
352
Ibidem.
155
O dever de cuidado aos filhos é obrigação legal imputada aos pais. Quem cuida
não necessariamente ama, mas obrigatoriamente não rejeita.
O caso exposto demonstra que a falta de amor não pode implicar em
desobediência aos deveres de cuidado. Pode-se não amar, mas não se pode lesar o filho
sendo ausente imaterialmente ou demonstrando a ele o sentimento interno de falta de
amor.
Por esta razão é que se sustenta, no presente trabalho, a presença dos pais
mesmo sem amor; pois é possível se falar em presença paterna ou materna, ainda que
não haja amor. Por outro lado, o pai ou mãe que é presente mas demonstra a falta de
amor deve também responder pelos danos causados à prole com essa agressão
psicológica.
Assim, ainda que o presente trabalho trate do dever de reparar por total
ausência, vale destacar: o pai ou mãe que é presente, mas claramente agride
psicologicamente o filho, demostrando, intencionalmente, sua ânsia por rejeitar a prole,
também deve responder pelos danos psíquicos que venham a ser causados à prole em
353
<http://epoca.globo.com/sociedade/noticia/2017/08/amo-meu-filho-mas-vezes-queria-que-ele-fosse-
meu-sobrinho.html> acesso em 11 jun. 2017.
156
354
TJSC, Apelação Cível n. 2011.020805-7, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator: Des. Joel Dias Figueira
Júnior, julgado em 11.08.2011.
157
355
TJSP, Apelação 0006658-72.2010.8.26.0266, 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Alexandre
Lazzarini, julgado em 08.04.2014.
158
356
Disponível em <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380> acesso em 01. dez. 2017.
159
357
Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
358
LÔBO, Paulo. Paternidade socioafetiva e o retrocesso da Súmula nº 301 do STJ. Teresina, Revista Jus
Navigandi, ano 11, n. 1036, 3 maio 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/8333>. Acesso
em: 20. set. 2017.
160
estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (que são causas de anulação do
negócio jurídico, conforme art. 171, II do Código Civil/02).
Os mencionados vícios do negócio jurídico não serão suficientes, entretanto,
para afastar a paternidade socioafetiva quando esta já estiver configurada há mais de
quatro anos, conforme artigo 178, II do Código Civil de 2002. Também não poderá se
afastar a filiação quando de tal ato resultar prejuízo ao infante, vez que seria contrário
aos princípios do melhor interesse e proteção integral da criança e do adolescente.
Destaca-se a menção acerca da referida impossibilidade em razão da questão
pragmática configurada com as demandas judiciais em que pais registram os filhos e,
após alguns anos, buscam a anulação do registro com base em exame de DNA atestando
que não se trata de filho consanguíneo, como se os aspectos biológicos se
sobrepusessem a todos os demais, e como se os infantes fossem descartáveis. Sobre esse
assunto, a jurisprudência é praticamente unanime sentido de manter a paternidade:
359
TJRR – AC 0010.12.718018-9, Rel. Des. ALMIRO PADILHA, Câmara Cível, julg.: 07.04.2016, DJe
11.04.2016
360
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 378.
161
Anderson Schreiber, por sua vez, esclarece que, apesar de a boa-fé objetiva ter
nascido e se desenvolvido no âmbito do direito das obrigações em contexto negocial, o
conceito se alastrou por todas as relações jurídicas, inclusive nas relações de família,
como critério de controle de legitimidade do exercício da autonomia privada363.
361
ALVES, Jones Figueirêdo. Abuso de direito no direito de família, In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha
(coord) Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e dignidade humana. Belo
Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 481-506, p. 483. Disponível em
<http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/22.pdf> acesso em 15. Set. 2017.
362
MARINELLI, Gabriel Machado. Responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das
negociações preliminares. São Paulo: Contracorrente, 2017, p. 185.
363
SCHREIBER, Anderson. O princípio da boa-fé objetiva no direito de família. In: MORAES, Maria
Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.
127.
