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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:
Críticas e Propostas de Ordem Dogmática
e Político-criminal

Doutorado em Direito

São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:
Críticas e Propostas de Ordem Dogmática
e Político-criminal

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em
Direito sob a orientação do Prof.
Dr. Guilherme de Souza Nucci.

São Paulo
2016
iii

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção:
Críticas e Propostas de Ordem Dogmática
e Político-criminal

Banca Examinadora

____________________________________

____________________________________

____________________________________

____________________________________

____________________________________
iv

Ao sr. Irineu Laufer, homem de


caráter, exemplo de ser humano e
pai maravilhoso.
v

Agradecimentos

Este trabalho não seria viável sem a intervenção de tantas e tantas


pessoas que gentilmente me auxiliaram, me apoiaram, me suportaram e me
acolheram. Estou ciente de que ao nominá-las corro o risco de esquecer
alguns nomes, mas deixarei aqui anotado, desde já, o meu pedido de
desculpas por eventuais falhas.
Agradeço às seguintes pessoas a gentileza, o apoio e a amizade:
Daniel Montoya, José Planelles Gil, João Cláudio Mussi de Albuquerque,
Gustavo Cestari Ravedutti, Enrico Batista da Luz, Luiz Henrique Costa
Bonamin, Bruno Costa Bonamin, Fernando Pessôa Weiss, Guy Ubirajara
Meyer, Cassio Luiz Wollman Meyer, Cheiene Meyer, Paulo André Lopes,
Luciana Metzer Lopes, Miguel Angelo Fabro, Cristiano Solak, Fernanda
Metzer Solak, Mauricio Cararo, Lidiane Cararo, Samuel Berger, Viviane
Berger, Luiz Renato Brand, Hassan Annan, Cassiano Prado, Liguaru Espirito
Santo Neto, Flavia Trevizan, Maria Francisca Accioly Fumagalli, Adriano
Bretas, Juliana Colle Bretas, Guilherme Brenner Lucchesi, Tracy Reinaldet,
Marlus H. Arns de Oliveira, Francisco Assis Monteiro Rocha Junior, Luiz
Antonio Câmara, Décio Franco David, Bibiana Fontella, Camila Forigo,
Gustavo Bitencourt, João Rafael de Oliveira, Augusto Assis, Alaor Leite,
Heloisa Estellita, Edward Rocha de Carvalho, Paulo Busato, Alexandre
Ramalho de Farias, Jacson Zilio, Marina Egydio de Carvalho, Sylvia Chaves
Lima, aos amigos e colegas professores da PUCPR, bem como à Direção da
Escola de Direito e ao Decanato da Escola de Direito.
Aos colegas do curso de doutorado da PUC-SP fica aqui meu
registro de agradecimento e sincera admiração.
Agradeço igualmente:
Às minhas amigas Carla Domenico e Ana Lúcia Penón Gonçalves,
por estarem ao meu lado, pela confiança e pela amizade.
Ao amigo Eversong Paulo Zuba, um verdadeiro guerreiro, homem
sábio, bom e competente, fica aqui o meu muito obrigado, ainda que seja
pouco por tudo o que já fez por mim.
vi

Aos amigos Benjamin Lins de Barros Lemos, Tiffany Lins de Barros


Lemos, Érico Hack, Carolina Hack, Otávio Hack e Augusto Hack, pela
irrestrita amizade, apoio e carinho.
Ao amigo Bernardo Strobel Guimarães, pelo companheirismo e
irrestrito apoio.
Aos amigos Luis Felipe Echeverria Nasser, Lucas Dalmolin e
Guilherme Luiz Meotti, por todo o incondicional apoio prestado a mim e aos
clientes do escritório e por acreditarem em mim.
Aos professores Dirceu de Mello, Alessandra Greco e Waléria
Garcelan Loma Garcia. Muito obrigado por compartilharem a experiência e o
conhecimento.
Ao professor Dr. Tércio Sampaio Ferraz Junior, responsável por me
fazer gostar ainda mais do Direito.
Às amigas e professoras, que muito admiro, Priscilla Placha Sá e
Renata Ceschin Melfi de Macedo, e seus respectivos esposos, Jonathan Sá e
Márcio Macedo, o meu muito obrigado, por tudo, sempre.
Ao amigo e professor Kleber Bez Birolo Candiotto, um mágico das
ideias e um filósofo de mão-cheia, pelas palavras, críticas e sugestões num
momento em que me encontrava num beco sem saída.
Aos professores Drs. Paulo Amador da Cunha Bueno e Gustavo
Diniz Junqueira. As ponderações feitas na banca de qualificação foram de
enorme valia para a conclusão e apresentação desta tese.
Ao Departamento de Direito Penal da Universidade de Salamanca,
agradecimento este que faço na pessoa do Prof. Dr. Eduardo A. Fabian
Caparrós, pela gentil e imediata acolhida e, em especial, por todo o acervo
bibliográfico compartilhado.
Ao IBCCRIM por todo o apoio bibliográfico, agradecimento este que
faço nas pessoas de suas talentosas e prestativas bibliotecárias.
Ao meu querido e atencioso orientador, Professor Dr. Guilherme de
Souza Nucci, pelo apoio incondicional, pelos valiosos e inestimáveis
ensinamentos, pela oportunidade, por ter acolhido um forasteiro, pela
sinceridade; se já o admirava como profissional e notável estudioso, passei
vii

também a admirá-lo como um ser humano gentil e que só faz o bem a quem o
cerca.
Para todos os familiares que tanto torceram por mim e me
apoiaram, o que faço na pessoa do tio Jorge Brunetta.
Aos meus pais, sr. Irineu e sra. Geni, toda e qualquer palavra ou
agradecimento sempre ficará por demais distante do justo e do adequado.
Desde o meu nascimento até hoje nunca me deixaram faltar nada, de comida
a carinho, de educação a amor, de atenção a caráter, muito embora isso
tenha sido feito mediante inúmeros sacrifícios pessoais. Sorte, destino ou
merecimento meu, pouco me importa. A verdade é que meu amor e minha
gratidão por eles são irrestritos e incondicionais. Ao meu pai, um
agradecimento adicional pela gentileza de revisar este trabalho.
Para a minha família querida, meu núcleo, meu ponto de apoio,
minha base, minha fortaleza, Felipe, Flavia, Liz, Martina, Christian, Lorraine,
Ivan, Maria, Eduardo, Vanessa, Luana e Marina. Perdoem-me a ausência, a
falta de tato, de carinho e de tempo. Fica aqui o meu agradecimento por todo
o apoio recebido durante o longo tempo dedicado à conclusão deste estudo.
E, em última instância e em caráter absoluto, o meu agradecimento
para a Handressa Karine Dallolmo Laufer, a apaixonante, linda e incrível
mulher que me tornou o homem mais feliz do mundo. Não existem palavras
para agradecer o seu amor, a sua compreensão, o seu incondicional apoio e
a sua cumplicidade.
viii

Resumo

Daniel Laufer

O Delito de Corrupção: Críticas e Propostas de Ordem Dogmática e


Político-criminal

O presente trabalho pretende realizar a releitura de aspectos


típico-dogmáticos e de política criminal a partir da identificação da
imparcialidade do servidor público a ser tutelado nos delitos de corrupção
ativa e passiva, inclusive com propostas de alteração legislativa sobre o
tema. A qualidade e a quantidade dos crimes praticados contra a
administração pública em território brasileiro, notadamente a corrupção,
acompanhados de legislação desatualizada, justificam sobremaneira esta
investigação teórica. O estudo foi permeado pela análise das doutrinas
brasileira e estrangeira, extraindo-se as consequências úteis à pesquisa que
foi desenvolvida a partir da fixação de algumas premissas conceituais e da
análise do momento atual da corrupção dentro e fora do Brasil. Em seguida
foi estipulado o <<princípio da imparcialidade do servidor público>> como o
bem jurídico a ser tutelado pelas figuras de suborno ativo e passivo. A partir
daí foi possível não só criticar a legislação brasileira como também realizar
uma releitura dos delitos previstos nos artigos 317 e 333 do Código Penal,
inclusive apontando nova redação aos tipos penais, a partir de algumas
constatações sobre a lei brasileira, tais como a indevida criminalização da
corrupção passiva, a necessidade de manutenção do ato de ofício como
elemento dos tipos de suborno e a desproporcionalidade das penas
cominadas. Considerando, por fim, a atrofia da política criminal brasileira
direcionada à corrupção, também foram analisadas as estruturas das
medidas cautelares pessoais, das medidas cautelares reais, da colaboração
premiada, da organização criminosa, dos crimes hediondos e do criminal
compliance, que, se devidamente aplicadas e interpretadas, podem reverter
em benefícios para a correta aplicação da norma penal sobre a corrupção.

Palavras-chave
Direito penal
Corrupção
Suborno
Crimes praticados contra a administração pública
Criminal compliance
ix

Abstract

Daniel Laufer

The Offense of Bribery: Criticisms and Proposals of Dogmatic Order and


Criminal Policy

This present work intends to perform a new reading of typical-


dogmatic aspects and criminal policy starting from the identification of public
administrators impartiality to be protected in active and passive corruption
offenses, including proposals for legislative alterations on the subject. The
quality and quantity of crimes against the public administration in Brazil,
notably corruption, accompanied by outdated legislation, greatly justify this
theoretical investigation. The study was permeated by the analysis of Brazilian
and foreign doctrines, extracting the consequences from it, useful to the
research that has been developed from the establishment of some conceptual
assumptions and analysis of the present situation of corruption within and
outside Brazil. Following this, the <<imparciality principle concerning public
administrators>> was stipulated as the legal right to be protected by active
and passive bribery figures. From this point it was possible not only to criticize
the Brazilian law but to reinterpret the offenses set forth in Articles 317 and
333 of the Penal Code, as well as pointing out a new vocabulary to criminal
types, taking them from some observations on the Brazilian law, such as the
improper criminalization of passive corruption, the need to maintain the official
act as an element of bribery types and the disproportion of the stipulated
penalties. As a final consideration, the atrophy of the Brazilian criminal politics
aimed at the corruption, the structures of the personal precautionary
measures were also analyzed, as well as those of real precautionary
measures, of award-winning collaborations, of criminal organizations of
heinous crimes and criminal compliance, which, if properly applied and
interpreted, could benefit to the correct application of the criminal law on
corruption.

Keywords
Criminal law
Corruption
Bribery
Crimes against public administration
Criminal compliance
x

Sumário
Agradecimentos .............................................................................................. v
Resumo ........................................................................................................ viii
Abstract .......................................................................................................... ix
INTRODUÇÃO. ............................................................................................... 1
1. MOMENTO ATUAL. CONCEITO. TRATADOS INTERNACIONAIS. CAUSAS
E CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO. ....................................................... 5
1.1. O conceito de corrupção. ............................................................................. 5

1.1.1. O conceito léxico-semântico. ................................................................. 6

1.1.2. O conceito doutrinário. ........................................................................... 7

1.1.3. Tomada de posição. ............................................................................ 10

1.2. Breve histórico da corrupção, com ênfase ao Brasil. ................................. 11

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual. .................................................... 18

1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância


para a corrupção............................................................................................ 19

1.3.2. Alguns aspectos de crise do Estado atual. .......................................... 27

1.3.3. O enfrentamento global da corrupção. Por que agora? ....................... 31

1.3.4. Tratados internacionais........................................................................ 38

1.4. As apontadas como principais causas e consequências da corrupção. .... 49

1.4.1. Causas................................................................................................. 49

1.4.1.1. Especial referência ao Estado Brasileiro. ...................................... 56

1.4.2. Consequências. ................................................................................... 61

1.5. A corrupção e o delito de corrupção. O recorte necessário à analise do


tema. ................................................................................................................. 66

2. OS TIPOS PENAIS DE CORRUPÇÃO EM SENTIDO ESTRITO NA


LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL.
..................................................................................................................... 72
2.1. Breve histórico. .......................................................................................... 72
xi

2.2. Legitimidade da tutela penal. O bem jurídico tutelado nos delitos de


corrupção em sentido estrito. ............................................................................ 76

2.2.1. Premissas. ........................................................................................... 76

2.2.2. O bem jurídico tutelado por meio do delito de suborno........................ 79

2.3. Posicionamento.......................................................................................... 91

3. A ESTRUTURAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E


PASSIVA NO DIREITO BRASILEIRO. .......................................................... 96
3.1. A estrutura típica dos delitos de corrupção ativa e passiva........................ 96

3.1.1. O aspecto real e o aspecto jurídico dos delitos de corrupção ativa e


passiva........................................................................................................... 97

3.1.2. A ausência de obrigatória bilateralidade entre os delitos de corrupção


ativa e passiva. .............................................................................................. 99

3.1.3. A possível bilateralidade de algumas condutas. .................................102

3.2. Tomada de posição. As consequências do modelo unilateral adotado pelo


direito brasileiro. ...............................................................................................104

3.2.1. Tipos penais independentes. ..............................................................104

3.2.2. Atipicidade da conduta de dar ou entregar a vantagem indevida


solicitada pelo funcionário público. ...............................................................105

3.2.3. Ato de ofício como elemento típico apenas está presente na corrupção
ativa. .............................................................................................................109

3.2.4. A exigência normativa do ato de ofício para a conformação do tipo


penal de corrupção passiva. .........................................................................113

3.2.4.1. Posicionamentos favoráveis à exigência. .....................................113

3.2.4.2. Posicionamentos contrários à exigência.......................................119

3.2.5. Conclusões críticas ao inadequado modelo brasileiro e considerações


sobre eventual inovação normativa. .............................................................123

3.2.5.1. Conclusões críticas.......................................................................123

3.2.5.2. Considerações sobre a criação de tipos privilegiados de corrupção


ativa e passiva. ..........................................................................................133
xii

3.3. O ato de ofício como elemento dos tipos penais de corrupção.................142

3.3.1. Conceito..............................................................................................142

3.3.2. O grau de determinação do ato de ofício. ...........................................152

3.4. As modalidades de corrupção ativa e passiva no direito penal brasileiro.


Condutas típicas e possíveis lacunas de punibilidade. ....................................154

3.5. O sujeito ativo nos delitos de corrupção ativa e passiva. Especial atenção
ao conceito de funcionário público. ..................................................................158

3.6. A vantagem indevida como elemento dos tipos penais de corrupção ativa e
passiva. ............................................................................................................171

3.6.1. Conceito e tomada de posição............................................................171

3.7. As penas cominadas aos delitos de corrupção ativa e passiva. Natureza e


quantidades......................................................................................................181

4. MEDIDAS DE POLÍTICA CRIMINAL PARA O ENFRENTAMENTO DA


CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. ............................................................. 195
4.1. As medidas cautelares pessoais. ..............................................................195

4.2. As medidas cautelares reais. ....................................................................212

4.3. Delação premiada e o desvelamento do lado oculto da corrupção.


Possibilidades. Experiências do direito comparado. ........................................226

4.4. Organização criminosa e corrupção..........................................................241

4.5. Propostas de alteração legislativa: corrupção ativa e passiva como crime


hediondo. .........................................................................................................255

4.6. Os programas de cumprimento de normas ou compliance. O rendimento


desta categoria para os delitos de corrupção em sentido estrito. ....................262

CONCLUSÕES E PROPOSTAS. ................................................................ 276


BIBLIOGRAFIA. .......................................................................................... 284
INTRODUÇÃO.

O presente trabalho visa a releitura de aspectos típico-


dogmáticos e de política criminal a partir da identificação da imparcialidade
do servidor público como o bem jurídico a ser tutelado nos delitos de
corrupção ativa e passiva, inclusive com propostas de alteração legislativa.
Para que o objetivo do trabalho pudesse ser atingido, foram
abordados alguns aspectos conceituais no primeiro capítulo, justamente para
tornar viável o desiderato proposto. Assim, foram apresentadas algumas
definições e conceituações de corrupção, basicamente a partir da
identificação dos conceitos léxico-semântico e dogmático para, ao final, ser
apresentado um posicionamento a respeito que possibilitasse uma separação
entre conceitos de corrupção em sentido amplo e em sentido estrito e, sobre
este, se construiu o presente trabalho.
Também no capítulo primeiro foi realizado um breve histórico da
corrupção, com ênfase na história brasileira para, num segundo momento, ser
percorrida a discussão do assunto no atual contexto mundial. A apresentação
da envergadura que a corrupção assumiu na agenda mundial, o que também
redunda em analisar o motivo deste protagonismo, forçou investigar a
concepção de Estado, os aspectos da atual crise do Estado e, também, os
tratados internacionais incidentes sobre o tema. O caminho trilhado, no
capítulo inicial, igualmente analisou as principais causas e consequências do
atuar corruptivo para, ao final, realizar um recorte de modo a separar a
corrupção como fenômeno (não obrigatoriamente penal) do delito de
corrupção (este sim, penal).
O segundo capítulo cuidou, além de elencar um breve histórico
da legislação brasileira a respeito dos tipos penais de corrupção, de fixar a
premissa maior para a construção da tese, ou seja, a identificação do bem
jurídico tutelado por meio dos delitos de suborno ativo e passivo. Sem querer
adentrar no mérito da teoria do bem jurídico, o que fatalmente faria o estudo
desbordar dos limites técnicos e científicos propostos, tratou-se de ressaltar a
importância do bem jurídico como dado fundamental para a realização
pessoal do cidadão e da coletividade e, no mesmo sentido, essencial para a
2

formatação das dimensões formal e material da norma penal. Por último, uma
vez analisados os principais posicionamentos a respeito do bem jurídico
protegido pela norma penal em casos de corrupção ativa e passiva, foi
possível estabelecer uma tomada de posição que figurasse como vetor
principal na reanálise da legislação penal e processual penal brasileiras
direcionada à corrupção em sentido estrito.
O terceiro capítulo se dedica à promoção das análises dogmática
e normativa dos tipos penais presentes nos artigos 317 e 333 do Código
Penal brasileiro. Para tanto, se iniciou pela descrição da estrutura típica dos
delitos de corrupção ativa e passiva, pelos aspectos real e jurídico dessas
estruturas, que tornou obrigatória a perquirição de eventual bilateralidade
obrigatória sobre as estruturas típicas.
A partir disso passou-se a confeccionar a leitura dos delitos que
se pretende correta, a partir da identificação de uma estrutura equivocada,
mas presente na legislação brasileira, denominada <<unilateralidade absoluta
independente>> bem como as decorrências desta estrutura que, entre outras,
incide frontalmente sobre o ato de ofício como elemento integrante (ou não)
dos crimes em análise.
No mesmo capítulo foi ainda conceituado o ato de ofício e a real
e concreta determinação deste para uma adequada interpretação das figuras
penais. Ainda a partir do prisma do bem jurídico identificado no capítulo
segundo, o capítulo terceiro tratou de demonstrar as condutas típicas e
eventuais lacunas de punibilidade no direito brasileiro, permear uma acepção
segura do sujeito ativo do delito de corrupção passiva (funcionário público)
bem como lançar olhos tanto no veículo financeiro motivador dos crimes de
corrupção (vantagem indevida) como nas respostas penais oferecidas pela
legislação brasileira.
Por fim, o quarto capítulo buscou coordenar esforços a serem
direcionados para a identificação e reanálise das medidas de política criminal
confiáveis ao enfrentamento do atuar corruptivo incrustado na administração
pública brasileira, com o cuidado para alertar que medidas eficazes ou
eficientes não podem sobrepujar as garantias indiv iduais asseguradas
constitucionalmente.
3

Como leitura integral do sistema penal repressivo que recebe do


bem jurídico <<imparcialidade do servidor público>> ao mesmo tempo seu
objetivo e limite nas categorias processuais e político-criminais, foram
analisadas as medidas cautelares pessoais, as medidas cautelares reais, a
delação premiada, a organização criminosa (conceito e crime associativo), as
propostas de tornar a corrupção ativa e passiva crimes hediondos e, por fim,
os programas de compliance e sua capacidade de rendimento ao fenômeno
da corrupção.
No primeiro subitem (4.1.) foi perpassada a categoria das
medidas cautelares pessoais, com notória ênfase na prisão preventiva. Há a
necessidade de retirar a atrofia inerente à parte das decisões jurisprudenciais
que insistem em ver na segregação da liberdade do acusado uma arma de
verdadeiro “combate” à corrupção. Pretendeu-se fixar limites para essa
prática, sempre em busca de, analisado o bem jurídico a ser tutelado,
reservar a limitação da liberdade a critérios mais seguros e concretos.
Não há como traçar a política criminal em desfavor da corrupção
sem a utilização de medidas assecuratórias de natureza processual-real, ou
seja, medidas cautelares que busquem a garantia de o responsável pelos
atos de corrupção responder efetivamente, uma vez apenado, com medidas
que o limitem e o atinjam patrimonialmente, seja em seu caráter reparador-
indenizatório ao Estado e a demais intervenientes lesados, seja em seu
caráter material-sancionador, tendo sido tais medidas reais tratadas no
subitem 4.2.
A colaboração premiada, descrita no subitem 4.3., surge
atualmente como importante ferramenta utilizada pelas agências repressoras,
em especial pela capacidade de desvelar as ocorrências de corrupção,
geralmente sigilosas. Buscou-se apontar a realidade das normas vigentes no
ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema bem como traçar alguns
filtros para a sua correta aplicação, almejando com isso que a eficiência não
dê lugar ao arbítrio, este já certamente verificado pelos operadores do Direito,
obviamente em situações pontuais.
O subitem 4.4. cuidou da integração entre os temas corrupção e
organização criminosa. A sinergia entre estes dois assuntos é tão evidente
4

que as Convenções da ONU de Palermo e de Mérida cuidaram, cada uma a


sua maneira, de ambos os assuntos, inclusive conjuntamente. O
enfretamento político criminal nesta matéria, como também em outras que
tangenciam a corrupção, é precipuamente preventivo e faz o Estado antecipar
suas barreiras de criminalização. Os delitos associativos, dentre os quais o
delito de pertencer a uma organização criminosa, bem apontam para esta
política criminal. O objetivo foi, porém, demonstrar que existem limites a
serem ponderados neste emprego de métodos preventivos, limites estes que
podem ser encontrados no objeto de tutela dos delitos associativos e na
quantidade e qualidade da repressão penal empregada.
Como há tentativa legislativa em curso para tornar hediondos os
delitos de corrupção ativa e passiva, o subitem 4.5. tratou de demonstrar a
incoerência de tal proposta, haja vista se tratar de claro intento simbólico e de
emergência penal, que nada trará de concreto ao tema a não ser a falsa
noção de tutela adequada. Procurou-se evidenciar que a crise de legalidade
incidente no Estado brasileiro não pode e nem deve proporcionar reformas
legislativas que, além da repressão desmedida e inconsequente, não fazem
mais do que confirmar a incapacidade de o Estado administrar a coisa pública
e diminuir as ocorrências de corrupção a níveis satisfatórios sem que, para
isso, tenha que recorrer obrigatoriamente ao recrudescimento das sanções de
natureza criminal.
Por fim, o subitem 4.6. apresentou os programas de
cumprimento, popularmente difundidos como compliance ou criminal
compliance, em especial o cunho preventivo destes e o consequente
chamamento de agentes privados para o enfrentamento dos atos de
corrupção. Tratando-se de tendência mundial, exposta em diversos
ordenamentos estrangeiros como também em organismos internacionais (soft
law), o criminal compliance assume papel preponderante no Direito penal da
corrupção, a partir do momento em que aborda aspectos de imputação penal
e de produção de provas a serem utilizadas em processos de natureza
criminal.
1. MOMENTO ATUAL. CONCEITO. TRATADOS INTERNACIONAIS. CAUSAS E
CONSEQUÊNCIAS DA CORRUPÇÃO.

1.1. O conceito de corrupção.

Afirmar que o conceito de corrupção é polissêmico, poliédrico 1 ou


multifacetado 2 é, para além de um lugar comum, um fato irretorquível.
Contudo, não há como se desobrigar de seu enfrentamento, quanto mais se
considerado o objetivo deste trabalho. Como era de se esperar, diante destas
características, um conceito unívoco e consensual daquilo que se
compreende por corrupção é tido por diversos estudiosos como inexistente. 3
Aplica-se à corrupção à analogia do elefante: difícil de definir e, ao mesmo
tempo, fácil de identificar quando se depara com um. 4
Para os cidadãos brasileiros, talvez, a definição seja ainda mais
difícil, uma vez que o Código Penal traz o tema corrupção encampado

1
GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho
penal: nuevos perfiles, nuevas respuestas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n.
81. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nov/dez 2009. p. 9.
2
Aduz Fernando FILGUEIRAS que “múltiplas práticas sociais e políticas podem ser
nomeadas como corrupção, de modo que o conceito se apresenta de forma árida aos
instrumentais da ciência política e da sociologia.” FILGUEIRAS, Fernando. Comunicação
política e Corrupção. In: Revista de Estudos Comunitários, Curitiba, v. 9, n. 19, maio/agosto
de 2008. p. 78, ao que se pode incluir que o campo árido também se espraia para a ciência
jurídica. Tal como FILGUEIRAS, vide ELLIOTT, Kimberly Ann. A corrupção como um
problema de legislação internacional: recapitulação e recomendações. In: A corrupção e a
economia global. Kimberly Ann Elliott (org.). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002;
VELASCO, Roberto. Las cloacas de la economía. Madrid: Catarata, 2012. p. 27; LASCANO,
Carlos J. Funcionarios públicos corruptos, empresarios corruptores y derecho penal. In: La
corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Cidade do México: Coyoacán, 2007. p. 95.
3
SCHILLING, Flávia. Corrupção: ilegalidade intolerável?: comissões parlamentares de
inquérito e a luta contra a corrupção no Brasil (1980-1992). São Paulo: IBCCrim, 1999. p.
44; GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción y justicia democrática. Madrid: Clamores, 2000. p. 93;
CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción en la contratación pública en Europa.
Salamanca: Ratio Legis, 2009. p. 27, sendo que para este último o problema da definição da
corrupção não se assenta em teorias incorretas, mas sim em razão de que cada teoria que
se propõe a debater tal conceito parte de um pressuposto básico distinto (ora o mercado,
ora o abuso de poder, ora a obtenção de um benefício extraposicional). CASTRO CUENCA,
Carlos Guillermo. La corrupción ..., p. 30; MILESKI, Helio Saul. O Estado contemporâneo e a
corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 344 e 345, 359.
4
Cf. ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas y consecuencias de la
corrupción: una revisión de la literatura. In: Corrupción, cohesión social y desarrollo: el caso
de Iberoamérica. Madrid: FEC, 2011. p. 21.
6

sobre as vertentes de suborno e perversão. 5 Inclusive, o fenômeno corrupção


pode ser confundido e até resumido ao tipo penal de corrupção, seja ela ativa
ou passiva (artigos 333 e 317 do Código Penal, respectivamente), providência
esta que não está amparada por correção técnica, semântica ou dogmática.

1.1.1. O conceito léxico-semântico.

Nada obstante, pode-se partir inicialmente de um ponto de vista


meramente semântico.
Deste modo, é fato que a palavra corrupção advém do termo
latino rumpere 6, que significa quebrar, romper, o rompimento de um estado de
coisas que se encontrava, até então, correto.
Na mesma toada afirma José María SIMONETTI:
“Para nosotros, el término “corrupción” procedería, en cambio, de
corrumpere. Esta es una composición lingüística que, aunque suena
parecido, se ha desarrollado a partir de la partícula cum y otra forma verbal
latina: el verbo rumpo, rumpis, rumpere, rupsi, ruptum, que literalmente
significa romper. (...) Por esa doble estructura, la expresión corromper
siempre reconoce la presencia de dos partícipes en el acto, que se
corresponden con dos espacios o esferas; el corruptor y el corrupto; la fuerza
que corrompe y aquella cosa, persona o proceso sobre el que recae y que,
7
en definitiva, es lo que se echa a perder, se pudre, se corrompe.”

Esta noção semântica da palavra pressupõe, segundo


SCHILING, a existência de determinada natureza que seria retirada, roubada
ou desviada de sua própria finalidade.
Assim, segundo a autora:
“Esta ideia supõe a existência de uma natureza que é arrebatada, retirada,
roubada, desviada, transferida de seu próprio fim. Corromper é, desta forma,

5
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes de corrupção. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 38. Tanto é
assim que o termo corrupção é trazido no Código Penal para a definição de crimes contra a
administração pública (v.g., corrupção passiva, art. 317 do Código Penal), de crimes contra
a dignidade sexual (v.g. corrupção de menores, art. 218 do Código Penal) e de crimes
contra a saúde pública (v.g., corrupção de água potável e de produtos alimentícios, arts. 271
e 272 do Código Penal).
6
Neste sentido MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción. Aspectos éticos, económicos,
políticos y jurídicos. Barcelona: Gedisa, 2002. p. 22; CARTOLANO SCHIAFFINO, Mariano J.
Aproximaciones a una teoría de la corrupción. In: Problemas actuales de derecho penal.
Gustavo Balmaceda Hoyos (coordenador). Santiago: Ediciones Jurídicas de Santiago, 2007.
p. 506.
7
SIMONETTI, José María. Notas sobre la corrupción. In: Pena y Estado. Corrupción. Año 1.
Número 1. Buenos Aires: Editores del Puerto, 1995. p. 175-176.
7

desnaturalizar, desviar uma coisa do fim para o qual naturalmente tende. No


aspecto individual, supõe-se uma natureza humana sendo desviada de seu
curso. No aspecto social, supõe-se uma sociedade com normas claras,
gerais e operantes, com as leis homogeneamente compreendidas e aceitas e
com o ato corruptor vindo a degradar o estado das coisas. Esta definição
imprime sua força nas mais diversas orientações analíticas da corrupção,
sendo dominante em estudos que seguem uma vertente “tradicional” ou
“legalista”.” 8

A definição semântica de corrupção, muito embora dê um


contexto para a discussão, não resolve por completo a questão em torno do
conceito do termo corrupção.

1.1.2. O conceito doutrinário.

Dessarte, dentro de um grande universo de definições


conceituais, há três que muito se aproximam sobre o que pode ser entendido
por corrupção em sentido amplo. Trata-se das definições trazidas por Ernesto
GARZÓN VALDÉS, por Jorge F. MALEM SEÑA e por Joaquín GONZÁLEZ.
Ernesto GARZÓN VALDÉS apresenta a corrupção como “la
violación limitada de un obligación por parte de uno o más decisores con el
objeto de obtener un beneficio personal extraposicional del agente que lo(s)
soborna o a quien extorsiona(n) a cambio del otorgamiento de beneficios para
el sobornante o el extorsionado que superan los costes del soborno o del
pago o servicio extorsionado.”9
Por sua vez, Jorge F. MALEM SEÑA concebe a corrupção como
sendo os atos “que constituyen la violación, activa o pasiva, de un deber
posicional o del incumplimiento de alguna función específica realizados en un
marco de discreción con el objeto de obtener un beneficio extraposicional,
cualquiera sea su naturaleza.”10
Já Joaquín GONZÁLEZ define prática corrupta como “toda
acción u omisión tendente a obtener una ventaja ilícita de cualquier
naturaliza, ya sea para sí o para otro, llevada a cabo con violación de un
8
SCHILLING, Flávia. Corrupção ..., p. 45.
9
GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto de corrupción. In: La corrupción. Virgilio Zapatero
(compilador). Cidade do México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 23.
10
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción …, p. 35.
8

deber jurídico por quien se halla en una posición singular, y de la cual se


deriva un perjuicio efectivo para tercero o el riesgo de su producción.”11
A mera leitura dos conceitos acima não evidencia os
pressupostos básicos da corrupção. Urgem, pois, algumas explicações
posteriores, em especial sobre os fatores determinantes desta conceituação
assim expostos: violação de um dever posicional, sistema normativo de
referência, inexistência de correlação imediata com o Direito Penal, obtenção
de benefício adicional ao já obtido pelo agente em sua posição e a existência
de sigilo e discrição nas práticas corruptas.
Assim é que um ato de corrupção redunda na violação de um
dever posicional, dever este retirado de uma especial posição ostentada por
determinada pessoa. Tal violação pode ocorrer de forma ativa ou passiva e
também entre agentes públicos e privados.12
Segundo GARZÓN VALDÉS os deveres posicionais se
distinguem dos deveres tomados por naturais:
“4. Los deberes posicionales deben ser distinguidos de los llamados deberes
naturales. Estos valen para todos y con respecto a todos los individuos, sin
que importe el papel social que ellos desempeñen. De estos deberes se
ocupa la “moral natural”. En cambio, aquéllos se adquieren a través de algún
acto voluntario en virtud del cual alguien acepta asumir un papel dentro de un
sistema normativo; su ámbito de validez está delimitado por las reglas que
definen la posición respectiva. La moral que se ocupa de los deberes
13
posicionales suele ser llamada “moral adquirida”.

Em seguida é passível de se apontar que a corrupção demanda


um sistema normativo que lhe sirva de referência. 14 Textualmente MALEM
SEÑA pontifica que “la noción de corrupción es parasitaria de un sistema
normativo.” 15 E tal sistema – aqui considerado como “todo conjunto de regras
que – em cada caso concreto – regulam uma prática social” 16, pode ser de
ordem ética, jurídica, econômica, desportiva ou política e, inclusive, tocar
mais de uma destas ordens.

11
GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción …, p. 104.
12
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 32; GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción …, p.
103 e 104.
13
GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 15.
14
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33; GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto
..., p. 14.
15
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33.
16
GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 14.
9

A relação entre violação de um dever imposto por determinado


sistema normativo referencial outorga a obrigatoriedade de vigência e
observância de tal sistema normativo. A conclusão a que se chega sobre um
determinado comportamento corrupto demanda, sem dúvida, a existência de
um sistema normativo vigente e cujas regras sejam observadas pelas
pessoas por ele atingidas. Do contrário, se as práticas corruptas se tornam a
regra e não mais a exceção não se teria um sistema normativo apto a
desnudar as práticas corruptas daquelas que não o sejam. 17
De outro canto, a corrupção e os atos derivados dela nem
sempre se associam a algum ilícito jurídico-penal. 18 A escolha de quais atos
de corrupção serão tomados como delitos em sentido estrito, como infrações
administrativas ou até como atos lícitos do ponto de vista jurídico é, como se
sabe, privativa do legislador. 19
O acima denominado benefício extraposicional, ou seja, um
benefício adicional à posição ostentada por determinado agente público ou
privado, se apresenta como a quarta característica ínsita ao conceito de
corrupção. Grosso modo pode-se afirmar que os atos de corrupção estão
vinculados à obtenção de tal benefício, o qual, se por um lado em regra de
natureza econômica, também poderá ser de índole política, sexual,
profissional, moral, entre outras. 20
Neste pormenor reside um aspecto relevante. Se o objetivo da
prática corrupta envolve a obtenção de um benefício não programado e,

17
GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción y justicia ..., p. 95. Da mesma forma GARZÓN VALDÉS,
Ernesto. El concepto ..., p. 22 e 23.
18
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33. Em idêntico sentido, mas ressaltando o
caráter residual do direito penal, vide DÍAZ Y GARCIA CONLLEDO, Miguel. El derecho
penal ante la corrupción política y administrativa. In: La corrupción. Virgilio Zapatero
(compilador). Cidade do México: Ediciones Coyoacán, 2007. p. 118.
19
A exemplo do que ocorre nas distinções entre a lei de improbidade administrativa (Lei n.
8429/92) e as figuras típico-penais de corrupção presentes no Código Penal. Sobre a
diferença entre a sanção administrativa e a sanção penal vide, em sentido obrigatório,
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. 3ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2013. p. 192 a 197. Sob a racionalidade das leis penais vide DÍEZ
RIPOLLÉS, José Luis. A racionalidade das leis penais: teoria e prática. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005 bem como AROCENA, Gustavo. La racionalidad de la actividad
legislativa penal como mecanismo de contención del poder punitivo estatal. In: Política
criminal, Talca, n. 6, A 1-6, pp. 1-15, 2008, disponível em
www.politicacriminal.cl/n_06/a_1_6.pdf, acesso em 27 de outubro de 2014, às 23h05min.
20
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 33; GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto
..., p. 16 e 17.
10

assim, adicional, o corrupto se encontra em um conflito de motivações e


interesses, eis que “el corrupto suele desear conservar su posición en el
sistema, ya que es ella la que permite obtener tanto la remuneración regular
como la ganancia adicional.” 21
Por fim, a corrupção tende a desenvolver num marco de segredo,
sigilo e discrição. 22 Tal característica é um tanto óbvia ante a corrupção
revelar o descumprimento de um dever – trazendo consigo o signo de
deslealdade – isto é, a quebra de uma obrigação que poderá trazer
consequências àquele que assim proceder.

1.1.3. Tomada de posição.

Ora, do ponto de vista de ocorrência fática ou fenômeno, a


corrupção realmente se enquadra nas definições acima retratadas, mais
especificamente com as seguintes características:
(i) o exercício do poder público em benefício próprio, desviando-
o de suas finalidades, é tão antigo quanto a própria existência da
sociedade23, de modo que são inúmeras as abordagens conceituais para a
definição da corrupção;
(ii) o fenômeno da corrupção não resulta em plena identificação
com figuras típicas do ponto de vista penal 24; pelo contrário, não existe um
delito de corrupção (muito embora exista problema 25 de definição linguística
na legislação brasileira a ser explicada mais a frente), mas sim no conceito
amplo de corrupção se inserem condutas que, podendo ou não vulnerar

21
GARZÓN VALDÉS, Ernesto. El concepto ..., p. 19. Adiciona o citado autor: “Dicho con
otras palabras: el problema práctico con el que se ve enfrentado el corrupto es el de cómo
conciliar la existencia simultánea del sistema normativo relevante y del subsistema de
corrupción que tan provechoso le resulta.” El concepto ..., p. 20.
22
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción..., p. 34.
23
GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y derecho
penal: …, p. 11.
24
Cf. CARTOLANO SCHIAFINO, Mariano. J. Aproximaciones …, p. 538.
25
Bem apontado também por SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>. Teoria e riforma
dei delitti di corruzione pubblica. Milano: Giuffrè, 2003. p. 03, oportunidade em que alerta
para tal ocorrência igualmente na legislação e realidade italianas.
11

interesses penalmente protegidos 26, acabam por desfigurar finalidades


institucionais para que se privilegiem interesses particulares 27;
(iii) isso posto, torna-se possível estipular a diferença entre
corrupção como fenômeno social e normativo (corrupção lato sensu) e
corrupção como delito; e, dentro do âmbito penal, os diversos delitos de
corrupção, dentre eles os delitos de corrupção ativa e passiva (corrupção
strictu sensu);
(iv) a essência do conceito da corrupção lato sensu reside na
conduta de determinada pessoa que, vinculada normativamente com
interesses alheios, públicos ou privados, os descumpre em detrimento de
interesses particulares, próprios ou de terceiros 28.

1.2. Breve histórico da corrupção, com ênfase ao Brasil.

“A corrupção é um traço distintivo das sociedades humanas ao


largo do tempo e do espaço, sendo muito numerosos os casos que
corroboram esta afirmação.”29 Esta afirmação de Roberto VELASCO resume
a certeza de que a corrupção acompanha o homem30 a tal ponto de poder se
afirmar que a corrupção sempre infligiu a vida em sociedade, de modo que a
análise historiográfica da corrupção daria azo a uma sede própria de
investigação e discussão.

26
KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos de la corrupción punible el en Estado, la economía y la
sociedad. Los delitos de corrupción en el Código penal alemán. In: Política criminal, Talca,
n. 3, A1, disponível em http://www.politicacriminal.cl/n_03/a_1_3.pdf, p. 2, acesso em 25 de
novembro de 2015, às 00h33min.
27
QUERALT, Joan J. Reflexiones marginales sobre la corrupción. In: Revista Crítica Penal y
Poder, Observatorio del sistema penal y los derechos humanos, Barcelona, n. 02, 2012. p.
22.
28
Cf. CARTOLANO SCHIAFFINO, Mariano. J. Aproximaciones …, p. 537.
29
VELASCO, Roberto. Las cloacas …, p. 27. Tradução livre. No mesmo sentido COSTA,
António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção. Coimbra: Coimbra Editora, 1987.
p. 05; PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 3. 5ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 469.
30
ACOSTA, Alberto. Prólogo a la obra Corrupción, corregida y aumentada de José María
Tortosa. Barcelona: Icaria Editorial, 2013. p. 5 e 7. Categoricamente Edmundo OLIVEIRA: “A
verdade é que, desde que o mundo é mundo, os homens de bem lutam consigo mesmos
para extirpar de si o micróbio da corrupção moral, e as sociedades organizadas lançam mão
de todos os meios possíveis para erradicá-lo.” Crimes de corrupção. Rio de Janeiro:
Forense, 1991. p. 02. De igual forma ACOSTA, Alberto. Prólogo …, p. 07-08.
12

Neste trabalho é despiciendo ir tão longe. Basta referenciar


fatos, acontecimentos e momentos históricos primordiais (com destaque ao
Brasil) – associados às normas penais então em vigor – para lançar-se uma
das premissas deste trabalho, qual seja o motivo do porquê e do agora (item
2.3. infra) da corrupção bem como apoiar-se na história das “organizações
institucionais, legislativas, judiciais, dentre outras, que se revelaram como
fomentadoras de práticas corruptas no passado e, assim, vislumbrar linhas
orientativas para alterações da realidade presente.”31
Deste modo, a corrupção não ocupava espaço normativo no
Código de Hamurabi, no Egito, nem tampouco para os hititas e para os
hebreus.32 Já para os gregos, em que pese tenha ocorrido um tratamento
jurídico mais acurado, tampouco a corrupção ocupava lugar de maior
destaque. Menciona Edmundo OLIVEIRA:
“A partir da fase clássica, houve três tipos de delitos de funcionários contra a
administração pública:
a) o peculato (Klopês);
b) a corrupção (Dóron);
c) o abuso de autoridade (Ádikía).
Klopês é nome genérico dos crimes contra o patrimônio; Dóron significa
dádiva e corresponde à corrupção de funcionário público, ativa ou passiva;
Ádikía, em sentido genérico, é injustiça; no caso específico é o abuso de
autoridade.
Esses nomes provinham da denominação conferida às ações populares
(Graphè) concedidas aos cidadãos em cada caso. Graphè klopês, Graphè
dóron, ádikía. Essas ações eram facultadas não propriamente como um
direito subjetivo público, mas como arma de defesa da pólis (cidade, no
sentido de Estado).
Mais tarde aparece um delito específico de corrupção dos juízes e a
33
respectiva ação (graphè dekasmou). Dekasmós significa suborno.”

Foi em Roma, mais precisamente na fase do Império 34, que a


corrupção obteve, nas palavras de Edmundo OLIVEIRA, “tratamento

31
COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção na história do Brasil: reflexões sobre suas
origens no período colonial. In: Temas de Corrupção & Compliance. Alessandra Del Debbio,
Bruno Carneiro Maeda e Carlos Henrique da Silva Ayres (coordenadores). São Paulo: Rio
de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 02.
32
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 05 a 15; LIVIANU, Roberto. Corrupção e direito penal.
Um diagnóstico da corrupção no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 34-36.
Obrigatória é a menção à obra Subornos de NOONAN JR. John T. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1989, p. 3 a 37, oportunidade em que faz a análise histórica do tema entre os anos
de 3000 a.c. e 1000.d.c.
33
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 17 e 18.
34
COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 07.
13

exaustivo”.35 Ao combate do declínio dos costumes foram paulatinamente


surgindo as leis contra a corrupção. O ponto de partida tinha a natureza de
ação civil e não penal. Seriam os repetundae, e que tinham por objetivo
oportunizar a repetição dos valores e bens apropriados pelos corruptos. 36
Seguiram-se a Lei Calpurnia (L. Calpurnio Pisão), a Lex Acilia
(C. Gracchus) e a Lex Servilia (C. Servilius Glaucia). Contudo, “só na época
imperial o crimen repetundarum ganhou verdadeira natureza pública,
ocasionando a aplicação de autênticas sanções penais, como o banimento, a
confiscação do património ou a pena de morte.”37
Como características38 do sistema romano imperial de combate à
corrupção pode-se destacar:
a) um espectro de punibilidade maior do que ao que hoje se
entende por suborno, ou seja, abrangendo as figuras atualmente conhecidas
por corrupção, concussão e até peculato;
b) o caráter preventivo daquele sistema, muitas vezes “recuando
a punição para hipóteses onde se verificava o simples <<perigo>> de
violação do bem jurídico em causa, ou estabelecendo presunções iure et de
iure no tocante à respectiva prova”;
c) uma autonomização do delito de concussão (concussio),
“abrangendo casos de dádivas ou promessas de dádivas conseguidas
mediante intimidação ou abuso dos poderes conferidos pelo cargo”;
d) a ausência de uma definição clara – ao contrário do que
ocorreu com a concussão – das condutas de corrupção, a qual “não surgia
diferenciada no direito romano, antes se confundindo com a aceitação de
donativos globalmente considerada”;
e) a proibição de atividades lucrativas por parte dos funcionários
diante da matriz preventiva adotada pelo aludido sistema.
A influência romana para os futuros regimes europeus foi
notória 39 e, a exemplo do preconizado por Antonio Manuel de Almeida

35
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 18.
36
Vide, neste sentido, OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 21 e 22; COSTA, António Manuel
de Almeida. Sobre o crime ..., p. 07.
37
COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 08 e 09.
38
Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 09 a 12.
39
Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção ..., p. 13.
14

COSTA, pode-se, ainda mais se considerado o breve escorço histórico aqui


pretendido, analisar as ordenações portuguesas que diretamente incidiram
nos fatos ocorridos no Brasil a partir do ano de 1500.
Não há dúvida de que o estudo jurídico-penal mais profundo
sobre a história da corrupção no Brasil seja o desenvolvido por Sérgio HABIB
em sua obra intitulada “Brasil: quinhentos anos de corrupção”.40 Muito embora
realize, como o próprio subtítulo de sua obra indica (enfoque sócio-histórico-
jurídico-penal), análises de outra ordem, o aspecto histórico é deveras bem
apontado e desenvolvido, abarcando os estágios da história brasileira:
Colônia, Império e República.
No Brasil-colônia a corrupção se associa, isto é, deriva das
dificuldades que a Metrópole possuía em coordenar e administrar a colônia,
seja pela forma de controle empregada, seja pelos motivos e objetivos da
colonização, seja pela ausência de vinculação política, social e moral dos
portugueses que vieram ao Brasil para desenvolver as atividades de
colonização. 41
As normas penais atinentes à corrupção durante o período
colonial estavam contidas nas ordenações Filipinas 42. Assim, regras existiam.
Em que pese a existência de tais regras, de acordo com HABIB, tamanha era
a avidez e o intuito de lucro fácil com que chegavam os portugueses a ocupar
a colônia que as situações envolvendo a corrupção cresciam
vertiginosamente. 43
Alguns fatores sugestionavam a ocorrência da corrupção na
etapa colonial. Veja-se.
Em primeiro lugar, a administração colonial realizada pelos
portugueses, quanto mais se considerada o quão novo era o Estado

40
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.
41
Neste sentido vide COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 07.
42
Regras que, no entender de COSTA, eram vagas: “Não se ignora o carácter vago que as
Ordenações, no presente contexto, as mais das vezes apresentavam, limitando-se a proibir,
de forma genérica, a aceitação de vantagens. Afigura-se, contudo, possível detectar, para
além dos casos em que surgia indiferenciadamente <<misturada>> com hipóteses de
corrupção, disposições onde, fora de dúvida, se contemplava a concussão a título principal.”
COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 18.
43
HABIB, Sérgio. Brasil: quinhentos anos de corrupção: enfoque sócio-histórico-jurídico-
penal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1994., p. 03.
15

centralizado português 44, tinha como característica a confusão e a


complexidade. 45
Em segundo lugar, na colônia prevalecia a ausência de regras
claras para a definição de funções e competências dos administradores.
Associe-se a isso, de igual forma, a vigência de uma legislação confusa e
tumultuada tal como “as Ordenações Filipinas, de 1643, as cartas de leis,
alvarás, cartas de provisões régias, acórdãos, assentos, além de parte da
legislação anterior às ordenações, que não foi revogada.”46
Como terceira característica do período colonial pode-se apontar
a transmissão de funções estatais a determinados particulares, sendo estes
obrigados a administrar e desenvolver as capitanias a partir de recursos
próprios (privados), sem que, ao final, obtivessem direito de propriedade
sobre aquelas.47
A quarta característica fica por conta da ausência de fiscalização
e controle da metrópole sobre os atos promovidos pelos funcionários
localizados na colônia. Tal fiscalização, quando exercida, estava
sedimentada, nas palavras de Helena Regina Lobo da COSTA, sob
“fundamentos paradoxais”: “por um lado, buscava-se estender o poder dos
governadores, em razão das dificuldades práticas do controle absoluto de
todas as decisões da Metrópole; por outro, limitava-se tal poder, para prevenir
abusos e excessos, até porque a repressão a tais abusos era difícil de ser
realizada pela Metrópole.” 48
Em quinto lugar, tem-se a inexistência de limites entre o público
e o privado, em especial nas relações atinentes ao comércio, podendo-se
afirmar resumidamente que “o comerciante resolvia suas questões mercantis
com base em sua rede de relações pessoais, seja por meio de influências

44
Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 03.
45
Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 03.
46
COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 04.
47
Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 05.
48
COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 05. A autora realiza tal afirmação com
escólio em João Francisco Lisboa, mais precisamente na obra Crônica do Brasil colonial:
apontamentos para a história do Maranhão. Petrópolis; Brasília: Vozes; INL, 1976. p. 375 e
ss.
16

com os burocratas, seja por meio de contatos na Corte, seja subornando


agentes públicos.”49
Em sexto lugar, tem-se que não existia um relevante
compromisso entre o agente público com a Colônia, sendo o seu objetivo
permanecer pouquíssimo tempo no Brasil e logo retornar a Portugal. 50 Como
sétima característica há de ser apontado o baixo nível dos salários pagos aos
funcionários, sendo este um claro fator de propensão à corrupção, tornando
inclusive “tácita a possibilidade de complementação com ganhos relacionados
à sua atividade” 51. E, por fim, a baixa escolaridade da população residente na
colônia fazia com que os súditos muito pouco compreendessem a
administração aqui realizada, com o que raramente conseguiam identificar e
compreender os atos de corrupção.52
À guisa de conclusão sobre o período colonial acidamente
assevera HABIB que:
“ao contrário do que ocorreu em outras colonizações, no caso específico do
Brasil, os colonizadores não se preocuparam em construir o estofo moral do
povo, muito menos não se preocuparam com o seu destino, enquanto nação.”
(...) “Certo é que, Portugal não permitia o aprimoramento moral da raça
brasileira, na medida em que temia perder o domínio sobre a Colônia e, por
via de consequência, ser enormemente prejudicada em seus lucros
ultramarinos. Prova disso é que nenhum esforço dispendia no sentido de
melhorar a qualidade de vida do aqui residente, nem lhe oferecia condições
de ensino satisfatórias, além das primeiras letras, o que fazia por intermédio
53
dos jesuítas.”

49
COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09.
50
Vide, neste sentido, COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 09. Complementa a
autora no sentido de que a maior parte dos cargos a serem preenchidos no Brasil
demandava formação universitária, o que exigia que viessem portugueses (pois apenas
estes tinham formação universitária) ao Brasil. Estes, por sua vez, apenas enxergavam o
trabalho na metrópole como uma maneira de ascensão social. COSTA, Helena Regina Lobo
da. Corrupção ..., p. 09.
51
FIGUEIREDO, Luciano Raposo. A corrupção no Brasil Colônia. In: Corrupção: ensaios e
críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel
Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 176. Esclarecedoras e
diretas as palavras de Evaldo Cabral de MELLO: “Como compreensão pelos modestos
ordenados pagos às autoridades ultramarinas, o recrutamento em Portugal de
governadores, magistrados e outros funcionários já pressupunha que a coroa fecharia os
olhos às irregularidades cometidas por seus agentes, desde que atendidas duas condições
implícitas: a primeira, a de não atentar contra as receitas régias; a segunda, a de agiram
com um mínimo de discrição.” MELLO, Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial.
In: Corrupção: ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e
Heloisa Maria Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 183.
52
COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 14.
53
HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 12. O autor relembra um dos casos célebres de corrupção na
fase colonial como sendo o que envolveu o governador da capitania de Goiás, D. Álvaro
Xavier Botelho de Távora, isso na metade do século XVIII. Em apertada síntese teria, levada
a efeito a investigação sobre os fatos, dado é que a maior parte dos funcionários da
17

No Brasil-império não se percebeu uma diminuição da corrupção,


mas sim a sua mutação. Deixar-se-iam as formas de corrupção até então
praticadas na etapa colonial para, no Império, a partir das características de
investimento público em áreas como economia, moradia e condições de
saúde, passar-se a se falar em uma corrupção agora praticada por servidores
tais como ministros, demais integrantes do governo e a classe aristocrata. 54
Não há dúvidas sobre as mudanças operadas no país. O centro
do poder antes concentrado em Portugal passaria a estar sediado no Brasil.
Como dito, fatos concretos alusivos à corrupção não faltaram, tais como as
acusações de corrupção envolvendo a firma dos Loyos, cujo envolvido
diretamente seria o ministro João Alfredo 55; a acusação contra o ministro
Cotegipe 56, este acusado de manter relações de amizade e assim quiçá
acobertar um funcionário da alfândega que teria praticado contrabando; o
caso envolvendo o senador João Lins Cansanção de Sinimbu 57, tendo este
sido presidente do Banco Nacional e sido o responsável pela falência
fraudulenta da instituição.
Mais importante, talvez, do que apontar os casos de corrupção
que remontam à época do Império seja demonstrar que a corrupção, aliada a
outros fatores de descontentamento da população em geral, tenham sido os
responsáveis pela proclamação da República. Eis o referendado por
SCHWARCZ:
“A partir da década de 1880, porém, o Império seria assolado por questões
que inaugurariam uma nova agenda de acusações, estando na linha de frente
a própria idoneidade do sistema. Se o conceito de corrupção está vinculado
ao ato de “corromper”, e à ação de “subornar”, o fato é que pela primeira vez
o regime seria caracterizado por esse tipo de prática. Num momento em que
o monarca e seu governo mostravam fragilidades, uma série de casos
começava a aparecer na imprensa e causava escândalo.
Não se quer dizer com isso que antes não existissem exemplos de
descontentamento; mas o mais importante é que nesse contexto eles saíam
do espaço privado e ganhavam o espaço público. Ao mesmo tempo,

capitania se encontravam envolvidos com atos de corrupção e improbidade, chegando, ao


final de 02 anos de investigação, à pronúncia do então governador da capitania de Goiás
juntamente a outros funcionários e particulares. HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 05 a 07.
Episódio também relatado por COSTA, Helena Regina Lobo da. Corrupção ..., p. 06. Outros
casos de corrupção envolvendo daí o governo de Pernambuco são citados por MELLO,
Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial, p. 183 a 190.
54
HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 15.
55
HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 18.
56
HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 19.
57
HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 19.
18

passavam a se constituir como demarcadores poderosos a sinalizar os limites


deste sistema, crescentemente associado a expedientes que implicavam
subornar funcionários e cidadãos, ou evitar que a lei vingasse. Pela primeira
vez, também se questionava o poder do monarca, e a imprensa passava a se
58
imiscuir em sua vida privada.”

Da proclamação da república até os dias atuais não se pode,


infelizmente, apontar a corrupção como assunto alheio ao Estado Brasileiro.
Aliás, bem pelo contrário. Aponta estudioso sobre o tema de que “nenhuma
outra fase do Brasil-República, decerto, terá suplantado a que se instalou a
partir dos anos sessenta, chegando até aos dias atuais, tal o nível de
corrupção a que se atingiu e tamanha a indignação popular, face à postura
cínica dos que nela se envolveram.” 59
Já nos dias atuais, qualquer digressão específica a respeito do
julgamento da Ação Penal 470 perante o Supremo Tribunal Federal ou, ainda,
sobre a denominada operação Lava-Jato (em curso em Curitiba, em Brasília e
em outros estados da federação) tornar-se-ia repetitiva. Digno de nota o
resultado do julgamento da Ação Penal 470, principalmente pela envergadura
e dimensão dos fatos levados a julgamento e também em razão de a decisão
ter transitado em julgado com consequente cumprimento de pena pelos
implicados.
Não se pode dimensionar que estes casos concretos agora
mencionados signifiquem maior grau de corruptibilidade dos governantes ou
ainda dos particulares que aderem e participam da corrupção. O que há é sim
certeza de maior transparência e independência das instituições responsáveis
pela investigação, ajuizamento e julgamento.

1.3. A corrupção e o contexto mundial atual.

58
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Corrupção no Brasil Império. In: Corrupção: ensaios e críticas.
Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria Murgel Starling
(organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p.192 e 193.
59
HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p. 26.
19

1.3.1. A concepção de Estado e de administração pública e sua importância


para a corrupção.

Falar a respeito de atos de corrupção significa ter em mente a


noção de Estado. Em outras palavras, tratar de corrupção redunda falar
imediatamente de Estado, de seu conceito e concepção atual, falhas, crises e
também da noção de administração pública perante determinado governo.
Veja-se que isso independe, até, da noção de corrupção que se esteja a
tratar, quer-se dizer, pública ou privada, porquanto invariavelmente a
concepção de Estado se fará presente e importante para a análise.
Nada obstante, de maneira a respeitar o intuito e objeto deste
trabalho, não se fará um discurso reducionista sobre ser o Estado o ente
necessário a combater (e criminalizar 60) os atos de corrupção, como também
não se adentrará ao mérito acerca da concepção de Estado e suas
implicações à corrupção de natureza privada, sem desconhecer que neste
caso se estaria mais a falar da intervenção estatal na economia 61 do que
qualquer outro aspecto da “teoria do Estado”.

60
De acordo com Miguel REALE, o “Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas
e os processos de execução coercitiva do Direito”, podendo-se afirmar que “em nossos dias,
o Estado continua sendo a entidade detentora por excelência da sanção organizada e
garantida, ...”. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed. 11ª tiragem. São
Paulo: Editora Saraiva, 2012. p. 76. De maneira completar aduz Marçal JUSTEN FILHO:
“Portanto, a monopolização da violência por um Estado é uma decorrência de seu poder e
de sua autoridade, não a causa de sua existência.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito
administrativo. 9ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 96.
61
Isso caso queira se respeitar o único (e ainda discutível) móvel de se criminalizar a
corrupção na atividade privada. A respeito vide NIETO MARTÍN, Adán. A corrupção no setor
privado. Reflexões a partir do ordenamento espanhol à luz do direito comparado. In: Revista
Bonijuris. Ano XV, n. 481, Dezembro de 2003, p. 23 a 25; BIDINO, Claudio. O problema
específico da corrupção no setor privado (no Brasil e em Portugal). In: A corrupção.
Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime Jurídico-
Penal em Expansão no Brasil e em Portugal. SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio;
MELO, Débora Thaís de. Coimbra: Coimbra Editora, 2009; DE LA CUESTA ARZAMENDI,
Jose Luis; BLANCO CORDERO, Isidoro. La criminalización de la corrupción en el sector
privado: Asignatura pendiente del Derecho penal español. In: La ciencia del derecho penal
ante el nuevo siglo. Libro homenaje al Profesor Don José Cerezo Mir. José Luis Díez
Ripólles, Carlos María Romeo Casabona, Luis Gracia Martin e Juan Felipe Higuera Guimerá
(coord.) Madrid: Editorial Tecnos, 2002; FOFFANI, Luigi. La <<corrupción privada>>.
Iniciativas internacionales y perspectivas de armonización. In: Fraude y corrupción en el
derecho penal económico europeo. Eurodelitos de corrupción y fraude. Luis Arroyo Zapatero
y Adán Nieto Martin (coord). Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha,
2006; GÓMEZ DE LA TORRE, Ignácio; CERINA, Giorgio D.M. Algunas observaciones sobre
la corrupción entre particulares en el código penal español. In: Revista Brasileira de
Ciências Criminais, São Paulo, n. 97, julho de 2012; GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio
20

De outro canto, a corrupção pública é, sem dúvida, refém e


dependente da noção de Estado. A corrupção pública envolve lesão (ou
perigo de) à estrutura organizacional do Estado, seja tal conduta advinda de
um servidor público, seja de um particular, seja de ambos. Já, de imediato, as
noções de Estado e de corrupção estão vinculadas direta e de maneira não
dissociável, sem a necessidade de se adentrar à historicidade da teoria do
Estado, em especial de sua criação e desenvolvimento.
Deste modo, ainda que de maneira perfunctória e limitada no
tempo (a partir do século XIX), tem-se o Estado de Direito como aquele que
atribui à ordem jurídica a função de proteger direitos subjetivos individuais, de
maneira a impedir a normal tendência de o poder político se agigantar e ser
aplicado de modo arbitrário, sendo realizada tal função a partir dos princípios
fundamentais de difusão do poder e de diferenciação do poder. 62
A noção de Estado de Direito, a qual está submetida a um
regime jurídico 63 que limita a atividade estatal a desenvolver-se com escólio
em um instrumental regulado juridicamente, previsto em lei, bem como

Berdugo; CERINA, Giorgio M.D., Sobre la corrupción entre particulares. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011; MENDOZA
BUERGO, Blanca. El nuevo delito de corrupción entre particulares (art. 286 bis del CP). In:
Estudios sobre las reformas del código penal. Julio Díaz-Maroto y Villarejo (director).
Madrid: Civitas, 2011, p. 425-452; FARALDO CABANA, Patricia. Hacia un delito de
corrupción en el sector privado. In: Estudios penales y criminológicos, Santiago de
Compostela, n. XXIII, 2001-2002; Corrupção entre particulares: Só agora? E por que agora?
In: Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 238, setembro de 2012; REALE JR., Miguel. Corrupção
privada. Jornal O Estado de São Paulo, dia 01 de setembro de 2012. Página A2; FORTI,
Gabrio. La corruzione tra privati nell´orbita di disciplina dela corruzione pubblica: un
contributo di temmatizzazione. In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milano,
fascículo 04, ano XLVI, dezembro de 2003; DAVID, Décio Franco. Compliance e corrupção
privada. In: Compliance e direito penal. Fábio André Guaragni e Paulo César Busato
(coordenadores). Décio Franco David (organizador). São Paulo: Atlas, 2015. p. 203 a 234.
62
De acordo com ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de Direito. In: O Estado de
Direito: história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes,
2006. p. 31. Assinala ainda o autor: “O “princípio de difusão” tende a limitar, com vínculos
explícitos, os poderes do Estado para dilatar o âmbito das liberdades individuais. Ele
implica, por isso, uma definição jurídica dos poderes públicos e da sua relação com os
poderes dos sujeitos individuais, também eles juridicamente definidos.” Teoria ..., p. 31. Já o
princípio da diferenciação “se expressa seja como diferenciação do sistema político-jurídico
com relação aos outros subsistemas, em particular o ético-religioso e o econômico, seja
como critério de delimitação, coordenação e regulamentação jurídica de distintas funções
estatais, sumariamente correspondentes à posição de normas (lex latio) e à aplicação de
normas (legis executio).” Teoria ..., p. 32.
63
Nomeadamente de direito público que “tem a complexa missão de regular, de modo
equilibrado, as relações entre o Estado – que exerce a autoridade pública e o consequente
poder de mando – e os indivíduos – que devem se sujeitar a ele, sem perder sua condição
de donos do poder e titulares de direitos próprios.” SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de
direito público. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 110.
21

oferecer ao cidadão mecanismos jurídico-normativos para se proteger de


determinada ação indevida do Estado64, noção na qual o pessimismo
potestativo e o otimismo normativo desempenham particular função 65, teria
como postulados fundamentais a separação dos poderes em Legislativo,
Executivo e Judiciário, a generalização do princípio da legalidade 66 e a
universalidade da jurisdição. 67
Sobre o Estado de Direito se seguiram modelos adjetivados de
liberais, sociais e, agora, democrático-constitucionais de direito. No Estado
de Direito liberal se enxergavam as características de separação entre o
Estado e a sociedade civil intermediada pelo Direito; a garantia das
liberdades individuais e uma função estatal mínima, ou seja, um Estado
mínimo que assegurasse apenas e tão-somente a liberdade para seus
cidadãos.68
Ao Estado de Direito liberal seguiu-se o modelo social. O Estado,
assim considerado uma “forma histórica de organização jurídica do poder
dotada de qualidades que a distinguem de outros ´poderes´ e ´organizações
de poder´”69, nas palavras de STRECK e MORAIS, sem negar as importantes
características e conquistas originadas pelo liberalismo burguês, assume a
postura de corrigir o individualismo liberal por meio de garantias coletivas 70,
devendo ser observado que as regulações estatais devem traçar “limites ao
egoísmo e ao ímpeto desenvolvimento dos indivíduos para que a liberdade de
uns não interfira em medida insuportável com a liberdade dos outros.”71
A inexistência de intervenção Estatal, o que redundava no
liberalismo puro e radical de Estado mínimo, teve de ser alterada para uma
intervenção estatal sob a égide de que, ao lado da limitação do poder estatal
64
Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência política e teoria do
estado. 8ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 92.
65
Danilo ZOLO afirma que a ideia da periculosidade do poder político (pessimismo
potestativo) e a convicção de que o direito seria suficiente e adequado para conter tal perigo
(otimismo normativo) figuram como princípios fundamentais para a afirmação do sujeito
individual, de sua liberdade e autonomia. Teoria ..., p. 34.
66
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 92.
67
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 98.
68
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 95.
69
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª ed.
Coimbra: Almedina, 2003. p. 89.
70
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 97.
71
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. 3ª ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997. p. 380 e 381.
22

também se faz interessante e incidente que o Estado atue como um


“instrumento de promoção do desenvolvimento econômico e social”. 72 A
consequência disso foi, sem dúvida, a alteração da conformação interna do
Estado, pois este se viu obrigado a aumentar-se no tocante a funções
desenvolvidas, objetivos, metas e políticas públicas. Não por outro motivo
que o quadro de funcionários/servidores públicos viu-se aumentado,
conforme já visto.
Assim, ao menos a partir da análise do tamanho do Estado 73,
com o aumento do número de servidores públicos se vê uma maior
possibilidade de ocorrência de atos de corrupção. Daí a interrelação, ainda
que preparatória para os temas a serem desenvolvidos no capítulo 02, que se
pretende aqui construir. Linhas acima foi dito que o conceito de corrupção é
dependente e parasitário de um sistema normativo, independente de qual
este seja.
Ora, o conceito típico-penal de corrupção pública e suas
implicâncias normativas, objeto deste trabalho, são absolutamente
dependentes do tamanho do Estado e da importância atribuída a este.
Portanto, uma breve conclusão é viável: sem querer atribuir ao próprio Estado
a pecha de causador da corrupção, o tamanho deste Estado, quanto maior for
a sua intervenção na vida social por meio de servidores públicos, maior a
chance de vir a se verificar o ato de corrupção, isso sem se atrelar à
criminalização ou não de tal atividade. 74
Não sem razão afirma Fabrício MOTTA 75 que no Direito
administrativo76 se revelou um claro crescimento das atividades

72
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 99.
73
Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. Corrupción y delitos contra la administración
pública. Especial referencia a los delitos cometidos en la contratación. Bogotá: Editorial
Universidad del Rosario, 2009. p. 57-65.
74
Por outro lado não há como dar razão ao entendimento de ZIPPELIUS, muito embora não
analise diretamente os fatos entendidos como corrupção, mas sim o problema da teoria do
Estado: “No movimento pendular da evolução histórica entre o Estado-providência e o
liberalismo torna-se notório – com uma nitidez quase de tipo ideal – o risco perante o qual
se coloca permanentemente o Estado. Conceder liberdade a menos, sufocando, desta
forma, uma necessidade elementar, ou deixar liberdade a mais, abrindo assim demasiado a
porta às possibilidades de abuso a que se está sempre disposto a recorrer.” ZIPPELIUS,
Reinhold. Teoria ..., p. 381.
75
MOTTA, Fabricio. Função normativa da administração pública. Belo Horizonte: Editora
Fórum, 2007. p. 49 a 51.
23

administrativas estatais, o que passou a amparar novos institutos e


alterações no papel do Estado, por meio de uma própria dinâmica de seus
agentes e atuações em setores antes não atingidos pelo Estado e, quando
atingidos, eram em menor escala.
Neste pormenor aponta ainda Luigi FERRAJOLI:
“O Estado social desenvolveu-se na Europa muito mais do que nas formas da
sujeição à lei, típicas do Estado de Direito, através da progressiva expansão
dos aparelhos públicos, dos aumentos dos seus espaços de
discricionariedade política e da acumulação desorgânica de leis especiais,
medidas setoriais, práticas administrativas e intervenções clientelistas que se
inseriram e deformaram as antigas estruturas do Estado liberal. Disso derivou
uma pesada e complexa intermediação burocrática nos serviços públicos que
é responsável pela sua ineficiência e, como a experiência não apenas italiana
77
ensina, por suas degenerações ilegais.”

Como posterior e atual conformação assume-se a noção de


Estado democrático de Direito bem sintetizada nas palavras de STRECK e
MORAIS:
“O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da
realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma
adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu
conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna
ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação
pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de
sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular
uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, na
qual a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução
78
do problema das condições materiais de existência.”

Este denominado Estado democrático de Direito, considerado


por CANOTILHO como uma “ordem de domínio legitimada pelo povo”79 que
possibilita que o poder se organize e se exerça em termos democráticos 80,
ostenta as características de vinculação do Estado Democrático de Direito a
uma Constituição, de organização democrática da sociedade, pela existência
e reconhecimento de um sistema de direitos fundamentais e coletivos, pela
76
Aqui considerado como o “conjunto de normas jurídicas de direito público que disciplinam
as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a
organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu
desempenho.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 90.
77
FERRAJOLI, Luigi. O Estado de direito entre o passado e o futuro. In: O Estado de Direito:
história, teoria, crítica. Pietro Costa e Danilo Zolo (orgs.). São Paulo: Martins Fontes, 2006.
p. 451. No mesmo sentido FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil:
estudos de casos e lições para o futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 56.
78
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 98.
79
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 98.
80
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 98.
24

justiça social, pela vigência e observância do princípio da igualdade, pela


divisão dos poderes e das funções públicas bem como pela vigência do
princípio da legalidade e de segurança jurídica. 81
Sem relevar os avanços do Estado Social – este nunca 82
verificado verdadeiramente no Brasil – a característica da democracia
associada ao Estado teria a função de trazer algo de utópico, de
transformação da realidade 83, a partir da objetivação da igualdade e da
concepção das normas como instrumentos de <<transformação da
sociedade>>84, ultimando-se, a bem da verdade, a alteração e criação de
novas estruturas para as relações sociais. 85 O Estado democrático de Direito
se conforma, ademais, em um Estado constitucional 86 democrático de Direito,
porquanto a supremacia da constituição e da soberania popular são suas
ínsitas características87, associando três fatores em um só, sendo esta a
associação buscada e defendida: Estado constitucional, Estado de Direito e
Estado democrático.
O modelo de Estado atual a ser defendido deve, portanto, para
além da participação integral e democrática dos cidadãos, primar por extrair
seus fundamentos de uma Constituição e que esta propugne, garanta e
elenque direitos fundamentais do cidadão, revelando-se, nos dizeres de
STRECK e MORAIS, em um núcleo forte e acolhedor das conquistas
associadas à democracia e aos direitos humanos e sociais fundamentais. 88 Aí

81
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 99 e 100.
82
“O intervencionismo estatal confunde-se historicamente com a prática autoritária/ditatorial,
construindo-se o avesso da ideia de Estado Providência, aumentando as distâncias sociais
e o processo de empobrecimento das populações. Assim, a tese de que em países
periféricos, de desenvolvimento tardio, o papel do Estado deveria ser o de intervenção para
a correção das desigualdades não encontrou terreno fértil em terras latino-americanas."
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 81.
83
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 100.
84
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 101.
85
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 101.
86
“No Estado constitucional de Direito, as leis são submetidas não só a normas formais
sobre a produção, mas também a normas substanciais sobre o seu significado. De fato, não
são admitidas normas legais, cujo significado esteja em contraste com normas
constitucionais.” FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 425.
87
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 101.
88
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 109. A respeito da
conceituação e evolução dos direitos fundamentais vide DIMOULIS, Dimitri; MARTINS,
Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito ..., p. 377 e ss.
25

reside a legitimidade do atuar do Estado e das funções tripartidas


endereçadas a ele.
Não se trata de elucidar minuciosamente a teoria da repartição
dos poderes, mas apenas de reforçar, dentro da noção de separação dos
poderes e não de divisão de poderes89, a concepção de função pública que,
nas palavras de Celso Antonio Bandeira de MELLO ganha o significado de
“atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público,
mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela
ordem jurídica”.90
Esta função pública é desempenhada sob o argumento e
objetivo, como já visto, de atingir positivamente os direitos fundamentais 91,
sejam eles de pretensão de resistência à intervenção estatal, de pretensão de
prestações por parte do Estado ou ainda políticos ou de participação. 92 Já o
exercício desta função pública, dividida classicamente 93 entre as funções
legislativa, judiciária e executiva, se estrutura e se desenvolve internamente
sob a égide de direitos e regras de direito, em sua grande maioria de Direito
administrativo, direcionadas ao agente ou servidor público.
Portanto, a ilação anteriormente lançada a respeito da
proximidade entre Estado e corrupção se verifica como verdadeira, uma vez
que, sendo o Estado (constitucional democrático) de Direito um modelo de
garantia da mínima ordem política capaz de garantir uma ordem política
estável e ao mesmo tempo os direitos fundamentais e sem o qual os Estados

89
Assevera CANOTILHO: “O princípio da divisão como forma e meio de limite do poder
(divisas de poderes e balanço de poderes) assegura uma medida jurídica ao poder do
estado, e consequentemente, serve para garantir e proteger a esfera jurídico-subjectiva dos
indivíduos e evitar a concentração de poder. O princípio da separação na qualidade de
princípio positivo assegura uma justa e adequada ordenação das funções do estado e,
consequentemente, intervém como esquema relacional de competências, tarefas, funções e
responsabilidades dos órgãos constitucionais de soberania.” Direito constitucional ..., p. 250.
90
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2014. p. 29.
91
Os quais no esquema de Marçal JUSTEN FILHO se dividiriam em gerais (liberdade,
igualdade, democracia republicana, federação, procedimentalização e eficiência
administrativa), sociais (solidariedade e direitos sociais em sentido estrito), políticos e
econômicos (propriedade privada, livre iniciativa e livre concorrência). JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso ..., p. 162.
92
Sobre a diferenciação destas categorias vide detalhadamente DIMOULIS, Dimitri;
MARTINS, Leonardo. Teoria ..., p. 57 a 61.
93
Sobre a inexistência de uma separação estanque e cartesiana entre as funções estatais e
os poderes Executivo, Judiciário e Executivo vide, por exemplo, JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso ..., p. 115.
26

ocidentais transparecem obrigatoriamente depender 94, deixa-se aberta a


possibilidade da ocorrência de atos de corrupção, ilícitos ou não, bem como
se retroalimenta e fundamenta a necessidade de punição, administrativa e/ou
criminal, daqueles atos de corrupção mais lesivos aos interesses individuais.
Dizem-se individuais porque o Estado existe unicamente para a satisfação e
salvaguarda de interesses e direitos dos cidadãos e não propriamente
estatais. Independentemente da função pública exercida, muito embora isso
fique mais claro nas funções públicas atreladas ao exercício do Direito penal
e processual penal, é fato, nas palavras de Paulo BUSATO, que “tudo o que o
Estado exige de cada um não é de seu próprio interesse, mas de interesse
dos demais indivíduos. Assim, o Estado não é detentor de direitos, é mero
gestor de direitos alheios (dos indivíduos).”95
Daí que a corrupção possua característica particular no quesito
“tipificação penal”. Se a vida humana é garantida por diversos princípios e
normas jurídicas de larga aceitação e, por conseguinte, de improvável
refutação, imanentes ao sujeito e apenas verificáveis e chancelados pelo
Estado, a criminalização e enfrentamento da corrupção dependem
obrigatoriamente da concepção de que o Estado não existe por si só, mas
que é um instrumento garantidor para a verificação e realização de políticas
públicas (aqui em sentido lato) e que os prejuízos (verificáveis por lesão ou
perigo de lesão) ao Estado conformam a fundamentação da punição por este
mesmo Estado.
Outra questão incipiente à corrupção é a tutela do Estado por
parte dele próprio. 96 São as instituições e parcelas do poder as legitimadas a
tutelar os valores preconizados na Constituição da República como aqueles a
nortear a administração pública, quais sejam a legalidade, a impessoalidade,
a moralidade, a publicidade e a eficiência. Portanto, os poderes da República

94
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 85.
95
BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte geral. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 19.
96
O que em muitos casos transparece ser tarefa árdua, quando não impossível, o que faz a
seguinte afirmação de Manuel CASTELLS tornar-se óbvia: “1. Em muitos casos, toda a
estrutura do Estado, não raro incluindo as mais altas esferas de poder, está entremeada de
vínculos criminosos, pela corrupção, ameaças ou financiamento ilegal da política, causando
enormes estragos na conduta das questões públicas.” CASTELLS, Manuel. O poder da
identidade. A era informação: economia, sociedade e cultura. Volume II. São Paulo: Paz e
Terra, 1999. p. 304. Qualquer semelhança da afirmação deste autor com a realidade
brasileira é mera coincidência...
27

possuem responsabilidade compartimentada e diga-se, concorrente (desde


que adequada à função desempenhada por eles), para prevenir, identificar e
reprimir os atos de corrupção, assim considerados os atos lesivos à
adequada administração pública ou ainda aqueles em que o mero perigo já
justifique a intervenção estatal. Este pormenor está alinhavado e relacionado
com a legitimidade do Estado em punir a corrupção em sentido estrito, o que
está mais bem exposto no item 2 infra.

1.3.2. Alguns aspectos de crise do Estado atual.

Contudo, o mesmo Estado constitucional democrático de Direito


que gera e também busca prevenir e reprimir a corrupção pública possui em
sua estruturação vícios que prejudicam sobremaneira tais objetivos. Diga-se,
pouco e resumidamente, que não apenas em relação à corrupção, mas
também em relação a ela, se destacam alguns pontos críticos à teoria do
Estado, que decorrem tanto da complexidade da sociedade industrial atual
como dos processos de integração regional e global. 97
Um ponto crítico de reflexão é o que sobressai a respeito daquilo
que Danilo ZOLO chamou de “crise da capacidade reguladora da lei e a
inflação do direito”. 98
Tem-se atualmente um grave problema quanto à capacidade
reguladora do Estado por meio de suas disposições normativas, o que reduz
a efetividade normativa dos dispositivos oriundos das instâncias legislativas. 99
A causa restaria identificada na incapacidade de o sistema jurídico perseguir
a evolução dos subsistemas sociais, porquanto aquele é verdadeiramente
muito mais rígido e lento se comparado à dinamicidade e flexibilidade de
subsistemas como o econômico e o científico.100 Tudo isso contribuiria para a

97
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 71.
98
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 72.
99
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 72.
100
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 72 e 73.
28

demasiada inflação legislativa, desvalorização, redundância e instabilidade


das normas jurídicas, ou seja, uma grande impotência reguladora. 101
Sob o entendimento de FERRAJOLI a crise investe mesmo sobre
o princípio que ele denomina de mera legalidade 102, gerando com isso a
inflação legislativa desenfreada e também a disfunção da linguagem legal.
Verifica-se que tal crise, ou sintoma da crise do Estado de Direito, vem
confirmada particularmente no Direito brasileiro, sob o “declínio das
codificações e uma crescente incerteza e ingovernabilidade de todo o sistema
jurídico”103 e também gerando “o desequilíbrio da linguagem das leis expresso
pela sua crescente imprecisão, obscuridade e ambiguidade.”104
Sob esta vertente da crise do Estado de Direito se demonstra
que o instrumento normativo não pode ser nada mais do que um instrumento
de política pública, v.g., criminal, financeira, administrativa, mas não único
instrumento no qual se afiançou até os dias atuais.
Mas não é só. Algo derivado da globalização, mas não apenas
dela, foi também a perda de soberania por parte dos Estados ou, melhor
dizendo, a diminuição da relevância de tal soberania. Crise do poder
soberano estatal? Sim, a ponto de Danilo ZOLO falar em “erosão da
soberania do Estado nacional” 105. A partir da intervenção de outros agentes
internacionais, em caráter principal a Organização das Nações Unidas (ONU)
e a União Europeia (UE), entre outros, revela-se um caráter cada vez mais de
interdependência 106 entre os Estados nacionais, porquanto estes não detêm
condição de desenvolverem-se economicamente sozinhos nem tampouco
meios para enfrentar desafios globais tal como a criminalidade
internacional 107, incluindo-se aqui a corrupção.
Aduz Manuel CASTELLS ser este novo sistema mundial
caracterizado essencialmente por meio de uma pluralidade “das fontes de
autoridade (...), sendo o Estado-Nação apenas uma dessas fontes”108 e pela

101
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 73.
102
Cf. FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 439.
103
FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 440.
104
FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 440.
105
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 79.
106
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 144.
107
ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 80.
108
CASTELLS, Manuel. O poder ..., p. 353.
29

“descentralização do Estado-Nação numa esfera de soberania compartilhada


que caracteriza o cenário político no mundo de hoje.” 109
Com esta diminuição da “importância” da soberania ocasionou-se
também o fim do monopólio estatal da produção jurídica. FERRAJOLI bem
informa:
“À antiga estrutura piramidal das fontes, cujo ápice era a constituição, e
imediatamente abaixo das leis ordinárias, depois os regulamentos e as outras
fontes administrativas e negociais, substitui-se um amontoado de fontes
pertencentes a ordenamentos diversos, da União Europeia a Nações Unidas,
110
e todavia, direta ou indiretamente vigentes.”

Assim é que a noção de soberania como poder <<juridicamente


inconstrastável>> e permeada por uma indivisibilidade, inalienabilidade e
imprescritibilidade, cede frente à dispersão de centros de poder e
consequente geração centrífuga de locais de atuação política. 111 Para além
do Estado-nação existem outros atores na arena internacional112 que exercem
seus papéis no cenário mundial no tocante à produção legislativa e de
imposição de regras a serem seguidas. O poder de traçar políticas
econômicas, públicas, criminais, tributárias, etc., como visto, se dissipou para
diversos outros intervenientes, tais como as comunidades supranacionais 113,
organizações mundiais 114, empresas transnacionais 115 e organizações não
governamentais 116, no plano externo, e sindicatos e organizações
117
empresariais , no plano interno.
Recuperando o exposto linhas atrás, a intervenção destes novos
atores faz com que regras jurídicas de “produção extra-estatal – tratados,

109
CASTELLS, Manuel. O poder ..., p. 353.
110
FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 442. Da mesma forma MOTTA, Fabrício. Função ..., p.
54.
111
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 143.
112
Cf. ZOLO, Danilo. Teoria ..., p. 80.
113
Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 144.
114
Nas quais a Organização das Nações Unidas (ONU) exerce papel preponderante, mais
ainda em tema de corrupção. Vide, para tanto, o capítulo 1.3.2. infra.
115
Cf. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 144, as quais,
segundo estes autores “... por disporem de um poder de decisão, em especial financeiro,
que pode afetar profundamente a situação de muitos países, especialmente daqueles débeis
economicamente, adquirem um papel fundamental na ordem internacional e, em especial,
impõem atitudes que não podem ser contrastadas sob o argumento da soberania estatal .”
Ciência ..., p. 144.
116
Das quais a Transparência Internacional exerce papel preponderante no tocante à
corrupção, nomeadamente em fornecer índices de corruptibilidade, entre outros.
117
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luiz Bolzan de. Ciência ..., p. 145.
30

regulamentos, diretrizes e decisões – entrem, de fato, em vigor nos


ordenamentos dos Estados, prevalecendo sobre as leis dos seus
Parlamentos e pretendendo prevalecer até mesmo sobre as suas
118
constituições.”
Inegável foi a alteração do Código Penal brasileiro para a
inserção do tipo penal de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro e
de tráfico de influência em transação comercial internacional com a edição da
Lei 10.467/2002, originadas a partir do “argumento” de dar efetividade ao
Decreto n o 3.678/2000, instrumento normativo que ratificou perante o direito
interno brasileiro a Convenção sobre o Combate da Corrupção de
Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, concluída em
Paris, em 17 de dezembro de 1997. 119
Daqui não se deve passar, sob o risco de incidir em assunto
reservado para capítulo direcionado aos tratados internacionais. Mas por
último deve se deixar fincada esta realidade de pluralismo internacional que
vigora não apenas no plano das ideias, mas sim efetivamente no plano
jurídico-legal.
Por fim, a conjuntura funcional por demais alargada do Estado a
partir de sua estrutura Social fez com que a ingerência econômica passasse a
conviver com a já esperada e congênita ingerência política. Política e
economia associaram-se intimamente gerando o que é retratado por
SÁNCHEZ MORON:
“Lo que ocurre es, a un juicio, que durante los últimos años esos sistemas
constitucionales han coexistido con la mezcla explosiva que componen un
sector público crecido, descentralizado y diversificado en sus formas de
actuación, esencialmente interventor y gestor de ingentes recursos
económicos, junto con la difusión de una ideología individualista y
economicista, para la que el enriquecimiento personal constituye el norte y la
competitividad con las menores reglas posibles el medio. Dicho en términos
de síntesis, si bien en modelo del Estado Social resiste (aun a duras penas)
en el plano de la economía y de la política (pues pocos quieren enfrentarse al
problema de reducirlo mediante medidas impopulares), ha sido derrotado en
el plano de las ideas y de los valores por las tendencias neoliberales, que se

118
FERRAJOLI, Luigi. O Estado ..., p. 443.
119
O que parece dar razão a CASTELLS quando afirma que “... nos anos 90, os Estados-
Nação têm se transformado de sujeitos soberanos em atores estratégicos, defendendo seus
interesses e os interesses que se espera que representem em um sistema global de
interação, dentro de uma soberania sistematicamente compartilhada.” CASTELLS, Manuel.
O poder ..., p. 357.
31

han infiltrado en los aparatos públicos desnaturalizando las reglas de gestión


120
que les son propias.”