162
O dever de reparar o dano ao infante iludido e cativado – por aquele que seria
seu pai ou sua mãe afetivo(a) –, e depois rejeitado por este que o cativou, funda-se em
lógica semelhante à responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das
negociações preliminares, já admita pela doutrina e jurisprudência brasileira364. Os
requisitos configuradores do dever de indenizar a ruptura injustificada de negociação
contratual e de relação paterna são praticamente os mesmos, senão vejamos:
(i) “O consentimento das partes no que diz respeito a entrarem em
negociação”365 (no caso do abandono imaterial, seria o entendimento
consentindo entre o adulto e o menor a respeito de se comportarem
como pai ou mãe e filho(a));
(ii) “O desenvolvimento legítimo de um estado de confiança fundado no
comportamento da contraparte no que se refere a buscar/querer a
conclusão do negócio”366 (o comportamento seria no sentido de
buscar/querer a manutenção da vínculo paternal ou maternal);
(iii) “Ruptura desqualificada, contrária à boa-fé objetiva, isto é, sem
motivação justa e suficiente para gerar a impossibilidade de celebração
do contrato – em que está inserido o elemento culpa”367 (decisão
unilateral e sem motivo justo daquele que se comportava como pai ou
mãe do infante e depois rompe a relação e rejeita o(a) ‘filho(a)’);
(iv) “Dano, de qualquer natureza, resultante da ruptura a que se alude”368 (no
caso do abandono imaterial praticado por aquele que figurava como pai
ou mãe, o dano converge como lesão à personalidade e psique da criança
ou adolescente).
Tendo em vista a semelhança nos requisitos, resta evidente o dever de o pai ou
mãe socioafetivo(a) indenizarem o infante abandonado imaterialmente pelos danos
gerados, ainda que a paternidade socioafetiva não tenha sido averbada no registro civil
do menor; trata-se de tutelar juridicamente a confiança, que é a base da boa-fé objetiva,
364
TJSP, Apelação n. 992.09.080714-5, São Paulo, Relator Desembargador Mario A. Silveira, vol. u,
julgado em 14. 09.2009.
365
MARINELLI. Gabriel Machado. Responsabilidade civil pré-contratual pela ruptura injustificada das
negociações preliminares. São Paulo: Contracorrente, 2017, p. 254.
366
Ibidem., p. 255.
367
Ibidem., p. 255.
368
Ibidem., p. 255.
163
demais filhos da autora, com propositura de outras demandas judiciais, sempre inserido
o tema ‘indenizações’ como fato litigioso.
A Câmara julgadora manteve a decisão, prolatada na sentença, de
improcedência da ação e assim expuseram em trecho do Acórdão 369 quanto ao dano
moral:
[...] fazer valer o cumprimento das obrigações em prol dos idosos, é muito
diferente de concordar com a possibilidade de compensar a dor suportada
pela indiferença de um ente querido.
Aliás, o tema já merece reflexão no mundo jurídico. É possível calcular em
dinheiro quanto vale o amor? A importância de R$ 60.000,00 substituirá,
sabe se lá por quanto tempo, a presença de um filho na vida dos pais e vice-
versa? A condenação ao pagamento de uma indenização resgataria os laços
afetivos entre mãe e filha?
Ora, nem seria necessário um pronunciamento judicial neste sentido, uma vez
que a resposta é obvia.
Por fim, importante salientar que no caso concreto, o acolhimento do pedido,
com certeza, estimularia a equivocada sensação de que quando um
descendente ou ascendente chega a um determinado ponto naquela que
deveria ser uma abençoada relação, só teria “sobrado” bens materiais a serem
perseguidos.
369
TJRJ, Apelação cível 0019973-83.2009.8.19.0045, 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Camilo Ribeiro Ruliere,
julgado 26.02.2013.
165
Com efeito, como já anotado, somente aquele que sofre o abandono imaterial
pode responder sobre o que, subjetivamente, o ajudará a ver diminuído o prejuízo moral
experimentado. Talvez o fato de haver condenação daquele que ocasionou o dano, possa
servir para acalentar a vítima, simplesmente por saber que, apesar do prejuízo moral
sofrido, ela conta com a tutela do ordenamento jurídico que não admite conduta lesiva
contra outrem (princípio neminem laedere).