Portanto, e parafraseando MARTINS 121, a partir do acoplamento


sistêmico realizado pelo capitalismo sobre o Estado de Direito de modo a
torná-los inseparáveis, é fato que os efeitos das práticas corruptas são
também originados e potencializados desde a noção de mercado, eficiência
econômica e maximização dos lucros privados.122

1.3.3. O enfrentamento global da corrupção. Por que agora?

De acordo com António Manuel de Almeida COSTA, foi a partir


do século XIX que a tutela do indivíduo frente aos atos lesivos praticados pela
administração pública ganhou corpo, chegando inclusive a tratamento
legislativo mais detalhado. Inclua-se aí, por óbvio, a criminalização da
corrupção.123
Muito embora tenha sido assim, não deixa de causar espécie a
circunstância de que a corrupção, haja vista não ser um fenômeno social
novo (pelo contrário, muito antigo), tenha recebido maior atenção da
comunidade internacional nas últimas décadas124, a ponto de LOPES utilizar
a expressão <<o transvase da corrupção>> para definir que a concepção
meramente criminal da corrupção teria sido ultrapassada “pela emergência de
um discurso jurídico-político do fenômeno corrupção.”125 A explicação disso é,
pois, necessária.
Como exposto, é a partir da década de 1970 que se pode falar
em um movimento internacional contra a corrupção 126, dando azo à
construção de diversos documentos normativos da mais variada ordem, tais
120
SÁNCHEZ MORÓN, Miguel. La corrupción y los problemas del control de las
administraciones públicas. In: La corrupción política. Madrid: Alianza Editorial, 1997. p. 195.
121
Cf. MARTINS, Rui Cunha. A hora dos cadáveres adiados. Corrupção, expectativa e
processo penal. São Paulo: Atlas, 2013. p. 21.
122
Cf. VIRGOLINI, Julio. Las determinaciones políticas de la corrupción y de la exclusión
social y sus consecuencias sobre la legitimidad del derecho. In: Delincuencia económica y
corrupción. David Baigun e Nicolas Garcia Rivas (diretores). Buenos Aires: Ediar, 2006. p.
89.
123
COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 19.
124
ACOSTA, Alberto. Prólogo ..., p. 16.
125
LOPES, José Mouraz. O espectro da corrupção. Coimbra: Almedina, 2011. p. 27.
126
GONZÁLEZ, Joaquín. La corrupción ..., p. 48
32

como legislações, acordos, tratados internacionais e outros. Pode-se afirmar


que a sociedade mundial teria chegado a um consenso sobre a necessidade
de efetivo combate à corrupção, ou seja, de uma insurreição pública
simultânea no combate a corrupção. 127 Evidentemente que existem outras
questões sociais patológicas que também recebem especial discussão e
tratamento normativo, a exemplo do tráfico de entorpecentes, da segurança
pública, da lavagem de dinheiro e do terrorismo. Tudo isso não retira a
certeza de que a corrupção ocupa especial destaque como um dos grandes
temas de compreensão para um satisfatório enfrentamento político
(normativo) e social.128
Sem adentrar nas consequências propriamente ditas da
corrupção, objeto de item específico infra, assevere-se apenas um fato
notório e pontual que salienta a relevância da corrupção no cenário mundial
bem como contribui para a insurreição pública há pouco mencionada. Trata-
se da contratação pública (e da corrupção sobre ela incidente), haja vista ser
a “actuación administrativa de mayor relevancia económica en el mundo”. 129
Se a importância financeira da contratação pública é flagrante, de outro canto
a corrupção incidente sobre ela (deixando de lado a corrupção que incide em
tantos outros atos da administração pública e na iniciativa privada) representa
aquilo que CASTRO CUENCA denominou de <<delito perfecto>>, eis que “la
corrupción en la contratación pública permite enmascarar una disposición
patrimonial bajo la fachada de una obra pública que realmente existe, aunque
no se haya realizado con todas las pautas contempladas en el contrato
público, lo cual dificulta la tipificación de esta conducta.”130
À partida, pode-se definir como fator preponderante ao desvelar
da corrupção aquilo que se pode chamar de crise de legitimação da política
global. Isso porque “a proporção de poder entre os líderes e a população tem

127
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização da corrupção. In: A
corrupção e a economia global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2002. p. 27.
128
RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás. La necesaria flexibilización del concepto de soberanía en
pro del control judicial de la corrupción. In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis
interdisciplinar. Nicolás Rodríguez Garcia e Eduardo A. Fabián Caparrós (coordenadores).
Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 241.
129
CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción …, p. 21.
130
CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción …, p. 22.
33

mudado, e continua a mudar, em favor de uma governança transparente e


democrática.”131 A sociedade da informação possui atualmente meios para
forçar os governantes a vir a público e fornecer informações que muitas
vezes, não fossem os meios de comunicação remodelados a partir do avanço
tecnológico, poderiam passar desapercebidas, muito embora sejam de
interesse público da população. Há, evidentemente, maior possibilidade e
maior interesse na cobrança das atitudes tomadas pelo corpo político, por
empresários e pelos funcionários públicos.132
Outro fator capaz de descortinar a corrupção e ainda amealhar
argumentos ao seu combate foi o final da Guerra Fria e, por conseguinte, o
encerramento da divisão do mundo em dois blocos de pensamento político e
econômico bem distintos. A considerar que os Estados Unidos da América e
seus aliados viam como perigosa a possibilidade que outros países
passassem a comungar dos ideais soviéticos, passaram aqueles a apoiar
movimentos políticos de direita ao mesmo tempo em que pouca importância
deram à corrupção trazida com estes, a exemplo do que ocorreu em países
como Peru, Haiti, Indonésia e inclusive no Brasil. 133
Ante a alteração de dois grandes blocos econômicos para uma
economia global, “há uma crescente conscientização de que segurança e
estabilidade dependem não apenas de forças aéreas, de exércitos e de
aparatos bélicos nacionais, mas também de uma série de fatores econômicos
e políticos que interagem.” 134 A globalização incidente nos séculos XX e XI é
fator básico para pôr à vista a corrupção, além de funcionar como uma das
causas que a fomentam.

131
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 29.
132
Cf. GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 29;
COCKCROFT, Lawrence. Global corruption. Money, power, ethics in the modern world.
Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2012. p. 104.
133
COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 103. No mesmo sentido GLYNN, KOBRIN, NAÍM
ao mencionarem ser “inegável que o fim da Guerra Fria catalisou esse processo. Um
exemplo flagrante disso é a Itália (o berço da insurreição anticorrupção da década de 1990),
onde o medo do comunismo por muito tempo afiançou a tolerância pública de níveis
sabidamente altos de corrupção.” GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A
globalização ..., p. 30.
134
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 31.
34

Sim, ainda que pareça contraditório, a globalização suporta esta


dupla finalidade 135, ou seja, atua como matriz explicativa do motivo pelo qual
se discute de maneira muito mais frequente o tema da corrupção bem como
atua como causa preponderante à sua expansão prática. 136 Na primeira
vertente (sobre a conscientização e percepção da corrupção), a globalização
– precipuamente econômica 137 – revela que a estabilidade e segurança de
determinado país podem sofrer consequências a partir de fatos relacionados
à corrupção originados em outro país 138. No mesmo sentido, a existência de
um sistema financeiro interligado associado ao número de alianças de
cooperação econômica que pode ser atingido de maneira nefasta a partir de
práticas corruptas, o que realça a importância da corrupção no cenário
internacional. 139
Tomada a corrupção como tema de importância global, alterou-
se o paradigma. De questão relegada a segundo plano, a corrupção passou a
ser entendida como empecilho ao crescimento 140 e assim considerada pelos

135
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 31. A
respeito destaca GRACIA MARTÍN que a corrupção política bem como de funcionários
públicos emerge como um típico exemplo de criminalidade globalizada. GRACIA MARTÍN,
Luis. El derecho penal ante la globalización económica. In: El derecho penal económico y
empresarial ante los desafíos de la sociedad mundial del riesgo. José Ramon Serrano-
Piedecasas e Eduardo Demetrio Crespo. Madrid: Colex, 2010. p. 75.
136
Neste sentido vide BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito de corrupción en las
transacciones comerciales internacionales. Salamanca: Iustel, 2012. p. 32 a 34; GLYNN,
Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização …, p. 35. Costumeiro exemplo
citado pela doutrina a respeito da interrelação entre corrupção e globalização é o caso que
envolveu a empresa de aviação americana denominada Lockheed Corporation e o
pagamento de suborno a funcionários públicos de países como Japão. A respeito vide
LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas normativas a escala internacional. In:
Corrupción, Cohesión Social y Desarrollo. El caso de Iberoamérica. José Antonio Alonso y
Carlos Mulas-Granados (diretores). Madrid: FCE, 2011, p. 76; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa.
El delito …, p. 23.
137
Cf. MERCADO PACHECO, Pedro. Estado y globalización: ¿crisis o redefinición del
espacio político estatal? In: Anuario de la Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma
de Madrid, Madrid, número 09, 2005. p. 128.
138
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. In: A corrupção e a economia
global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
p. 31. O exemplo dados pelos autores é o índice de corrupção em países da América Latina
e o crime de narcotráfico nos Estados Unidos da América. Op. cit. p. 31.
139
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. In: A corrupção e a economia
global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
p. 35. Assim também RODRÍGUEZ GARCÍA, Nicolás. La necesaria …, p. 242.
140
COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 109.
35

organismos internacionais 141 como a Organização das Nações Unidas (ONU),


a Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o
Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização dos
Estados Americanos (OEA), a Polícia Internacional (INTERPOL), a agência
Transparência Internacional (TI - criada por ex-executivos do Banco Mundial)
e o Fórum Econômico Mundial, entre outros. Este novo paradigma fez com
que diversas somas de dinheiro, na forma de subvenções, fossem aplicadas
em políticas de governança, reforma de sistemas judiciais e policiais, além de
auditorias para órgãos legislativos.142 Evidentemente que desta forma de
compreender e enfrentar a corrupção advieram inúmeros tratados e
regulamentações internacionais, os quais serão expostos devidamente abaixo
(item 1.3.4.), demonstrativos que são de uma remodelação do quadro
institucional até então em vigor em 1990 e nas décadas antecedentes. 143
Como exemplo deste novo “momento” mundial, tem-se as Ilhas
Seychelles e o ocorrido no ano de 1995. Uma vez promulgada a Lei do
Desenvolvimento Econômico, norma que teria o condão de oferecer
imunidade de natureza criminal aos estrangeiros que alocassem
investimentos acima de US$ 10 milhões, a reação da comunidade
internacional foi imediata, de modo que “a Comissão Européia, a OCDE, a
Secretaria da “Commonwealth” (Comunidade Britânica), o Departamento de
Estado dos Estados Unidos, os ministros das relações exteriores da França e
da Grã-Bretanha, a INTERPOL e a Força-Tarefa de Ação Financeira
denunciaram essa lei, exigiram a revisão dela e ameaçam impor-lhe
sanções.”144
Podem ser apontadas circunstâncias adicionais à atualidade
como o debate e o enfrentamento da corrupção. Perfeitamente admissível
141
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. In: A corrupção e a economia
global. Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
p. 28.
142
COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 110.
143
COCKCROFT, Lawrence. Global ..., p. 114.
144
GLYNN, Patrick; KOBRIN, Stephen J. e NAÍM, Moisés. A globalização ..., p. 53 e 54. E
concluem os autores: “Em primeiro lugar: a globalização alterou drasticamente as feições da
corrupção. Segundo: mesmo que mudanças recentes tenham aberto novos caminhos para a
corrupção, em contrapartida elas criaram também condições que propiciam oportunidades
nunca antes vistas para a contenção e até para a redução dela. Terceiro: já que a corrupção
se tornou um problema inerentemente global, os governos que agirem isoladamente só
poderão obter pequenas conquistas.” A globalização ..., p. 54.
36

mencionar que o tratamento da corrupção em sede internacional trazia uma


função absolutamente delicada do ponto de vista político, eis que o contexto
mundial favorecia o entendimento de que as intromissões de organismos
estatais em assuntos domésticos poderiam transparecer como ingerências
indevidas ou ainda em atitudes neocolonistas.145 Alterado o contexto mundial,
como visto acima, a tarefa se tornou menos árdua e, assim, mais factível.
Ademais, em países de pequeno desenvolvimento econômico e
social, a corrupção soava como necessária e benéfica frente ao elevado
caráter burocrático-administrativo de tais países. Em outras palavras: há
quem entendia (o que posteriormente ficou demonstrado ser um equívoco)
ser a corrupção (em especial o pagamento de subornos) um expediente
aceitável em prol do crescimento econômico daqueles países.146
Alguns imputam a atualidade das discussões em torno da
corrupção à independência judicial ou ainda à mídia. Defensor da
independência judicial como fator revelador da corrupção então encoberta,
Perfecto ANDRÉS IBÁÑEZ utiliza o exemplo italiano, mais precisamente a
extração do Poder judicial do jugo do Poder executivo, incluindo-se aí
também a independência do Ministério Público. 147 Já José Maria SIMONETTI
associa – ao menos em terras argentinas – o debate atual sobre a corrupção
ao papel desempenhado pela mídia 148, eis que ela teria passado a ocupar um
vazio deixado por demais atores sociais e, assim, passado a expressar as
demandas da sociedade.

145
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... …, p. 43.
146
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... …, p. 43.
147
ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Corrupción: necesidad, posibilidades y límites de la
respuesta judicial. In: Poder, Derecho y Corrupción. México, 2003. p. 196. Ainda digno de
nota: “(...) una de las circunstancias que hacen posible la articulación de una respuesta de
cierto calado a aquellas formas degradadas de la actividad pública radica en la existencia de
una instancia de fiscalización desde la legalidad dotada de cierto grado de independencia,
como es la judicial.” Op. cit., p. 197. Já HASSEMER inclui a independência do Ministério
Público como um dos fatores que denomina de prevenção técnica, que significa uma
maneira de diminuir a corrupção sem o apelo ao direito penal, mas sim a efetivos
instrumentos técnico-organizativos. HASSEMER, Winfried. Posibilidades jurídicas, policiales
y administrativas de una lucha más eficaz contra la corrupción. In: Pena y Estado,
Corrupción, Buenos Aires, número 1, año 1, 1995. p. 152.
148
SIMONETTI, José María. Notas …, p. 167-169. De acordo com a afirmação de
SIMONETTI, mas sem conferir à mídia o papel de principal protagonista, vide COCKCROFT,
Lawrence. Global ..., 104.
37

Como asseverado acima, certamente este não é o fator


preponderante, mas sem dúvida auxilia a resposta sobre a indagação sobre a
atualidade da corrupção como um tema social de tamanha relevância como
se apresenta nos dias de hoje, ou melhor, nas duas últimas décadas.
No que toca propriamente ao Brasil, a (re)democratização ocupa
especial destaque a partir do seguinte silogismo. Se um dos pressupostos da
democratização é a transparência dos atos realizados pelo poder público,
conferindo ao cidadão o direito de eleger seus governantes, fiscalizá-los e
também participar da gestão da res publica, evidenciado está que o regime
em vigor no Brasil a partir de 1988 favoreça o descortinar da corrupção,
podendo trazer inclusive a percepção de que há mais atos de corrupção do
que outrora. Vêm a propósito as palavras de Juarez GUIMARÃES:
“Em primeiro lugar, há a noção de que a corrupção dos políticos e no Estado
é cada vez maior no Brasil. Esta noção baseia-se, de fato, em uma meia
verdade: a percepção da corrupção é maior quando ela é mais combatida e
exposta, não significando necessariamente que seja maior ou crescente.
Uma situação de corrupção generalizada que não vem a público, por
exemplo, em uma ditadura militar, pode ser percebida pela população como
pouco corrupta. De modo inverso, um governo que estabeleça um trabalho
sistemático de combate à corrupção enraizada historicamente nas várias
estruturas do Estado pode ser percebido automaticamente como mais
149
corrupto.”

Do ponto de vista estritamente jurídico-penal a corrupção gravita,


com contornos específicos, em torno daquilo que se entende por Direito penal
econômico 150 e divide o seu referencial teórico principal: <<a tutela de bens
jurídicos coletivos>>. 151 Isso se deduz tanto nas figuras clássicas de
corrupção (cohecho, bribery), como nas mais novas tipologias acerca da
matéria, tais como a corrupção privada e a corrupção de funcionários públicos
estrangeiros, tanto na legislação brasileira quanto na internacional. Pode-se

149
GUIMARÃES, Juarez. Sociedade civil e corrupção: crítica à razão liberal. In: Corrupção e
sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras (orgs.). Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2011. p. 90.
150
A respeito da definição de direito penal econômico vide SILVEIRA, Renato de Mello
Jorge. Direito penal econômico como direito penal de perigo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006; BALDAN, Édson Luís. Fundamentos do direito penal econômico. Curitiba:
Juruá Editora, 2012; SCHMIDT, Andrei Zenkner. A delimitação do direito penal econômico a
partir do objeto do ilícito. In: Direito penal econômico: Crimes financeiros e correlatos. Celso
Sanchez Vilardi, Flávia Rahal Bresser Pereira, Theodomiro Dias Neto (coordenadores). São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 19 a 77.
151
Vide, por todos, MARTINÉZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Derecho penal económico. Parte
general. Valencia: Tirant lo Blanch, 1998. p. 89 a 118.
38

dizer, portanto, que a corrupção lato sensu integra, parafraseando Luis


GRACIA MARTIN, o “novo” direito penal moderno, quanto mais se este autor
considera o Direito penal econômico (e ambiental) como a manifestação mais
destacada desta nova e atual vertente do jus puniendi estatal. 152 Dessarte, a
resposta ao “por que agora a corrupção” encontra-se, em termos de Direito
penal, na atualidade dos desafios dogmáticos, político-criminais e
criminológicos congregados em aspectos da mais variada ordem.

1.3.4. Tratados internacionais.

A resposta à corrupção, portanto, passa obrigatoriamente pela


solução conjuntural internacional, a ponto de exigir a globalização dos
esforços institucionais a nível mundial. 153 Nos últimos 30 anos é passível
denotar um empenho internacional direcionado a agasalhar diversos fatores
relacionados ao tema, tais como a criminalização da corrupção privada e de
funcionários públicos estrangeiros, a harmonização das sanções penais a
serem impostas pelos países, a facilitação da cooperação internacional e
também a inserção de medidas preventivas à ocorrência corrupta (programas
de cumprimento, compliance e governança corporativa).154 Já o objetivo
destes instrumentos internacionais é duplo: de um lado diz respeito à
implementação de efetividade nas medidas anticorrupção e de outro encerra

152
GRACIA MARTÍN, Luis. Prolegómenos para la lucha por la modernización y expansión
del Derecho penal y para la crítica del discurso de resistencia. Valencia: Tirant lo Blanch,
2003. p. 53 a 54 e 65.
153
CASTRESANA FERNÁNDEZ, Carlos. Corrupción, globalización y delincuencia
organizada. In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Salamanca:
Ratio Legis, 2004. p. 220. Em idêntico sentido RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria
..., p. 252. É o caso de citar as palavras de ALONSO e LÓPEZ: “No obstante, en un mundo
crecientemente globalizado este tipo de respuestas, limitadas ao espacio jurídico nacional,
resulta claramente insuficiente. Dos razones avalan este juicio. En primer lugar, porque una
parte importante de las prácticas corruptas en el mundo actual se realizan en el marco de
las transacciones internacionales. En segundo lugar por la capacidad de contagio
internacional que tiene el fenómeno.” LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas
..., p. 73. Utilizando-se da expressão “cooperação global” vide RAMINA, Larissa L. O. Ação
internacional contra a corrupção. Curitiba: Juruá, 2002. p. 43.
154
Cf. PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política criminal
internacional contra la corrupción. In: El derecho penal y la política criminal frente a la
corrupción. Eduardo A. Fabián Caparrós, Miguel Ontiveros Alonso e Nicolás Rodríguez
García (coordenadores). Cidade do México: Ubijus, 2012. P. 207.
39

a finalidade de impor uma unidade normativa para evitar tratamentos


distantes acerca dos atos de corrupção.155
Trata-se, de acordo com CERINA, de duas claras vertentes
fundamentais:
“a) Por una parte, derogando cada vez con más frecuencia el principio de
territorialidad; previendo normas que sancionan delitos que se desarrollan en
parte o completamente en el extranjero y que afectan a bienes jurídicos no ya
estrictamente domésticos.
b) Por otra, alentando a la Comunidad internacional para que promueva la
adopción de estándares comunes que permitan que las relaciones entre
Estados se desarrollen según reglas compartidas. Evidentemente, ello
156
precisa de un compromiso orientado a la sanción de ciertas conductas.”

Advirta-se que nesta sede serão mencionados apenas alguns


dos tratados internacionais e regionais de maior importância, haja vista ser
assunto extenso e, de outro canto, não se apresentar como o objetivo
principal deste estudo. A ideia é justamente passar um panorama geral a
respeito do papel que jogam os organismos internacionais no combate à
corrupção.
A intervenção de caráter internacional incidente sobre a
prevenção157 e repressão de práticas corruptas remonta à década de 70 do
século passado, sendo o caso de mencionar o Projeto de Código Penal
Internacional elaborado entre os anos de 1976 e 1979 pela Associação
Internacional de Direito Penal (AIDP), pois no artigo XVIII de tal proposta se
encontrava prevista a tipificação da corrupção de funcionários públicos
estrangeiros.158 Também é da década de 1970 o Foreign Corrupt Practices
Act (FCPA) 159, ato normativo norteamericano tendente a combater a
corrupção internacional de funcionários públicos estrangeiros.

155
LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 74 e 75.
156
CERINA, Giorgio D. M. Corrupción y cohecho. El derecho penal de iure condito y de iure
condendo. In: Estudios sobre corrupción. Eduardo A. Fábián Caparrós e Ana Isabel Pérez
Cepeda (coordenadores). Salamanca: Ratio Legis, 2010. p. 78 e 79.
157
Assevera José Artur RIOS: “O vulto dos interesses em jogo, no entanto, levou os
cientistas políticos e os juristas a encarar tudo isso em contexto mais amplo. O problema
não é mais de repressão, mas de prevenção.” RIOS, José Artur. A fraude social da
corrupção. In: Sociologia da corrupção. Celso Barroso Leite (organizador). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1987. p. 104.
158
De acordo com GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción ..., p. 48.
159
A adoção de tal ato normativo pelos Estados Unidos da América remonta a três fatos
concretos transcorridos naquele país. O primeiro, do ano de 1976, foi o pagamento pela
empresa Lockheed Corporation de 25 milhões de dólares americanos para funcionários
japoneses de maneira a assegurar a venda de aviões modelo Tristar L-1011. Inclusive a
40

Basicamente o FCPA congregava duas diretrizes fundamentais.


Inicialmente tem-se a criminalização da conduta de se oferecer ou entregar
vantagens indevidas a funcionários de governos estrangeiros no intuito de
proporcionar transações de natureza econômica. E, num segundo momento,
a Lei de práticas corruptas no exterior impôs a necessidade de confecção de
contabilidade detalhada das transações financeiras realizadas pelas
empresas norte-americanas com o estrangeiro, além de exigir sistemas
eficientes de controles internos e auditorias.160 Por óbvio que a citada Lei
norteamericana não passou imune a críticas das próprias empresas daquele
país como também de países estrangeiros.
Alegou-se que a responsabilidade por evitar e responsabilizar
funcionários corruptos seria dos países aos quais os funcionários fossem
subordinados, que os Estados Unidos buscavam impor sua norma à força em
escala internacional e que as empresas norte-americanas, a partir da citada
Lei, se encontrariam em situação de desvantagem diante de empresas
japonesas, europeias e outras, ante não se exigir destas a tomada de
medidas anticorrupção no trato com outras economias mundiais. 161
Contudo, assiste razão a BENITO SÁNCHEZ ao declarar que,
embora não fosse norma vinculante a outros países, o FCPA foi pioneiro no
combate à corrupção de caráter internacional e, em especial, por sua

doutrina noticia que o primeiro ministro japonês à época, Kakuei Tanaka, teria recebido
parte deste valor. O segundo seria uma investigação por parte da Securities and Exchange
Comission (agência federal norteamericana responsável pela regulação do setor de valores
mobiliários), a qual dava conta de que empresas norte-americanas teriam realizado
pagamentos no exterior que se qualificavam como corrupção. Por fim, tem-se o fato
conhecido como Watergate. Neste sentido vide BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p.
54 e 55. De igual forma LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 76.
160
Cf. LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 76. A respeito da
importância do FCPA para o desenvolvimento de uma política internacional anticorrupção
vide NIETO MARTÍN, Adán. La privatización de la lucha contra la corrupción. In: El derecho
penal económico en la era compliance. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín
(directores). Valencia: Tirant lo Blanch, 2013. p. 191 e ss.
161
A assimetria existente entre as empresas americanas, sujeitas à legislação punitiva, e
outras empresas internacionais constituiu “un motivo continuado de denuncia por parte de la
Administración norteamericana, que exigía al resto de los países desarrollados un
comportamiento más responsable y solidario en esta materia y, por otra, de queja de los
círculos empresariales norteamericanos que sentían que la normativa los colocaba en una
posición de desventaja relativa en la competencia internacional.” LÓPEZ, Juana; ALONSO,
José Antonio. Respuestas ..., p. 76.
41

flagrante influência nas posteriores medidas tomadas pelos demais Estados a


partir da década de 1990. 162
Como fruto das pressões163 das empresas norte-americanas
sobre a diplomacia de seu país para que fossem impostas as mesmas regras
às demais empresas mundiais (se não a todas, mas à maioria), elaborou-se,
no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), o Convênio para a luta contra a corrupção de agentes públicos
estrangeiros em transações comerciais internacionais, no ano de 1997. O
notório objetivo foi prevenir a corrupção nas transações comerciais
internacionais de modo que empresas multinacionais participassem de
negociações globais a partir da premissa de respeito à lealdade da
concorrência.164
Em que pese não ser um acordo de natureza mundial, vinculante
a todos os países do globo 165 e também tratar de uma modalidade assaz
particular 166 de corrupção (corrupção ativa de funcionário público
internacional), o Convênio para a luta contra a corrupção de agentes públicos
estrangeiros possui certa relevância ao se considerar que os países
signatários do Convênio representavam dois terços de todas as exportações
de produtos e serviços no mundo todo. 167 Acrescente-se ainda o fato de o
Convênio ter implicado, para além de razões éticas preexistentes de não se
realizar práticas corruptas no comércio internacional, em um marco normativo
de parâmetros para a alteração da legislação dos países envolvidos no
acordo. Exigiu-se, é verdade, dos Estados a criação de um tipo penal de

162
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 63.
163
CERINA, Giorgio D. M. Corrupción y …, p. 79.
164
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 75.
165
PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política ..., p. 209.
166
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 76.
167
LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas …, p. 80. Ainda de acordo com
estes autores: “La convención de la OCDE entró em vigor el 15 de febrero de 1999,
contando con 37 países firmantes. De ellos 30 son países miembros de la OCDE (Alemania,
Australia, Austria, Bélgica, Canadá, Corea, Dinamarca, España, Estados Unidos, Finlandia,
Francia, Grecia, Hungría, Irlanda, Islandia, Italia, Japón, Luxemburgo, México, Noruega,
Nueva Zelanda, Países Bajos, Polonia, Portugal, Reino Unido, República Checa, República
Eslovaca, Suecia, Suiza y Turquía); y 7 son países que no pertenecen a la OCDE:
Argentina, Brasil, Chile, Estonia, Eslovenia, Bulgaria y Sudáfrica.” Respuestas ..., p. 79.
42

corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros, inclusive sem a chance


de se alegar cláusulas de reserva para esta tipificação.168
Outro aspecto positivo a ser destacado a respeito do Convênio
da OCDE é o mecanismo de seguimento, instrumento responsável para a
verificação das obrigações impostas pelo instrumento normativo firmado,
ainda que a verificação de como as medidas foram e estão sendo
implementadas evidencie que ainda há muito o que fazer, isto é, o
cumprimento dos Estados signatários deixaria a desejar. Anota BENITO
SÁNCHEZ que “en el último informe presentado por Transparencia
Internacional, organización a que la propia OCDE le encarga hacer un
seguimiento paralelo del cumplimiento del Convenio, únicamente siete de
todos los Estados parte realizan una aplicación activa del mismo frente a los
nueve que han realizado una aplicación moderada y los veinte que o no lo
han aplicado o lo han hecho escasamente.”169
Paralelamente ao Convênio firmado pelos países integrantes da
OCDE (e mais alguns outros) a Organização dos Estados Americanos (OEA)
foi a responsável pela aprovação do primeiro 170 Convênio Internacional sobre
a corrupção de maneira a impor que os países signatários adotassem
medidas administrativas e legislativas multilaterais para combater as práticas
de corrupção. Identifica RAMINA diversos aspectos ínsitos à denominada
Convenção Interamericana contra a Corrupção: i) ser o “exemplo pioneiro de
ação regional em desenvolvimento” 171 no combate à corrupção; ii) a criação
de diversas obrigações e princípios para a luta contra a corrupção; iii) a
criação e inserção de mecanismos anticorrupção, além de assistência
recíproca em matérias de legislação; iv) a adoção de medidas de extradição,
arresto de bens e cooperação jurídica internacional; v) a prospecção da
criminalização, desde que isso não confronte com seu ordenamento interno,

168
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 83.
169
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 83 e 84.
170
Cf. GONZÁLEZ, Joaquín. La corrupción ..., p. 51; LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio.
Respuestas …, p. 82; RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La corrupción ..., p. 254; RAMINA,
Larissa L. O. Ação …, p. 73
171
RAMINA, Larissa L. O. Ação ..., p. 73.
43

da corrupção de funcionários públicos estrangeiros; vi) a adoção de medidas


de prevenção à corrupção baseados na publicidade, eficiência e ética. 172
Os propósitos deste importante instrumento internacional,
aprovado em 1996 e ratificado pelo Estado brasileiro em 07 de outubro de
2002 por meio do Decreto 4.410/2002, não apenas porquanto o pioneiro, mas
também por sua relevância de conteúdo, seriam:
“El primero, promover y fortalecer el desarrollo, por cada uno de los Estados
Parte, de los mecanismos necesarios para prevenir, detectar, sancionar y
erradicar la corrupción.
El segundo, promover, facilitar y regular la cooperación entre los Estados
Parte a fin de asegurar la eficacia de las medidas y acciones para prevenir,
detectar, sancionar y erradicar los actos de corrupción en el ejercicio de las
funciones públicas y los actos de corrupción específicamente vinculados con
tal ejercicio.” 173

Não há dúvidas de que o enfrentamento da corrupção por


intermédio da Convenção Interamericana partiu de um conceito amplo de
corrupção e, assim, bem maior do que os atos de corrupção ativa e passiva
criminalizados no Direito brasileiro nos artigos 333 e 317 do Código Penal,
respectivamente.
De acordo com o artigo IV da Convenção Interamericana se diz
que os atos de corrupção por ela abrangidos seriam:
a) a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um
funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer
objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores,
promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade
em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas
funções públicas;
b) a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário
público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor
pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou
vantagens a esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca
da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções
públicas;

172
RAMINA, Larissa L. O. Ação ..., p. 73.
173
LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 82.
44

c) a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa


que exerça funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de
suas funções, a fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para
um terceiro;
d) o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes
de qualquer dos atos a que se refere este artigo; e,
e) a participação, como autor, co-autor, instigador, cúmplice,
acobertador ou mediante qualquer outro modo na perpetração, na tentativa
de perpetração ou na associação ou confabulação para perpetrar qualquer
dos atos a que se refere este artigo.
Além disso, seu artigo IV.2. esclarece ser a Convenção também
aplicável por acordo mútuo entre dois ou mais Estados Partes com referência
a quaisquer outros atos de corrupção que a própria Convenção não defina.
Tanto a Convenção elaborada no âmbito da OCDE quanto a
Convenção Interamericana (OEA) 174 conseguiram materializar em acordos
normativos a importância do combate à corrupção em uma escala antes não
existente e, quiçá, sequer imaginável. Nada obstante se fazia necessário
adotar um instrumento <<verdadeiramente universal>> 175 e que seguramente
exigiria a intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU).
Dessarte, a Organização das Nações Unidas promoveu já no ano
de 2000 a Convenção contra a delinquência organizada transnacional. No
Brasil esta foi reconhecida e internalizada no direito interno por meio do
Decreto 5.015/2004. De acordo com o título da convenção fica evidente que o

174
Esta convenção também prevê mecanismos de seguimento, ou seja, “un instrumento de
carácter intergubernamental establecido en el marco de la OEA para apoyar a los Estados
que son parte del mismo en la implementación de las disposiciones de la Convención,
mediante un proceso de evaluaciones recíprocas y en condiciones de igualdad, en donde se
formulan recomendaciones específicas con relación a las áreas en que existan vacíos o
requieran mayores avances”. Já os propósitos deste sistema seriam: “a) promover la
implementación de la Convención y contribuir al logro de sus propósitos; b) dar seguimiento
a los compromisos asumidos por los Estados Parte y analizar la forma en que están siendo
implementados; y, c) facilitar la realización de actividades de cooperación técnica; el
intercambio de información, experiencia y prácticas óptimas; y la armonización de las
legislaciones de los Estados Parte.” Tais definições e conceitos foram retirados diretamente
da página eletrônica da OEA, http://www.oas.org/juridico/spanish/mesicic_intro_sp.htm,
acesso em 05 de abril de 2014, às 14h52min. O último relatório sobre o Brasil foi feito em
2012 e está disponível no link http://www.oas.org/juridico/PDFs/mesicic4_bra_sp.pdf, acesso
em 05 de abril de 2014, 14h57.
175
PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política ..., p. 209.
45

objetivo maior era o trato de questões relacionadas ao crime organizado. Não


sem razão a Convenção aqui mencionada e, por conseguinte, o Decreto
5.015/2004, tratam nos artigos 8 176 e 9 177 de medidas para a criminalização e
prevenção da corrupção. Isso em razão de os atos de corrupção estarem
diretamente relacionados com a criminalidade organizada. 178
Contudo, a Assembleia Geral da ONU compreendeu ser
necessário o tratamento específico, mediante uma Convenção própria, da
corrupção e para tanto as resoluções da ONU n. 55/61 e 55/188 tiveram
especial importância.
Elegido um grupo intergovernamental de experts (Comitê
Especial) na matéria, que se reuniram em sete oportunidades no período
entre 21 de janeiro de 2002 a 01 de outubro de 2003, o resultado foi o texto
apresentado como Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção no dia
31 de outubro de 2003 pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova

176
Artigo 8. Criminalização da corrupção. 1. Cada Estado Parte adotará as medidas
legislativas e outras que sejam necessárias para caracterizar como infrações penais os
seguintes atos, quando intencionalmente cometidos: a) Prometer, oferecer ou conceder a
um agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio
ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se abster de praticar um ato no
desempenho das suas funções oficiais; b) Por um agente público, pedir ou aceitar, direta ou
indiretamente, um benefício indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de
praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais. 2. Cada
Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas ou outras que
sejam necessárias para conferir o caracter de infração penal aos atos enunciados no
parágrafo 1 do presente Artigo que envolvam um agente público estrangeiro ou um
funcionário internacional. Do mesmo modo, cada Estado Parte considerará a possibilidade
de conferir o caracter de infração penal a outras formas de corrupção. 3. Cada Estado Parte
adotará igualmente as medidas necessárias para conferir o caráter de infração penal à
cumplicidade na prática de uma infração enunciada no presente Artigo. 4. Para efeitos do
parágrafo 1 do presente Artigo e do Artigo 9, a expressão "agente público" designa, além do
funcionário público, qualquer pessoa que preste um serviço público, tal como a expressão é
definida no direito interno e aplicada no direito penal do Estado Parte onde a pessoa em
questão exerce as suas funções.
177
Artigo 9. Medidas contra a corrupção. 1. Para além das medidas enunciadas no Artigo 8
da presente Convenção, cada Estado Parte, na medida em que seja procedente e conforme
ao seu ordenamento jurídico, adotará medidas eficazes de ordem legislativa, administrativa
ou outra para promover a integridade e prevenir, detectar e punir a corrupção dos agentes
públicos. 2. Cada Estado Parte tomará medidas no sentido de se assegurar de que as suas
autoridades atuam eficazmente em matéria de prevenção, detecção e repressão da
corrupção de agentes públicos, inclusivamente conferindo a essas autoridades
independência suficiente para impedir qualquer influência indevida sobre a sua atuação.
178
“No cabe duda de que la corrupción en el momento actual, dada la dimensión
internacional que ha adquirido, es una de las modalidades más del crimen organizado
transnacional.” PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política ..., p.
209
46

Iorque. O Estado brasileiro ratificou tal convênio normativo pelo Decreto n.


5.687/2006. 179
Evidentemente se trata do mais importante instrumento
internacional de prevenção e repressão às práticas corruptas, eis que “han
participado países de todas las regiones del mundo, lo que no acontece en
otras iniciativas de alcance territorial más restringido que sólo reúnen a
países que se enfrentan a problemas similares y comparten, al menos el
cierto grado, prácticas jurídicas similares.” 180 Esta vinculação internacional é
deveras o caráter mais relevante da convenção e, ainda, tem se de
considerar o número de países que assinaram o documento e ratificaram o ali
acordado em seu direito interno.
O texto firmado possui 71 artigos, cuja análise só seria viável se
este fosse o objeto direto desta tese. Como não o é, cumpre tecer apenas
algumas breves considerações acerca daquilo que se entende como mais
importante, isto é, suas finalidades e alguns de seus conceitos.
O artigo 1 da Convenção estabelece como suas finalidades:
a) Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater
mais eficaz e eficientemente a corrupção;
b) Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a
assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a
recuperação de ativos;
c) Promover a integridade, a obrigação de render contas e a
devida gestão dos assuntos e dos bens públicos.
Já o artigo 2, letra a, da Convenção da ONU traz a definição de
funcionário público, conceito de que deverá ser entendido como “i) toda
pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial
de um Estado Parte, já designado ou empossado, permanente ou temporário,
remunerado ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo;
ii) toda pessoa que desempenhe uma função pública, inclusive em um
organismo público ou numa empresa pública, ou que preste um serviço

179
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm, acessado
em 05 de abril de 2014, às 15h49min.
180
RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 254. No mesmo sentido BENITO
SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 120;
47

público, segundo definido na legislação interna do Estado Parte e se aplique


na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte; iii) toda
pessoa definida como "funcionário público" na legislação interna de um
Estado Parte.”
A Convenção da ONU contra a Corrupção não define nem
conceitua corrupção, mas sim estabelece alguns dos tipos penais mais
importantes deste fenômeno delitivo 181, ou seja, atos de corrupção que “serão
constitutivos de delito” 182, valendo destacar o suborno de funcionários
públicos nacionais (artigo 15), o suborno de funcionários públicos
estrangeiros e de funcionários de organizações internacionais públicas (artigo
16), a malversação ou peculato, apropriação indébita ou outras formas de
desvio de bens por um funcionário público (artigo 17), o tráfico de influências
(artigo 18), o abuso de funções (artigo 19), o enriquecimento ilícito (artigo
20), o suborno no setor privado (artigo 21), a malversação ou peculato de
bens no setor privado (artigo 22) e a lavagem de produto de delito (artigo 23).
Tratou ainda a Convenção a respeito da responsabilidade penal
das pessoas jurídicas (artigo 26) 183. No seu capítulo IV estão contidas
medidas de cooperação jurídica internacional e o capítulo V tratou da
recuperação de ativos. Para rematar, o capítulo VI versa sobre assistência
técnica e intercâmbio de informações, o capítulo VII sobre os mecanismos de
aplicação e o VIII de disposições finais referentes à solução de possíveis
controvérsias na interpretação e aplicação dos dispositivos da Convenção.
É com acerto que BENITO SÁNCHEZ conclui que a Convenção
das Nações Unidas contra a corrupção, que possui um evidente “enfoque

181
LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 88.
182
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 121 e 122.
183
“1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com
seus princípios jurídicos, a fim de estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por
sua participação nos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 2. Sujeito
aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá
ser de índole penal, civil ou administrativa. 3. Tal responsabilidade existirá sem prejuízo à
responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometido os delitos.
4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou não-
penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas
jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente Artigo.”
48

aberto e multidisciplinar” 184, “representa el comienzo de una nueva etapa en


la lucha contra la corrupción”185, sendo estes os seus argumentos:
“1. La especial atención que presta a la prevención de la corrupción, tanto en
el sector público como el en sector privado, fomentando na participación
activa de la sociedad civil y de las organizaciones no gubernamentales en la
prevención y lucha contra la corrupción. 2. La ampliación de las conductas
que los Estados parte deben tipificar como delito, más allá de los clásicos
delitos de cohecho. 3. El novedoso capítulo concerniente a la recuperación
de activos, más desarrollado que en la CICC y que prevé, por ejemplo, que
esos fondos se destinen a la indemnización de víctimas de los delitos
tipificados de acuerdo a la Convención (art. 57.3.c.). 4. La singular
disposición prevista en el art. 67.2, la cual permite la firma de la Convención
por organizaciones regionales de integración económica siempre que al
186
menos uno de sus Estados miembros haya firmado la Convención.”