No caso concreto, parece estar presente mais do que o abandono. Há ainda
condutas ofensivas à idosa, as quais são assim tratadas no julgamento:
Ora, ao que parece, no caso, há mais do que abandono imaterial, pois este é
acompanhado de agressões diretas à personalidade da idosa, que – se realmente
ocorreram – não devem ser admitidas, pois não se coadunam, de forma alguma, com os
deveres inerentes aos filhos para com os pais idosos e com os princípios gerais do
direito.
370
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. Vol. 4. 11ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 399 - 400.
166
Não é porque se trata de relação familiar que tal postura deve ser tutelada.
Quando se afirma que o direito não deve perfilhar o âmbito familiar dá-se a entender
que condutas antijurídicas praticadas nesse contexto constituem hipóteses de
“excludente de responsabilidade”, apenas em razão de ocorrerem no bojo familiar. Os
questionamentos que surgem neste contexto são: caso a ofensa contra a honra, exposta
em e-mail, tivesse ocorrido entre pessoas que não se constituam mãe e filha, haveria o
dever de indenizar ou tal ofensa deveria ser aceita e tolerada? Se a resposta é a de que
não deve ser aceita, porque a aceitação da ofensa se tais pessoas forem mãe e filha?
Não há nenhuma exceção jurídica que permita ofensas entre familiares. Ao
contrário, há ainda o dever de cuidado, conforme exposto ao longo do trabalho.
Imprescindível destacar: não se pretende discutir o caso concreto, se a mãe
deveria ser indenizada ou não, pois para tanto faz-se mister detida análise de todo o
contexto envolvendo a hipótese concreta, inclusive a verificação sobre se realmente a
filha abandonava imaterialmente a mãe, ou se era presente e os conflitos se constituíam
de forma pontual, como razoáveis resultados naturais da convivência. Caso esta seja a
hipótese, não há que se falar em abandono afetivo ou em dever de reparar.
É importante diferenciar os conflitos razoáveis, naturais da convivência, dos
danos decorrentes da absoluta falta de convivência e total abandono imaterial.
A respeito do dever de cuidado imputado aos filhos para com os pais idosos,
vale apontar decisão judicial que acatou pedido de filho para obter redução de carga
horária de trabalho, com redução de salário, a fim de possibilitar o cuidado do genitor
idoso.
De acordo com o que se extrai dos autos, foi impetrado Mandado de Segurança
por professor da Secretaria de Estado da Educação do Distrito Federal contra o gerente
de recrutamento, seleção e movimentação da Secretaria, o qual negou pleito para
redução de carga da jornada de trabalho de quarenta para vinte horas semanais com o
argumento de que não havia substituto para o cargo. A Ordem foi concedida e a ementa
da decisão cita diversos dispositivos também apresentados neste trabalho, razão pela
qual a apresenta na íntegra:
A concessão da ordem confirma que é dever dos filhos amparar os pais idosos.
Foi exatamente a necessidade do pai idoso e o dever de cuidado do filho que justificou a
redução da carga horária do professor, mesmo sem existir substituto.
371
AC 2005.0110076865 – TJDF – 5ª Turma Cível, Relator Desembargador João Egmont, julgado em
08.11.2006.
168
Apelação cível. Ação de alimentos proposta pela mãe, idosa, em face do filho
biológico. Sentença de improcedência, reconhecendo procedimento indigno
por parte da autora, consistente no abandono do filho desde a infância.
Autora que não se desincumbiu do ônus de comprovar o trinômio
necessidade-possibilidade-proporcionalidade, a amparar o pleito de
alimentos. Manutenção da sentença.
A obrigação de prestar alimentos nasce da relação natural entre familiares,
sendo permitido, nos termos do art. 1694 do Código Civil que parentes,
cônjuges, ou companheiros peçam uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação. Tal previsão legal
possui sua essência no dever de solidariedade que deve existir em todo
seio familiar, conforme preconiza o art. 229 da CF88.2. A conduta da
autora, ao deixar de prestar qualquer tipo de assistência ao seu filho,
seja material, emocional, educacional ou afetiva, configura o
procedimento indigno previsto no parágrafo único do
art. 1.708 do Código Civil, a afastar a responsabilidade do réu em
prestar os alimentos pleiteados na inicial 3. E mesmo se assim não fosse,
convém ressaltar que a autora não logrou êxito em comprovar sua real
necessidade em receber os alimentos, e tampouco a possibilidade do réu em
prestá-los.4. Desprovimento do recurso ”372 (grifos acrescidos).