Outros aspectos187 tomados como positivos seriam a


demonstração de que a corrupção está vinculada a outros delitos, em
especial à lavagem de dinheiro e outros delitos relacionados à delinquência
econômica e organizada, de que os grandes casos de corrupção ocasionam
danos à estabilidade política e ao desenvolvimento econômico e social dos
países, de que a globalização tornou a corrupção um tema de afetação
mundial e não apenas regional, sendo a cooperação internacional o único
meio de enfrentá-la a contento e, por fim, ser relevante o auxílio a países que
necessitem aprimorar seus sistemas de administração governamental,
prestação de contas e transparência da gestão pública.
O aspecto negativo da Convenção ficaria por conta da
precariedade de seu sistema de seguimento, seja porque muito pouco foi
disciplinado188, seja porque até o presente momento a mencionada revisão
dos resultados da Conferência 189, que teria a finalidade de analisar a

184
RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 254.
185
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 127. Realmente o passo dado pela ONU foi
fundamental e se apresenta como um divisor de águas pois “su alcance mundial permite
afrontar problemas y actuaciones que serían difíciles de abordar a partir de las
convenciones regionales existentes.” LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas
..., p. 90.
186
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 127 e 128.
187
Vide neste sentido RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 254.
188
Vide, neste sentido, o artigo 63 da Convenção.
189
Eis a informação disponível no site do Ministério da Justiça acerca dos mecanismos de
seguimento da aludida Convenção: “Grupo de Trabalho sobre Mecanismos de Revisão: Em
sua terceira Sessão, realizada no Catar em novembro de 2009, a CoP de Mérida adotou a
Resolução 3/1, intitulada “Mecanismo de Revisão”, na qual a Conferência relembrou o Artigo
63 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, especificamente o parágrafo 7°,
sobre a criação de mecanismos apropriados de implementação da Convenção.” Disponível
49

execução da Convenção, não foram os esperados, eis que não se chegou a


um acordo “sobre cómo evaluar de forma independiente el avance de los
países en la aplicación” 190 da Convenção das Nações Unidas sobre a
Corrupção. Some-se a isso o caráter confidencial 191 do documento
eventualmente emitido e que avalie o cumprimento das medidas dispostas na
Convenção por parte de um Estado.

1.4. As apontadas como principais causas e consequências da corrupção.

1.4.1. Causas.

Ainda que se corra o risco de utilizar um conceito e imagem


reducionistas, tal como outros aspectos vinculados à corrupção, não é viável
o discurso de se apontar, sem margem para equívocos e esquecimentos,
quais são todas as causas do fenômeno corruptivo.
Em sendo o conceito polissêmico e multidisciplinar, abrem-se
automaticamente diversos aspectos conceituais e, por conseguinte, de
fatores aptos a desencadear a corrupção ora política, ora econômica, ora
funcional, ora judicial, de modo que qualquer afirmação de natureza
categórica e em caráter final acerca das causas torna-se indevida. Por óbvio
que consideradas as conjunturas nas quais se inserem as práticas de
corrupção, tampouco permitem que estas sejam reconduzíveis a um único

em http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BE1AEA228-4A3C-41B5-973D-
C4DF03D90402%7D&Team=&params=itemID=%7BE4054809-BF95-4DCB-B458-
541E32146AA2%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D,
acesso em 05 de abril de 2014, às 17h25min. De acordo com BENITO SÁNCHEZ trata-se de
“un instrumento donde queda patente el absoluto respecto que ha de profesarse a la
soberanía de los Estados parte, pues los informes de evaluación de cada país tienen que
ser adoptados de común acuerdo entre los Estados examinadores y el Estado examinado;
informe que además tendrá carácter confidencial, aunque <<se procurará>> que pueda
estar a disposición de otros Estados que lo soliciten con el fin de mejorar y fortalecer la
cooperación y el aprendizaje entre ellos.” El delito ..., p. 128 e 129.
190
LÓPEZ, Juana; ALONSO, José Antonio. Respuestas ..., p. 92.
191
A respeito afirma BENITO SÁNCHEZ: “... y será confidencial, aspecto este último, a mi
juicio, criticable, pues la publicidad del informe debería constituir una suerte de sanción para
el Estado incumplidor, como sucede con los mecanismos de seguimiento de otros
instrumentos supranacionales anticorrupción.” El delito ..., p. 129.
50

fator192. Se indevida é a elucubração sobre um único fator causador da


corrupção e também um rol taxativo das causas, mais relevante é a
verificação das prováveis causas e fatores para a demonstração da
regularidade, gravidade e impunidade 193 da espécie de delito aqui em estudo.
Contudo, sem ares e auspícios de se apresentar um rol taxativo
e cerrado, tem-se que a doutrina especializada enxerga, dentre várias, com
relativo grau de certeza, algumas das causas e fatores que podem
desencadear a corrupção. Ou melhor, tem-se que realmente são fatores que
auxiliam a ocorrência de ambientes propícios ao desenvolvimento da
corrupção. Causas diretas e imediatas da corrupção são, por sua vez, muito
dificilmente demonstráveis, em que pese o desenvolvimento de debates e
questionamentos empíricos a respeito. 194 Desta forma é que regimes poucos
democráticos, com parco investimento na educação de seus cidadãos, com
razoável tradição na prática de atos de corrupção, entre tantas outras causas
abaixo desveladas, relevam-se, é verdade, propícios à ocorrência de práticas
corruptas e não causas diretas da corrupção que se quer prevenir e reprimir.
Não sem razão o Banco Mundial menciona que as causas da
corrupção são sempre contextuais e derivadas das políticas dos mais
variados países, das tradições burocráticas, do desenvolvimento político e da
história de determinada sociedade. 195

192
IGLESÍAS RÍO, Miguel Ángel; MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas preventivas en la
lucha contra la corrupción en el ámbito de la Unión Europea. In: Revista Penal, Valencia, n.
14, 2004. p. 53.
193
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... …, p. 45.
194
Cf. FILGUEIRAS, Fernando. Comunicação ..., p. 79. Ainda de acordo com Rita FARIA: “O
meio em que a corrupção se desenvolve é hábil a proteger-se de intrusos e do investigador
exigir-se-ia que reunisse em si conhecimentos especializados tão amplos que cobrissem
áreas como a contabilidade, a economia, o direito, a sociologia e a etnografia. Reunir tais
características numa só pessoa a trabalhar no campo torna-se, por isso, extremamente
difícil.” FARIA, Rita. Corrupção: descrições e reflexões. Sobre a possibilidade de realização
de uma abordagem criminológica ao fenômeno da corrupção em Portugal. In: Revista
Portuguesa de Ciência Criminal, Lisboa, n. 01, ano 17, janeiro/março de 2007. p. 110 e 111.
195
Textualmente: “The causes of corruption are always contextual, rooted in a country's
policies, bureaucratic traditions, political development, and social history. Still, corruption
tends to flourish when institutions are weak and government policies generate economic
rents. Some characteristics of developing and transition settings make corruption particularly
difficult to control. The normal motivation of public sector employees to work productively
may be undermined by many factors, including low and declining civil service salaries and
promotion unconnected to performance. Dysfunctional government budgets, inadequate
supplies and equipment, delays in the release of budget funds (including pay), and a loss of
organizational purpose also may demoralize staff. The motivation to remain honest may be
further weakened if senior officials and political leaders use public office for private gain or if
51

A Organização das Nações Unidas (ONU), de acordo com


RAMINA, analisa as causas da corrupção por meio de algumas raízes
estruturais, sendo elas:
a) situações de monopólio ou oligopólio de empresas, regimes ou
partidos que controlam o poder durante largos períodos de tempo;
b) a ampla discricionariedade de que gozam indivíduos ou
organizações (empresariais ou Estados);
c) ausência de transparência no exercício do poder, e;
d) incidência de assimetrias em ambientes administrativos,
culturais, legais, econômicos ou políticos. 196
Isto posto, e salientando que a corrupção nos países ocidentais é
hoje, ainda que isso possa variar conforme o grau de democracia vigente em
cada país, de caráter democrático 197, pode-se salientar os seguintes
fatores 198 como propensos a desencadear a corrupção:
A debilidade do sistema governamental instalado em
determinado país é seguramente o principal aspecto causador da corrupção,
a ponto de se poder afirmar que a corrupção é um claro sintoma da
imperfeição das instituições de um país. 199 Governos instáveis e/ou ilegítimos
acabam por impedir a criação de instrumentos institucionais aptos a combater

those who resist corruption lack protection. Or the public service may have long been
dominated by patron-client relationships, in which the sharing of bribes and favors has
become entrenched. In some countries pay levels may always have been low, with the
informal understanding that staff will find their own ways to supplement inadequate pay.
Sometimes these conditions are exacerbated by closed political systems dominated by
narrow vested interests and by international sources of corruption associated with major
projects or equipment purchases.” Disponível em
http://www1.worldbank.org/publicsector/anticorrupt/corruptn/cor02.htm, acesso em 17 de
abril de 2014, às 16h49mim. Grifo não existente no original.
196
RAMINA, Larissa L. O. Ação ..., p. 35.
197
BARBOZA, Márcia Noll. O combate à corrupção no mundo contemporâneo e o papel do
Ministério Público no Brasil. In: O papel do Ministério Público no combate à corrupção.
Brasília: Ministério Público Federal, 2006. p. 90.
198
Os fatores e causas retratados dizem respeito a questões mais imediatas do ponto de
vista temporal. Para vislumbrar fatores como forma de colonização, sistema jurídico
adotado, aspectos religiosos incidentes sobre a forma de governo e a legislação e
fragmentação étnico-cultural vide ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas
... ..., p. 46 a 49. Um breve resumo da noção exposta por estes autores é passível de
visualização em LAUFER, Daniel. Breves apontamentos sobre a corrupção e seu tratamento
no Direito Brasileiro: atualidades e perspectivas. In: Questões atuais do sistema penal.
Estudos em homenagem ao professor Roncaglio. Paulo Busato (coordenador). Alexandre
Ramalho de Farias e Luiz Carlos Hallvass Filho (organizadores). Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2013. p. 247.
199
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 45.
52

a corrupção, propiciam lacunas normativas propícias à corrupção, propiciam a


que os agentes públicos busquem benefícios diretos por meio de suas ações
e, por fim, impedem a consolidação de carreiras públicas perenes e
previsíveis, com o que aproveitam para tirar vantagem imediata a partir de
suas posições na burocracia estatal. 200
Os países que possuem parca delimitação entre a esfera pública
e a privada também propiciam ambiente adequado ao desenvolvimento de
práticas corruptas. Isso, aponta SCHILLING, pode ocorrer tanto em países
com governos fortes e estáveis como em países com governos fracos e
instáveis, nos quais se verifica, “em comum, um momento de redefinição ou
uma indistinção histórica entre o que há de ser considerado como público e
privado assim como o papel do Estado na gestão da economia.” 201
Ademais, o grau de subdesenvolvimento ou, a contrario sensu, o
nível de desenvolvimento de um país também determina os índices de
corrupção. Tem-se que o grau de desenvolvimento econômico de um país
acaba por proporcionar a geração de valores a serem investidos nas
instituições do poder público (executivo, legislativo e judiciário), acarretando
efeitos inclusive nos cidadãos que terão maiores condições de requerer e
exigir mais transparência e eficácia da Administração pública. 202
O grau de democracia 203 é também um fator a ser analisado
quando se fala de fatores desencadeantes da corrupção. Fatores como
opacidade política ou, ainda, a ausência de controle da sociedade acerca dos
atos praticados pelo Poder Público favorecem o sigilo e a ocultação das
ações ilegais promovidas. Assiste razão a ALONSO e GARCIMARTIN ao
afirmarem:
“La representación institucional de intereses diversos en el seno del Estado,
el mayor peso otorgado a los procedimientos legales en el resolución de
conflicto de intereses, la actuación vigilante de los medios de comunicación o
la presión de una sociedad civil con capacidad para organizarse y actuar en
la esfera pública constituyen rasgos de la democracia que tienden a limitar el
204
espacio para las prácticas corruptas.”

200
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 52 e 53.
201
SCHILLING, Flávia. Corrupção ..., p. 56.
202
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 53.
203
Tal compreensão não é imune a críticas. Neste sentido vide NOONAN, John T. Subornos.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1984. p. 805 e seguintes.
204
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 49.
53

Assim é que a escassa transparência205 da atuação dos


servidores públicos aliado à larga ausência de mecanismos de
responsabilização e controle dos atos praticados por aqueles, tudo próprio de
regimes não democráticos, auxiliam sobremaneira a ocorrência de práticas
corruptas 206, de modo que a conhecida frase atribuída a Lord Acton, “o poder
tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”, vem bem a
calhar. A observância dos princípios democráticos para a tomada de decisões
aliada a conceitos como transparência, responsabilidade e integridade e
devida atenção à divisão dos poderes são ferramentas que obstam o
desenvolvimento da corrupção. 207
A solidez do sistema judicial também opera sobre a realidade da
corrupção. Sem desconhecer que o sistema judicial adequado é aquele
inserido em regimes democráticos, conforme reafirmado no parágrafo
anterior. A transparência, a independência e a solidez do sistema judicial,
assim reconhecidas tais características no cumprimento de normas para a
investigação, ampla defesa, aplicação do princípio do contraditório e
imposição de sanções aos responsáveis, acabam por referenciar um <<fator
institucional chave>> para a prevenção e repressão dos casos de
corrupção.208 Regras e punições judiciais claras e efetivas tendem a auxiliar o
estabelecimento de padrões de comportamento. 209
A existência de uma adequada carreira profissional, associada a
uma justa retribuição salarial também figuram como fatores aptos a

205
“Un Estado, en suma, no es fuerte por su tamaño, sino por su fortaleza, que se expresa
por la calidad de sus decisiones.” ACOSTA, Alberto. Prólogo …, p. 10. Igualmente menciona
a da (falta de) transparência como fator impeditivo (causador) da corrupção: MEDEIROS,
Humberto Jaques de. O papel do Ministério Público no combate à corrupção. In: O papel do
Ministério Público no Combate à Corrupção. Brasília: Ministério Público Federal, 2006. p. 61.
206
MATELLANES RODRÍGUEZ, Nuria P. El delito de cohecho de funcionarios nacionales en
el Código Penal español: condicionantes internacionales y principales aspectos de su nueva
regulación. In: El Derecho Penal y la política criminal frente a la corrupción. Eduardo A.
Fabián Caparrós, Miguel Ontiveros Alonso y Nicolás Rodríguez Garcia (coordinadores).
Ciudad de México: Inacipe, 2012. p. 253.
207
IGLESÍAS RÍO, Miguel Ángel; MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas …, p. 53.
208
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ..., p. 49.
209
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras,
2010. p. 351. Apresentando a noção de que o Judiciário joga um papel muito importante no
combate à corrupção, passando por aspectos como autonomia, integridade e eficácia do
Judiciário vide BARBOZA FILHO, Rubem. Judiciário. In: Corrupção: ensaios e críticas.
Leonardo Avritzer (et. al.) 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 449-453.
54

desencadear e, em contrapartida, a refrear as ocorrências corruptas210. Não


há dúvida de que adequados salários e políticas de carreiras bem delineadas
tendem a retirar a sedução do recebimento de subornos e solicitação de
propinas.211 De acordo com Carlos Higino Ribeiro de ALENCAR e Ivo GICO
JR., “o agente público é um agente racional maximizador que realiza – ainda
que intuitivamente e de acordo com suas preferências – uma análise prévia
do custo-benefício de sua conduta ilícita antes de realizá-la.” 212
Há quem impute ao excesso de burocracia 213 e também, de outro
lado, ao excesso de discricionariedade administrativa 214 a qualidade de
fatores que disseminam e contribuem ao aumento da corrupção.
ALBUQUERQUE 215 afirma que no direito público brasileiro o que se visualiza
é a inexistência de instrumentos para o controle da discricionariedade 216 do
agente público nem tampouco de preocupação com a formação moral de tal
agente. Some-se ainda, segundo o autor, o exercício da função pública
muitas vezes não delimitada por normas jurídicas que possam controlá-la a
contento.
A respeito da burocracia destaca o sociólogo José Artur RIOS:

210
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ......, p. 49.
211
ALONSO, José Antonio; GARCIMARTÍN, Carlos. Causas ... ..., p. 50.
212
ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de; GICO JR., Ivo. A eficácia dos salários públicos
como instrumento de combate à corrupção. In: Direito penal e economia. Thiago Bottino e
Diogo Malan (coordenadores). Rio de Janeiro: Elsevier: FGV, 2012. p. 82. Tais autores
chegam, no mesmo estudo, à conclusão de que no Brasil “as informações disponíveis
podem indicar que os salários dos servidores públicos federais não representam um
elemento propiciador da corrupção no Brasil.” ALENCAR, Carlos Higino Ribeiro de; GICO
JR., Ivo. A eficácia ..., p. 97.
213
Em comentário à realidade italiana, que muito se assemelha à brasileira, aduz Mario
CACIAGLI: “Una tercera causa macropolítica y a largo plazo de la corrupción ha sido
identificada en los procedimientos burocráticos. Los procedimientos largos y complejos,
propios de la administración italiana, junto a la ineficiencia de la misma, permiten la
intervención del político para facilitar la resolución de asuntos que, aunque sean normales y
debidos, encuentran sin embargo muchos obstáculos. El mismo burócrata, de acuerdo con
el político o por su iniciativa, llega a ser protagonista de la práctica corrupta. La
maladministración crea las condiciones favorables para la corrupción.” CACIAGLI, Mario.
Clientelismo, corrupción y criminalidad organizada. Evidencias empíricas y propuestas
teóricas a partir de los casos italianos. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1996.
p. 73.
214
Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. Corrupción …, p. 65-70.
215
ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. O protagonismo do Ministério Público no Estado de
Direito: a cidadania contra a corrupção. In: O papel do Ministério Público no Combate à
Corrupção. Brasília: Ministério Público Federal, 2006. p. 22.
216
Adverte Amartya SEN que “alguns sistemas de regulamentação encorajam a corrupção
conferindo poderes discricionários aos altos funcionários que podem conceder favores a
terceiros – em especial homens de negócios - , favores que podem render-lhes muito
dinheiro.” SEN, Amartya. Desenvolvimento ..., p. 351.
55

“A corrupção, como todos os desvios, é inconcebível sem a norma da qual é


o avesso: a lei antieconômica, a regulamentação minuciosa, ao arrepio da
realidade, tudo isso que, visando aparentemente um fim corretivo, pode ser
causa de distorções e abusos. A burocracia é uma geradora de corrupção,
como a tecnocracia. (...) Quando uma empresa se vê tolhida em seu
funcionamento pela demora na concessão da patente ou do alvará, quando
os dias correm sem que possa usar a licença requerida ou abrir as portas
para iniciar sua atividade, que muito é que busque no burocrata ou
217
tecnocrata prestimoso a franquia solicitada.”

Outro fator reconhecido como causador de práticas corruptas


vem a ser a intervenção estatal na economia. Desta forma, “el progresivo
intervencionismo estatal en la vida económica, asumiendo un gran
protagonismo en la prestación de servicios y en la ejecución de grandes
inversiones públicas”218 surge como um fator econômico geral de
desenvolvimento da corrupção. A expansão dos gastos públicos e maior
regulamentação estatal da vida econômica realmente incidem no surgimento
da corrupção, pois se associam à burocratização dos procedimentos estatais,
à expansão de empresas públicas com elevado poderio econômico e criação
de entes regulatórios, sendo nestes setores larga a possibilidade de
influência política na nomeação dos administradores e dirigentes. 219 Não sem
razão se afirma que a intervenção estatal, travestida de rigores de
neutralidade e transparência, acaba por favorecer ambientes para a prática
de subornos e obtenção de benefícios indevidos.220
Atente-se ser muito improvável – ainda que varie o grau de
liberalismo incidente sobre a administração e a economia de determinado
Estado-nação – que sejam relegados a segundo plano os conteúdos
essenciais do Estado de bem-estar e, assim, retraída por completo a
intervenção estatal na economia. 221
Héctor A. MAIRAL também destaca o Direito como um fator
preponderante para o desenvolvimento da corrupção. E não está a falar da

217
RIOS, José Artur. A fraude ..., p. 100.
218
IGLESÍAS RÍO, Miguel Ángel; MEDINA ARNÁIZ, Teresa. Herramientas …, p. 53.
219
Cf. CACIAGLI, Mario. Clientelismo ..., p. 73.
220
MATELLANES RODRÍGUEZ, Nuria P. El delito ..., p. 253. No mesmo sentido vide
MAIRAL, Héctor A. Las raíces legales de la corrupción: o de cómo el derecho público
fomenta la corrupción en lugar de combatirla. Buenos Aires: Rap, 2007. p. 16 e 17.
221
Cf. GONZÁLEZ, Joaquín. Corrupción ..., p. 109.
56

ausência de (não) aplicação das normas administrativas ou penais


direcionadas a prevenir e reprimi-la.
Sua noção é outra e atravessa o raciocínio de que “además de
servir de instrumento a un sistema económico que fomente la corrupción,
también puede actuar independientemente como factor de corrupción”222, eis
que certas características ínsitas à estruturação do sistema jurídico acabam
por favorecer a conduta de descumprimento sancionável.223 Segundo MAIRAL
destacam-se, como fatores jurídicos causadores da corrupção, a insegurança
jurídica 224 e suas derivações de desconhecimento da norma 225, a obscuridade
e a vaguidade226 das regras jurídicas, as normas de validade duvidosa227, a
restrição do acesso à justiça228, as normas irreais ou excessivamente
ambiciosas 229, o número excessivo de outorgas discricionárias aos
230
funcionários públicos , e, por fim, os defeitos normativos de contratação da
231
Administração Pública .
Por fim, o aspecto moral. Não se pode descuidar do aspecto
moral, aqui considerado como a “inexistência de uma consciência coletiva
que valorize o interesse comum mais além dos interesses individuais.”232

1.4.1.1. Especial referência ao Estado Brasileiro.

No tocante ao Estado Brasileiro, é possível apontar algumas


causas específicas das práticas corruptas que o assolam. São diversas, diga-
se de passagem, muito embora algumas destas fontes geradoras ganhem
maior relevo.

222
MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 18.
223
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 21.
224
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 23.
225
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 23 a 27.
226
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 27 a 31.
227
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 31 a 34.
228
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 34 a 36.
229
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 49 a 55.
230
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 55 a 66.
231
Cf. MAIRAL, Héctor A. Las raíces ..., p. 73 e seguintes.
232
MATELLANES RODRÍGUEZ, Nuria P. El delito ..., p. 253. Tradução livre.
57

Desponta, de início, a forma pela qual o Brasil foi colonizado, vez


que aqueles que por aqui aportaram não traziam consigo um projeto de nação
delineado e, muito menos, compromissos ou projetos ideológicos de
coletividade.233 O molde de colonização utilizado pelos portugueses,
justamente em razão de seu cunho eminentemente predatório e
arrecadatório, resvalou na concessão de privilégios econômicos e fiscais
àqueles que viessem explorar esta região. 234
Tal realidade é bem retratada por Raimundo FAORO em obra
obrigatória sobre o tema:
“Entre o Estado e o particular, na exploração dos tributos e dos monopólios,
se fixa, densa e ávida, impiedosa e insaciável, uma camada de exploradores,
alimentada pela Coroa. O primeiro representante da inquieta geração será
dom Fernão de Loronha, arrendatário das riquezas da terra do Brasil, com
direito a explorar o monopólio de pau-Brasil. Os contratadores virão na sua
esteira, arrematando ou recebendo em concessão a cobrança de tributos, o
negócio dos diamantes e os caminhos de bens e pessoas. Dos rendosos
contratos sobrará muito para a corrupção – as luvas aos intermediários e
governadores, na denúncia do maldizente autos das Cartas chilenas. Os
próprios cargos do Brasil, reservados a premiar serviços e colocar a nobreza
ociosa, passaram a ser vendidos, a partir do século XVIII. Burguesia e
funcionários, afastados pelas atividades e preconceitos, se unem na mesma
concepção de Estado: a exploração da economia em proveito da minoria que
orienta, dirige, controla, manda e explora. A mistura das águas seria
inevitável, diante da tarefa comum, com iguais proveitos para quem concede
os benefícios e para quem os gere. A burguesia, fechado o caminho da
revolução industrial no país, se converte em apêndice da nobreza, apêndice
235
que sua rendimentos e se assenhoreia de privilégios.”

Surge, com isso, a concepção patrimonialista do Estado, ou seja,


aquela caracterizada por uma simbiose entre atividade pública e negócios de
natureza privada, ou seja, “segundo a qual posições e cargos deveriam ser
naturalmente explorados por governantes e funcionários, cujos recursos eram
indistintos em relação aos do Estado ou advinham da exploração daquelas
posições e cargos como prebendas que lhes permitiam extrair benesses

233
Cf. BARBOZA, Márcia Noll. O combate ..., p. 101 e 102.
234
Cf. HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira corrupção: graduação da influência ilícita
no Estado Brasileiro. In: Revista Ibero-americana de ciências penais, Porto Alegre, número
15, ano 8, 2007. p. 89.
235
FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 5ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012. p. 274.
58

pessoais.”236 HERINGER JÚNIOR outorga a esta característica própria da


elite social brasileira o adjetivo de <<fermenteiro da corrupção>>. 237
Interessantes as proposições de DOMINGUES:
“A tradição absolutista do período colonial implicava clara mistura do tesouro
do Estado espanhol e português com o do rei e da nobreza (os principais
funcionários do Estado), além de uma grande dificuldade da metrópole em
controlar seus prepostos na remota América. Com as independências,
Estados de feição formal moderna se estabeleceram, separando-se público e
privado. Isso não implicou o desaparecimento absoluto das características
238
desses Estados, transformou-as de forma decisiva.”

Hoje, contudo, tal patrimonialismo convertido em


neopatrimonialismo se revela de maneira obscura e implícita, tendo no
Estado o seu ambiente de concretização, mais precisamente no desrespeito
entre os limites públicos e privados nas mais diversas situações de
239
desenvolvimento social e poderes públicos.
Assim, se é inegável a existência atual de uma herança
patrimonialista a incidir no trato da coisa pública, também não se pode afirmar
que esta é a única grande causa da corrupção no Estado Brasileiro. Ao
menos, não fundamenta de maneira satisfatória a existência das práticas
corruptas recém-desveladas ou em curso no Brasil. E, em especial, não traz
argumentos a elucidar os motivos que levam à prática de atos ligados à
grande corrupção.240

236
DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo e neopatrimonialismo. In: Corrupção:
ensaios e críticas. Leonardo Avritzer, Newton Bignoto, Juarez Guimarães e Heloisa Maria
Murgel Starling (organizadores). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 158.
237
HERINGER JUNIOR, Bruno. A verdadeira ..., p. 89. E complementa: “Cuida-se da
rapinagem que assume variadas formas: acesso a informações privilegiadas, destinação de
verbas a fundo perdido para currais eleitorais, desvios de recursos públicos, socorro
financeiro público a empresas privadas deficitárias, empreguismo, lobbies escusos,
contratação de serviços ou aquisição de produtos de empresas determinadas, fraudes em
licitações e renúncia fiscal abusiva, a que se ligam tantas ações ilícitas que se tornaram
famosas como a máfia da previdência, as cestas da LBA, o esquema PC, os anões do
orçamento, o escândalo dos precatórios, o caso Marka, o prédio do TRT de São Paulo, e,
mais recentemente, o valerioduto e a máfia das ambulâncias.” HERINGER JUNIOR, Bruno.
A verdadeira ..., p. 89 e 90.
238
DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo ..., p. 159.
239
Cf. DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo ..., p. 160.
240
A distinção é trabalhada por COSTA, Sylvia Chaves Lima em dissertação apresentada
como requisito parcial para aprovação no Mestrado da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro em 2013.
59

As outras causas que fomentam a corrupção no Brasil residem


no sistema político e na legislação eleitoral 241 e na intervenção estatal na
economia e decorrente burocracia envolvida.
Tal como em outros países, o Estado Brasileiro intervém
claramente na economia e em outros setores por meio de regulamentações e
subsídios, com o que diversos setores da sociedade tornam-se reféns de
decisões administrativas e políticas estatais.242 Obviamente que não se trata
de causa propiciadora da corrupção exclusivamente incidente em solo
brasileiro, mas sim de causa que, aliada à herança patrimonialista, revela-se
bastante esclarecedora.
Portanto, embora cientes de que em outros países a intervenção
do Estado na economia se dá de maneira até mais presente, é fato que a
intervenção do Estado brasileiro na economia é fonte de corrupção. Assim
esclarecem Barbara GUEDES e Artur RIBEIRO NETO:
“Mantendo-se as demais condições, é de se esperar que a corrupção
aumente na medida em que o setor privado se torne mais dependente do
Estado, que haja maior interação entre empresários e funcionários públicos,
e que a intervenção se torne mais meticulosa e discricionária. No Brasil,
muitas empresas dependem há muito do governo para sustentar sua
lucratividade. Nos escândalos recentes, destacaram-se especialmente as
grandes empreiteiras de obras públicas, que tiveram papel crucial no
243
financiamento das campanhas.”

Em termos de sistema político e estruturação eleitoral pode-se


afirmar que as alterações na legislação eleitoral e também em dispositivos
constitucionais acabaram por aumentar a viabilidade de práticas corruptas
vez que tanto reduziram a força do Poder Executivo para tornar suas
coalizões estáveis e afiançar a fidelidade de seus apoiadores nas Casas
Legislativas como, também, resultaram num aumento do poder do Congresso
Nacional que propicia a corrupção e o clientelismo. 244

241
Vide, neste sentido, GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes institucionais da
corrupção no Brasil. In: Corrupção e reforma política no Brasil: o impacto do impeachment
de Collor. Keith S. Rosenn e Richard Downes (organizadores). Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000. p. 63.
242
Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 61.
243
Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 61.
244
Cf. GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur. Fontes ..., p. 56. Especificamente a
respeito da corrupção eleitoral e do clientelismo destaca PONTE: “O clientelismo político
estimula a troca de votos por favores dos mais variados, que embora situem no campo da
legalidade, por vezes, atingem a ética e a própria moral. Em tal prática há uma relação de
60

Segundo Leonardo AVRITZER:


“O sistema político brasileiro, no que diz respeito à sua organização eleitoral,
passou por poucas mudanças durante o processo de elaboração da
Constituição de 1988. O governo autoritário instituído em 1964, em vez de
suspender o funcionamento das instituições políticas, reformou-as,
estabelecendo fortes distorções no sistema político brasileiro, entre as quais
vale a pena mencionar: a mudança na proporcionalidade das representações
estaduais, o aumento do número de membros do Congresso e a forte
implantação de critérios políticos na divisão de recursos do orçamento da
União. Todos esses elementos levaram a uma lógica de financiamento do
sistema político por meio de recursos públicos, que não foi desfeita durante a
elaboração da Constituição de 1988.
Ao mesmo tempo, o sistema proporcional implantado no Brasil criou o
245
chamado “presidencialismo de coalisão” , um fenômeno que pode ser
descrito da seguinte forma: o presidente do Brasil se elege com uma
quantidade muito maior de votos que seu partido recebe nas eleições para o
Congresso, criando a necessidade de alianças políticas. Por sua vez, as
negociações para a conquista da maioria no Congresso têm como moeda de
troca os recursos públicos alocados no orçamento da União ou a distribuição
246
de cargos entre os ministérios” cujo resultado é “um conjunto de
negociações no interior do Congresso que, como é amplamente sabido,
247
favorece casos de corrupção e o popular “caixa dois”.”

À guisa de conclusão segue parte do voto proferido pelo Exmo.


Min. Luis Roberto Barroso248 em sua primeira manifestação na Ação Penal n.
470 (Mensalão);
“2. A sociedade brasileira está exausta do modo como se faz política no país.
A catarse representada pelo julgamento da Ação Penal 470 é um dos muitos
sinais visíveis dessa fadiga institucional. Sintonizado com esse sentimento, o
julgamento desta ação pelo Supremo Tribunal Federal, mais do que a
condenação de pessoas, significou a condenação de um modelo político, aí
incluídos o sistema eleitoral e o sistema partidário. A inquietação social pela

satisfação imediata dos problemas dos eleitores pelo candidato, que atua frente a uma
morosa e complexa máquina estatal, cuja burocracia justifica sua presença. Se o Estado for
eficiente, independente e objetivo na solução dos problemas sociais, o clientelismo perde
sua força, comprometendo sua própria existência.” PONTE, Antonio Carlos da. Crimes
eleitorais. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 168.
245
Complementam Barbara GEDDES e Artur RIBEIRO NETO: “O principal problema com
que se defronta o Executivo num sistema presidencial é garantir apoio suficiente dos
parlamentares para aprovar leis importantes. Esse problema ganha vulto sobretudo quando
o partido do presidente não controla o Legislativo ou quando o partido do presidente é
pequeno. Agrava-se também quando são muitos os partidos com cadeiras no Legislativo, o
que obriga a negociar muitos pactos diferentes, e quando a falta de disciplina partidária
exige que se negociem acordos com muitos parlamentares individualmente, e não com um
número pequeno de lideranças partidárias.” GEDDES, Barbara; RIBEIRO NETO, Artur.
Fontes ..., p. 63.
246
AVRITZER, Leonardo. Governabilidade, sistema político e corrupção no Brasil. In:
Corrupção e sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras (orgs.). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 45.
247
AVRITZER, Leonardo. Governabilidade, ..., p. 45.
248
Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-
content/uploads/2013/11/Introdu%C3%A7%C3%A3o-ao-voto-na-AP-470_Necessidade-de-
reforma-pol%C3%ADtica.pdf, acesso em 22 de agosto de 2015, às 16h30min.
61

qual tem passado o Brasil nos últimos meses se deve, em parte relevante, à
incapacidade da política institucional de vocalizar os anseios da sociedade.
3. As principais características negativas do modelo político brasileiro são: (i)
o papel central do dinheiro, como consequência do custo astronômico das
campanhas; (ii) a irrelevância programática dos partidos, que funcionam
como rótulos vazios para candidaturas, bem como para a obtenção de
recursos do fundo partidário e uso do tempo de televisão; e (iii) um sistema
eleitoral e partidário que dificulta a formação de maiorias políticas estáveis,
impondo negociações caso a caso a cada votação importante no Congresso
Nacional. (Nada do que estou dizendo é novidade ou desconhecido. Por
ocasião da minha sabatina, tive oportunidade de conversar com as principais
lideranças do Congresso, quando pude constatar que esta percepção é geral,
transpartidária).
4. Tome-se um exemplo emblemático. Uma campanha para Deputado
Federal em alguns Estados custa, em avaliação modesta, 4 milhões de reais.
O limite máximo de remuneração no serviço público é um pouco inferior a 20
mil reais líquidos. De modo que em quatro anos de mandato (48 meses), o
máximo que um Deputado pode ganhar é inferior a 1 milhão de reais. Basta
fazer a conta para descobrir onde está o problema. Com esses números, não
há como a política viver, estritamente, sob o signo do interesse público. Ela
se transforma em um negócio, uma busca voraz por recursos públicos e
privados. Nesse ambiente, proliferam as mazelas do financiamento eleitoral
não contabilizado, as emendas orçamentárias para fins privados, a venda de
facilidades legislativas. Vale dizer: o modelo político brasileiro produz uma
ampla e quase inexorável criminalização da política.
5. A conclusão a que se chega, inevitavelmente, é que a imensa energia
jurisdicional dispendida no julgamento da AP 470 terá sido em vão se não
forem tomadas providências urgentes de reforma do modelo político, tanto do
sistema eleitoral quanto do sistema partidário. Após o início do inquérito que
resultou na AP 470 – com toda a sua divulgação, cobertura e cobrança –, já
tornaram a ocorrer incontáveis casos de criminalidade associada à maldição
do financiamento eleitoral, à farra das legendas de aluguel e às negociações
para formação de maiorias políticas que assegurem a governabilidade.”

1.4.2. Consequências.

Diz a Convenção penal sobre a Corrupção da União Europeia:


“Sublinhando que a corrupção constitui uma ameaça para o Estado de direito,
a democracia e os direitos do homem, mina os princípios de boa
administração, de equidade e de justiça social, falseia a concorrência,
entrava o desenvolvimento económico e faz perigar à estabilidade das
instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.” 249

Nesta linha de argumentação, tal como as causas, as


consequências dos atos de corrupção remontam a diversas formas e
estruturas, tudo a partir do ângulo a ser direcionado pelo aplicador do direito,
pelo intérprete ou pela ciência empregada a descortinar tais consequências.

249
Disponível em http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-
mpenal/ce/rar68_2001.html, acesso em 17 de abril de 2014, às 17h26min.
62

Surgem daí aspectos econômicos, culturais, sociais, filosóficos e jurídicos,


muito embora seja praticamente impossível isolar absolutamente um destes
aspectos dos outros.
O trecho transcrito, oriundo da União Europeia, confirma a
assertiva há pouco empregada. Veja-se que as consequências ali apontadas
vão desde nuances políticos (democracia e instituições democráticas),
passam por aspectos jurídicos (Estado de Direito e justiça social) e
econômicos (livre concorrência e desenvolvimento econômico) para encerrar
em questões de natureza filosófica, sociológica e moral (fundamentos morais
da sociedade).
Num passado não muito distante existiram teses defensivas da
corrupção, denominadas revisionistas, que se ancoravam em discursos
sedimentados nos aspectos positivos da corrupção para a modernização da
economia e da sociedade em geral. Neste pormenor é imperiosa a menção à
obra de Samuel P. Huntington, professor da Universidade de Harvard e autor
das seguintes afirmações:
“Nesse sentido, a corrupção é um produto direto da ascensão de novos
grupos, com novos recursos, e dos esforços desses grupos para se tornarem
uma presença efetiva na espera política. A corrupção pode ser o meio de
assimilar novos grupos no sistema político, usando-se meios irregulares
porque o sistema foi incapaz de adaptar-se suficientemente depressa para
proporcionar meios legítimos e aceitáveis.” 250

“A corrupção serve para reduzir as pressões grupais para as mudanças de


políticas, assim como a reforma serve para atenuar as pressões de classe
251
para as mudanças estruturais.”

“Assim como a corrupção produzida pela expansão da participação política


contribui para a integração de novos grupos no sistema político, a corrupção
decorrente da expansão da intervenção governamental pode contribuir para
estimular o desenvolvimento econômico. A corrupção pode ser um meio de
superar as normas tradicionais ou os regulamentos burocráticos que
252
emperram o desenvolvimento.”

Na atualidade, ao contrário, existe grande consenso253 em


considerar os efeitos da corrupção amplamente nefastos consoante já visto

250
HUNTINGTON, Samuel P. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo:
Editora Forense Universitária, 1975. p. 74.
251
HUNTINGTON, Samuel P. A ordem ..., p. 77.
252
HUNTINGTON, Samuel P. A ordem ..., p. 82.
253
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación macroeconómica al fenómeno de la
corrupción. In: La corrupción en un mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Nicolás
63

acima. Eduardo A. FABIÁN CAPARRÓS, um dos maiores estudiosos sobre a


corrupção, afirmou categoricamente que: “Sin embargo, los efectos positivos
que puede generar el soborno a muy corto plazo constratan con las graves
consecuencias que, a juicio de los expertos, produce sobre la economía
nacional y, en última instancia, sobre la de los particulares.”254
Assim é que, iniciando com vistas ao caráter econômico, os
efeitos da corrupção atingem o grau e o volume de investimentos em um
determinado país ou região, sendo já manifestamente comprovada a relação
diretamente proporcional entre o grau de corrupção incidente em determinado
país e as possibilidades de crescimento econômico em largo prazo. 255
De acordo com MAURO, “conforme uma análise feita a partir dos
índices de corrupção postulados pelo Business International (BI), uma
evolução de um desvio-padrão no índice de corrupção provoca o aumento
dos investimentos em 5% do PIB e a elevação em 0,5% da taxa anual de
crescimento do PIB per capita.” 256
De outro lado, quando disseminada, a corrupção tende a gerar
efeitos de maiores proporções e que atingem decisões de natureza política,
bem como a qualidade do investimento público e a produtividade/efetividade
do funcionalismo público e suas prestações.257 Tanto é assim que, a imperar
a corrupção, o gasto público tende a se dirigir não a obras ou serviços com
prioridade social e sim àqueles que possibilitem o ganho ilícito, o suborno e a
propina. 258 O uso do dinheiro público passa a ser viciado a partir da vontade
viciada do corrupto259 o que pode ainda afetar a quantia do gasto público,
pois parcela do dinheiro público gasto poderá ser desviado em favor do

Rodríguez Garcia e Eduardo A. Fabián Caparrós (coordinadores). Salamanca: Ratio Legis,


2004. p. 32. Da mesma forma BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 43.
254
FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. La corrupción de los servidores públicos extranjeros e
internacionales (anotaciones para un derecho penal globalizado). In: La corrupción en un
mundo globalizado: análisis interdisciplinar. Nicolás Rodríguez Garcia e Eduardo A. Fabián
Caparrós (coordinadores). Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 230.
255
MALEM SEÑA, Jorge F. Globalización ..., p. 45.
256
MAURO, Paolo. Os efeitos da corrupção sobre crescimento, investimentos e gastos do
governo: uma análise de países representativos. In: A corrupção e a economia global.
Kimberly Ann Elliott (organizadora). Brasília: Editora UnB, 2002. p. 140.
257
Cf. MALEM SEÑA, Jorge F. Globalización ..., p. 46.
258
Cf. MALEM SEÑA, Jorge F. Corrupción, racionalidad y educación moral. In: La
corrupción. Virgilio Zapatero (compilador). Ciudad de México: Ediciones Coyoacán, 2007. p.
174.
259
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 45.
64

patrimônio de particulares e de funcionários corruptos 260, quando não ocorre


de o particular que se viu obrigado a pagar o suborno pretender recuperar
seu custo a partir do preço cobrado – por ajustes no contrato – do poder
público.261
A frase é de efeito, mas há de se dar razão a BENITO SÁNCHEZ
ao afirmar que “los efectos económicos de la corrupción pueden ser
devastadores, ya que ésta tiende a perpetuarse en el tiempo y a expandirse
en el espacio.” 262 Atente-se, por exemplo, às consequências da corrupção
sobre a livre concorrência, interesse social inclusive protegido pela carta
constitucional brasileira. Não se duvida que a incidência da corrupção acaba
por sufragar a existência da liberdade da concorrência. Se não a elide por
completo, ao menos diminui as possibilidades de competição justa entre
fornecedores do governo, investidores, prestadores de serviços, industriais,
entre outros. Gera-se, nas palavras de Edmundo OLIVEIRA, enfraquecimento
e instabilidade nos negócios, particulares ou públicos 263, favorecendo
inclusive a geração de monopólios. 264
As taxas de investimento de capitais, nacionais ou estrangeiros,
também diminuem. Isso porque o investidor raciocina a partir da lógica custo-
benefício e os países ou atividades contaminadas pela corrupção opõem-se
ao correto desenvolvimento do negócio ou investimento a ser desenvolvido. O
resultado é óbvio, fazendo com que o investidor direcione suas atividades a
regiões e países não permeados pela corrupção. 265
Afirma-se também que a corrupção prejudica a economia sob a
leitura do consumo, diminuindo-o. Parte da renda das famílias, sob a égide de
práticas corruptas, terá de ser destinada ao pagamento de propinas e

260
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33.
261
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33.
262
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 43.
263
OLIVEIRA, Edmundo. Crimes ..., p. 135.
264
“Así, los leales competidores serán expulsados del mercado, suprimiéndose la libre
competencia que debe presidir las relaciones económicas, lo que conducirá a una
progresiva monopolización del mercado en cuestión.” BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito
de corrupción ..., p. 47.
265
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 46.
65

subornos, diminuindo a taxa de consumo de tais pessoas, cujos efeitos


afetam a indústria e a economia nacional. 266
MURIEL PATINO assim pontua:
“El resultado conjunto de los argumentos anteriores es ciertamente perverso
para la economía del país en el que la corrupción está presente: una
contracción tanto de la demanda como de la oferta agregadas conllevan
resultados macroeconómicos de reducción del nivel de producción y de las
posibilidades de crecimiento futuras, la consiguiente reducción del nivel de
267
empleo, y un aumento del nivel de precios.”