372
TJRJ - APL 00115498920118190204, 19ª Câmara Cível, Rel. Des. MARCOS ALCINO DE
AZEVEDO TORRES, julgamento 26.02.2013.
169
Em que pese a responsabilidade civil pelo abandono imaterial seja norma que
pode, conforme apresentado nesta dissertação, ser observada a partir de detida análise
do ordenamento jurídico como um todo; há projetos de lei que se preocupam em editar
disposição jurídica expressa sobre esse dever de indenizar.
O primeiro Projeto de Lei a tratar sobre esse tema foi apresentado em
novembro de 2011 no Plenário na Câmara dos Deputados, pelo deputado Carlos
Bezerra. Tal projeto, o PL n. 4.294/2008, visa a incluir parágrafo único ao artigo 1.632
do Código Civil com a seguinte disposição: “O abandono afetivo sujeita os pais ao
pagamento de indenização por dano moral”, e ao artigo 3º do Estatuto do Idoso, o
seguinte § 2º: “O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por
dano moral”.
Na justificação do Projeto de Lei, o deputado destaca:
373
Inteiro Teor do Projeto de Lei disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=864558&filename=Avulso+-
PL+4294/2008> acesso em 10 out. 2017.
170
“§ 2º Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º
desta Lei, prestar aos filhos assistência afetiva, seja por convívio, seja por
visitação periódica, que permita o acompanhamento da formação psicológica,
moral e social da pessoa em desenvolvimento.
§ 3º Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência afetiva:
I – orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais,
educacionais e culturais;
II – solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou
dificuldade;
III – presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e
possível de ser atendida”374.
Este projeto já foi aprovado no Senado e, por ora, também tramita na Câmara
dos Deputados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Há ainda outro Projeto de Lei, este de autoria do deputado Vicentino Júnior,
que versa especificamente sobre o abandono imaterial. Trata-se do PL n. 3.145/2015, o
qual, diferente dos demais, visa a incluir dentre as causas de deserdação dos
descendentes por seus ascendentes (artigo 1.962 do CCB) e também destes por aqueles
(artigo 1.963 do CCB), o “abandono em hospitais, casas de saúde, entidades de longa
374
Inteiro teor disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4A498A5045A156A6D8E
B3CC0990BC9F6.proposicoesWebExterno2?codteor=1396365&filename=PL+3212/2015> acesso em 10
out. 2017.
375
Inteiro teor disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4A498A5045A156A6D8E
B3CC0990BC9F6.proposicoesWebExterno2?codteor=1396365&filename=PL+3212/2015> acesso em 10
out. 2017.
171
376
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1805805> acesso em
10 out. 2017.
377
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/07/130701_china_visit_parents> acesso em 10 out.
2017.
378
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2008, p. 13.
172
379
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 338.
173
Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, é um dos que se filiam à vertente de
rejeição da função punitiva/sancionadora da responsabilidade civil. O autor destaca o
princípio da legalidade, o qual determina que
não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
381
legal” e defende que "a responsabilidade civil não pode confundir-se com
a responsabilidade penal, porque enquanto aquela é estritamente de ordem
382
privada, esta é essencialmente de ordem pública .
Assim, para o jurista, não seria permitido a aplicação de nenhuma punição sem
expressa previsão de lei atribuindo pena ao ato praticado.
Taisa Maria Macena de Lima também não aceita a vertente
punitiva/sancionadora e afirma que na sistemática do CCB, a função da
responsabilidade civil por dano moral é sempre compensatória e reparatória, não se lhe
podendo atribuir uma função punitiva383.
Em que pese a intensa discussão entre doutrinadores a respeito do caráter
sancionador da responsabilidade civil, é importante consignar que não existe norma
jurídica sem sanção.
A norma jurídica, conforme teoria geral do constructivismo lógico
semântico384, constitui comando estruturado como juízo hipotético condicional. Desta
380
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 2ª ed. São Paulo: RT, 1994, p. 220.
381
Artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal.
382
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. 4ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 14
383
LIMA, Taisa Maria Macena de. Direito à reparação civil do nascituro por morte do genitor em
acidente de trabalho - dano moral e personalidade do nascituro. In: FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima
Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coord.). Direito civil: atualidades IV: teoria e prática
no direito privado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 343-375, p. 365.
384
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho, “O Constructivismo Lógico-Semântico é, antes de tudo,
um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento;
meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos
requisitos do saber científico tradicional”384 (CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o
constructivismo lógico-semântico. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). Constructivismo lógico-
semântico. Vol. I, São Paulo: 2014, p. 6). Tal conceito pode ser complementado por Fabiana Del Padre
Tomé, a qual sustenta que “o constructivismo lógico-semântico configura método de trabalho
hermenêutico orientado a cercar os termos do discurso do direito positivo e da Ciência do Direito para
outorgar-lhes firmeza, reduzindo as ambiguidades e vaguidades, tendo em vista a coerência e o rigor da
mensagem comunicativa”384. (TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-
174
forma, para que algo possa se constituir como norma jurídica é necessário que constitua
uma função prescritiva; em outras palavras, deve se apresentar como
semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson Carneiro (coords.). Vilém Flusser e Juristas. São
Paulo: Noeses, 2009, p.11.)
385
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito (o constructivismo lógico-
semântico). 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 216.
386
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A estrutura lógica das normas jurídicas. In: CARVALHO, Paulo de Barros
(coord.). Lógica Jurídica. 1ª ed. São Paulo: Noeses ), 2014, p. 15.
387
Ibidem., p. 14.
388
Cabe consignar, ainda, que a função punitiva também é percebida quando se verifica a possibilidade de
alteração do quantum indenizatório em função do grau da culpa, conforme parágrafo único do artigo 944
175
A obrigação liga ou vincula o homem (...) pode acontecer que, para induzir
alguém a que se abstenha da violação de um preceito, o direito o ameace com
a cominação de um mal maior do que aquele que lhe provocaria a sua
observância. Nesse caso tem-se a sanção econômica do preceito; e os meios
de diferentes espécies, que visam assegurar a observância do preceito,
recebem justamente o nome de sanção, pois sancionar significa precisamente
390
tornar qualquer coisa, que é o preceito, inviolável e sagrada .
Judith Martins Costa vai além e não apenas admite o caráter misto da
responsabilidade civil, como também expõe que a função punitiva da indenização tem
caráter pedagógico, ou seja, serve como lição, como exemplo para que não seja
praticado o dano a outrem:
do código civil. O valor será reduzido se a culpa for menor, ou seja, a punição é menor para aquele que
não praticou ato doloso, mas sim culposo.
389
CAHALLI, Yussef Said. Dano Moral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 39.
390
Ibidem., p. 39.
391
MARTINS-COSTA, Judith. Os Danos à Pessoa no Direito Brasileiro e a Natureza da sua Reparação,
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001, p. 207.
176
Neste contexto, tem-se que: os pais devem ser presentes na vida dos filhos para
não prejudicar o desenvolvimento destes; e os filhos adultos devem ser presentes na
velhice dos pais idosos para apoia-los e ampará-los. Caso este dever ser seja
descumprido, os danos causados com este incumprimento deverão ser reparados a titulo
de sanção por inobservância do preceito exposto no bojo da norma jurídica.
Vale frisar: em relação ao abandono imaterial (ou afetivo) direto, a sanção pela
inobservância com os deveres paternais é a perda do poder familiar. Já a sanção por
causar danos imateriais, por descumprir os deveres de cuidado, consistente no dever de
indenizar. Assim, esta indenização tem caráter compensatório e punitivo. Exatamente
neste sentido é que dispôs o Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
392
TJSC, Apelação Cível n. 2011.020805-7, 1ª Câmara de Direito Civil, Relator: Des. Joel Dias Figueira
Júnior, julgado em 11.08.2011.
393
PEREIRA, Rodrigo da Cunha; SILVA, Cláudia Maria. Nem só de pão vive o homem. Sociedade e
Estado., Brasília: Scielo , v. 21, n. 3, p. 667-680, Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69922006000300006&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 23. out. 2017, p. 680.