O desenvolvimento dos seres humanos e das sociedades aos


quais se inserem também se vê afetado. De acordo com comprovações
empíricas já realizadas, existe direta relação entre taxas de crescimento
econômico e diminuição de taxas de pobreza. Existindo crescimento
econômico (claramente prejudicado pelas práticas corruptas) ocorre, em
maior ou menor percentagem, a diminuição dos níveis de pobreza de
determinada sociedade. 268 Associe-se a isso que a corrupção também pode
contribuir à concentração de capital em poder de grupos específicos já melhor
situados economicamente, o que terá impacto direto na manutenção de
eventual desigualdade distributiva e impedirá a ascensão social de
269
determinada classe ou grupo de pessoas.
No plano administrativo a corrupção prejudica o próprio
funcionamento da administração pública, a partir da geração de
ressentimento e frustração de funcionários honestos e probos em
comparação a funcionários que atentam contra a moralidade, efetividade e
bom andamento a partir de atos ilícitos administrativos e/ou penais. 270 Neste
ponto também não há dúvida de que o Estado perde força administrativa271 a
cada ato de corrupção praticado e ainda mais se a corrupção se torna
sistêmica ou involucrada a tal ponto de coordenar as práticas administrativas,
transformando-se em um mero “instrumento nas mãos de corruptos.”272

266
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33.
267
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 33.
268
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 36.
269
MURIEL PATINO, María Victoria. Aproximación ..., p. 36.
270
MALEM SEÑA, Jorge F. La corrupción ..., p. 69.
271
Cf. MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174.
272
MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174.
66

Quanto à democracia, a corrupção consegue minar sua


característica principal. Democracia e corrupção se repelem mútua e
diretamente, se considerada a realidade de que o acordo corrupto ofende a
regra de ouro da democracia (a de que a cada uma pessoa tem-se um voto),
com o que a democracia se transmuta em simples ideologia sem utilidade
prática efetiva.273 Com isso não é de se estranhar que a confiança do cidadão
se perca por completo e implique diretamente sobre as bases nas quais se
assenta o Estado Democrático de Direito 274, desaguando em desencanto e
desinteresse com a cidadania e seu exercício. 275
A incidência da corrupção no Poder Judiciário traz consigo o
consectário lógico de perda da noção de prevenção geral que supostamente
está arraigado à sanção de natureza criminal. 276
Por fim, uma pequena nota mais concreta e direcionada ao caso
brasileiro. Em estudo 277 datado de março de 2010, produzido pela Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), estima que o custo médio
anual da corrupção para o Brasil, em números históricos de 2008, época da
conclusão do estudo, seria entre 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto
(PIB), ou seja, algo entre R$ 41,5 e R$ 69,1 bilhões.

1.5. A corrupção e o delito de corrupção. O recorte necessário à analise do


tema.

Para além de uma confusão conceitual em torno daquilo que se


deve compreender como corrupção, tal como exposto no item 1.1. supra,
existe também a necessidade de evidenciar uma diferença entre os conceitos
propriamente penais de corrupção.

273
MALEM SENÃ, Jorge F. Corrupción ..., p. 174.
274
BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. El delito ..., p. 42. No mesmo sentido PÉREZ CEPEDA,
Ana Isabel; BENITO SÁNCHEZ, Demelsa. La política …, p. 204.
275
RODRÍGUEZ GARCIA, Nicolás. La necesaria ..., p. 247.
276
MALEM SEÑA, Jorge F. Corrupción …, p. 174.
277
Disponível em http://www.fiesp.com.br/indices-pesquisas-e-publicacoes/relatorio-
corrupcao-custos-economicos-e-propostas-de-combate/, acesso em 09 de maio de 2015, às
22h46min.
67

Ora, muito embora a língua portuguesa não favoreça de imediato


a conclusão, até porque iguala fenômeno corruptivo e crimes de corrupção, é
consabido que corrupção não é (ou não deveria ser) um crime em si, mas sim
uma forma por meio da qual as condutas humanas acabam por atingir
interesses protegidos pelo Direito penal. Não há, portanto, um tipo geral de
corrupção a ser aplicado indistintamente, mas sim formas de corrupção
expressas em tipos penais, sendo que estes adquirem relevância apenas
quando são atingidos ou colocados em perigo bens dignos de proteção
jurídico-penal. 278
QUERALT alerta que não existem:
“... tipos penales de específicos de corrupción. Ello en principio no es ni
extraño ni inconveniente; la corrupción se manifiesta mediante
comportamientos punibles desde el paradigmático cohecho activo y pasivo
hasta otros más ocultos, pero no menos insidiosos, como la colusión o el
blanqueo de dinero.” 279

Portanto, a fim de sistematizar o horizonte dos próximos


capítulos, há de se ter em mente a separação entre corrupção como
fenômeno, corrupção como forma de delito lato sensu e corrupção como
forma de delito strictu sensu.
Classificações são inócuas quando se desconectam de fins
práticos. Se assim é, veja-se.
Quanto ao fenômeno da corrupção, consoante já disposto, sabe-
se ser impossível a associação automática entre aquele e o Direito penal. O
recorte penal daquilo que faz parte da corrupção como fenômeno está a
cargo do legislador, sendo evidente que só parte das condutas tomadas por
corruptas revelam-se crimes previstos no Código penal e legislação
extravagante.
Já no tocante ao Direito penal propriamente dito, a noção do que
é comumente compreendido por corrupção dá lugar a diversos delitos
acobertados por este signo. Assim é, v.g., em relação ao peculato, à
concussão e à prevaricação, isso se considerados os delitos funcionais contra

278
KINDHAUSER, Urs. Presupuestos de la corrupción punible en el Estado, la economía y la
sociedad. Los delitos de corrupción en el Código penal alemán. In: Política criminal, n. 03,
2007, p. 2. Disponível em http://www.politicacriminal.cl/n_03/a_1_3.pdf , acesso em 22 de
agosto de 2015, às 16h40min.
279
QUERALT, Joan J. Reflexiones …, p. 19.
68

a administração. De outro vértice, pode-se incluir aí o tráfico de influência


como outro delito a evidenciar esta tendência, porém associado ao particular
como autor do delito. 280 Em matéria de legislação especial ganha destaque a
corrupção eleitoral281 insculpida no artigo 299 do Código Eleitoral (Lei
4.737/65).
Vale a advertência há muito proposta por Fernando Henrique
Mendes de ALMEIDA:
“Peculato, concussão e corrupção passiva formam o tríptico constitutivo de
poderosos índices de dissolução moral de um povo, no que concerne à
esfera dos delitos do funcionário público. São, todavia, delitos que não se
devem confundir, já porque não há razão para baralhá-los, como também
porque não aproveita ao método dispensar o discernimento que os distancia
e os delimita. Há, sem embargo do que foi dito, uma nota dominante nos três
delitos: é que êles revelam atmosfera de corrupção geral na burocracia em
que acontece a repetição dos fatos em que se manifestam. Entrementes, sem
dúvida, necessário é esclarecer ab ove que, embora os três delitos
contenham a nota de corrupção no sentido geral e não específico, o peculato
e a concussão não se confundem, nem se podem confundir, com a infração a
que o legislador chamou corrupção passiva, a qual envolve suborno ou
282
peita.”

A grande questão, ao menos nos dias atuais, é demonstrar não


apenas a diferença entre os tipos penais de corrupção lato sensu e strictu
sensu, mas sim a ampliação das figuras típicas anotadas sob a rubrica mais
ampla. Sim, esta concepção alterou-se.
Bem mencionam GÓMEZ DE LA TORRE e FABIÁN CAPARRÓS
no sentido de que as condutas hoje catalogadas como corrupção apenas se
vinculavam ao funcionário que, utilizando-se das facilidades e qualidades de
servidor, obtinha benefícios materiais que o favoreciam ou favoreciam
terceiros.283 Hoje, contudo, esta noção se vê alterada, a partir de critérios de

280
Não se desconhece, contudo, ter o legislador pátrio associado o termo corrupção a
diversos outros delitos, a saber, entre outros: corrupção de menores (art. 218 do Código
Penal), corrupção desportiva (arts. 41-C e 41-D da Lei 10671/2003), corrupção concorrencial
(art. 195, inciso X, da Lei 9279/96), corrupção eleitoral (art. 299 da Lei 4737/1965). Assim
também vide SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A ideia penal sobre a corrupção no Brasil.
In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de 2011. p. 411.
281
Sobre o tema vide obrigatoriamente PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São
Paulo: Saraiva, 2008.
282
ALMEIDA, Fernando Henrique Mendes de. Dos crimes contra a administração pública.
São Paulo: Saraiva, 1955. p. 62.
283
GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo A. Corrupción y
derecho penal: nuevos perfiles, nuevas respuestas. In: Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n. 81, novembro/dezembro de 2009. p. 11.
69

natureza econômica e de natureza territorial 284, sendo o caso de se alocar


sob a noção de corrupção os delitos de organização criminosa, lavagem de
dinheiro, sonegação fiscal, fraudes licitatórias, entre outros.
Mas, para além de uma diferença conceitual entre a corrupção
lato sensu, sendo caracterizada por uma indeterminação 285 inerente a ela e
dependente de um contexto cultural, político e econômico, e a corrupção
strictu sensu, que a bem da verdade no Brasil poderia assumir outra
nomenclatura tal como <<suborno>>, pois facilitaria muito a compreensão
jurídica e principalmente leiga do assunto, é fato que existe uma diferença de
natureza jurídica.
Não há dúvida de que tanto a corrupção lato sensu quanto o
próprio delito de <<suborno>> envolvem a desconsideração do público em
favor do privado, mais precisamente a apropriação do âmbito e do interesse
público por interesses unicamente de índole privada. Tanto o peculato,
expressão quiçá maior da corrupção lato sensu, quanto o suborno passivo ou
ativo, figuras típicas aqui objeto de dissecação, flagrantemente demonstram
atos da esfera pública ou até em detrimento desta que obedecem a
interesses privados mediante a destruição do público, seja como conceito,
seja como patrimônio inerente à cidadania. 286
Todavia, para além desta similitude, algumas características
incidem sobre o delito de suborno que o distinguem dos demais e o torna
merecedor de existência típica própria.
Quiçá o principal deles seja o bem jurídico, retratado no próximo
capítulo, sendo que este bem jurídico decorre de características inerentes às
ocorrências corruptivas strictu sensu.

284
“Si se pretende sintetizar las características claves que hoy presenta la corrupción, se ha
de tomar como punto de partida el hecho innegable que las conductas que incluimos dentro
de este término no afectan sólo al bien jurídico que constituye el normal funcionamiento de
la Administración Pública, sino que, en sus manifestaciones más graves, sus efectos sobre
las relaciones económicas la llevan al ámbito de la delincuencia socio-económica y que, por
otra parte, la dimensión internacional de algunos de estos comportamientos lleva a que el
interés de su prevención trascienda a los Estados individualmente considerados y vaya a la
comunidad internacional.” GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; FABIÁN CAPARRÓS,
Eduardo A. Corrupción …, p. 24 e 25.
285
Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 05.
286
Cf. VIRGOLINI, Julio. Las determinaciones …, p. 87.
70

Uma interessante definição genérica do delito de suborno


(corrupção strictu sensu) é a de que ele revela uma “patologia das
decisões”.287 In casu, no suborno que atinge a administração pública, trata-se
de uma patologia das decisões dos servidores públicos que assume a forma
de um acordo delitivo288, de uma relação de duas partes no formato de um
contrato289, relação esta que se baseia na ideia de o particular oferecer,
prometer ou dar dinheiro, valor ou qualquer outra vantagem indevida a
determinado servidor público.
REISMAN fornece a seguinte definição precisa da corrupção
strictu sensu:
“La condición fundamental previa de carácter social para que exista el
soborno es un grado de reglamentación eficaz y normativa por un actor que
controla (AC) una transacción cuyo resultado es valorado por un actor
externo (AE). AE intenta obtener el resultado que prefiere en violación de la
norma apropiada, ofreciéndole una recompensa privada a AC.” 290

Esta perspectiva favorece à demonstração de que o delito de


suborno envolve sempre uma dualidade de agentes, um particular e um
funcionário, ainda que apenas um deles possa efetivamente cometer o delito
de suborno ativo ou passivo. Há sempre uma zona de contato com o privado,
seja porque este buscou a corrupção do agente público mediante a oferta de
vantagens indevidas, seja porque o agente público solicitou a vantagem
indevida da vítima, aqui o particular. E a partir desta identificada realidade
dos fatos se pode quebrar a máxima, absolutamente incorreta, representada
de um lado pela população bondosa, correta e cumpridora de seus deveres e
de outro pelos funcionários públicos e representantes eleitos, estes sempre
potencialmente corruptos, o que também torna possível “a argumentação de
que as pessoas corretas e honestas não entram na política porque não
aguentam a podridão do mundo político.”291

287
REISMAN, W. Michael. Remedios contra la corrupción? Cohecho, cruzadas y reformas.
Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1981. p. 21.
288
Cf. KINDHAUSER, Urs. Presupuestos ..., p. 05.
289
Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20.
290
REISMAN, W. Michael, Remedios …, p. 72.
291
PINTO, Celi Regina Jardim. A banalidade da corrupção. Uma forma de governar o Brasil.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 50. A mesma autora ainda relata sobre a realidade
brasileira: “O problema que deve ser enfrentado na análise da relação público-privado no
Brasil é o da privatização do público, tanto pelos agentes privados como pelos próprios
agentes públicos.” A banalidade ..., p. 64.
71

Mas não é só. Além desta ideia de dação de valores/vantagens


os modelos de incriminação da corrupção strictu sensu podem fundamentar-
se em um aspecto mercantil ou num aspecto de patrocínio. No primeiro, os
valores ou vantagens são transacionados para a prática de determinado ato
de ofício individualizado no âmbito de atuação do servidor público. Já no
segundo o pagamento, oferecimento ou inclusive a solicitação se daria não
em função de um ato particularizado, mas sim em razão da função exercida
pelo servidor público. 292
Sem reducionismos, é certo que a escolha entre uma destas
modalidades é privativa do legislador, muito embora diversas críticas possam
ser endereçadas ao modelo de patrocínio ora descrito, o qual é empregado
no tipo penal de corrupção passiva previsto no caput do artigo 317 do Código
Penal.
Com isso, mesmo que fazendo o suborno parte do grande rol dos
delitos assim colacionados sob o signo da corrupção, a ele são reservadas
características muito próprias a seguir analisadas.

292
Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20 e 21.
2. OS TIPOS PENAIS DE CORRUPÇÃO EM SENTIDO ESTRITO NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL.

2.1. Breve histórico.

Algumas ocorrências históricas acerca da corrupção já foram


acima delineadas. Contudo, a comprovação normativa de que os fatos ligados
à corrupção não são de todo novos na realidade brasileira está nas
legislações anteriores. Daí que, tanto no Código Criminal do Império como no
Código Penal de 1890, se vislumbrava presente a tipificação da aqui
intitulada corrupção strictu sensu, naquelas ocasiões denominadas de peita e
suborno.
Como bem relembra Paulo José da COSTA JR. 293, o Código
Criminal do Império distinguia as duas figuras típicas: a peita, disposta no
artigo 130294 daquele regramento, consistia na corrupção por dinheiro e o
suborno, este previsto no artigo 133295, criminalizava o ato de corrupção que
se dava por meio de influência ou pedido de um terceiro sobre o funcionário
público.
Já o Código de 1890, de reconhecida precariedade técnico-
296
legislativa , dispunha conjuntamente a respeito da <<peita ou suborno>>

293
COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. Volume 3. São Paulo:
Saraiva, 1989. p. 468. Da mesma forma FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal.
Parte especial. Volume II. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 435 e PRADO, Luiz Regis.
Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3. 5ª ed., p. 470 e 471.
294
“Art. 130. Receber dinheiro, ou outro algum donativo; ou aceitar promessa directa, e
indirectamente para praticar, ou deixar de praticar algum acto de officio contra, ou segundo
a lei.
Penas - de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer; de multa igual ao
tresdobro da peita; e de prisão por tres a nove mezes.
A pena de prisão não terá lugar, quando o acto, em vista do qual se recebeu, ou aceitou a
peita, se não tiver effectuado.”
295
“Art. 133. Deixar-se corromper por influencia, ou peditorio de alguem, para obrar o que
não dever, ou deixar de obrar o que dever.
Decidir-se por dadiva, ou promessa, a eleger, ou propôr alguem para algum emprego, ainda
que para elle tenha as qualidades requeridas.
Penas - as mesmas estabelecidas para os casos da peita.”
296
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 436.
73

na Seção III 297 do Capítulo único do Título V, este intitulado “Dos crimes
contra a boa ordem e administração publica”.
Como características que nortearam estes dois regramentos
anteriores, está a utilização da denominação <<peita>>, substantivo este
utilizado em Portugal, mais precisamente nas Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas 298 e a inexistência de criminalização apartada e
individualizada sob a forma de “corrupção ativa”, muito embora estivessem
presentes normas que informassem, como era o caso dos arts. 132 e 134 do
Código do Império e do artigo 217 do Código de 1890, que, ao que dessem
ou prometessem a peita, seriam impostas as mesmas penas cominadas aos
peitados ou subornados.
Ademais, para tais figuras típicas, não incidia qualquer espécie
de agravamento da pena quando da hipótese de omissão ou atuação
administrativa em desconformidade com o determinado em lei, o que nos dias
de hoje se classifica como corrupção própria.
Assim, em que pese à época ter se utilizado de outra expressão
na língua portuguesa que não o termo corrupção (devido aos inúmeros
significados que podem atingir tal expressão), as legislações criminais de

297
“Art. 214. Receber para si, ou para outrem, directamente ou por interposta pessoa, em
dinheiro ou outra utilidade, retribuição que não seja devida; acceitar, directa, ou
indirectamente, promessa, dadiva ou recompensa para praticar ou deixar de praticar um
acto do officio, ou cargo, embora de conformidade com a lei. Exigir, directa ou
indirectamente, para si ou para outrem, ou consentir que outrem exija, recompensa ou
gratificação por algum pagamento que tiver de fazer em razão do officio ou commissão de
que for encarregado: Penas – de prisão cellular por seis mezes a um anno e perda do
emprego com inhabilitação para outro, além da multa igual ao triplo da somma, ou utilidade
recebida.
Art. 215. Deixar-se corromper por influencia, ou suggestão de alguem, para retardar, omittir,
praticar, ou deixar de praticar um acto contra os deveres do officio ou cargo; para prover ou
propor para emprego publico alguem, ainda que tenha os requisitos legaes:
Penas – de prisão cellular por seis mezes a um anno, e perda do emprego com inhabilitação
para outro.
Art. 216. Nas mesmas penas incorrerá o juiz de direito, de facto, ou arbitro que, por peita ou
suborno, der sentença, ainda que justa.
§ 1º Si a sentença for criminal condemnatoria, mais injusta, soffrerá o peitado ou
subordinado a mesma pena que tiver imposto ao que condemnara, além da perda do
emprego e multa.
Art. 217. O que der ou prometter peita, ou suborno, será punido com as mesmas penas
impostas ao peitado e subornado.
Art. 218. São nullos os actos em que intervier peita ou suborno.”
298
SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brasileiro: (segundo o Código Penal mandado executar
pelo Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890, e leis que o modificaram ou completaram,
elucidados pela doutrina e jurisprudência). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,
2003. p. 280.
74

1830 e de 1890 acabavam por se imiscuir em terreno não afeto ao Direito


penal ao determinar a anulação dos “actos em que intervier peita ou
suborno”299, desrespeitavam o princípio da proporcionalidade ao igualar a
pena da peita ao suborno, sendo este último o equivalente à corrupção
privilegiada da lei atualmente em vigor no direito brasileiro, e, mantinham a
equiparação hoje existente – e à época já criticada 300 – de ser cominada a
mesma pena ao funcionário público e ao particular.
Por fim, especificamente em relação ao Código de 1890, suas
regras se aplicavam unicamente a funcionários públicos, conceito que não
abarcava pessoas que detinham cargos eletivos, não cometendo “o crime de
peita o deputado ou senador que vender o seu parecer, o seu voto, porque
não são orgams da administração publica, tem investidura por outra fonte, a
eleição.” 301
A respeito da legislação atualmente em vigor, foi absolutamente
econômico na exposição de motivos do Código Penal de 1940 302 o Ministro
Francisco Campos a respeito dos delitos contra a administração pública,
tendo aduzido o seguinte a respeito dos delitos de concussão e corrupção:
“Os conceitos da concussão, da corrupção (que a lei atual chama peita ou
suborno), da resistência e do desacato são ampliados. A concussão não se
limita, como na lei vigente, ao crimen superexactionis (de que o projeto cuida
em artigo especial), pois consiste, segundo o projeto, em "exigir, para si ou
para outrem, direta ou indiretamente, mesmo fora das funções, ou antes de
assumí-las, mas em razão delas, qualquer retribuição indevida".
A corrupção é reconhecível mesmo quando o funcionário não tenha ainda
assumido o cargo.”

299
Conforme previa o artigo 218 do Código de 1890 e o artigo 132 do Código de 1830.
300
SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ..., p. 287; SOARES, Oscar de Macedo. Codigo Penal
da Republica dos Estados Unidos do Brasil. Ed. Fac-similar. Brasília: Senado Federal,
Superior Tribunal de Justiça, 2004. p. 415 e 416.
301
SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ..., p. 281. O mesmo autor já aponta raciocínio crítico a
tal situação: “A solução seria outra, acautelando melhor os interesses sociaes, se o código a
exemplo do portuguez, art. 327, do hespanhol, definindo o que fosse funccionario publico,
abrangesse no definido aquelles representantes da soberania nacional. De jure constituto,
porém, pela deficiência do código, pela proibição expressa da aplicação analógica de suas
regras, para qualificar crimes ou determinar penas, impune, pelo crime de peita, fica a
mercancia que se suas funcções fala o deputado ou senador.” Direito penal ..., p. 281 e 282.
302
O Código Penal de 1940 teve como início um projeto de Alcântara Machado, o qual foi
protagonizado por uma comissão revisora composta pelos doutores Nelson Hungria, Vieira
Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira. Neste sentido vide NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 17.
75

Após a promulgação do Decreto-lei 2.848/1940, a única


alteração direta303 incidente sobre os tipos penais de corrupção ativa e
passiva se deu por meio da Lei 10.763/2003, responsável por aumentar a
sanção de penal de 01 a 08 anos para 02 a 12 anos, ao tempo em que não se
desconhece que a Lei 10.467/2002 inseriu na legislação brasileira os tipos
penais dos arts. 337-B304 e 337-C305 bem como o conceito de funcionário
público estrangeiro no artigo 337-D306.
Deste modo, o enfrentamento da corrupção strictu sensu, aqui
considerada como a noção de suborno, conhecida pelos não afetos à área
jurídica, rege-se na Lei brasileira pelos seguintes dispositivos:

Corrupção passiva
Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem
ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício
ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com
infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Corrupção ativa
Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

303
Indireta pode-se dizer a alteração realizada sobre o artigo 327 do Código Penal, obra da
edição das Leis 6.799/1980 e 9.983/2000.
304
Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a
funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou
retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou
promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica
infringindo dever funcional.
305
Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado
por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação
comercial internacional:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a
vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro.
306
Art. 337-D. Considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem,
ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública
em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro.
Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego
ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de
país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.
76

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.


Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da
vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o
pratica infringindo dever funcional.

2.2. Legitimidade da tutela penal. O bem jurídico tutelado nos delitos de


corrupção em sentido estrito.

2.2.1. Premissas.

Para a devida elucidação das questões propostas neste trabalho,


já de certa forma antecipadas na introdução, faz-se mister a imposição de
uma premissa básica, fundamental, para a concepção dos limites jurídico-
penais do delito de corrupção. Trata-se do arcabouço teórico trazido pela
teoria do bem jurídico, não em seu aspecto crítico negativo307, mas sim em
seu cariz técnico e positivo para a fundamentação de toda a aplicação do
Direito penal.
Desta feita, escora-se o trabalho na premissa de que o Direito
penal possui como pedra legitimadora de sua estrutura a tutela de bens
jurídicos. Não sem razão os grandes manuais 308 e tratados de Direito penal

307
Uma das principais críticas vai de encontro à finalidade própria do direito penal, que ao
contrário de proteger bens jurídicos, o direito penal teria como missão “a de conduzir os
destinatários da norma à obediência de seus comandos.” BUSATO, Paulo. Direito Penal.
Parte Geral. 1ª ed., p. 10. Trata-se, como se sabe, da teoria desenvolvida por Günther
Jakobs. Para maiores detalhes vide em especial a obra de JAKOBS, Günther. Derecho
Penal. Parte general. Madrid: Marcial Pons, 1997. p. 43 a 62. A respeito de outras críticas à
“desgastada” teoria do bem jurídico vide BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed.,
p. 364 e ss.
308
Guilherme de Souza NUCCI pontua já de início na mais nova edição de seu Manual de
Direito Penal: “Por isso, quando o bem jurídico penal é destacado como tal, surgem tipos
penais incriminadores para protegê-los, indicando as condutas proibidas, sob pena de lesão
ao referido bem jurídico tutelado.” (…) “A boa lida do bem jurídico, captando-o em todos os
tipos penais incriminadores, analisando-o e conferindo-lhe o merecido alcance e
abrangência, favorece – e muito – a atividade do operador do Direito, permitindo-lhe
construir a justa aplicação do Direito Penal compatível com o Estado Democrático de
Direito.” Manual de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 06 e 07. Da
mesma forma Paulo BUSATO assinala: “Como referido inicialmente, existe certa prevalência
na doutrina em admitir como missão essencial do Direito penal a proteção de bens
jurídicos.”(…)”Ainda assim, essa proposta é mais ajustada à proteção das garantias
fundamentais, …”. BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 15. Por fim, sem
desconsiderar existirem outras fontes no mesmo sentido, BITENCOURT menciona que “a
função do Direito penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais.” BITENCOURT, Cezar
Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 1. Parte geral. 11a ed. São Paulo: Editora
Saraiva, 2007. p. 06.
77

se iniciam pela temática do bem jurídico, fazendo-se questão de delinear a


significância de tal postulado e a necessidade de compreender o Direito penal
a partir dos interesses e valores a serem tutelados.
Deste modo, as premissas das quais se parte para a análise do
bem jurídico tutelado no delito de corrupção são as seguintes:
a) Conceito: bens jurídicos são “dados fundamentais para a
realização pessoal dos indivíduos ou para a subsistência do sistema social,
nos limites de uma ordem constitucional” 309, o que muito se aproxima de
“circunstâncias dadas ou finalidades que são úteis para o indivíduo e seu livre
desenvolvimento no marco de um sistema social global estruturado sobre a
base desta concepção dos fins ou para o funcionamento do próprio
sistema.” 310
b) assiste razão a Bernd SCHÜNEMANN quando afirma que o
fundamento do princípio da proteção de bens jurídicos, o tal <<ponto sub-
arquimédico>> referido pelo autor, se encontra na ideia de limitação do
Direito penal derivada da noção de contrato social já defendida desde a
criação do Direito penal moderno 311 e fornece a devida orientação sobre o
que deve o que não deve ser tutelado por intermédio do Direito penal 312;
c) ancorar-se na validade da teoria de proteção de bens jurídicos
possibilita exigir não apenas a dimensão formal da pretensão de relevância
de determinada norma penal, mas principalmente a dimensão material, de
modo que a “conduta há de afligir o interesse protegido pela norma de modo
suficiente a justificar a intervenção penal.” 313;

309
GRECO, Luis. Modernização do direito penal, bens jurídicos coletivos e crimes de perigo
abstrato. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 89.
310
ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Madrid: Civitas, 1997. p. 56.
311
SCHÜNEMANN, Bernd. O princípio da proteção de bens jurídicos como ponto de fuga
dos limites constitucionais e da interpretação dos tipos. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos
de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. Luís Greco (coordenador).
São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 75.
p. 45. No mesmo sentido relembrado por BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed.,
p. 349.
312
SCHÜNEMANN, Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção de bens jurídicos! –
sobre os limites invioláveis do direito penal em um estado de direito liberal. In:
SCHÜNEMANN, Bernd. Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do
direito. Luís Greco (coordenador). São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 75.
313
BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 348. No mesmo sentido é a opinião
de PONTE, Antonio Carlos da. Crimes ..., p. 149.
78

d) a partir do conceito aqui adotado, a discussão entre as teses


imanentistas e transcendentalistas carece de amparo, porquanto se torna
óbvio que existem finalidades preexistentes à criação do ordenamento
jurídico que merecem a tutela penal (v.g., a vida humana), como também
existem dados criados pela estrutura social e governamental a serem
tutelados, in casu, a administração pública, o sistema financeiro, o sistema
tributário, dentre outros 314;
e) a separação entre teorias monistas e dualistas 315 tende a
ofuscar o principal ponto de debate e fundamentação, ponto este
consubstanciado na tutela direta de interesses individuais ou ainda na tutela
de interesses coletivos que só se realizam se mantiverem relação com o
desenvolvimento do sistema social, sendo este existente e ancorado em
propósitos eminentemente direcionados ao ser humano;
f) a mencionada capacidade de rendimento da teoria do bem
jurídico, em síntese, as vantagens da adoção do postulado em que se
fundamenta o Direito penal pela proteção de bens jurídicos, traz em seu bojo
a viabilidade de reduzir o número de tipos penais; a outorga de legitimidade
para a criminalização de determinadas condutas; favorece o exercício de
crítica316 livre, racional e desimpedida da realidade jurídico-penal de
determinado sistema e ordenamento e possibilita otimizar a tutela dos direitos
fundamentais em lugar da tendência de aumentar a intervenção estatal por
meio da “mundialização” do Direito penal 317;

314
Cf. ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Org. e
trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2013. p. 17-18.
315
Cf. BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 382. Em sentido contrário,
favorável ao dualismo, vide GRECO, Luis. Modernização ..., p. 87, para quem “... quanto
menos um bem jurídico coletivo se deixar referir a indivíduos, menos problemático ele será.
Além do mais, nem sempre será possível referir o bem jurídico coletivo aos interesses de
indivíduos concretos.”
316
GRECO, Luis. Modernização ..., p. 46. Não sem razão afirma ROXIN que o conceito de
bem jurídico assume particular importância a partir de sua capacidade de crítica, “na medida
em que pretende mostrar ao legislador as fronteiras de uma punição legítima.” ROXIN,
Claus. A proteção ..., p. 20.
317
A crítica neste sentido é de SCHÜNEMANN, todavia, fazendo menção ao que para ele
parece mais evidente, ou seja, a europeização do direito penal; utilizou-se aqui o termo
mundialização até porque o tema “corrupção” dá a exata noção do que ocorre no panorama
mundial acerca da infinidade de normas internacionais que pretendem seja aplicada a todos
os indistintos países signatários dos compromissos. SCHÜNEMANN, Bernd. O princípio da
..., p. 67.
79

g) em tema de corrupção é conveniente ser ressaltada a


existência e a legitimidade de bens jurídicos de natureza coletiva, sendo que
os crimes de corrupção bem realçam a tutela de bens jurídicos coletivos
desde épocas anteriores à criação do moderno Direito penal ambiental e
econômico 318;
h) também em tema de corrupção é conveniente salientar que
meras imoralidades 319 não bastam para a outorga de legitimação à
intervenção pessoal na vida dos cidadãos; o desvio de dinheiro público, a
concussão, a prevaricação e, em caráter especial, o suborno dado ou aceito,
carregam consigo uma larga bagagem de imoralidade, mas nem por isso são
apenáveis simplesmente por serem imorais. Há de ser encontrado um bem
jurídico tutelado e este, seguramente, não se manifesta apenas na
moralidade do serviço público.
i) pode-se concluir, para o fim de firmar as premissas
mencionadas, com os termos lançados por BUSATO:
“Na construção aqui defendida, ele [bem jurídico] constitui um elemento
fundamental, que dota de conteúdo o tipo de ação, fazendo com que se
possa pretender afirmar a ofensividade do fato em face do conjunto
normativo, no entanto, não goza de um conceito, mas sim, seguindo a Vives
e a Martínez-Buján Pérez, constitui uma razão de ser, ou resume um
conjunto de motivos justificadores para a imposição racional de uma privação
de liberdade.” 320

2.2.2. O bem jurídico tutelado por meio do delito de suborno.

318
Cf. GRECO, Luis. Modernização ..., p. 87; HEFENDEHL, Roland. El bien jurídico como
eje material de la norma penal. In: La teoría del bien jurídico. Fundamento de legitimación
del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Roland Refendehl (editor). Madrid:
Marcial Pons, 2007. p. 182.
319
Cf. ROXIN, Claus. Derecho Penal, p. 52 e 56; ROXIN, Claus. A proteção ..., p. 17. De
acordo com STERNBERG-LIEBEN: “Ningún individuo puede tutelar moralmente al resto, de
donde se sigue que el Estado, cuya legitimidad a la hora de punir no es autónoma sino que
se deriva exclusivamente de los individuos, carece igualmente de autorización para punir
conductas exclusivamente inmorales (contrarias a las buenas costumbres). Sólo la conducta
que lesiona un bien jurídico y que es por lo tanto socialmente dañina puede ser objeto de
mandatos y prohibiciones penales.” STERNBERG-LIEBEN, Detlev. Bien jurídico,
proporcionalidad y libertad del legislador penal. In: La teoría del bien jurídico. Fundamento
de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Roland Refendehl
(editor). Madrid: Marcial Pons, 2007. p. 117.
320
BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 370.
80

A identificação do verdadeiro bem jurídico tutelado pelo delito de


corrupção, aqui conceituado como suborno, já foi objeto de larga produção
doutrinária e ocupa nos dias atuais a preocupação dos juristas. A completar
tal panorama, não aponta 321 para uma definição conceitual uníssona e sem
questionamentos.
Não faltam motivos para a não existência de acordo doutrinário a
respeito de qual é o bem jurídico atingido pelos delitos de corrupção ativa e
passiva. A começar pela própria dificuldade em conceituar a corrupção lato
sensu, a concepção adotada a respeito de Administração Pública e de Estado
e a própria influência, muito embora indevida, da adoção de um conceito
puramente legalista (e também dogmático) do bem jurídico, como se este
conceito pudesse ser dado, em caráter final, pelo teor das normas
incriminadoras trazidas pelo legislador.
Todavia, analisado o aspecto histórico, verifica-se que a
polêmica, em torno do bem jurídico protegido, remonta à própria separação
ponderada já por BINDING ao diagnosticar dois modelos de tipificação (e
compreensão) da corrupção estritamente considerada, isto é, uma concepção
romanística e outra intitulada germânica.322 Aponta SEMINARA323 que o
mencionado jurista alemão, em seu manual de Direito penal, mencionava
como orientação romanística a oferta ou entrega de utilidades para o
cometimento de qualquer ato de ofício, enquanto a concepção germânica
pressupunha que a oferta ou entrega se destinava ao cometimento
unicamente de atos contrários aos deveres de ofício do funcionário.

321
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes contra a administração
pública. 3a ed. São Paulo: Perfil, 2006. p. 99. Em idêntico sentido: COSTA JR., Paulo José
da. Comentários ..., p. 472 e 473; COSTA JR., Paulo José da. Curso de Direito Penal. 12ª
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 898.
322
“La dirección implementada actualmente tiende a substituir la regulación de raíz
germanista de delito de cohecho, que castigaba la conducta de la entrega de dádivas o
regalos al funcionario a cambio de la <<compra de un acto específico del cargo>>, por la
romanista, que optaba por prohibir la mera entrega de dádivas vinculadas, por cualquier
razón, <<a la esfera de actuación de las autoridades y funcionarios públicos>>”. PABLO
SERRANO, Alejandro de. Dos claves del delito de cohecho pasivo impropio (art. 422 CP): el
bien jurídico protegido y la cláusula <<en consideración al cargo o función>>. Su aplicación
al <<caso trajes de Camps>>. In: La intervención penal en supuestos de fraude y
corrupción. Luz María Puente Aba (directora). Barcelona: Bosch, 2015. p. 244.
323
SEMINARA, Sérgio. Gli interessi tutelati nei reati di corruzione. In: Rivista Italiana di
Diritto e Procedura Penale. n. 3, 1993. p. 951.
81

Consoante alertado acima, a identificação de um correto e


individualizado bem jurídico a ser tutelado pelos tipos penais de suborno,
antes de se configurar como mero capricho 324 do estudioso do Direito penal,
torna viável a <<completa compreensão da essência do delito>>. 325 A partir
disso, viabiliza-se a compreensão de diversas questões decorrentes, em
especial a autoria, a consumação e a tentativa, e, principalmente, a
estruturação adequada do tipo penal, de maneira que proporcionem, a um só
tempo, a tutela do bem jurídico sem atingir esferas individuais de liberdade
desnecessárias.326
E a atividade de indagação e desvelamento do bem jurídico a ser
tutelado dá ainda maiores contribuições, dentre elas a de evitar a busca
(infelizmente recorrente) de ser construída uma sociedade sem corrupção por
meio do Direito penal. 327 Ou, ainda, de deixar-se inebriar tão somente pelos
efeitos econômicos ou criminológicos associados à corrupção328. Isso para
não mencionar que a resposta à pergunta “em que medida o abuso e o desvio
do poder outorgado ao funcionário público interessa ao direito penal?” só se
atinge a partir da atividade aqui desenvolvida, justamente a de encontrar e
definir o bem jurídico a ser tutelado pela norma penal. 329
Neste sentido cabem as expressões textuais trazidas por
Norberto J. DE LA MATA BARRANCO:
“Con todo, por razones más de carácter político-criminal que dogmático, y no
dejando de reconocerse la vinculación en varias de las figuras de cohecho
con una actuación del funcionario paralela, lo cierto es que en la actualidad
no hay ordenamiento que no contemple el delito de cohecho de forma
autónoma, aunque su configuración típica se haga dependiente – objetiva o
subjetivamente – de una actuación posterior – o anterior – del funcionario, de
carácter preferentemente ilícito. Y, sin embargo, dicha autonomía sólo se
justificará si podemos definir un concreto objeto de tutelad que difiera del
tutelado en otros preceptos. De lo contrario estaríamos simplemente ante

324
PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves …, p. 248.
325
Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 81.
326
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones sobre el bien jurídico protegido en el
delito de cohecho. In: Estudios penales y criminológicos, número 18. Santiago de
Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, 1995. p. 318.
327
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien jurídico protegido en el delito de
cohecho: la necesidad de definir el interés merecedor y necesitado de tutela en cada una de
las conductas típicas encuadradas en lo que se conoce, demasiado genéricamente, como
ámbito de la corrupción. In: Revista de Derecho Penal y Criminología, Madrid, n. 17, enero
de 2006. p. 86.
328
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 87.
329
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 88.
82

tipificaciones falsamente autónomas por representar meros adelantamientos


de la intervención penal en relación con otros preceptos del Código.” 330

Por fim, não só no Brasil331, mas também aqui, é fato que a


ausência de clareza e definição do bem jurídico tutelado pelos delitos de
corrupção ativa e passiva é um claro motivo que favorece a incerteza que
ronda a citada tipificação.
De saída é importante fixar que este estudo se filia à tese de um
único332 bem jurídico a ambos os delitos, quer dizer, corrupção ativa e
corrupção passiva, bem como à tese de que tais delitos possuem um bem
jurídico distinto e plenamente identificado, se comparado aos outros delitos (e
seus bens jurídicos, por sua vez) também inscritos no título XI “Dos Crimes
contra a Administração Pública”.
Realmente é inconveniente, para não dizer mais, a separação
entre dois bens jurídicos distintos, tudo dependendo do sujeito ativo, se
funcionário ou particular. Para que tal posicionamento fosse convincente seria
necessário ultrapassar a barreira teórica consubstanciada na diversidade de
deveres que servidor público e particular teriam para com a Administração
Pública. Portanto, a alusão a um dever básico (extrapenal) e inerente do
servidor público para com a Administração Pública, uma obrigação de
fidelidade que somente competiria a ele e não ao particular, não se
sustenta.333
Assim é porque um dever extrapenal unicamente considerado
não sustenta a incriminação de determinada conduta típico-penal. Ademais, o
próprio particular também tem um dever extrapenal de respeitar a
Administração Pública e com isso deixar de oferecer ou prometer vantagens
indevidas a funcionários que realizam funções públicas.334

330
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 89. Idênticas palavras são vertidas
pelo autor na obra DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. La respuesta a la corrupción
pública. Tratamiento penal de la conducta de los particulares que contribuyen a ella”.
Granada: Editorial Comares, 2004. p. 41.
331
VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento penal de la corrupción del funcionario: el delito
de cohecho. Madrid: Edersa, 1995. p. 26.
332
A respeito vide, de maneira pormenorizada, OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito de
cohecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 89 a 93; VALEIJE ALVAREZ, Inma.
Consideraciones …, p. 330 a 334.
333
Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 92.
334
Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 92 e 93.
83

Adverte VALEIJE ÁLVAREZ:


“Esta concepción parte del rechazo al criterio de la infracción del deber de
integridad o fidelidad como elemento fundamental del injusto en el delito de
cohecho pasivo, ya sea porque su utilización deriva en una visión totalitaria
de este delito – como en general de todos los relativos a los funcionarios
públicos – y, por lo tanto, de la actividad administrativa, ya sea porque,
atendiendo a este criterio, se torna totalmente imposible diferenciar entre
ilícitos penales e ilícitos administrativos, generando así una desvirtuación del
335
concepto de bien jurídico y de su función limitadora.”