177
Por outro lado, há que se ter em mente que a aplicação da sanção desestimula a
prática do abandono imaterial (ou afetivo) pelos pais em relação aos filhos e destes em
relação aqueles justamente na fase em que mais precisam: na infância, adolescência e
velhice. Ou seja, a condenação no dever de indenizar tem, ainda, a função pedagógica
de evitar a prática de novos abandonos. A este respeito, Theodureto de Almeida
Camargo Neto, ao tratar sobre o abandono afetivo direto, ensina:
Ainda que, à primeira vista, possa parecer repulsiva a troca do afeto pela
reparação pecuniária, não se pode perder de vista o incentivo que a simples
possibilidade de eventual indenização possa exercer no espírito do pai, ou da
mãe, recalcitrante no desempenho de seus misteres, nem a enorme vantagem
que disso certamente resultará para os filhos 394.
394
CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In: Grandes
Temas de Direito de Família e das Sucessões. SILVA, Regina Beatriz Tavares da; CAMARGO NETO,
Theodureto de Almeida (coords.). São Paulo: Saraiva, 2011, p. 29.
178
5. CONCLUSÃO
Ainda que a apresentação de laudo psicológico possa atestar alguns dos mais
diversos danos aos filhos por consequência do abandono imaterial, não há como deixar
de observar a evidente mácula interna que a sensação de ser rejeitado pelo próprio pai
ou mãe causa. Esta rejeição configura violência psicológica, pois renega não só o
direito, mas a necessidade do(a) filho(a) em ser cuidado. Por esta razão, é que há o
entendimento – minoritário – na jurisprudência de que é presumível o dano (in re ipsa)
moral decorrente do abandono imaterial.
Analisados os deveres referentes ao poder familiar – os quais exigem a
presença de ambos os pais, sejam ou não guardiões, bem como notados os danos
decorrentes do descumprindo das obrigações paternais de cuidado, a resposta advinda
com a lógica do ordenamento jurídico é o dever de indenizar.
Vale destacar: a consequência do descumprimento dos deveres inerentes ao
poder familiar é a suspensão ou extinção deste. Já a resposta consequente aos danos que
advêm do aludido inadimplemento é o dever de, aquele que deu causa ao dano, arcar
com indenização.
Seguindo a mesma lógica, porém percorrendo caminho inverso, concluímos
pelo dever do(a) filho(a) suportar valor a título de indenização quando abandonar
imaterialmente os pais idosos e causar danos a estes.
Os danos decorrentes do abandono imaterial inverso também são verificados
por meio da interdisciplinaridade com estudos da psicologia, bem como com pesquisas
que apontam a difícil e dolorosa realidade de muitos idosos abandonados
imaterialmente.
Conforme exposto neste trabalho, a preocupação com a negligência e abandono
com os idosos é mundial e reflete nas tentativas das Organizações das Nações Unidas
(ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) em alertar sobre a necessidade de
efetivo amparo aos idosos. No Brasil, diversas pesquisas apontam: os que mais violam
os direitos dos idosos são os próprios filhos, e as violações com maior incidência são a
negligência e a violência psicológica.
O abandono afetivo dos pais idosos é uma forma de negligência, que se
configura pela ausência dos filhos relacionada a questões imateriais. Segundo estudo
sociológico apontado no presente trabalho, o abandono imaterial decorrente da falta de
convivência familiar é a pior forma de abandono enfrentada pelos idosos.
181
beijo ou amor. O cuidado, por sua vez, contempla intrinsecamente a não demonstração
da falta de amor ou da rejeição. Exige-se a presença para possibilitar o cuidado; e quem
cuida não demostra que não ama, ainda que assim seja. No bojo do trabalho são
apresentadas hipóteses pragmáticas concretas a corroborar com esse entendimento. Por
outro lado, se os pais forem presentes, mas rejeitarem expressamente os filhos, também
deverão ser condenados. É a hipótese de devolução do adotado ou tentativa de
‘desadoção’, a qual já ensejou julgados condenando os pais a indenizarem os danos
morais resultantes.
Neste ponto, o questionamento que surgiu foi em relação ao dever ou não de o
pai ou mãe socioafetivo indenizar os danos por abandono imaterial do(a) filho(a)
afetivo(a). A conclusão a este respeito foi o da incidência da responsabilidade civil, vez
que a codificação atual iguala a paternidade biológica à paternidade por adoção e à
paternidade socioafetiva. Assim, a regra a ser aplicada deve ser a mesma para todos os
casos.
Existe também a hipótese de pais que tratam o infante, sem filiação, como se
fosse filho, e exercem todos os atos como se pai ou mãe fosse sem, contudo, averbar a
paternidade no registro civil do menor. Diante deste cenário, questionou-se a respeito da
possibilidade de condenar esses ‘pais’ caso, posteriormente, abandonem a prole. Nosso
entendimento foi o de que tal quadro configuraria clara afronta à boa-fé objetiva – vez
que os ‘pais’ cativam livremente a criança para depois a abandonar – e deve ensejar o
dever de indenizar assim como nas hipóteses de tentativa de ‘desadoção’ ou de ruptura
injustificada das negociações preliminares, em que incide a responsabilidade civil pré-
contratual por descumprimento da boa-fé objetiva.
No que concerne ao abandono imaterial inverso, escassa é a jurisprudência
sobre o tema. Mencionou-se no trabalho ação pleiteando reparação por danos
decorrentes de abandono material e ‘afetivo’ de mãe idosa, cuja decisão negou o pleito
referente à omissão ‘afetiva’, por entender que a condenação pecuniária não substituiria
os laços afetivos rompidos. A decisão, ao nosso entender, pareceu expor entendimento
semelhante ao proferido por aqueles que negavam a possibilidade de indenização por
dano moral, além de não ter mencionado os deveres de cuidado impostos legalmente.
Por outro lado, apontamos decisão em que é citado expressamente o dever de os filhos
ampararem os pais idosos; em razão desta obrigação foi deferido pleito de professor por
redução de carga horária (e de salário) a fim de possibilitar o cuidado do pai idoso.
183
A questão que surgiu nesta fase foi sobre a possibilidade ou não de pai que
abandonou a prole criança ou adolescente, exigir que esta – quando estiver adulta –
cuide do genitor idoso. A resposta encontrada foi a de inexigibilidade, pois assim como
o procedimento indigno afasta a obrigação de custeio de alimentos, a atitude indigna de
rejeição da prole coíbe a exigência de que esta ampare imaterialmente aquele que
outrora o abandonou.
Por fim, verificou-se, no bojo da dissertação, a existência da função
compensatória e também sancionadora da responsabilidade civil. Aquela é configurada
pelo escopo em reparar o dano causado. Já esta se constitui com o dever do causador do
dano em suportar a indenização; este dever é a sanção imposta pelo ordenamento
jurídico como resposta ao descumprimento normativo e a inobservância do preceito de
não causar dano a outrem.
A conclusão final é de que a fórmula para analisar a incidência ou não do dever
de reparar os danos causados por abandono imaterial está no fundamento basilar da
responsabilidade civil, qual seja, o de não lesar a outrem (neminem laedere). Assim,
aquele que tem o dever de ser presente, o deve ser. E se, por alguma razão de foro
íntimo, tiver dificuldades para adimplir com sua obrigação de ser presente (e então
cuidar), deve buscar tratamento psicológico a fim de evitar causar dano ao outro e
acabar por compelir este a ter que efetivar o tratamento médico que aquele que
abandonou não realizou. Se este cuidado não for tomado e o dano se configurar, deverá
incidir o dever de indenizar.
Não se poderá falar em abandono afetivo, contudo, caso a rejeição parta
daquele que deve ser cuidado. Isto porque, nesta hipótese não há omissão por aquele
que deve ser presente e pratica atos comissivos em busca da convivência. Não há
abandono, há impossibilidade de convivência por rejeição do menor ou do idoso.
Por outro lado, caso a ausência seja resultante de ato de outrem (como nas
hipóteses de alienação parental), aquele que tem o dever de cuidar (e, para isso, precisa
ser presente) deve buscar meios para cessar o ato do outro que impede a presença na
vida do filho. Há, inclusive, hipóteses de julgados aplicando astreintes (multa diária
cominatória) para compelir o guardião alienante a levar o filho para as visitas com o
outro genitor. O que não se pode admitir é a total omissão, com a desculpa de que o
abandono imaterial se dava por atitude impeditiva de outrem, sendo que nada era feito
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184
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