É verdade que, com exceção de Paulo José da COSTA JR. 336, a


doutrina nacional não se debruçou sobre as questões atinentes ao bem
jurídico tutelado no delito de corrupção. Os manuais, portanto, muito embora
indiquem qual a concepção de bem jurídico adotado, acabam por não elucidar
maiores detalhes acerca, inclusive, de sua evolução.
Pode-se encontrar na doutrina brasileira em torno de três
posicionamentos sobre o bem jurídico tutelado pelas condutas típicas de
corrupção ativa e passiva.
Antigamente já se defendeu a ideia de que o bem jurídico
tutelado nos delitos de suborno seriam os próprios deveres de lealdade,
fidelidade e probidade a serem respeitados pelo servidor público diante da
Administração Pública. Neste sentido teria asseverado Galdino SIQUEIRA,
alegando que no delito de peita ou suborno (previsto no Código Criminal de
1890) não se “viola sómente os deveres do seu cargo, atraiçôa a sociedade
que nelle depoz a sua confiança, e a justiça que não admitte como causa
impulsiva de um acto senão a própria justiça.”337
Note-se, portanto, que o enfoque era dado não a partir da noção
de Administração Pública ou eventual lesão a esta, mas sim da quebra e
inobservância de deveres dos funcionários públicos junto à estrutura
organizacional do Estado. 338 Assim é que a corrupção pública seria definida
como sendo um <<delito de funcionários>>, cuja criminalização fundamentar-

335
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 331.
336
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 99 a 101.
337
Cf. SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ...., p. 280. Outros autores também tangenciam tal
entendimento como é o caso de Sérgio HABIB ao se referir que na corrupção strictu sensu
deve “o Estado incriminar-lhes a conduta, exatamente por ofenderem os princípios morais a
que, como funcionários públicos, se obrigavam a observar.” HABIB, Sérgio. Brasil: ..., p.
162.
338
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 320.
84

se-ia na ideia de incorruptibilidade e, a contrario sensu, integridade do


funcionário público. 339 Em termos bem diretos: a aceitação deste
entendimento conduziria a fundamentar no núcleo do injusto típico na lesão
ao princípio da autoridade ou ainda no prestígio da Administração Pública. 340
O entendimento acima exposto contraria a unicidade do bem
jurídico aqui postulada (entre corrupção ativa e corrupção passiva). Todavia,
e para além disso, não é preciso muito esforço para concluir pela
improcedência de tal tese, ao argumento da generalidade de tais interesses a
serem tutelados 341, da não outorga de critério apto a diferenciar o suborno de
outros delitos praticados em detrimento da Administração Pública e, muito
menos, da diferenciação entre o ilícito penal e o ilícito administrativo 342. Como
se não bastasse, trata-se de visão autoritária 343 da atividade administrativa,
visão esta já incompatível com o Estado de Direito democrático atual.
Ao tempo em que não se desconhece a necessidade de
observância de tais deveres pelos servidores públicos, inclusive para a
regularidade na prestação dos serviços administrativos, não se pode dizer –
nem tampouco aceitar – que a cada infração do dever de probidade,
legalidade ou lealdade se justifique a intervenção da norma penal.
Ainda de acordo com VALEIJE ÁLVAREZ, se os deveres de
fidelidade ou lealdade do funcionário público forem classificados como
deveres de natureza ética e/ou moral, significa dizer que o Direito penal
estaria legitimado a ser aplicado a partir de meras infrações éticas ou morais,
sem referencial a nenhum bem jurídico propriamente dito. Já se tais deveres
forem classificados como deveres extrapenais, mas de natureza jurídica, o
Direito penal apenas cuidaria de reforçar, ou melhor, de aprimorar a tutela de
normas extrapenais, com o que também não se individualizaria um bem
jurídico digno de tutela e plenamente individualizado. 344
Em mais uma oportunidade elucida DE LA MATA BARRANCO:

339
DE LA MATA BARRANCO, Norberto. El bien ..., p. 92.
340
RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito de cohecho: problemática jurídico-penal del
soborno de funcionarios. Madrid: Aranzadi, 1999. p. 27.
341
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 94.
342
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 94. No mesmo sentido VALEIJE
ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 330.
343
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 96.
344
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 323 a 328.
85

“... el contenido material de antijuridicidad que se exige para la intervención


del Derecho Penal no se satisface en la mera infracción de un deber del
cargo, sino que es necesario que esa infracción comporte una cierta entidad
para afectar a un correcto funcionamiento de la Administración, que incluso
sin ulterior especificación constituye una referencia demasiado general e
345
insuficiente en sí misma para determinar la necesidad de tutela penal.”

De outro canto, fundamentando-se não na acepção de delitos de


funcionários, mas sim na de delitos que atentam contra a Administração
Pública, uma segunda justificação para a tutela penal frente ao <<suborno>>
residiria na defesa da autoridade estatal, a boa imagem desta, seu prestígio e
sua dignidade. 346
Dá-se, assim, um salto qualitativo na conceituação do interesse a
ser tutelado, rejeitando-se a tutela dos deveres dos funcionários para com a
Administração Pública e que deve ter como cenário obrigatório a função
pública347 em si e acomodada nos parâmetros constitucionais que delimitam
que esta só pode e deve ser exercida em favor da sociedade e dos cidadãos
e não como um valor por si própria considerada.
Se de um lado se pode afirmar que na doutrina brasileira não há
uma definição certa e absolutamente definida a respeito do bem jurídico
tutelado, congregando-se, na verdade, diversas facetas do interesse a ser
tutelado em conceituações genéricas e amplas, pode-se também aceitar a
tese, a exemplo do que ocorreu em Portugal, consoante noticia António
Manuel de Almeida COSTA 348, de que a maioria dos autores, para a
conceituação genérica antes informada, mencionam a dignidade e o prestígio
do Estado-administração como o bem jurídico ínsito à corrupção. Explica o
professor português: “Numa palavra, o objeto de protecção reconduz-se ao

345
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 99. Complementa RODRÍGUEZ
PUERTA: “En conclusión, el abandono de este tipo de planteamientos va a permitir superar
la interpretación excesivamente formalista e imbuida de caracteres éticos o morales que se
había hecho de estos delitos, y ubicar el desvalor de este tipo de comportamientos en el
menoscabo de un bien jurídico como valor objetivo.” RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El
delito …, p. 33.
346
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 101.
347
Acrescenta Norberto J. DE LA MATA BARRANCO: “Además, la priorización del elemento
de la función pública por encima del elemento del deber tiene la virtud de situar en el centro
de la protección penal un criterio de legitimidad material propio de la esencia del bien
jurídico, puesto que su identificación con criterios formales desnaturaliza la función del bien
jurídico de límite material al jus puniendi.” El bien …, p. 100.
348
Cf. COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 81. A influência para tanto,
ao menos em Portugal, diz o autor, seria da doutrina italiana.
86

prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou


operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão
adstritos.”349
Diversos autores brasileiros, tais como Heleno Claudio
350 351
FRAGOSO , Paulo José da COSTA JR. , Eduardo MAGALHÃES
352 353
NORONHA , Luiz RÉGIS PRADO e Cezar Roberto BITENCOURT 354,
Nelson HUNGRIA 355 e Rui STOCO 356 fazem uso das expressões prestígio e
dignidade do Estado, em que pese não de maneira isolada, mas, conforme
aduzido acima, vinculadas a outras facetas e interpretações do bem jurídico.
Dado o seu caráter vago, amplo, inseguro e, tal como uma mera
troca de palavras, admitir a dignidade e o prestígio como o fundamentado de
349
COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime ..., p. 81.
350
“A venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias
formas. Por um lado compromete a eficiência do serviço público (em torno do qual gravita o
interesse de toda a comunidade), e, por outro, põe em perigo o prestígio de toda a
administração e a autoridade do poder público, minando a confiança dos cidadãos e
gerando a intranquilidade e o temor.” FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 436.
351
“Como se vê, o legislador, ao prever os crimes contra a Administração Pública, visou a
tutelar a normalidade funcional, a probidade, o prestígio e o decoro da Administração
Pública, entendida em sentido amplo.” PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos
crimes ..., p. 21. Na mesma obra é dito também: “Através da proibição da compra e venda
particular do ato são tutelados tanto o bom andamento quanto a imparcialidade da
Administração Pública.” p. 100 e 101. “Indiretamente, portanto, são tutelados o prestígio da
Administração Pública bem como a confiança que os cidadãos depositam na Administração
Pública.” Dos crimes ..., p. 101.
352
“Dito isto, vê-se qual o bem jurídico que o legislador, aqui, tem em perspectiva: o
desenvolvimento regular da atividade do Estado, dentro de regras da dignidade, probidade e
eficiência.” p. 198. “Em suma: o bem jurídico tutelado é ainda aqui o funcionamento normal
da administração pública, de acordo com os princípios de probidade e moralidade. É a
segurança do prestígio da função que se tem em vista.” NORONHA, Magalhães. Direito
Penal. Volume 4. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 246.
353
“A tutela penal no tipo em exame tem por escopo proteger o interesse atinente ao normal
funcionamento, transparência e prestígio da Administração Pública, com especial atenção à
obediência ao dever de probidade, evitando-se, destarte, os nefastos danos causados pela
venalidade no exercício da função pública.” PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 5ª
ed. Volume 3. p. 473.
354
“Protege-se, na verdade, a probidade da função pública, sua respeitabilidade, bem como
a integridade de seus funcionários, constituindo a corrupção passiva a venalidade de seus
atos de ofício, num verdadeiro tráfico da função pública.” BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal. Volume 5. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 77.
355
“... o motivo da reação penal, na espécie, é, antes de tudo, a pravidade do tráfico, do
comércio da função pública, a acarretar o desprestígio e o descrédito da administração, ou a
suspeita em tôrno desta.” HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume IX.
Arts. 250 a 361. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 368.
356
“Do que se infere que a norma penal que prevê coação e imposição de pena tem por
escopo precípuo o regular funcionamento da administração do Estado, sua moralidade e
respeitabilidade.” STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes praticados por
funcionário público contra a administração em geral. In: Código Penal e sua interpretação
jurisprudencial. Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coordenadores). 8ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007. p. 1466.
87

inserção do Direito penal nas condutas de suborno, qualquer que seja a sua
classificação (próprio, impróprio, antecedente, consequente, passivo ou ativo)
configura como escolha, permissa venia, indevida, porque não tem o condão
de individualizar um interesse próprio de tutela. Como mencionado, aparece
na verdade como uma troca de palavras, com o que se mantém a tutela da
Administração Pública pela Administração Pública e se deixa de vincular à
qualidade da função pública exercida ou ainda a prejuízos ou perigos mais
evidentes aos administrados.357
Outrossim, como prova da impossibilidade de individualização do
prestígio da Administração Pública, há de se evidenciar as diferenças entre
os escândalos de corrupção (rotineiros no Brasil) e os delitos propriamente
ditos. Em termos bem diretos, nem todo escândalo ou notícia sobre corrupção
conduz a delitos de corrupção propriamente ditos. A partir disso pode-se
concluir que o que realmente diminui o prestígio da Administração Pública
não são os delitos de corrupção, mas sim a inércia estatal em investigá-los e
julgá-los. Outrossim, veja-se a petição de princípio mencionada por Vizueta
FERNANDEZ: “determinados comportamentos não são incorretos porque
diminuem a confiança dos cidadãos, senão que diminuem a confiança dos
cidadãos porque são incorretos, de modo que a alusão à confiança nada
esclarece em relação ao bem jurídico tutelado.”358
Bem complementa VALEIJE ÁLVAREZ:
“Pero su existencia no es lo determinante, lo que definitivamente influye en el
desprestigio de la Administración Pública, es la forma de hacerle frente;
dotando al sistema de toda serie de mecanismos de control administrativo,
policial o judicial para que este tipo de delitos sea castigado. La falta de
persecución y por lo tanto de castigo para estas conductas, se puede decir
que es la clave del eventual desprestigio de la Administración.” 359

Conforme antes referido, a doutrina brasileira não se divide em


correntes díspares acerca do bem jurídico tutelado nos delitos de suborno
funcional. Antes, aliás, fornece conceitos muito próximos e que congregam
mais de um fator a ser tutelado. E um dos motivos justificadores da
intervenção penal mediante a tipificação da conduta de corrupção strictu

357
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien ..., p. 102.
358
VIZUETA FERNÁNDEZ, J. Delitos contra la administración pública: estudio crítico del
delito de cohecho: Granada: Comares, 2003. p. 209.
359
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 339.
88

sensu, segundo a doutrina majoritária brasileira, seria o correto e bom


funcionamento da Administração Pública.
Tal entendimento pode ser encontrado nos ensinamentos de
COSTA JR./PAGLIARO 360, de CAPEZ 361, de STOCO 362, de WUNDERLICH 363,
de GRECO 364 e de REGIS PRADO. 365
Ainda assim, em que pese determinado avanço na consideração
do bem jurídico a considerar-se tutelado, pode tal corrente de pensamento
receber a crítica já endereçada a outras, quais sejam, a generalidade de sua
compreensão e a precariedade de fundamentação da punição do suborno
consequente, apresentando também dificuldades para a explicação da
corrupção passiva imprópria. 366 Em outras palavras, o bom andamento da
Administração Pública assume “uma referência excessivamente ampla e
pouco indicativa do conteúdo substancial do injusto”367 das figuras típicas de
corrupção passiva e ativa.
Mas não é só.
O entendimento a ser declinado sobre o correto funcionamento
da Administração Pública poderia levar a situações no mínimo embaraçosas.
Se este é o bem jurídico a ser tutelado, como explicar a punição em casos de
corrupção (ativa ou passiva, própria ou imprópria), em que a conduta do
agente público tenha resultado em uma melhoria ao serviço público,
independentemente da legalidade ou não do ato corrompido? Como
fundamentar que a compra de melhores equipamentos de informática, ainda

360
COSTA JR., Paulo José; PAGLIARO, Antonio. Dos crimes contra a administração pública,
p. 100.
361
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 502 e
503.
362
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de Oliveira. Dos crimes praticados ..., p. 1466.
363
Não por outro motivo alega WUNDERLICH, com apoio nos entendimentos de Luiz Régis
Prado e de Cezar Roberto Bitencourt, que “de um modo geral, a doutrina [brasileira] trata o
bem jurídico tutelado no art. 317 do Código Penal, indiscutivelmente, como a própria
Administração Pública, especialmente em sua probidade.” WUNDERLICH, Alexandre. Dos
crimes contra a administração pública. In: Direito Penal. Jurisprudência em debate, crimes
contra a Administração Pública e crimes contra a Administração da Justiça, volume 4. Rio de
Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2013. p. 36.
364
GRECO, Rogério. Código penal comentado. 9ª ed. Niterói: Impetus, 2015. p. 1069.
365
PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de.
Curso de direito penal brasileiro. Parte geral e especial. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2015. p. 1347.
366
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Noberto J. El bien ..., p. 107, com apoio na doutrina de
Sérgio Seminara.
367
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 108.
89

que motivada por corrupção, com o que as funções desenvolvidas pelos


agentes públicos ganharam em agilidade, efetividade e segurança, seja
punível como base em raciocínio permeado pelo <<incorreto
368
funcionamento>> da mesma Administração Pública?
Por fim, sediar a tutela sobre o correto funcionamento da
Administração Pública significa relegar o principal, qual seja a proteção do
cidadão e o direito e expectativas deste frente ao Estado. Trata-se, portanto,
de encontrar um bem jurídico, um motivo suficiente e adequado para a
punição da corrupção que se fundamente em legítimos interesses dos
cidadãos e não propriamente da Administração Pública.
Em situação de melhor definição do que apenas a alusão ao bom
funcionamento da Administração Pública está a menção dos princípios
constitucionais, em especial a legalidade, a objetividade e a impessoalidade
(imparcialidade), nortes que devem fundamentar a gestão e a prática da
administração pública. 369
Partindo-se da compreensão de que o delito de suborno passivo
e ativo, quanto mais a ocorrência conjunta de ambos, contempla a obtenção e
resolução de um acordo ilícito, tem-se que é o valor e o interesse da
imparcialidade o grande prejudicado nas condutas corruptas. Isso porquanto
o servidor público deixará de lado a imparcialidade e passará a adotar uma
posição fática, legal ou ilegal, motivada pela parcialidade em atender ou
cumprir com o acordo firmado com o particular.
O termo imparcialidade é aqui empregado no sentido proposto
por RODRIGUEZ PUERTA, autora que seguiu as determinações iniciais
lançadas por VALEIJE ÁLVAREZ, precursora da definição em terras
espanholas. Ambas fundamentam suas posições a partir dos princípios
constitucionais obtidos da realidade espanhola 370 como marco de referência à
definição do bem jurídico.
Contudo, não há inconveniente ou proibição em sustentar esta
definição também para o ordenamento jurídico brasileiro, posto que a

368
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones …, p. 337.
369
Cf. DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 110. Da mesma forma em La
respuesta …, p. 73 e 74.
370
RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito ..., p. 67.
90

Constituição da República de 1988 traz em seu artigo 37 diversos princípios,


dentre os quais o princípio da impessoalidade, cuja definição pode aqui ser
equiparada à imparcialidade supra citada.
VALEIJE ÁLVAREZ 371 bem posiciona que à atividade
administrativa não basta buscar o interesse público com base nas noções de
eficácia e idoneidade, de maneira a assegurar rapidez, economia e
rendimento ótimo na atuação administrativa, mas sim que sejam empregados
os instrumentos de organização e controle de maneira que todo cidadão
perceba e usufrua das melhores prestações públicas em caráter de igualdade
com os outros que estejam em idênticas condições fáticas e/ou jurídicas.
Esta imparcialidade que, no caso brasileiro, pode ser entendida
como impessoalidade, acaba por determinar ao funcionário público que atue
de maneira objetiva e com absoluta indiferença, seja diante de eventuais
grupos ou forças políticas, seja diante de seus próprios interesses pessoais.
Da mesma forma, esta impessoalidade obriga o servidor público a atuar de
forma a evitar situações de privilégios a terceiros, o que equivale a dizer que
haja distribuição equitativa e justa das prestações públicas. 372
Tais predicados encontram-se textualmente em VALEIJE
ALVAREZ:
“Desde este punto de vista, la tutela de la imparcialidad en el ejercicio de la
función pública se nos presenta como un bien jurídico medial para alcanzar la
tutela de un derecho fundamental, como es la igualdad de todos los
ciudadanos en la obtención de prestaciones públicas o, lo que es lo mismo, la
tutela de la correspondiente obligación por parte de la Administración de
actuar atendiendo a la satisfacción general de los intereses de todos los
373
ciudadanos.”

Tal compreensão também pode ser complementada a partir dos


dizeres de RODRIGUEZ PUERTA ao afirmar que “desde esta perspectiva, la
objetividad significa que la actividad administrativa no debería permitir la
influencia de intereses como, por ejemplo, el lucro económico privado que

371
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento penal de la corrupción del funcionario: el delito
de cohecho. Madrid: Edersa, 1995, p. 29.
372
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento …, p. 30.
373
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 31.
91

pueda operar no sólo en beneficio personal el funcionario, sino también en


beneficio de un grupo o clase.”374
Na doutrina portuguesa há grande aceitação do posicionamento
de Antonio Manuel de Almeida COSTA, tendo este autor adotado como o bem
jurídico tutelado nos delitos de corrupção aquilo que ele denomina como
<<autonomia intencional da Administração Pública>>. Veja-se:
“Partindo do exposto, e não obstante o carácter instrumental que reveste,
também a própria Administração, atenta a relevância dos objetivos que serve,
pode, em si mesmo, assumir a natureza de bem jurídico-criminal. Neste
sentido aponta a sua imprescindibilidade para a realização ou satisfação de
finalidades fundamentais, indispensáveis em qualquer sociedade organizada.
(...)
Posto isto, ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto
coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que
equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se <<sub-roga>> ou
<<substitui>> ao Estado, invadindo a respectiva esfera de actividade. A
corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, sempre numa
manipulação do aparelho do Estado pelo funcionário que, assim, viola a
<<autonomia funcional>> da Administração, ou seja, em sentido material,
infringe a chamada <<legalidade administrativa>>.
Sintetizando, o bem jurídico da corrupção consiste na <<autonomia
intencional>> da Administração, i é, na <<legalidade administrativa>>
entendida nos termos descritos.” 375

Esta menção à autonomia intencional do Estado como bem


jurídico a ser tutelado pelo delito de suborno se aproxima, sem dúvida, da
imparcialidade antes mencionada. Ousa-se afirmar que se trata da mesma
índole de proteção, porém com nomenclatura distinta. Detalha LAMAS que “a
incriminação da corrupção visa garantir que o Estado – através de seus
funcionários – actue de forma objetiva e imparcial e de que a sua “vontade”
ou o sentido das suas decisões não é ditada, controlada ou influenciada por
interesses que não sejam os da colectividade.”376

2.3. Posicionamento.

374
RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 70.
375
COSTA, António Manuel de Almeida. Sobre o crime de corrupção, p. 93 e 94. Idêntica
exposição está presente no Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial.
Tomo III, artigos 308º a 386º. Jorge de Figueiredo Dias (diretor). Coimbra: Coimbra Editora,
2001. p. 660 a 661.
376
LAMAS, Ricardo Rodrigues da Costa Correia. O recebimento indevido de vantagem.
Análise substantiva e perspectiva processual. In: Revista do Ministério Público, Lisboa,
volume 126, ano 32, junho de 2011. p. 71.
92

Parte-se do pressuposto que, para que se cumpram as funções


públicas nos termos esperados pelo Estado e pelos cidadãos, há de ser
aplicada a noção de eficácia indiferente, traduzida na obrigação que tem a
Administração em ponderar todos os interesses em jogo e operar sobre
critérios uniformes a fim de evitar discriminações e favoritismos. 377
O <<princípio da imparcialidade>> pode ser considerado e
estruturado a partir da verificação de que as decisões dos servidores públicos
não sofram interferência de terceiros de maneira a ser respeitada a
neutralidade e a objetividade para com os interesses privados 378, sendo certo
que a atividade administrativa não se desenvolva “pela perseguição de
interesses pessoais, motivações egoístas ou ambições pessoais que se
sobreponham ao interesse público.”379
Tem-se que partir da noção que os delitos de corrupção
envolvem, sem dúvida, a quebra de deveres funcionais pelos servidores.
Deveres que devem ser observados pela simples vigência constitucional dos
princípios e pela condição de servidores. Vale frisar o que menciona Marçal
JUSTEN FILHO 380, no sentido de que o regime jurídico administrativo
contempla a possibilidade de o funcionário atuar apenas e em conformidade
com os dispositivos legais em vigor.
Isso, contudo, não explica a punição penal dos atos de suborno,
até porque a infringência das normas administrativas (deveres
administrativos) de probidade, já são punidos em outras áreas do
ordenamento jurídico.

377
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 111; DE LA MATA BARRANCO,
Norberto J. La respuesta …, p. 75. Vide a exata compreensão disso em VALEIJE ÁLVAREZ,
Inma. Delito de cohecho. p. 358. Trata-se, nas palavras de SUNDFELD, de direitos dos
particulares perante o Estado, dentre os quais se inclui o direito de liberdade num sentido
moderno, ou seja, a segurança das fruições privadas, como é o caso da exploração da
atividade econômica, frontalmente atingida quando o servidor público privilegia certos
cidadãos em detrimento de outros. Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos ..., p. 115.
378
DE LA MATA BARRANCO, Norberto J. El bien …, p. 112; DE LA MATA BARRANCO,
Norberto J. La respuesta …, p. 775 e 76.
379
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria ..., p. 132. Em idêntico sentido vide FRANÇA, Phillip Gil.
Ato administrativo e interesse público: gestão pública, controle judicial e consequencialismo
administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 83 e 84; MELLO, Celso
Antonio Bandeira de. Curso ..., p. 117; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 68 e 69.
380
Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 145.
93

A verdadeira explicação para a criminalização dos atos de


corrupção strictu sensu se reveste na figura da <<imparcialidade>>, de modo
que ao Direito penal cumpre tutelá-la. O ganho teórico e prático com este
entendimento é visível.
A um, porquanto se retiram os aspectos éticos que gravitam em
torno do tema corrupção. Ora, não se pune o ato de suborno porque o
servidor público é “mau”, “antiético” ou “malfeitor”, mas sim porque a atitude
de se corromper, de entrar em contato com um particular para realizar ou não
realizar um ato funcional de sua alçada, mediante o recebimento de
vantagem ilícita, lesiona ou coloca em perigo a sua imparcialidade ou, como
querem outros, a autonomia intencional do Estado.
A dois, o subjetivismo das noções de dignidade e prestígio da
Administração Pública, ou ainda o seu bom e normal funcionamento,
conceitos, ainda que importantes, mas verdadeiramente indefiníveis do bem
jurídico, são substituídos por categoria objetiva e, mais, com amparo
constitucional.
A três, a <<imparcialidade>> ou <<autonomia intencional>> do
Estado legitima a intervenção penal, pois possibilita à intervenção radicar-se
na tutela de motivação do servidor público ao exercer sua função e, de modo
mais imediato, de modo que o desempenho da atividade dos funcionários
públicos seja exercido a partir de critérios de objetividade e, dessarte, livre da
interferência de terceiros, interferência esta que se daria por meio de ofertas
indevidas de vantagem. 381
A quatro, porque isolar a <<imparcialidade>> no exercício da
função pública permite encontrar um bem jurídico que favorece,
mediatamente, a defesa da igualdade de todos os cidadãos na obtenção e
fruição dos serviços públicos, cominando pena para as situações que
impeçam ou coloquem em perigo a satisfação geral de todos os cidadãos. 382

381
Cf. SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho. In: Tratado de derecho penal español.
Parte especial. III. Delitos contra las administraciones públicas y de justicia. F. Javier
Álvarez Garcia (director). Araceli Manjón-Cabeza Olmeda y Arturo Ventura Püschel
(coordinadores). Valencia: Tirant lo Blanch, 2013, p. 383 e 284. Também VALEIJE
ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones ..., p. 359.
382
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones ..., p. 360.
94

A cinco, eis que a noção de <<imparcialidade>> fornece aspecto


concreto para individualizar o injusto penal de suborno para além de um mero
recebimento indevido de vantagem ou, ainda, de um exercício inadequado da
atividade reservada ao funcionário público. Menciona VALEIJE ÁLVAREZ que
a conduta necessita ser globalmente entendida, ou seja, em toda a sua
extensão:
“En este sentido, dentro de la conducta típica de este delito destaca que ya
los mismos comportamientos objetivos, esto es, “solicitar”, “recibir” o
“aceptar” – e independientemente que el acto sea perseguido sea conforme o
contrario al deber – muestran como característica más destacada ser
expresiones que evidencian un compromiso o una clara connivencia entre el
órgano interno de la Administración (funcionario) y un interés o un grupo de
intereses extraños a ella, y por lo tanto, origen o fuente de indebidas
383
injerencias en la imparcial actuación de los poderes públicos.”

A seis, porque o bem jurídico <<imparcialidade>> também


oferece a explicação para a punição das condutas de corrupção passiva
imprópria, mesmo porque o recebimento, aceitação ou solicitação de
vantagem indevida a um cidadão para realizar um ato conforme o esperado
pela lei, se não lesiona a citada imparcialidade no desenvolvimento do
conteúdo da função reservada ao funcionário público, certamente o faz com
possível distinção entre o particular “que paga” e o particular “que não paga”.
Isso já seria o suficiente para permitir a punição do servidor, ainda que em
pena menor a ser fixada por decisão judicial.
Assim é que se pode concluir com as palavras de VALEIJE
ÁLVAREZ ao esclarecer que “puede comprenderse también la contrariedad
del delito de cohecho pasivo impropio en todas sus formas respecto al
principio de imparcialidad, ya que el delito en sí mismo implica el
otorgamiento de una posición de privilegio a un interés privado respecto al
interés público.” 384
Ainda como fixação de última premissa, ao bem jurídico
<<imparcialidade do servidor público>> se reconhece a característica de
verdadeiro bem jurídico coletivo 385 ou institucional386, o que nas palavras de

383
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. Consideraciones ..., p. 363.
384
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 34.
385
Cf. GRECO, Luis. Modernização ..., p. 87 e 93; MENDOZA BUERGO, Blanca. Límites
dogmáticos y político-criminales de los delitos de peligro abstracto. Granada: Editorial
Comares, 2001. p. 54. Para a identificação dos verdadeiros bens jurídicos coletivos
95

SCHÜNEMANN melhor recebeu a definição de <<bem jurídico


espiritualizado>>. Por meio desta definição SCHÜNEMANN procurou elucidar
“bens supraindividuais de caráter imaterial que – ainda que possam ser
instrumentais para a tutela de bens finais reconduzíveis ao indivíduo –
desempenham uma função de representação e reclamam autonomia e
proteção próprias, postos que se dirigem a proteger o funcionamento de
387
instituições ou subsistemas estatais, sociais ou econômicos.”

No caso a imparcialidade aqui considerada pode perfeitamente


funcionar como uma instituição (ou princípio) jurídica(o), de matriz
supraindividual 388, que assegura a satisfação de verdadeira necessidade
básica da vida em sociedade, conquanto o imparcial desenvolvimento da
atividade do servidor público atinge suficiente relevância a ponto de exigir a
incidência da norma penal, isso independentemente de qualquer
comprovação de lesão ou de perigo ex post (pós conduta) ao bem jurídico
identificado.389 Por evidente que, a partir disso, a estrutura típica a ser
desenvolvida para o abrigo do bem jurídico será a de perigo abstrato, desde
que a redação da norma não infrinja direitos e garantias individuais.

HEFENDEHL faz uso dos conceitos de “não exclusão”, “não rivalidade” e “não
distributividade”, os quais se encaixam perfeitamente à imparcialidade do servidor público,
de modo que a que nenhum cidadão é excluído tal direito, os cidadãos não rivalizam quanto
a este bem jurídico nem tampouco se consegue distribuir a todo o cidadão a sua cota parte
do objeto de tutela. HEFENDEHL, Roland. El bien …, p. 188 e 189. No mesmo sentido
GRECO, Luis. Modernização …, p. 95 e 96.
386
Denominação utilizada por SANTANA VEGA, Dulce María. La protección penal de los
bienes jurídicos colectivos. Madrid: Dykinson, 2000. p. 77.
387
SCHÜNEMANN, Bernd. Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits-und
Gefährdungsdelikte, JA 1975, p. 798 apud MENDOZA BUERGO, Blanca. Límites …, p. 52. A
respeito elucidou Renato de Mello Jorge SILVEIRA: “Pretendendo superar as dificuldades
anteriores, para ele seriam estes bens supra-individuais com caráter imaterial, os quais
desempenham verdadeira função de representação de bens finais pertencentes a
indivíduos. Acabam eles reclamando uma autonomia e proteção próprias. Assim,
considerando-se a difícil visualização, com uma única ação individual, de lesão ou mesmo
de uma concreta colocação em perigo, concebe-se uma proteção abstrata.” SILVEIRA,
Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico ..., p. 152.
388
Sobre o tema vide, em sentido obrigatório, SILVEIRA, Renato Mello de Jorge. Direito
penal supra-individual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003; SANTANA VEGA,
Dulce María. La protección penal de los bienes jurídicos colectivos. Madrid: Dykinson, 2000.
389
Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. La estructura de los delitos de peligro (los delitos de peligro
abstracto y abstracto-concreto como modelo del Derecho penal económico moderno). In:
Cuestiones actuales del sistema penal. Crisis y desafíos. Lima: Ara Editores, 2008. p. 15.
3. A ESTRUTURAÇÃO TÍPICA DOS DELITOS DE CORRUPÇÃO ATIVA E
PASSIVA NO DIREITO BRASILEIRO.

3.1. A estrutura típica dos delitos de corrupção ativa e passiva.

Assiste razão a Claudio BRANDÃO quando afirma que a


relevância penal de um fato necessita a subsunção deste fato a um tipo
penal 390. E aqui reside o problema jurídico-penal, pois o técnico-legislador e o
técnico-aplicador “não deve ser um aplicador autista da forma, isto é, não
deve ser politicamente alienado” 391, justamente porque há de ter em mente,
além de outros critérios e perspectivas, o critério e a perspectiva do bem
jurídico violado. Daí a importância da delimitação acima acerca do bem
jurídico, pois com ela é possível desvelar, com o mínimo grau de segurança,
o cenário a partir do qual se podem estabelecer os limites de intervenção da
norma penal.
Aos tipos penais de suborno passivo e ativo, atualmente vigentes
no Direito penal brasileiro, pode-se dizer que o problema da tipicidade se vê
exposto na senda do preconizado por BRANDÃO, ou seja, nos problemas da
tipicidade derivados da má técnica do legislador 392 e, em segundo lugar, na
precariedade do preparo técnico e político do aplicador da norma. 393
Muito embora não seja um predicado exclusivamente
brasileiro394, é fato que o legislador de 1940 não detinha, e sequer poderia
ter, a dimensão daquilo que o fenômeno do suborno a funcionários públicos
poderia se tornar, seja em quantidade quanto em qualidade (sob

390
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade penal. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2014. p. 19.
391
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade …, 21.
392
Que no direito brasileiro, tal como em Portugal, é também de natureza semântica,
porquanto tratar com o mesmo nome um delito e a família delitiva ao qual o delito está
inserido, é escolha indevida.
393
BRANDÃO, Cláudio. Tipicidade …, 23.
394
Cf. MILITELLO, Vincenzo. Concusión y cohecho de funcionarios públicos: cuestiones
problemáticas e hipótesis de reforma en Italia. In: Temas de derecho penal económico. III
Encuentro Hispano-italiano de Derecho Penal Económico. Juan María Terradillos Basoco e
Maria Acale Sánchez (coordinadores). Madrid: Editorial Trotta, 2004. p. 248.
97

um prisma negativo).395 Nada obstante, para além da técnica então


empregada em 1940, pode-se jungir outra crítica, que é a da passividade. O
legislador brasileiro, quase que em total descompasso com as normativas
internacionais, excetuando-se a inserção dos tipos penais de corrupção de
funcionário estrangeiro, permaneceu inerte às necessidades de reforma da
legislação, justamente porque sobre a corrupção estritamente considerada foi
realizada apenas a reforma que aumentou a pena (de 1 a 8 para 2 a 12
anos), tendo-o feito com um claro objetivo: evitar a possibilidade de ser
firmado o acordo da suspensão condicional do processo. 396
Justamente sobre a redação – desatualizada, reafirme-se – dos
tipos penais de suborno ativo e passivo é que se faz necessário incursionar a
respeito das reais características dos delitos em análise, formular as devidas
críticas e, se possível, propor perspectivas de reforma.

3.1.1. O aspecto real e o aspecto jurídico dos delitos de corrupção ativa e


passiva.

A forma pela qual a prática de suborno se desenvolve no


cotidiano, quer dizer, no plano dos fatos, não necessariamente encontra
amparo na tipificação penal. Isso parece notório a partir das noções de
contrato e de acordo delitivo que permeiam o imaginário das práticas de
corrupção strictu sensu.
Tanto é assim que, ao se pensar em um exemplo, ainda que
banal, da prática de suborno, ter-se-á em mente a figura de um agente
corruptor (que oferece a vantagem indevida em troca de algo, in casu, um ato
do servidor público) e de um agente corrupto (aquele que receberá a
vantagem ilícita e perpetrará o ato combinado, seja ele lícito ou não).

395
“Tem-se, assim, que as formas tradicionais de combate à corrupção tornaram-se
antiquadas diante dessa nova ordem de fatores.” PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito
Penal Brasileiro. Volume 3. 5ª ed., p. 473.
396
Aprovação da Lei 10.763/2003. Breve leitura do projeto de lei e das discussões ali
travadas demonstram o despreparo técnico do legislador com especial ênfase ao
desrespeito das finalidades e limites do direito penal:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=141186&filename=
Tramitacao-PL+7017/2002, acesso em 19 de julho de 2014, às 09h27min.
98

Os exemplos desta ordem podem ser definidos como figuras


clássicas de corrupção, como ocorrências vivenciadas na prática em diversas
oportunidades. Em resumo, o aspecto real da corrupção, consubstanciada em
um verdadeiro acordo entre as partes que concorrem para o crime, via de
regra, proporciona vantagem concreta para ambas. Corruptor e corrupto
atingem seus objetivos. Não há nada de errado com o exemplo acima e muito
menos em reconhecer e outorgar à corrupção este tipo de conhecimento
profano, midiático, incidente no cotidiano do cidadão comum e inclusive no
imaginário do operador do direito.
Este viés prático, diga-se assim, das práticas corruptivas, não
obriga, contudo, que as normas penais que visam impedir e reprimir tais
ocorrências se tornem reféns desta realidade. Em um silogismo muito
simples, não é porque o delito de homicídio ocorre em tantos casos por meio
do emprego de arma de fogo que o legislador irá limitar o tipo penal do artigo
121 apenas quando a vítima for morta com a utilização de uma pistola,
revólver ou congêneres.
Sobre a diversidade das práticas corruptivas reais alertou
Alejandro NIETO:
“Cada tipo de corrupción tiende a canalizarse a través de una forma propia
de gestión. Los favores públicos sencillos, decididos por una sola persona (o
por unos pocos) y de precios no cuantiosos, se despachan en negociaciones
directas bilaterales que carecen de formalidad alguna y que se realizan con
la simple entrega de un sobre o de un maletín. Cuando la puesta en contacto,
entre el sobornador y el sobornado no es tan sencilla, se acude a los
servicios de una tercera persona: conseguidor o intermediario, según los
casos. Y, en fin, cuando se trata de operaciones repetitivas en las que los
favores solicitados deben tramitarse, por imperativo legal, de acuerdo con
procedimientos complejos en los que intervienen varios funcionarios y
órganos asesores y deciden diferentes instancias políticas, ya no vale la
negociación directa y es preciso montar organizaciones estables, tramas
orgánicas especializadas en la gestión de tales procedimientos. Para
conseguir el favor hay que utilizar entonces de una de estas organizaciones,
a las que se paga con el soborno a cambio de la gestión y ellas se encargan
de entregar luego el dinero a las autoridades que deciden.” 397

Portanto, o estreitamento ou alargamento das condutas


proscritas por intermédio da norma penal nem sempre encontrará seu limite
no imaginário popular ou nas principais ocorrências práticas. Aliás, pelo
contrário. Os limites da norma penal e daquilo que será permitido ou proibido

397
NIETO, Alejandro. El desgobierno de lo público. Barcelona: Ariel, 2008. p. 164.
99

criminalmente há de encontrar amparo, única e exclusivamente, no bem


jurídico tutelado. Do cotejo entre o bem jurídico, e aqui se está a falar da
imparcialidade do servidor público, e as condutas que possam lesioná-lo ou
expô-lo a situações de perigo é que surge a fixação dos limites penais de
intervenção.

3.1.2. A ausência de obrigatória bilateralidade entre os delitos de corrupção


ativa e passiva.

Como visto acima, o legislador de 1940 adotou um modelo que, a


par de conceituar um delito com o mesmo nome de um fenômeno, o que
largamente contribui para um prejuízo na sua compreensão em sentido estrito
e também na multifacetada ocorrência da corrupção, separou-lhe a tipificação
nas figuras passiva e ativa. Inclusive, o Código Penal brasileiro – ao
contrário, por exemplo, do Código Penal de Portugal e da Espanha –
estabeleceu locus distinto para cada uma das formas delitivas.
Desta forma, o delito de corrupção passiva está inserido no
Capítulo I (Dos Crimes praticados por Funcionário Público contra a
Administração em Geral) e o de corrupção ativa está no Capítulo II (Dos
Crimes praticados por Particular contra a Administração em Geral), ambos
previstos no Título XI (Dos Crimes contra a Administração Pública).
Tal alteração promovida em 1940 e vigente até hoje, para além
de figurar mera alteração do ponto de vista histórico, fez com que se pudesse
conceituar propriamente um delito de corrupção praticado pelo particular e,
ao mesmo tempo, inseriu no Direito penal brasileiro a desnecessidade de que
os delitos de corrupção ativa e passiva tivessem que ocorrer
simultaneamente. Significa, como há muito aponta a doutrina 398, a
desnecessidade de existência da bilateralidade nos delitos de corrupção.
Sob este pormenor dois detalhes merecem realce. O primeiro se
relaciona com a quebra da regra insculpida no artigo 29 do Código Penal.

398
HUNGRIA, Nelson. Comentários ..., p. 367; COSTA JR., Paulo José da. Comentários ...,
p. 469 e 470.
100

Ora, é consabido que este adotou como regra, no concernente ao concurso


de pessoas, a teoria monista. A respeito elucida Guilherme de Souza NUCCI:
“a) teoria unitária (monista ou monística): havendo pluralidade de agentes,
com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado, há
somente um delito. Nesse caso, portanto, todos os que tomam parte na
infração penal cometem idêntico crime. É a teoria adotada, como regra, pelo
Código Penal (Exposição de Motivos, item 25);”399
Nada obstante a regra advinda do artigo 29 do Código Penal,
tem-se que, para alguns delitos, o Código Penal brasileiro adote “situações
de exceção pluralística ao princípio unitário do concurso de pessoas”400,
sendo certo que os delitos de corrupção passiva e ativa se enquadram entre
as hipóteses excepcionais do Direito penal brasileiro.401
Tanto é assim que, analisados os núcleos dos tipos penais
previstos nos arts. 317 e 333 do Código Penal brasileiro, percebe-se ser
plenamente viável a ocorrência de solicitação por parte do servidor público
sem o necessário adimplemento por parte do particular, tal como é também
viável a prática do oferecimento de vantagem indevida por determinado
particular sem que haja o aceite desta vantagem pelo servidor seduzido pela
proposta que lhe é feita.
A conclusão inarredável a que se chega é não serem as
modalidades de corrupção ativa ou passiva necessariamente bilaterais ou
ainda crimes de concurso necessário. Com isso não se nega o óbvio, ou seja,
a plena viabilidade de que os delitos ocorram conjuntamente, v.g., o
oferecimento de dinheiro por parte de um particular a um agente penitenciário
para que este possibilite a entrada de drogas e de munição para dentro de
um estabelecimento prisional. 402

399
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal ..., p. 322.
400
BUSATO, Paulo. Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2013. p. 704;
401
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal ..., p. 322; NUCCI, Guilherme de
Souza. Código Penal Comentado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1291; BUSATO,
Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 704; FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p.
437; PRADO, Luiz Regis. Curso ..., p. 475; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal. Volume 5. p. 77 e, em especial, p. 87; STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O.
Dos crimes ..., p. 1467.
402
Exemplo de corrupção própria fornecido por SANTOS, Claudia Cruz; BIDINO, Claudio;
MELO, Débora Thaís de. Notas sobre a corrupção de agentes públicos em Portugal e no
101

Aliada a esta característica de excepcionalidade em relação ao


artigo 29 do Código Penal está, e aqui reside a principal importância, pois se
trata dos limites do Direito penal em face da prevenção e da repressão à
corrupção, a ampliação do espectro de punibilidade, quer-se dizer, de
criminalização dos eventos relacionados à corrupção ativa e passiva.
Isso porque, a depender do modelo de bilateralidade –
praticamente abolido em países de família romano-germânica 403 – estar-se-ia
sempre na dependência da confirmação dupla: de um lado do oferecimento
ou promessa de vantagem indevida e do outro do aceite ou do efetivo
recebimento de “propina”. 404
Há de se pensar, conforme já referido, que o legislador de 1940
não compreendeu o tipo penal para a evolução tecnológica e social que
seguiu, muito menos pelas dificuldades probatórias que se seguiriam à
criminalidade organizada, onde a corrupção se insere. A única explicação,
para o acerto na confecção dos tipos penais de corrupção ativa e passiva,
desde 1940 independentes entre si, diz respeito à ampliação do espectro de
punibilidade pela simples necessidade de considerar como grave e lesiva aos
interesses da administração pública a atuação unilateral de um dos agentes
envolvidos no delito, seja o agente público, seja o particular.
Não se pode negar que, perante o aspecto político-criminal 405, a
medida de autonomizar os delitos de corrupção ativa e passiva assume papel
relevante e inarredável, cujo retrocesso sequer se imagina. Eis aqui um limite
político-criminal ultrapassado em boa medida pelo legislador e que não
merece reparos, ao menos neste aspecto. A título de nota e crítica fica a

Brasil. In: Direito penal econômico: questões atuais. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2011. p. 533.
403
É a interpretação a ser retirada, ao menos, da legislação portuguesa (art. 372, 373 e 374
do Código Penal Português), espanhola (artigos 419 a 425 do Código Penal Espanhol) e
alemã (§§ 331 a 334 do Código Penal Alemão); quanto ao aspecto doutrinário vide
SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 384; MIGUEZ GARCIA, M.; CASTELA RIO, J.
M. Código Penal. Parte geral e especial. Coimbra: Almedina, 2014. p. 1228.
404
Com o que, com a devida vênia, tem-se por equivocado o entendimento exposto por
WUNDERLICH ao afirmar que entende “a corrupção passiva como delito bilateral que
depende da corrupção ativa” e que não vê “como possível a existência do crime de
corrupção passiva sem a configuração da corrupção ativa.” WUNDERLICH, Alexandre. Dos
crimes ..., p. 43.
405
Cf. QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas considerações sobre os crimes de corrupção
ativa e passiva. A propósito do julgamento do “mensalão” (APN 470/MG do STF). In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 106, janeiro de 2014. p. 184.
102

incorreção, salvo melhor juízo, das expressões utilizadas por Paulo José da
Costa Jr. e por Magalhães Noronha. O primeiro se refere ao delito de
corrupção como sendo um “crime tentado” 406, e acompanhado pelo segundo
por meio da expressão “crime-tentativa”407. Não se trata de crime tentado,
mas sim de clara antecipação da tutela penal para uma situação que, se não
ofende diretamente o bem jurídico, ao menos ancora a sua legitimidade
jurídico-penal por meio da colocação em perigo da administração pública e os
objetivos por ela pretendidos em um Estado democrático de direito.
A propósito, não se trata de utilização desmesurada da lei penal,
simbólica ou ainda apriorística, levando o Direito penal a um embate inicial
despropositado e fora de suas precípuas funções, mas sim de reconhecer
que, em alguns casos, a antecipação da tutela penal nada mais desempenha
do que o óbvio e o esperado. Se a par disso o órgão acusatório se
desincumbe de certa carga probatória é mera consequência que decorre de
configuração típica adequada à finalidade do Direito penal.

3.1.3. A possível bilateralidade de algumas condutas.

Coube a Cezar Roberto BITENCOURT preocupar-se


detidamente com esta matéria para deixar assentada a realidade típica
brasileira quanto à exigibilidade ou inexigibilidade de bilateralidade nos
delitos de suborno, tendo-o feito nos seguintes termos:
“Embora o pactum sceleris não seja requisito obrigatório, repetindo, em todas
as hipóteses do crime de corrupção, nas modalidades de receber (vantagem
indevida) ou aceitar (promessa) a bilateralidade é inerente a referidas
condutas, pois somente se recebe ou se aceita se houver em contrapartida
quem ofereça ou prometa. Em outros termos, para a configuração da
corrupção passiva, segundo esses verbos nucleares, é indispensável a
presença da figura ativa, e vice-versa. No plano material, portanto, o
reconhecimento da corrupção passiva, nas modalidades de receber ou
aceitar, implica, necessariamente, a configuração da correspondente
corrupção ativa (bilateralidade), seja na modalidade de oferecer, seja na
modalidade de prometer (art. 333); no plano processual, contudo, essa
bilateralidade, que é fático-jurídica, depende da produção da prova da autoria
408
correspondente.”

406
COSTA JR., Paulo José da. Comentários ..., p. 468.
407
NORONHA, Magalhães. Direito Penal, p. 245.
408
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5, p. 90.
103

Existem julgados oriundos dos Tribunais pátrios 409 que endossam


tal entendimento doutrinário, assentes com a independência dos delitos de
corrupção ativa e passiva, nas modalidades solicitar (passiva) e oferecer
(ativa), muito embora reconheçam a plena viabilidade de ocorrência da
bilateralidade nas demais condutas previstas tipicamente (receber e aceitar
promessa, na corrupção passiva, e prometer, na corrupção ativa).
Ainda que a redação dos tipos brasileiros que incriminam a
corrupção strictu sensu seja bem anterior aos mais relevantes tratados
internacionais atualmente em vigor e dos quais o Brasil é signatário, fato é
que a redação de alguns dos tipos penais, mais especificamente o tipo penal
de suborno ativo, está em consonância com aqueles. Ao menos é o que
consta do artigo 8 do Decreto 5.015/2004 (Convenção de Palermo) ao dispor
que
“cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam
necessárias para caracterizar como infrações penais os seguintes atos,
quando intencionalmente cometidos: a) prometer, oferecer ou conceder a um
agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu
proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se
abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais; e b) por
um agente público, pedir ou aceitar, direta ou indiretamente, um benefício
indevido, para si ou para outra pessoa ou entidade, a fim de praticar ou se
abster de praticar um ato no desempenho das suas funções oficiais.”

Contudo, se em relação à figura típica do suborno ativo é


possível alguma adequação entre a realidade normativa brasileira e a
normativa internacional, já em relação ao suborno passivo é o caso de se
discordar e apontar problemas mais graves de tipificação no direito brasileiro.

409
V.g. o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça no RHC 52465/PE (Rel. Exmo. Sr.
Ministro Jorge Mussi – 5ª Turma – DJe 31.10.2014) do qual se extrai da ementa: “(...) 1.
Conquanto exista divergência doutrinária acerca do assunto, prevalece o entendimento de
que, via de regra, os crimes de corrupção passiva e ativa, por estarem previstos em tipos
penais distintos e autônomos, são independentes, de modo que a comprovação de um deles
não pressupõe a do outro. Doutrina. Jurisprudência do STJ e do STF. 2. No caso dos autos,
conquanto o suposto corruptor ativo não conste mais do polo passivo da ação penal em tela,
tal circunstância não é suficiente, por si só, para que o feito seja trancado no que se refere
ao recorrente, primeiro porque o princípio da indivisibilidade não se aplica às ações penais
públicas, de modo que o Ministério Público pode oferecer denúncia contra os possíveis
agentes do crime previsto no artigo 317 do Código Penal sem que o faça quanto aos que
teriam cometido o ilícito previsto no artigo 333 do mesmo diploma legal, e segundo porque a
extinção do feito quanto ao acusado de corrupção ativa se deveu ao reconhecimento da
inépcia da denúncia, decisão que, como se sabe, não faz coisa julgada material, permitindo
que o órgão acusatório apresente outra peça vestibular quanto aos mesmos fatos sem os
vícios outrora reconhecidos. (...)”
104

Isso porque, conforme estará demonstrado mais adiante, o modelo de


tipificação normatizado no Brasil, se de um lado é criterioso na adoção da
unilateralidade, a ausência de algumas exigências típicas no crime de
corrupção passiva torna a figura delitiva bastante deficiente.

3.2. Tomada de posição. As consequências do modelo unilateral adotado


pelo direito brasileiro.

3.2.1. Tipos penais independentes.

A primeira consequência a ser apontada é a total independência


entre os tipos penais. É fácil perceber na doutrina brasileira, tal como
disposto na lição de Cezar Roberto BITENCOURT acima, uma tentativa de
salvar, a todo custo, uma parcela de bilateralidade obrigatória entre os tipos
penais de corrupção ativa e passiva.
Discorda-se, contudo, deste entendimento, pois a interpretação
dos tipos penais não pode chegar a suplantar o texto da lei. A norma a ser
extraída da legislação brasileira é, concorde-se ou não, precária. Esta forma
de encarar a realidade normativa talvez seja importante passo para a
realização, ao que tudo indica, de futura e necessária reforma global e
estrutural dos crimes hoje previstos no Código Penal.
Assim é que a bilateralidade poderá ocorrer nas condutas do
corruptor ativo que, ao oferecer ou prometer vantagem indevida, encontre o
aceite ou recebimento por parte do corruptor passivo. Porém, conforme está
demonstrado abaixo, o mero recebimento ou aceite de vantagem por parte do
funcionário público é sim conduta típica perante o direito brasileiro, sendo o
ato de ofício neste caso um mero capricho (bem vindo, diga-se de passagem)
da jurisprudência, ocupando os Tribunais brasileiros um protagonismo não
cabível a eles, que é justamente o de solucionar os problemas derivados da
legislação a partir de interpretações forçadas, contra legem e utilitaristas,
ainda que algumas ocorram em favor do acusado, como é caso da
105

interpretação lançada sobre a exigência do ato de ofício para a configuração


do tipo penal de corrupção.
Deste modo, uma primeira conclusão é a de que os tipos penais
são absolutamente independentes, com verbos próprios, penas próprias,
modos de cometimento isolados, suas próprias consumações, etc.

3.2.2. Atipicidade da conduta de dar ou entregar a vantagem indevida


solicitada pelo funcionário público.

É conhecido dos afetos à matéria penal que os delitos de


corrupção passiva e ativa no direito brasileiro sofreram reforma, promovida
pela Lei n. 10.763/2003, apenas em relação à quantidade de pena.
Dessarte, é lugar comum que a tipologia de tais delitos assuma
caracteres desde há muito reconhecidos pela doutrina pátria, a começar pela
já demonstrada não exigência de bilateralidade entre ambos. Nada obstante
esta independência, é também evidente a ausência de homogeneidade entre
os verbos incidentes sobre os tipos penais mencionados.
A mera leitura dos tipos, em suas acepções impróprias (arts.
317, caput e 333, caput, do Código Penal) demonstra que na corrupção
passiva estão punidas as condutas de solicitar, receber e aceitar promessa
de vantagem indevida, enquanto na modalidade ativa estão previstas as
condutas típicas de oferecer e prometer vantagem indevida ao agente
público.
Trata-se de uma ampliação dos limites do Direito penal, embora
realizada há muito tempo que, sem dúvida alguma, “facilita sua
410
punibilidade”. Ademais, vem acompanhada de um correto fundamento, pois
realmente há inserção adequada da norma penal na punição autônoma e
independente destes delitos.
Portanto, há uma pergunta muito evidente a ser feita, mas que
raramente recebe o enfrentamento devido: qual a interpretação possível, a
partir da norma penal brasileira em vigor, a ser lançada sobre a conduta do

410
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 77.
106

particular que, ao concordar com o pedido anteriormente formulado pelo


agente público, dá/entrega a vantagem indevida pretendida?
Afora qualquer espécie de elucubração sobre a vontade do
legislador de 1940 e que poderia fundamentar a pensada e pretendida não
punição do particular a partir do momento em que a iniciativa tenha partido do
agente público, realmente as disposições penais brasileiras a respeito deixam
a desejar.
Uma característica a ser desvelada inicialmente é o desrespeito
ao princípio da previsibilidade da norma penal. Um bom exemplo é como está
redigido o tipo penal do artigo 333, caput, do Código Penal. Ora, a imprecisão
da norma penal, deixando dúvida se a literalidade do texto incluiria a conduta
de dar ou entregar vantagem indevida como punível, afronta fatalmente o
princípio da taxatividade penal. Neste sentido elucida Iñigo ORTIZ DE
URBINA GIMENO:
“(...) la especial exigencia de taxatividad en materia penal es consecuencia
de la mayor gravedad de las consecuencias en este ámbito y por completo
compatible con la consideración del principio de legalidad penal como una
especificación del más general principio de legalidad de la intervención
411
pública en la vida de las personas.”

Dessarte, melhor conclusão lógica não há do que, a partir da


legislação atualmente em vigor, concluir pela atipicidade da conduta daquele
particular que, após ter sido solicitado pelo agente público, entrega/dá a
vantagem indevida a este, eis que “por mais criticável que seja esta
configuração legislativa, não parece possível, ante os reclames do princípio
da legalidade, incriminar-se um tal proceder, donde a necessidade de
alteração legislativa a consubstanciar explicitamente tal reproche.”412
Cumpre citar a opinião de André ESTEFAM:
“Quando o funcionário público exige a vantagem indevida, comete concussão
(art. 316), figurando o particular que cedeu à pressão, diante do temor
incutido pela função desempenhada (i.e., metus publicae potestatis) como
vítima. O mesmo ocorre quando o servidor toma a iniciativa do negócio
escuso e solicita o pagamento da vantagem. Inexiste, nesse contexto,

411
ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo. Leyes taxativas interpretadas libérrimamente?
Principio de legalidad e interpretación del derecho penal. In: La crisis del principio de
legalidad en el nuevo derecho penal: decadencia o evolución? Edición e introducciones de
Juan Pablo Montiel. Marcial Pons: Madrid, 2012. p. 177.
412
SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 549. Vale
citar, respeitosamente, entendimento contrário, como é o exposto por NUCCI, Guilherme de
Souza. Manual de direito penal ..., p. 1052.
107

corrupção ativa, porquanto tal ilícito exige do extraneus que “ofereça” ou


“prometa” a vantagem ilícita – isto é, deve ser sua a iniciativa e não do
servidor. O art. 333 não inclui os verbos “dar” ou “entregar” no seu preceito
primário. Comparando os tipos penais da corrupção ativa e da passiva nota-
se uma correspondência em quase todas as condutas. Quando o particular
oferece ou promete a vantagem ilícita e o funcionário a aceita, ambos estarão
incursos no CP, imputando-se a eles, respectivamente, corrupção ativa e
passiva. Sublinhe-se que, nas hipóteses retratadas, a iniciativa foi do
extraneus (ou seja, o particular é que corrompeu o servidor). Dando-se o
inverso (ou seja, se a proposta partir do funcionário), repise-se, só ele
413
comete crime.”

Assim é que merece especial destaque a corajosa decisão


jurisprudencial de se reconhecer que “o delito de corrupção ativa caracteriza-
se com o oferecimento ou promessa de vantagem a funcionário público,
sendo atípica a conduta de "dar" a benesse após solicitação deste.” 414
Por outro lado, se assim é a legislação pátria, fica a pergunta se
outra solução, não interpretativa, mas sim legislativa, seria viável de ser
adotada. Há lugar para uma reforma legislativa que contemple a punição do
particular hoje “impune”?
A resposta é afirmativa, mas com detalhes a serem observados.
A um, em razão do caráter velado, sigiloso e secreto do atuar
corruptivo, seja ele ativo ou passivo, desvelar a limitação precisa se a oferta
inicial partiu do agente público ou do privado torna-se quase que inviável na
prática.
A dois, porque a conduta do particular, que livremente se põe a
negociar com o agente público, merece reprovação penal, simplesmente
porque lesiona o bem jurídico tutelado no delito de corrupção em sentido
estrito, qual seja a imparcialidade do servidor público.
Convém ressaltar também uma necessária recolocação das
condutas típicas de corrupção ativa. Nada obstante a leitura crítica aqui
vertida, é conhecida a tendência jurisprudencial de se concluir pela
ocorrência da corrupção ativa na atitude de entregar ou dar a vantagem
indevida requerida pelo funcionário público sob o entendimento de que se

413
ESTEFAM, André. Direito penal. Parte Especial. Volume 4. Arts. 286 a 259-H. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 310 e 311.
414
TRF4 – Apelação Criminal 2004.72.00.015990-6 – 8ª Turma – Rel. Des. Fed. Luiz
Fernando Wowk Penteado – D.E. 28/05/2009.
108

trata de uma troca entre iguais415, com o que existiria nesta troca a plena
chance de o particular não aquiescer com a entrega.
Esta abstrata “troca entre iguais” é realmente abstrata e não se
atém ao cotidiano. Como assim uma troca entre iguais? O milionário
empresário está em condições de igualdade ao negociar com o contínuo do
órgão de trânsito municipal? O auditor da Receita Federal está em condições
de igualdade ao tratar de vantagem indevida com um microempresário? A
artificialidade desta construção é flagrante e merece o rechaço da doutrina.
A título de tomada de posição a reforma legislativa brasileira
deveria passar por:
i) criminalizar a conduta do particular que entregue ou dê a
vantagem indevida solicitada pelo servidor público com o objetivo de obter um
tratamento parcial deste;
ii) deixar assentado na norma penal que é isenta de pena a
conduta do particular que entrega ou dá a vantagem indevida a servidor
público quando o ato de ofício pretendido pelo particular lhe é justo, esperado
e devido.
Neste último sentido observa MILITELLO 416:
“El particular debe responder además en cuanto haya remunerado al
funcionario público para obtener de él un tratamiento más favorable que
aquel que un ejercicio imparcial de sus poderes le habría dispensado. Hay
que excluir, sin embargo, la responsabilidad del particular que haya
remunerado al funcionario público a fin de que éste realizase una conducta
que debería realizar, porque en verdad tiene poco sentido castigar a quien
paga para obtener aquello que le es debido gratuitamente, en la misma forma
y en el mismo tiempo en los que le es debido: en términos reales, nadie se
gravaría con este costo adicional si no hubiese sido <<obligado>> de alguna
forma.
La razón por la que hay que diferenciar los casos de acto discrecional de los
de acto debido, haciendo depender de ello – en las hipótesis de cohecho
impropio – el an de la responsabilidad del extraneus, parece ser la siguiente:
en el caso en el que el particular remunere al funcionario público para que
este último se comporte como es su deber hacer, la <<corrupción>> pretende
que el <<corruptor>> obtenga exactamente aquello a lo que tendría derecho

415
V.g., “(...) 2. Na exigência do corruptor tem-se a coação, a ordem, a imposição sob pena
de mal sério e grave (ainda que não especificado), daí a dificuldade ou impossibilidade de
resistência do particular, que por isso não será processado por corrupção ativa. Na
solicitação do corrupto, tem-se uma troca, um acordo entre iguais, donde a possibilidade
plena do particular não aceitar a entrega da vantagem e sua responsabilização pelo crime
de corrupção ativa. (...)” TRF4 – Apelação Criminal n. 2000.71.11.000494-6, Rel. Exmo.
Des. Tadaaqui Hirose, 7ª Turma, DJ 17.05.2006.
416
MILITELLO, Vincenzo. Concusión …, p. 255 e 256. Da mesma forma RODRÍGUEZ
PUERTA, Maria José. El delito ..., p. 86.
109

gratuitamente. Hipótesis en la cual, se ha dicho ya, sería injusto castigar a


quien en el fondo soporto un costo por obtener un derecho.”

3.2.3. Ato de ofício como elemento típico apenas está presente na corrupção
ativa.

Parece, ao contrário, que o legislador deixou de maneira bem


evidente a situação diversa dos tipos direcionados ao servidor público e ao
particular. Ao servidor são proibidas as condutas de solicitar, de receber e de
aceitar promessa de vantagem indevida, seja para si ou para terceiro, em
razão de sua função. Já ao particular estão proibidas as condutas de oferecer
ou prometer vantagem indevida para determinar o servidor a praticar, retardar
ou não praticar determinado ato de ofício.
Assim, muito embora se compreenda interpretação diversa, fato
é que o Estado Brasileiro possui, em matéria de corrupção, tipos de
criminalização absolutamente diversos, exigindo muito menos elementos para
que se dê a corrupção passiva e muito mais para que ocorra a corrupção
ativa. Dessarte, o modelo de criminalização adotado desde 1940, sem dúvida
equivocado, é permeado por aquilo que se pode chamar de <<unilateralidade
absoluta independente>>. Explica-se, desde que estejam presentes alguns
exemplos fáticos.
O servidor público A que solicita vantagem indevida ao particular
B comete o crime de corrupção passiva, figura prevista no caput do artigo 317
do Código Penal. E assim será independentemente de vincular à sua
solicitação eventual prática ou não prática de algum ato de ofício. Da mesma
forma, o servidor público A, que receba vantagem indevida ou aceite
promessa de tal vantagem de um particular, cometerá o delito de corrupção
passiva, anote-se, independentemente da prática ou não prática de um ato de
ofício. E mais. Independentemente de tal ato de ofício ter sido mencionado
pelo agente faticamente, mas não criminalmente, corruptor.
Ora, a bilateralidade até pode existir. Ela não decorre dos
esforços doutrinários, interpretativos ou jurisprudenciais, mas sim de
aspectos normativos. Portanto, faz-se necessário separar a legislação
110

brasileira sobre os tipos penais de corrupção em sentido estrito entre aquilo


que efetivamente são e entre aquilo que se gostaria que fossem.
Reconhecer os equívocos desde há muito tempo incidentes em
nossa legislação é a melhor forma para propugnar uma reforma adequada e
consentânea com a realidade. Outro ganho obtido com esta interpretação é o
de poder identificar as falhas de toda a sorte incidentes, inclusive quanto à
(des)proporcionalidade da pena, muito embora idêntica, a incidir sobre
criações de distintos perigos ao bem jurídico tutelado.
Olhos postos no já afirmado, a bilateralidade do ponto de vista
jurídico-penal irá incidir apenas e tão-somente nos casos em que o
oferecimento ou promessa de vantagem se inicie pelo particular e que haja
vinculação para este oferecimento ou promessa de vantagem com o intuito de
retardar, omitir ou praticar um determinado ato de ofício. Eis aqui a
possibilidade de bilateralidade típica entre as duas figuras de corrupção. De
outro canto, caso ocorra o oferecimento ou promessa de vantagem a
determinado funcionário público e este acabe concordando com o agente
corruptor, na hipótese de não restar identificado o ato de ofício, ter-se-ia
apenas a corrupção passiva, pois ao funcionário, como dito acima, é proibida
a prática do recebimento ou do aceite de vantagem indevida em qualquer
circunstância.
Alerte-se: se isto é ou não desejável político-criminalmente, se
com tais figuras típicas se tutela o bem jurídico <<imparcialidade>> de
maneira adequada aos princípios penais de garantia, é tudo uma questão de
crítica ou, ainda, de reconstrução da legislação brasileira.
Eis o retratado por Rui STOCO 417 ao afirmar que a “bilateralidade
só se apresenta nas modalidades de recebimento da vantagem indevida ou
da aceitação da promessa de tal vantagem por parte do intraneus, ou de
adesão do agente público à solicitação do particular ou administrado, ou nas
formas qualificadas previstas no §1º e parágrafo único, respectivamente, dos
arts. 317 e 333, do CP.”
Contudo, ainda que a bilateralidade, passível de existir em
algumas das modalidades de suborno, classifique o delito como um delito de

417
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1476.
111

concurso necessário, resta indagar se tal bilateralidade importa, no campo


processual, mais precisamente nos momentos de aviar a denúncia e de ser
prolatada eventual decisão condenatória, a necessidade de serem
identificados os dois polos, in casu, ativo e passivo. Evidentemente que para
falar de bilateralidade se faz imperiosa a menção a servidor público de um
lado e de um particular de outro, mas a dúvida persiste efetivamente quanto à
plena identificação do sujeito ativo da corrupção ativa ou ainda da corrupção
passiva.
Um exemplo tende a auxiliar a interpretação da questão. Por
meio de interceptação telefônica licitamente concedida, descobre-se que o
particular A, industrial do ramo farmacêutico, oferece valor ao servidor público
B, integrante da agência nacional de vigilância sanitária. O objetivo era
acelerar a aprovação de autorização para o comércio de um novo
medicamento produzido pela indústria capitaneada por A; B, de acordo com a
prova telefônica, aceita a promessa de tal vantagem.
Dado o caráter cartesiano do exemplo, evidente que uma vez
identificados A e B, ambos poderiam ser denunciados pelas condutas
perpetradas. A dúvida remanesce, contudo, se no caso concreto apenas A é
de fato identificado, mas B não. Nesta última hipótese poderia A ser
denunciado por oferecer vantagem a pessoa que, muito embora não
identificada corretamente, seguramente ostenta a qualidade de “funcionário
público” em conformidade com o artigo 327 do Código Penal? Quais os
limites processuais-penais a incidir neste caso concreto?
A complexidade e a dinâmica dos delitos de suborno vão,
contudo, além desta mencionada duplicidade de autores ou, como se quer na
doutrina e jurisprudência pátrias, bilateralidade. Tem-se, em tantos casos,
assevere-se, uma multiplicidade e pluralidade de agentes, isso tudo muito
relacionado à ideia sub-reptícia e sigilosa da corrupção e do suborno, a
considerar a partir das redações típicas em vigor no direito brasileiro, pois
estampado está no tipo penal da corrupção passiva, artigo 317, caput, do
Código Penal, o termo “para si ou para outrem”.
Assim, num primeiro momento, encontram-se nas pessoas do
particular decidido a oferecer ou prometer o suborno e o servidor público
112

suscetível de aceitar a promessa de vantagem e recebê-la. Contudo, pode-se


agregar que (i) eventual beneficiário da vantagem indevida possa não ser o
funcionário público, (ii) que eventual solicitante ou receptador não seja
apenas o funcionário público, incluindo-se aqui mais um autor ao delito, bem
como as situações de (iii) que aquele que oferta ou entrega a vantagem
indevida seja pessoa diversa do particular que se beneficia do ato ou omissão
do funcionário público. 418
O termo ato de ofício foi incluído tanto na figura do caput do
artigo 333, do Código Penal, como na figura do § único do mesmo artigo.
Conforme já afirmado, tal termo é de fato precário, de difícil definição e
poderia inclusive ser reformulado em futura reforma legislativa.
Contudo, precário ou não, trata-se de elemento normativo do
419
tipo e que não pode ser simplesmente relegado pelo intérprete ou aplicador
da norma. Necessita sim ser interpretado, à luz do que foi proposto acima,
isto é, de maneira mais consentânea à realidade da corrupção que permeia a
administração pública brasileira. Assim é que se manifestam SANTOS,
BIDINO e MELO ao lucidamente afirmarem que
“não se pode negar que o tipo de corrupção ativa (art. 333 do CP), ao dispor
que os comportamentos sejam empreendidos “para determiná-lo a praticar,
omitir ou retardar ato de ofício”, acaba por dar azo às exigências
alargadamente feitas pela doutrina e jurisprudência brasileiras para fins de
censurabilidade, para afastamento de quaisquer dúvidas e maior proteção ao
bem tutelado, de uma alteração legislativa a deixar patente o reproche
conquanto não provado um liame entre a benesse ofertada e um determinado
ato.” 420

Desnecessária a citação de todos os autores que referendam a


exigência da incidência do ato de ofício para a tipificação da corrupção ativa,
posto que lugar comum. Por se tratar de exigência normativa clara e direta,
não há como negá-la. Definido o ato de ofício, talvez o primeiro entrave,
deságua-se na (des)necessidade de incidência do ato de ofício para o delito
de corrupção passiva (item 3.3. infra) e também no quão definido há de ser o
ato de ofício para que se tipifiquem o suborno ativo e passivo na legislação
brasileira (item 3.4. infra).
418
SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 385.
419
A respeito da distinção entre elementos normativos e descritivos do tipo vide ROXIN,
Claus. Derecho Penal, p. 305 a 307.
420
SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 552.
113

Como conclusão preliminar absolutamente óbvia para este tópico


tem-se que o ato de ofício é elemento descritivo do tipo penal de corrupção
ativa e há de ser obrigatoriamente compreendido e aplicado.

3.2.4. A exigência normativa do ato de ofício para a conformação do tipo


penal de corrupção passiva.

3.2.4.1. Posicionamentos favoráveis à exigência.

Sempre muito bem lembrada pela doutrina e pela jurisprudência,


inclusive no recente julgamento da Ação Penal n. 470 perante o Supremo
Tribunal Federal, a Ação Penal n. 307, envolvendo o ex-presidente Fernando
Collor de Mello 421, é um marco no tocante ao estudo dos elementos
componentes do tipo penal de corrupção no direito brasileiro e, de maneira
especial, do aludido <<ato de ofício>>.
Sem fazer pouco caso das decisões jurisprudenciais
provenientes de outros órgãos e instâncias julgadoras, o ganho teórico-
técnico advindo destes grandes julgamentos é notório, pois se vislumbra o
apreço dos responsáveis pelas decisões judiciais ao se debruçarem sobre
temas que, permissa venia, em casos normais, não teriam a mesma
conveniência, atenção e cuidado.
De acordo com o que bem relembra Renato de Mello Jorge
SILVEIRA 422, a votação realizada na sede da Ação Penal n. 307 (STF) não foi
unânime. Se a composição do julgamento contou com os Exmos. Srs.
Ministros Octavio Galloti (presidente da Suprema Corte), Ilmar Galvão
(relator), Moreira Alves (revisor), Sepúlveda Pertence, Sidney Sánchez, Néri
da Silveira, Celso de Mello e Carlos Velloso, é pontual asseverar que os
Ministros Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso votaram

421
A respeito do caso, com detalhes importantes, vide FURTADO, Lucas Rocha. As raízes
..., p. 276 a 290.
422
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. O Supremo, do caso Collor ao mensalão. In: Jornal
Valor Econômico, dia 09 de outubro de 2012. Disponível em
http://www.valor.com.br/mensalao/2860364/o-supremo-do-caso-collor-ao-mensalao, acesso
em 05 de julho de 2015, às 12h40min.
114

contra a tese majoritária, qual seja a exigência do ato de ofício para a


configuração do delito de corrupção passiva.
Extraem-se do voto condutor do Exmo. Ministro Ilmar Galvão os
seguintes argumentos a justificar a afirmação lançada em seu voto: “... a
doutrina e a jurisprudência pátrias nunca discreparam, e não discrepam, do
entendimento de que a consumação do delito de corrupção passiva, se, de
uma parte, prescinde da efetiva realização do ato funcional correspondente,
de outra, exige que a prática ou omissão deste tenha sido a causa da
solicitação, do recebimento ou da aceitação da vantagem ou da promessa de
vantagem indevida.” 423
O primeiro argumento reside, assim, na noção de que os delitos
de corrupção passiva e ativa, com exceção das modalidades unissubjetivas
de solicitar (passiva) e oferecer (ativa), importam a noção de bilateralidade,
ou seja, são interdependentes entre si, de maneira que para um ocorrer o
outro também é necessário.
A mesma opinião é defendida por Cezar Roberto Bitencourt:
“É necessário que haja uma promessa formulada por um extraneus, que é
aderida pelo funcionário público, aceitando recebê-la futuramente.
Pressuposto dessa figura é a existência de promessa de vantagem indevida
formulada pelo agente corruptor, configuradora do crime de corrupção ativa.
Em outros termos, como demonstraremos no tópico seguinte, nas duas
modalidades – receber e aceitar - , estamos diante de crime de concurso
necessário, no qual a bilateralidade está caracterizada.” 424

Assim também conclui Heleno Claudio FRAGOSO declinando:


“Na forma de solicitação, independe o crime de seu acolhimento (a ação
parte aqui do próprio corrompido), sendo bastante que o pedido chegue a
conhecimento do interessado. Nos casos de recebimento e de promessa, há
um entendimento e um acordo entre o agente e o corruptor (que será, por
425
sua vez, agente da corrupção ativa).”

O segundo argumento exposto no voto se baseia na doutrina de


Nélson HUNGRIA. Sob a sombra de ter integrado a comissão elaboradora do
Código Penal de 1940, Nelson HUNGRIA aludia que “a corrupção (...) no seu
tipo central, é a venalidade em torno da função pública, denominando-se

423
Trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão a respeito do crime de corrupção passiva, p.
2194 do acordão da Ação Penal n. 307 (STF). Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=324295, acesso em 30
de junho de 2015, às 18h10min.
424
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 79.
425
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 440.
115

passiva quando se tem em vista a conduta do funcionário corrompido, e ativa


quando se considera a atuação do corruptor.”426
O Ministro Relator da Ação Penal 307 aliou a tal entendimento a
opinião de que no direito brasileiro a corrupção assenta-se, “de modo real ou
virtual, na existência de duas prestações recíprocas, a comporem um pseudo-
sinalagma”427, não tendo o direito brasileiro punido a mera aceitação ou
solicitação de dádivas.
Heleno Cláudio FRAGOSO chancelaria tal opinião, adicionando
que o delito de corrupção passiva estaria “na perspectiva de um ato de ofício,
que à acusação cabe apontar na denúncia e demonstrar no curso do
processo”428 e que “é próprio da corrupção que a vantagem seja solicitada,
recebida ou aceita em troca de um ato de ofício.” 429
Já como terceiro argumento, o Ministro Relator utilizou em suas
razões de decidir o parecer exarado por Julio Fabbrini Mirabete e
devidamente juntado aos autos.
Dada a pontualidade com que o tema é debatido, é o caso de se
trazer alguns trechos do mencionado parecer elaborado por Julio Fabbrini
Mirabete:
“A falta de menção expressa ao ´ato de ofício´ no caput do artigo 317, do
Código Penal, que a ele só se refere nos parágrafos 1º e 2º, não exclui a
imprescindibilidade da relação entre a conduta do agente e o ato funcional.
(...)
O objetivo do legislador, ao elaborar tipos diversos no art. 317, foi o de
diferenciar condutas diversas mais ou menos graves, com sanções penais
proporcionais à relevância penal de cada fato. Assim estabeleceu, no
parágrafo 1º, um tipo em que a sanção penal é a mais severa porque o
funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica
infringindo dever funcional. (...) O dano causado pelo agente é mais relevante
penalmente pois ou o fato que deveria ser praticado não o foi, ou foi
retardado, ou foi praticado em desacordo com as determinações legais.
Também previu a lei uma figura menos grave, no parágrafo 2º, em que o
agente retarda ou deixa de praticar ato de ofício, com infração do dever
funcional, não motivado por vantagem indevida, mas simplesmente por
atender a pedido de extraneus. Trata-se, nesse caso, como é pacífico, de
corrupção passiva privilegiada (...).

426
HUNGRIA, Nelson. Comentários ..., p. 365.
427
Trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão a respeito do crime de corrupção passiva. p.
2195 do acordão da Ação Penal n. 307 (STF). Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=324295, acesso em 30
de junho de 2015, às 18h10min.
428
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 438.
429
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 438.
116

No caput do dispositivo a lei estabelece a figura básica, fundamental, da


corrupção passiva, menos relevante que a forma qualificada e mais grave do
que a forma privilegiada.
Ora, afronta a lógica que a lei preveja no fato mais grave e no fato menos
grave a necessidade de relação da conduta com um ato de ofício e dispense
o mesmo quando trata da espécie intermediária, ou seja, da corrupção
passiva simples, ou, em outros termos, que seja ele indispensável no crime
qualificado e no ilícito privilegiado e não no tipo básico. É sabido que as
formas qualificadas e privilegiadas de um delito devem ser interpretadas em
430
função da forma simples do ilícito.”

Há outro trecho do citado parecerista que merece igual destaque.


Veja-se:
“Explica-se a divergência do tipo penal. Inovando no assunto, a lei pátria faz
referência, como sujeito ativo do crime, àquele que está fora de suas funções
ou ainda não as assumiu. O legislador nacional, ao incluir tal agente, fez
menção expressa à conduta praticada em ´razão´ da função pública,
entendendo desnecessário que se fizesse referência, com redundância, ao
´ato de ofício´. Na lei italiana a referência ao ato de ofício era de rigor já que
a figura penal da corrupção passiva naquela legislação penal não contempla
como sujeito ativo o intraneus que está fora da função ou ainda não a está
exercendo. Já na lei brasileira, a expressão ´ato de ofício´ era desnecessária
diante da redação do dispositivo no que se refere ao servidor que não se
431
encontrava no exercício de suas funções.”

Deste parecer, utilizado em larga escala para fundamentar o voto


vencedor, tem-se: a) em sendo a corrupção passiva prevista no artigo 317,
caput, a figura básica do tipo, não existiria razão lógica para que a figura
privilegiada (artigo 317, §2º, do Código Penal) ou ainda a figura qualificada
(artigo 317, §1º, do Código Penal) fizessem menção ao termo ato de ofício e
a figura básica ser órfã de tal elemento descritivo tácito; b) o fato de a
descrição típica do artigo 317, caput, do Código Penal, não conter a
expressão ato de ofício se deve ao fato de que seria mesmo desnecessária,
porquanto o tipo menciona a possibilidade de o fato poder transcorrer no
exercício da função ou em razão dela, evitando-se assim a menção <<ato de
ofício>> para não incorrer em redundância.
Note-se que se está a identificar o argumento jurisprudencial e
doutrinário capaz de fundamentar a transposição do termo ato de ofício do
tipo penal de corrupção ativa para a corrupção passiva, quando não de uma
leitura implícita do termo <<ato de ofício>> em um tipo penal que não o prevê
de maneira literal.
430
Ação Penal 307 (STF) – p. 2196 a 2198.
431
Ação Penal n. 307 (STF) – p. 2200 a 2201.
117

Parte da doutrina nacional navega nas idênticas águas do


entendimento do Supremo Tribunal Federal, muitas vezes até por argumentos
diversos.
Paulo José da COSTA JUNIOR e Antonio PAGLIARO comentam
ser “indispensável, porém, que a vantagem venha a ser solicitada, recebida
ou aceita em troca de um ato funcional. Nesse sentido, o agente mercadeja
com a função de que dispõe.” 432 O argumento aqui transparece ser a própria
natureza do tipo de corrupção, ou melhor, o fundamento de punição da
conduta da corruptiva seria o mercadejar com a função pública, desde que
viesse consubstanciada em um ato definido como ato de ofício.
Da mesma forma Rui STOCO e Tatiana STOCO também
assinalam que “a ação deve necessariamente relacionar-se com o exercício
da função pública que o agente exerce ou virá a exercer – se ainda não a
tiver assumido –, pois é próprio da corrupção que a vantagem seja solicitada,
recebida ou aceita em troca de um ato de ofício.” 433 Extrai-se aqui idêntica
conclusão à de COSTA JUNIOR e PAGLIARO, pois a corrupção teria como
razão de ser, do ponto de vista típico-penal, a troca de vantagem indevida por
um ato de ofício.
O próprio Julio Fabbrini MIRABETE 434, acima citado, se refere à
exigência do ato de ofício (ratione oficii), ou seja, um ato que deva estar
dentro das competências do funcionário e de suas específicas atribuições
funcionais, porque somente assim é que seria possível se deparar com dano
efetivo ou potencial ao regular funcionamento da administração pública.
Justifica, portanto, a exigência a partir do prisma do bem jurídico tutelado, o
que não deixa de ser um argumento bastante convincente, mas que depende
da concordância acerca de qual é o bem jurídico tutelado pelo Direito penal
nos tipos penais de corrupção ativa e passiva.
Vale transcrever ainda opinião adicional de MIRABETE a
respeito do tema:

432
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 103. Idêntica
afirmação se encontra no livro de COSTA JR., Paulo José da. Curso de Direito Penal. 9ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 814.
433
STOCO, Rui; STOCO, Tatiane de O. Dos crimes ..., p. 1468.
434
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Volume III. 28ª ed. São Paulo: Atlas,
2014. p. 303.
118

“Visa-se preservar a Administração Pública não num sentido genérico, por


estar o agente apto a exercer uma função pública, mas porque trafica,
mercadeja, vende, especula, um determinado ato de ofício. Só nessa
hipótese é que se pode dizer há uma lesão ou perigo de lesão ao bem
jurídico, ou seja, a regularidade da Administração Pública no que tange aos
atos funcionais de seus agentes. Não há ofensa ao bem jurídico tutelado no
art. 317 do CP quando o comportamento do agente deriva apenas de exercer
uma função pública, não se relacionando com qualquer ato de ofício.” 435

O Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Penal 470 acabou


por referendar o entendimento já aplicado. Isso pode se extrair do voto do
Ministro Celso de Mello ao declarar que “para a integral realização da
estrutura típica constante do art. 317, caput, do Código Penal, é de rigor, ante
a indispensabilidade que assume esse pressuposto essencial do preceito
primário incriminador consubstanciado na norma penal referida, a existência
de uma relação da conduta do agente – que solicita, ou que recebe, ou que
aceita a promessa de vantagem indevida – com a prática, que até pode não
ocorrer, de um ato determinado de seu ofício.”436
QUANDT bem relata em escrito aqui já citado que a votação foi
conturbada em seus conceitos e definições, mas conclui “que todos os
ministros mantiveram-se na mesma posição intermediária de exigir a relação
entre a propina e um ato de ofício, mas dispensar a efetiva realização desse
ato.”437
Este mesmo autor acredita na necessidade, por meio de critérios
lógicos, de ser mantida alguma relação de vinculação da vantagem indevida a
algum ato de ofício. Isso porque parte da noção de que o pagamento, pelo
particular, da vantagem indevida solicitada pelo funcionário público, torna
aquele partícipe do delito de corrupção passiva, apenas não sendo punido a
435
MIRABETE, Julio Fabbrini. Dos sujeitos ativos nos delitos de corrupção. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 04, 1993. p. 97.
436
Ação Penal n. 470/MG (STF) – fl. 3681.
437
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 203. Conclusão diversa, com a qual não
se concorda, é a que chega SMANIO ao afirmar que o STF teria reafirmado alguns
posicionamentos, dentre os quais o de que o “o crime de corrupção passiva não exige para
sua caracterização que o ato de ofício a ser praticado pelo funcionário público seja desde
logo apontado e determinado, bastando que a vantagem indevida seja solicitada, recebida
ou havendo aceitação da promessa, em razão da função exercida pelo agente.” SMANIO,
Gianpaolo Poggio. Análise da decisão da Apn 470/MG pelo STF referente aos crimes contra
a administração pública – corrupção ativa e passiva – elementos do tipo penal. In: Revista
dos Tribunais, São Paulo, vol. 933, julho de 2013, p. 205. Na mesma linha de SMANIO está
BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O ato de ofício como elemento para caracterizar o crime
de corrupção. In: Jornal Valor Econômico, 30.04.2013, acesso em 10 de agosto de 2013, às
15h42min.
119

este título em razão de existir um tipo penal próprio (artigo 333 do Código
Penal). 438 Eis a conclusão:
“Mas se isso for correto, então a referência a ato de ofício no art. 333 do CP
se torna inócua nos casos de corrupção bilateral, pois ela não aparece
expressa no art. 317 do CP. Em outras palavras: por mais que o Código
Penal exija, na corrupção ativa (art. 333 do CP), a relação entre a vantagem
indevida e algum ato de ofício, o particular que sucumbisse à solicitação feita
pelo funcionário público em razão de sua função, mas sem qualquer
referência, implícita ou explícita, a algum ato de ofício, acabaria incorrendo
em participação no crime de corrupção passiva, sofrendo as mesmas penas.
Assim, julgamos que a tendência do STF de identificar os requisitos típicos
dos arts. 317 e 333 do CP é correta, e a única forma de fazê-lo é acrescentar
ao art. 317 do CP as exigências adicionais do art. 333 do CP, pois o caminho
contrário – supressão das exigências abundantes do art. 333 do CP –
439
obviamente violaria o princípio da legalidade.”

3.2.4.2. Posicionamentos contrários à exigência.

Sobressai também da Ação Penal 307 julgada pelo Supremo


Tribunal Federal – “Caso Collor” – o entendimento contrário acerca da efetiva
necessidade da identificação de um ato de ofício para o fim de se dar como
consumado o delito de corrupção passiva. Naquela oportunidade, conforme já
adiantado, três ministros da Suprema Corte brasileira votaram pela
desnecessidade quanto à singularização de um ato de ofício, quais sejam os
Ministros Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira e Carlos Velloso.
O voto mais eloquente quanto a esta questão se deve ao
Ministro Sepúlveda Pertence, em especial pela erudição e pesquisa deveras
retratadas em sua manifestação.
Iniciou o Ministro Sepúlveda por meio da alegação de que os
juristas pátrios muita vezes se imiscuem em um “insistente complexo
colonial” 440, o que os “leva a começarem a resposta a uma problema de
direito positivo brasileiro, não pela análise da lei positiva brasileira, mas da
doutrina estrangeira.”441 Isto porque, segundo o Ministro Sepúlveda Pertence,
os defensores da plena exigência de um ato de ofício a consubstanciar a

438
Discorda-se de tal entendimento, haja vista os argumentos delineados no item 3.2.2.. Em
síntese: o particular que entrega ou dá a vantagem indevida, após solicitação do funcionário
público, incorre em conduta atípica para o direito brasileiro.
439
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 209 e 210.
440
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2707.
441
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2707.
120

corrupção de natureza passiva, aquela praticada pelo funcionário público,


buscam explicações na doutrina e na legislação estrangeira, ao invés de
fundamentar e analisar precisamente a legislação eminentemente brasileira,
quer ela esteja redigida de maneira correta ou não.
Aduziu ainda o Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, que o
texto atual da legislação brasileira, o artigo 317 do Código Penal, em sentido
diametralmente oposto a tantos outros dispositivos penais internacionais de
mesma índole, a exemplo do italiano, entre outros, exige, apenas e tão-
somente, que a solicitação, recebimento ou aceitação da promessa de
vantagem indevida se dê não pela realização (ou pretensa realização) de um
ato de ofício, mas apenas no exercício da função ou em razão da função
pública exercida.442
Assim teria concluído:
“14. É inegável que, entre essas duas correntes, o Código brasileiro optou
pela segunda, a minoritária, que não exige que a contraprestação do
funcionário à vantagem cogitada seja um ato de ofício predeterminado, mas,
somente, que haja uma relação genética, uma relação de causa e efeito entre
a função do agente e o ato de corrupção visado, auferido ou prometido: ainda
que não haja originariamente, no momento da oferta, do recebimento ou da
solicitação, conexão com um ato específico, com um ato determinado a
443
praticar.”

Seguindo a argumentação, teria afirmado ainda que a atual


legislação – o artigo 317 do Código Penal – teria quebrado com tradição
anteriormente existente nos Códigos penais do Império e de 1890, textos
legais que exigiam, textualmente, a incidência de um ato de ofício para a
perfazimento do tipo corruptivo passivo. Realmente, a mera leitura dos
dispositivos que antecederam o artigo 317 do texto punitivo atualmente em
vigor, realmente realçam a exigência de um ato de ofício, fato que – à luz do
princípio da estrita legalidade – traz um contorno interessante à interpretação
da legislação.
Mas não é só. Na oportunidade o Ministro Sepúlveda Pertence
se posicionou absolutamente contrário ao parecer exarado por Julio Fabbrini
MIRABETE e contestou abertamente a afirmação de que os tipos penais do

442
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2708 a 2711.
443
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2711.
121

caput, do §1º e do §2º, do artigo 317, do Código Penal, sejam


respectivamente, uma figura básica, uma figura qualificada e uma figura
privilegiada. Ex verbis:
“Com efeito, o que é o elemento característico básico, nuclear, da corrupção
passiva? É a vantagem indevida; e “a venda da função pública”, como aqui já
se disse, repetidas vezes. Ora, que se tem na dita corrupção privilegiada,
Srs. Ministros? O que se tem no chamado tipo privilegiado de corrupção, art.
317, §2º, é uma corrupção sem corrupção, porque nele sequer se cogita de
vantagem indevida. Esse elemento nuclear do tipo simples, é trocado ali por
coisa inteiramente diversa: agir ou omitir-se contra o dever funcional, para
atender pedido ou cedendo a influência de outrem. O que se tem aí, na
verdade, é algo muito mais próximo da prevaricação do que da corrupção.
Apenas se distingue da prevaricação pela intervenção de um terceiro, que
pede ou exerce influência sobre o funcionário para determiná-lo a praticar
determinada ação ou omitir-se dela contra o seu dever funcional. Cai por
terra, assim, o axioma enunciado como verdade universal, da qual resultaria
a consequência de ir buscar nos parágrafos um elemento que não está no
caput e fazê-lo penetrar no tipo simples, à base da premissa de que, se está
no tipo qualificado ou no privilegiado, não pode deixar de estar no tipo
444
simples. O paralogismo, com todas as vênias, é evidente.”

Cumpre ainda mencionar o fato de a legislação estrangeira e


também a legislação anteriormente em vigor no Brasil não obrigarem, de
imediato, a concluir pela exigência do ato de ofício para a consumação da
corrupção passiva. De acordo com o Ministro Sepúlveda Pertence, teria o
legislador de 1940, extremamente cônscio do que fazia – haja vista as
legislações anteriores e as estrangeiras – entendido por “ampliar a moldura
da figura típica do caput do artigo 317 de nosso Código.” 445
Ainda de acordo com o entendimento exarado pelo Ministro em
questão, tal opção legislativa teria o condão de possibilitar a punição de altos
dignatários públicos, pois estes, em sua maior medida, muito embora possam
atuar em áreas e setores altamente sensíveis aos anseios da Administração
Pública (contratos públicos, autorizações, etc.), raramente podem,
formalmente, realizar os de atos ofício objeto do acordo corruptivo. 446
Associaram-se ao voto do Ministro Sepúlveda Pertence, como
dito, os Ministros Néri da Silveira e Carlos Velloso, ambos fazendo uso de
argumentos em síntese muito similares. Pontualmente afirmou o Ministro Néri
da Silveira que “em face da lei em vigor, não da doutrina elaborada à vista da

444
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2717 e 2718.
445
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2718 e 2719.
446
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2721.
122

legislação precedente, é que a solicitação ou recebimento da vantagem


indevida ou aceitação de promessa de tal vantagem ocorra” apenas e tão
somente ““em razão da função pública” e “ainda que fora da função ou antes
de assumi-la.”447
Já o Ministro Carlos Velloso alertaria, na oportunidade, que a lei
penal brasileira pune a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem
indevida que poderá, ou não, levar à prática de um ato de ofício, sem que
esta prática se torne a ratio essendi ou o motus do delito. 448 Para tanto fez
uso de um exemplo, interessante, por sinal, para demonstrar seu raciocínio:
“Dou um exemplo: o diretor do Departamento de Turismo de um certo
Ministério, insinua, por intermédio de interposta pessoa, que o hotel onde
está hospedado poderá ser beneficiado ou prejudicado com a adoção de
certas medidas que podem ser adotadas pelo Departamento de Turismo, ao
tempo em que informa que os hotéis costumam fornecer cortesias ao diretor,
não lhe cobrando diárias. Tem-se, em tal caso, um ato de corrupção passiva.
A vantagem foi solicitada com abuso da função pública. É o quanto basta
para se ter consumada a corrupção passiva tipificada no caput do art. 317 do
Cód. Penal. Noutras palavras, no tipo simples do caput do art. 317 não se
exige ato predeterminado do servidor público. Ou se raciocina assim, ou não
será possível, senão em casos de servidores subalternos, a punição dos
corruptos, dos corruptos de “colarinho branco” ou de “black tie”.” 449

Em suma, os argumentos daqueles que se posicionam


contrariamente à exigência da menção ao ato de ofício para a configuração
do tipo penal de corrupção passiva se filiam a dois pontos fundamentais.
O primeiro deles diz respeito ao princípio da legalidade, eis que
na leitura realizada do tipo penal, segundo este posicionamento, não estaria
descrita a exigência típica do mencionado citado ato de ofício para a
configuração do delito. Ainda que possa parecer uma leitura fria da lei,
absolutamente inflexível e legalista, realmente não há a menção ao ato de
ofício no tipo penal do artigo 317, caput, do Código Penal.
O segundo argumento, em sua essência muito mais perigoso, é
a da “luta pela impunidade”, ao se alegar que a exigência do ato de ofício
conduziria ou favoreceria certa dificuldade na punição de grandes corruptos,
corruptos do alto escalão do governo, bem ao estilo de uma “cruzada” contra
a corrupção. Tal posicionamento, conforme alertado, tende a ser perigoso e

447
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2749 e 2750.
448
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2814.
449
Ação Penal n. 307 (STF) – fl. 2817.
123

nocivo, em especial quando não acompanhado de uma fundamentação


idônea a sujeitar a punição de atos de corrupção. Em termos mais claros, se
de um lado se concorda com a existência de um déficit de aplicação da lei
penal para a punição de atos ligados aos tipos de corrupção, de outro não se
pode concordar com uma interpretação típica que, independentemente de ser
correta ou errada, sob um completo utilitarismo, se preocupe por saldar as
deficiências numéricas de punição.

3.2.5. Conclusões críticas ao inadequado modelo brasileiro e considerações


sobre eventual inovação normativa.

3.2.5.1. Conclusões críticas.

Verifica-se que as posições acima expostas são, de certa forma,


bastante radicais. Há quem afirme e impute à exigência do ato de ofício a
responsabilidade pela impunidade da corrupção no direito brasileiro. 450
Contudo, se a análise for feita de maneira menos apaixonada e mais racional,
os resultados certamente serão mais seguros e corretos.
Trata-se, na verdade, de bem pontuar a realidade típica a partir
de critérios dogmáticos confiáveis e seguros na esteira da lição de
GIMBERNAT ORDEIG 451, pois se não se conhece os limites de determinado
tipo penal, a ponto de seu alcance ser dúbio ou inaplicável, a punição ou a
impunidade derivam não de uma análise criteriosa, mas sim de uma caótica,
quando não anárquica, aplicação do Direito penal.
As críticas devem ser postas a partir de duas constatações
construídas sob as bases do relatado no item 3.2.4. supra.
A primeira é a de que, em que pese o esforço doutrinário e
jurisprudencial, o direito brasileiro não exige a menção (e muito menos a
prática) do ato de ofício para a incriminação da conduta de corrupção

450
Cf., entre outros, SANTOS, Claudia Cruz; BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de.
Notas ..., p. 551.
451
GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Tiene futuro la dogmática penal? In: Estudios de
derecho penal. 3ª ed. Madrid: Tecnos, 1990. p. 158.
124

passiva. E a segunda é a de que a legislação brasileira há de ser reformada


para que a exigência do ato de ofício seja inserida no tipo penal de corrupção
passiva.
A tentativa doutrinária e jurisprudencial de acobertar a
deficiência típica incidente sobre o delito de corrupção passiva, muito embora
possua ares de quase-unanimidade, não logra atingir o sucesso pretendido,
conquanto seus argumentos realmente improcedem.
O fato é que as normas incriminadoras das condutas de
corrupção ativa e passiva possuem peculiaridades no mínimo intrigantes. O
termo <<ato de ofício>> é compreendido a partir do delito de corrupção ativa
e não da vertente passiva do delito. Não obstante a classificação entre
corrupção ativa e passiva seja precária nos dias atuais, quiçá indevida, não
há como não apontar o delito do funcionário público como sendo o principal e
mais grave452 e, assim, deveria ser feita a partir deste a retirada dos
elementos típicos principais dos delitos de corrupção, ou, quando muito, o
termo <<ato de ofício>> estar presente nas duas figuras típicas.
Mas o principal é reconhecer serem os tipos penais brasileiros
assentados sobre bases incriminadoras absolutamente diversas. E tal
reconhecimento não redunda em concordância com tal sistemática. Pelo
contrário, é uma crítica.
Pode-se afirmar que os tipos penais, em vigor no direito
brasileiro, estão permeados por bases estruturais diversas. Aponta
Alessandro SPENA que a corrupção, do ponto de vista estritamente jurídico-
penal, pode assumir duas concepções: uma <<mercantilista>> e uma de
<<patrocínio>>.
A concepção <<mercantilista/contratual>> vem definida por meio
da figura de um contrato de compra e venda, ou seja, que a vantagem
indevida seja oferecida ou entregue pelo particular em troca de uma conduta
funcional por parte do agente público. 453 Já a concepção de <<patrocínio>>
vem exposta pela suficiência de que a entrega ou oferecimento da vantagem

452
MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 244.
453
SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 20.
125

não ocorra em troca de uma conduta funcional específica, lícita ou ilícita, mas
sim em razão do status e da função exercida pelo agente público corrupto. 454
Sob este prisma vê-se, com facilidade, a legislação brasileira
estruturada sobre construções doutrinárias diferentes. O delito direcionado ao
agente público fundamenta-se sobre a base da ideia do patrocínio
mencionada por SPENA. De outro canto, a punição do particular se vê
estruturada a partir da noção de um contrato (ainda que hipotético), ou
proposta dele, no qual o particular fornece vantagem indevida para que o
funcionário público pratique ou deixe de praticar seu ato funcional.
Decorrência lógica da postura adotada pelo legislador brasileiro
é a de que desaparece a efetiva exigência de convênio ou acordo entre
ambos os sujeitos ativos para que os delitos de corrupção passiva e/ou ativa
se concretizem. 455
Assiste razão a BECHARA 456:
“No ordenamento jurídico brasileiro, o crime de corrupção passiva, tal como o
descreve taxativamente o Código Penal, consubstancia-se na solicitação ou
recebimento, “para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora
da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. A
expressão “em razão da função” contida na norma penal deve interpretar-se
no sentido de que a razão ou motivo da vantagem indevida seja a condição
de funcionário público da pessoa corrompida, isto é, que em razão da
especial condição e poder que o cargo público desempenhado lhe outorga
tenha sido oferecida ao funcionário a vantagem objeto do delito, de tal forma
que, se de algum modo tal função não fosse ou viesse a ser desempenhada
pelo sujeito, o particular não lhe entregaria ou prometeria tal vantagem.”

O posicionamento de NUCCI também é procedente:


“Ora, se um funcionário público receber, para si, vantagem indevida, em
razão de seu cargo, configura-se, com perfeição, o tipo penal do art. 317,
caput. A pessoa que fornece a vantagem indevida pode estar preparando o
funcionário para que, um dia, dele necessitando, solicite algo, mas nada
pretenda no momento da entrega do mimo. Ou, ainda, pode presentear o
funcionário, após este ter realizado um ato de ofício. Cuida-se de corrupção
passiva do mesmo modo, pois fere a moralidade administrativa, sem que se
possa sustentar (por ausência de elementos típicos) a ocorrência da
457
corrupção ativa.”

454
SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 21.
455
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento … p. 38.
456
BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O ato de ofício como elemento para caracterizar o
crime de corrupção. In: Valor econômico, dia 30 de abril de 2013, disponível em
http://www.valor.com.br/politica/3105692/o-ato-de-oficio-como-elemento-para-caracterizar-o-
crime-de-corrupcao, acesso em 05.07.2015, às 12h42min.
457
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1288.
126

O que ocorre no direito brasileiro, permissa venia, é uma


hipertrofia da discussão em torno do ato de ofício, absolutamente perniciosa,
diga-se de passagem, mas nunca para além do ato de ofício, o que daria
ensejo à amplitude da discussão. Em outros termos, doutrina e jurisprudência
debatem a necessidade ou não do ato de ofício, mas muito pouco, ou quase
nada, se menciona acerca de uma reforma legislativa de modo a inserir, a
exemplo do que ocorre na legislação estrangeira, novas figuras típicas de
corrupção e, com isso, tipos corruptivos em que o ato de ofício não seja
exigido e a pena a ser aplicada seja, por óbvio, mais branda.
Nada obstante, ainda que tentadora a tese de eventual
bilateralidade obrigatória entre os delitos de corrupção passiva e ativa,
mormente entre as figuras típicas de oferecer ou prometer, de um lado, e
receber ou aceitar promessa, de outro, nada justifica, para além de um
esforço jurisprudencial e doutrinário que busca salvaguardar a aplicação do
princípio da proporcionalidade. Este esforço, aliás, está apenas implícito nos
argumentos doutrinários e jurisprudenciais acima delineados, pois claramente
os argumentos deitam-se em outros aspectos.
Não quer dizer que a lei brasileira não exige, do ponto de vista
fático, que os verbos receber ou aceitar promessa não demandem a
existência de alguém que ofereça ou prometa, mas sim que o ato de receber
ou de aceitar promessa, privilegiando o aspecto unilateral dos crimes de
corrupção na forma em que criminalizados, não precisa, normativamente,
estar premido pela noção adjacente de ato de ofício.
A pretensa qualidade de delitos de concurso necessário cai por
terra ao se analisar a estruturação jurídica de tais delitos. E a interpretação
doutrinária e jurisprudencial, por sua vez, não pode ir além dos ditames legais
sem ao menos apresentar argumento convincente e apto para tanto.
Aqui se dessume uma questão deveras interessante em matéria
penal e retratada na desconfiança lançada na figura do legislador e a
exacerbada confiança depositada no intérprete da norma incriminadora 458,
ainda que se esteja falando de norma que cumpra estritamente o princípio da
legalidade, como é o caso do artigo 317, caput, do Código Penal. Neste

458
Cf. ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo. Leyes …, p. 173.
127

sentido nada demonstra, para além de uma extrema confiança no intuito do


aplicador do direito em inovar e subverter o teor literal da norma prevista no
artigo 317, caput, do Código Penal, que se consiga “criar” ou “introduzir” a
exigência do ato de ofício na figura da corrupção passiva. Sim, porque o
princípio da legalidade também desenvolve notável função para a
interpretação do texto legal, evitando que se aplique a menos ou a mais do
que o teor literal da lei.
De acordo com ORTIZ DE URBINA GIMENO:
“(...) ha de darse una prioridad absoluta a la no muy afortunadamente
llamada <<interpretación gramatical>>, que bien entendida incluye la
sistemática, admitir la teleológica sólo dentro del ámbito de sentidos posibles
delimitado por la interpretación gramatical y prescindir por completo de la
interpretación histórica: por lo que respeta al objetivo de la interpretación, en
coherencia con lo que se acaba de decir, este no puede ser sino la
indagación del sentido del texto efectivamente aprobado, y no la del
459
cualesquiera intenciones detrás del mismo.”

Alerte-se, contudo, que referendar essa interpretação à lei


brasileira, ou seja, de que a corrupção passiva presente no caput do artigo
317 do Código Penal está desvinculada da incidência de um ato de ofício em
potencial a ser realizado pelo funcionário público, vem obrigatoriamente com
o rechaço da legislação. Em termos bem simples e diretos: alertar que a lei
brasileira não exige o ato de ofício para a incriminação da corrupção passiva
não significa considerar a norma brasileira como correta, justa e proporcional.
A segunda constatação diz respeito à necessidade de reforma da
legislação brasileira, no sentido de ser incluído o ato de ofício como requisito
do tipo penal do artigo 317, caput, do Código Penal.
À partida pode-se afirmar que a normativa brasileira direcionada
à incriminação dos atos de corrupção praticados por funcionários públicos
(sejam corruptores ou corrompidos), em que pese sabidamente antiga e
atualmente fruto da inércia do legislador, está apenas parcialmente em
consonância com as diretrizes internacionais traçadas pela Organização das
Nações Unidas, mais precisamente na Convenção de Mérida, ratificada no
direito interno brasileiro por meio do Decreto 5.687/2006. Consta no artigo 15
deste decreto:

459
ORTIZ DE URBINA GIMENO, Iñigo. Leyes …, p. 198 e 199.
128

“Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e de outras índoles que


sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometidos
intencionalmente:
a) A promessa, o oferecimento ou a concessão a um funcionário público, de
forma direta ou indireta, de um benefício indevido que redunde em seu
próprio proveito ou no de outra pessoa ou entidade com o fim de que tal
funcionário atue ou se abstenha de atuar no cumprimento de suas funções
oficiais;
b) A solicitação ou aceitação por um funcionário público, de forma direta ou
indireta, de um benefício indevido que redunde em seu próprio proveito ou no
de outra pessoa ou entidade com o fim de que tal funcionário atue ou se
abstenha de atuar no cumprimento de suas funções oficiais.”

A menção precisa do termo <<ato de ofício>> não foi feita pela


Convenção de Mérida. Contudo, como visto, a importante norma internacional
não deixou de fazer referência à punição dos atos de corrupção desde que
relacionados a uma atuação precisa e delimitada do agente público (e da
intenção do particular), a partir da referência de que a corrupção ativa e
passiva deve ser punida no direito interno de cada país signatário, vinculando
à finalidade de que o funcionário público atue ou se abstenha de atuar no
cumprimento de suas funções oficiais.
Pode-se, evidentemente, criar certa equiparação entre os termos
“ato de ofício” e “atuar no cumprimento de suas funções oficiais”, com o que a
lei penal brasileira atualmente em vigor estaria adequada aos parâmetros
internacionais, ao menos em relação à corrupção ativa (artigo 333 do Código
Penal), à corrupção majorada (artigo 317, §1º, do Código Penal) e à
corrupção tomada por privilegiada (artigo 317, §2º, do Código Penal).
Isso, a bem da verdade, nada revela de concreto, pois as
normativas internacionais, pelo simples fato de advirem de órgãos como a
ONU, não são infalíveis, nem absolutamente corretas ou impassíveis de
críticas. A menção aqui é feita apenas e tão-somente para deixar aos críticos
de plantão, comumente associados e maravilhados com os parâmetros
internacionais, a mensagem de que a própria Organização das Nações
Unidas, em seu texto mais específico sobre a matéria de corrupção, acaba
por referendar a punição a partir de um contexto de venalidade da função
pública, venalidade esta que acaba sendo vinculada à atuação do funcionário
público no cumprimento de suas funções oficiais.
129

Contudo, o posicionamento há de ser tomado em critérios mais


seguros, o que se torna viável a partir de critérios dogmáticos e normativos e
não simplesmente na esteira da interpretação histórica da lei penal, ou seja,
de que teria sido este o intento do legislador à época, objetivo este de
separar a realidade normativa do suborno ativo e do suborno passivo.
Se assim é, a solução se encontra na identificação do bem
jurídico tutelado. Sem rodeios, há de se indagar se a conduta de solicitação,
recebimento ou aceitação de promessa, tão-somente em razão da função
exercida pelo servidor público, ofende determinado bem jurídico a ser
tutelado pela norma penal. Isso não implica em desconhecer que a exigência
do ato de ofício opera como um freio na punição da figura ativa da corrupção,
pois retira a possibilidade de punição quando a vantagem indevida está
desvinculada do ato de ofício a ser praticado, em tese, pelo funcionário
público.
Ora, a essência dos delitos de suborno ativo e passivo são
justamente as transações abusivas a partir da função pública desenvolvida
pelo servidor460. Por meio de tais tipos almeja-se evitar a interrelação espúria
entre o público e o privado461. Assevere-se, contudo, que esta transação
precisa estar materializada em algo que não apenas o dinheiro ou a
vantagem indevida prometida e/ou entregue. Note-se: oferecer, prometer,
receber ou qualquer dos outros verbos coligados ao termo vantagem indevida
não se tornam proscritos em razão da imoralidade e dos ganhos ilícitos
obtidos a partir da função pública, mas sim porque tal vantagem atinge (ou
coloca em perigo) a imparcialidade do servidor público.
Trata-se, a bem da verdade, de uma troca qualificada, para que
se atinja ou ao menos se coloque em perigo a imparcialidade do servidor
público, e que envolve a estipulação de condições para ambos os lados:
vantagem indevida e ato de ofício, respectivamente.
Auxilia, neste sentido, SÁNCHEZ TOMÁS:
“Una vez analizados en los epígrafes anteriores las modalidades típicas de la
prestación del particular y la contraprestación del funcionario o autoridad,
debe todavía incidirse en que el delito de cohecho no se fundamenta en la
mera constatación de la concurrencia de la prestación y la contraprestación.

460
RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 202.
461
OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 1999.
130

Es preciso que entre ambas se dé una relación de condicionalidad mutua. En


última instancia, la idea que subyace a la tipicidad de esta conducta es la
existencia de un acuerdo o propuesta de acuerdo en que el sujeto activo –
sea el funcionario, el particular o ambos – pretende obtener de la contraparte
una actuación y para su consecución selecciona como medio comisivo el
462
ofrecimiento de una contraprestación.”

Tal como afirmou MILITELLO, a solução não passaria pela


abolição do requisito do ato de ofício, eis que tal abolição acabaria por
asimilar “indebidamente hechos y conductas de significado completamente
opuesto: de la verdadera y propia corrupción dirigida a un acto indebido, al
acto absolutamente inofensivo, y, en general, socialmente adecuado, de mero
reconocimiento.”463
Com isso claramente se conclui que a atual redação do suborno
passivo no direito brasileiro comina pena de mesma gravidade que a
cominada ao suborno ativo, muito embora se tratem de condutas, se não
totalmente diferentes, mas que consagram bases de punição distintas. Pode-
se afirmar que a corrupção passiva, ao não dispor sobre um ato determinado
a ser feito (ou omitido) pelo servidor público, pune essencialmente a mera
falta de decoro e honestidade do servidor464, e desconsidera o principal, qual
seja a parcialidade de determinada conduta (concreta ou futura) a ser
manifestada por aquele.
O primeiro argumento é associado a questões de legitimidade de
intervenção penal. Olhos postos no tipo básico descrito no artigo 317, caput,
do Código Penal, tem-se que, para além de não corresponder à figura típica
do artigo 333, caput, do Código Penal, o suborno passivo está destituído de
legitimidade de intervenção penal. As figuras de suborno possuem como
intento evitar a influência do interesse privado sobre o exercício de funções
públicas, de maneira a preservar sua imparcialidade. 465 Se assim é, verifica-
se que da redação do mencionado tipo penal não é possível vincular de
nenhuma forma a imparcialidade como bem jurídico.

462
SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 409.
463
MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 251.
464
Cf. RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 203.
465
ORTIZ DE URBINA GIMENO, Íñigo. Delitos contra la administración pública. In:
Lecciones de Derecho Penal. Parte Especial. 3ª ed. Jesús-Maria Silva Sánchez (director) e
Ramon Ragués i Vallés (coordinador). Barcelona: Atelier, 2011. p. 335.
131

Para chegar à conclusão que a conduta de solicitar, receber ou


aceitar promessa de vantagem indevida, tão-somente a partir da função
exercida pelo servidor público, seria necessária a adoção de uma presunção
de perigo geral, pressupondo que todo servidor que receba qualquer espécie
de vantagem indevida de um particular seja um corrupto em potencial e já
predisposto a auxiliar o particular em futuras situações concretas.466
Assim alude RODRIGUEZ PUERTA:
“No obstante, esta interpretación se corresponde con una lectura voluntarista
del precepto, en la que se toman en consideración circunstancias futuribles,
que se presumen a raíz de una <<actitud>> de funcionario (aceptación de
dádivas, sin estar condicionadas a la adopción de acto alguno), que no tiene
necesariamente por qué corresponder al indicado <<juicio de intenciones de
467
futuro>> del empleado público.”

Realmente não se verifica como a conduta funcional de receber


vantagens indevidas, ou apenas aceitar a promessa de recebimento, possa
colocar em perigo o bem jurídico imparcialidade sem que o ato de ofício faça
parte do acordo corrupto ou ainda da proposta lançada pelo servidor público.
Note-se que neste tipo de situação não deixa de existir o contato espúrio
entre o poder público e o privado, mas sim deixa de existir a viabilidade fática
e concreta de prejudicar a imparcialidade, objeto este a ser tutelado pela
figura-base da corrupção.
Ainda que a conduta possa ser alvo de criminalização (vide item
3.2.5.2. infra), ela não se dará sob o arcabouço do bem jurídico
<<imparcialidade>> 468, sendo necessário encontrar outra razão de punição.
Já do ponto de vista estrutural, igualmente importante, a inserção
do <<ato de ofício>> como elemento da figura básica de suborno passivo,
conta, como visto, com apoio de convênios internacionais. Ademais, num viés
prático-eficiente, o dueto corrupção ativa e passiva ver-se-ia completo, quer
dizer, as condutas-base seriam, enfim, complementares, verdadeiro verso-e-
reverso uma da outra.

466
VÁSQUEZ-PORTOMEÑE SEIJAS, Fernando. Admisión de regalos y corrupción pública.
Consideraciones político-criminales sobre el llamado <<cohecho de facilitación>> (art. 422
CP). In: Revista de Derecho Penal y Criminología, Madrid, 3ª época, n. 6, 2011. p. 169.
467
RODRÍGUEZ PUERTA, Maria José. El delito …, p. 275.
468
Em sentido diverso vide PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves …, p. 279.
132

Nada mais confuso do que a tipificação atual. O fato de os tipos


penais de suborno ativo e passivo serem absolutamente unilaterais, não retira
a necessidade de que contenham os mesmos elementos típicos. Nada, aliás,
aponta para que seja diferente.
A partir da inserção do “ato de ofício” ao tipo penal básico de
corrupção passiva criar-se-ia maior segurança jurídica à imputação penal,
mais ainda à imputação formal ao dar início ao processo penal propriamente
dito. A permanecer a insegura situação atual certamente se continua a abrir
caminhos recursais morosos 469 que, sem desmerecer o largo direito à defesa
e à revisão das decisões judiciais, se apegam a este aspecto normativo de
incerteza sobre a incidência do ato de ofício para a perfeita subsunção fato-
norma à luz do artigo 317, caput, do Código Penal.
O amplo rendimento dogmático também incidiria sobre o
princípio da proporcionalidade, hoje flagrantemente desrespeitado, não sendo
necessário ir longe para demonstrar essa realidade. A lei brasileira pune com
igual rigor tanto o particular que oferece, v.g, cem mil reais a um servidor
público para que este o auxilie a burlar determinado concurso público como o
servidor público que solicita, também à guisa de exemplo, dois mil reais a um
particular sem que faça menção, ainda que indireta, ao ato funcional a ser
praticado ou omitido.
Neste aspecto o Brasil está na contramão das iniciativas
legislativas tomadas em países de mesma tradição jurídica. Ao tempo em que
em outros países se discute a diminuição das barreiras punitivas e
consequente conveniência de serem ampliados os limites punitivos, bem além
do sistema mercantil de corrupção (germânico) para tornar punível o
oferecimento de vantagens desacompanhadas de um ato concreto ligado ao
cargo ou função, por aqui sequer se debate a eventual inconveniência do
modelo adotado pelo legislador de 1940.
Dada a forma pela qual se criminaliza a figura-base de corrupção
passiva no direito brasileiro convêm as palavras de Fábio Roberto D´ÁVILA:

469
Com o que não custa recordar: “Porque lo que de veras importa no es la cantidad de
corruptores y corruptos sino la actitud oficial ante los hechos.” NIETO, Alejandro. El
desgobierno …, p. 179.
133

“Este aumento da complexidade da matéria de incriminação tem, por sua vez,


repercussão direta na escolha e no desenvolvimento de determinadas
técnicas de tutela. Se, em termos ideais, o tipo penal deve descrever, da
forma mais fiel e objetiva possível, o conteúdo material do ilícito, é evidente
que, quanto mais complexa for a matéria a ser tipificada, mais difícil será o
cumprimento de tal tarefa. As dificuldades enfrentadas na descrição de
matérias de maior complexidade levam, por sua vez, à preferência por
técnicas de tutela de caráter formal, normalmente estabelecida na violação
de um dever de natureza administrativa ou no exclusivo desvalor da ação.
Como consequência, percebe-se um forte distanciamento do tipo em relação
ao conteúdo material do ilícito, o qual na prática não raramente, se perde por
completo, acabando por não exercer qualquer papel em âmbito
hermenêutico, nem mesmo para fins de delimitação do âmbito do tipo. É
como se o “fragmento de realidade” que se quer proibir, após dar origem ao
tipo, não mais importasse: o tipo alcançaria autonomia em relação ao seu
fundamento material ao ponto de poder ser aplicado independente da sua
efetiva existência, na linha de orientações neopositivistas. O que,
evidentemente, não se dá sem a violação ou até mesmo abandono de
470
princípios fundamentais de direito penal.”

3.2.5.2. Considerações sobre a criação de tipos privilegiados de corrupção


ativa e passiva.

A expansão do Direito penal quanto à tipificação dos tipos penais


de suborno é particular. Muito embora se trate de delito há muito conhecido e
com legitimidade punitiva devidamente assentada e reconhecida, a atual
punição e pretendida eficácia creditadas ao Direito penal, calibrando-o
equivocadamente para a erradicação imediata da corrupção, atuam, em
grande medida, a partir de diminuição de garantias penais e de antecipação
desmedida da punibilidade estatal.
Relembre-se, porém, que a legitimação da punição estatal
(criminalização primária) passa por sua racionalidade legislativa e esta há de
se conduzir pelo reconhecimento do caráter drástico da sanção penal e
consequente possibilidade de inserção de tipos penais quando estes
possuam a aptidão suficiente, esta refletida na instrumental função de uma
eficaz proteção de bens jurídico-penais.471

470
D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade e segurança em direito penal. O problema da
expansão da intervenção penal. In: Revista Eletrônica de Direito Penal, AIDP-GB, Rio de
Janeiro, n. 01, vol. 01, ano 01, junho de 2013. p. 67. Muito embora redigida a crítica para a
novel e desenfreada legislação penal, tais críticas se encaixam perfeitamente ao caos
normativo demonstrado acima.
471
Cf. AROCENA, Gustavo. La racionalidad …, p. 03 e 04.
134

Outra premissa a ser ponderada aqui é a de modernização do


Direito penal, no caso o enfrentamento preventivo das práticas corruptivas
por meio de normas penais. Muito embora a corrupção não recaia por
excelência sobre os ditos poderosos, de fato é mais perniciosa e nociva ao
derivar de determinados nichos de poder político e econômico.
Aqui cabem as ponderações de Eduardo DEMETRIO CRESPO
sobre a modernização necessária do Direito penal:
“Personalmente creo que la modernización del Derecho penal es necesaria, y
por otra parte, imparable. Se ha producido una modernización de la
criminalidad que conlleva, sin duda, un cambio de los planteamientos
jurídicos que deben abordarla. En este sentido es claro que el Derecho penal
debe poder alcanzar también la <<criminalidad de los poderosos>>, y dejar
de ser uno sólo destinado a afectar a los marginados y menos favorecidos en
la sociedad. Es claro, también, que el Derecho penal moderno conlleva la
tipificación de delitos de peligro y protege bienes jurídicos colectivos, y que
no tiene sentido negar ab initio legitimidad a estos últimos (…)” 472

Tudo isso considerado, é fato que a expansão do Direito penal


também atinge a corrupção, quanto mais se considerado o panorama já
retratado nos aspectos introdutórios neste trabalho. Todavia, a observação
crítica pode se dar tanto sobre o aspecto de “mais direito penal” quanto
também em termos qualitativos de “qual direito penal”. A regulação jurídico-
penal (sem esquecer de aspectos de natureza eminentemente processual-
penal) sobre a corrupção atualmente pendula entre estes dois pontos:
quantidade e qualidade das inovações normativo-penais.473
Em terras brasileiras a discussão sobre reformas legislativas
direcionadas à corrupção pública até o presente momento atingiu o aspecto
de qualidade do Direito penal, sendo proposto tanto o aumento da pena
cominada quanto à elevação do delito ao caráter de hediondo. 474
Já em outros países, precisamente Espanha e Portugal, a
discussão se deu sobre “qual direito penal”, especificamente sobre a inclusão
de novas formas de corrupção, daí não se tratar de “mais direito penal”, ainda
que entre o “mais” e o “qual”, neste pormenor, haja certa confusão. O fato é

472
DEMETRIO CRESPO, Eduardo. Acerca de la contraposición entre libertad y seguridad en
el Derecho Penal. In: Universitas Vitae. Homenaje a Ruperto Nuñez Barbero. Miguel Ángel
Núñez Paz e Ana Isabel García Alfaraz (coordenadores). Salamanca: Ediciones Universidad
de Salamanca, 2007. p. 194 e 195.
473
Cf. D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 66.
474
A respeito destes temas vide infra 3.7. e 4.5.
135

que, sob o argumento e intento de abarcar penalmente todos (ou o maior


número) (d)os comportamentos chancelados sob o signo da corrupção, os
países acima citados promoveram reformas, passando a abrigar também o
aspecto patrimonialista, para tornar típicas as condutas de corrupção ainda
que desvinculadas de um ato de ofício identificado ou identificável.
Nestes países, a partir de um intento político-criminal de
combate e luta 475 ainda maiores à corrupção, foram antecipadas as barreiras
de punição para um estágio mais prematuro. As reformas por lá vieram
justificadas em razão de que muitos dos presentes e regalias são entregues a
servidores públicos sem, de imediato, um pedido específico de um ato
funcional determinado. Ademais, há dificuldade probatória 476 inerente à
reconstrução processual de qual o ato de ofício pretendido ou realizado, o
que normalmente dá azo a intermináveis questionamentos, inclusive
recursais.
Note-se que não se está a reduzir a discussão e compreensão
do tema já aludido acima, até porque se no Brasil se tratou a corrupção por
meio de sistemas distintos, inclusive equivocados, nesses países o que se
discutiu foi a antecipação das barreiras penais a partir de tipos penais já
delimitados e ancorados na criminalização de atos de suborno vinculados a
um ato de ofício determinado ou ainda determinável. Tanto é assim que
naqueles países persiste na legislação a figura da corrupção atrelada a um
ato de ofício, sendo as reformas legislativas associadas à pretensa
modernização do Direito penal.
Deste modo, no Direito penal lusitano, no ano de 2010, foi
inserido o artigo 372º no Código Penal Português (cujo nomen juris é
<<recebimento indevido de vantagem>>):
“1. O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por
si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar
ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial,
que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com
pena de multa até 600 dias.

475
Favoravelmente opinou Alejandro de PABLO SERRANO: “El fenómeno de la corrupción
arroja un panorama doloroso. Resulta impostergable luchar con los instrumentos que la ley
ofrece para castigar el fenómeno de la corrupción a sus protagonistas. Y la ley suministra
tales herramientas.” Dos claves …, p. 280.
476
Cf. MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 251.
136

2. Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou


ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou
conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe
seja devida, no exercício das funções ou por causa delas, é punido com pena
de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3. Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e
conformes aos usos e costumes.”

No Direito espanhol, já em 1995 foi inserido o artigo 426 no


diploma de repressão penal 477 e, na reforma de 2010, assim redigido no artigo
422 do Código Penal Espanhol:
“Artículo 422. La autoridad o funcionario público que, en provecho propio o
de un tercero, admitiera, por sí o por persona interpuesta, dádiva o regalo
que le fueren ofrecidos en consideración a su cargo o función, incurrirá en la
pena de prisión de seis meses a un año y suspensión de empleo y cargo
público de uno a tres años.”

Não há dúvida nenhuma de que tais alterações legislativas foram


motivadas por busca de maior eficiência do Direito penal, evitar incômodas
ausências de prova478 do sinalagma entre corruptor e corrupto e maximizar a
punição de atos então considerados lesivos à administração pública,
redundando em clara “instrumentalização do direito material para solucionar
dificuldades probatórias.”479
Tal como detalhado no capítulo 02, a intervenção penal, antes de
transparecer mero capricho do legislador adornado por meia dúzia de
doutrinadores, há de girar em torno de um fundamento muito claro e preciso:
a identificação de um bem jurídico digno de proteção por meio da norma
penal, ou seja, cuja defesa é impossível de ser atendida a contento por outras
áreas do ordenamento jurídico. Trata-se de encontrar o real fundamento e
argumento para a intervenção de natureza penal, sabidamente grave.
Bem claro está que a oferta/entrega de vantagem indevida a um
servidor público, desde que desvinculada da prática de um ato de ofício ou,
ainda, a solicitação da citada vantagem pelo servidor ao particular, também
desatrelada da prática de um ato de ofício, flertam com alguns fundamentos
punitivos (bens jurídicos).

477
“Art. 426. La autoridad o funcionario público que admitiere dádiva o regalo que le fueren
ofrecidos en consideración a su función o para la consecución de un acto no prohibido
legalmente, incurrirá en la pena de multa de tres a seis meses.”
478
Cf. SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 424.
479
Cf. GRECO, Luis. Modernização …, p. 60.
137

O primeiro deles seria a tutela da honradez e da moralidade do


servidor público, de tal modo que as condutas de oferecer vantagem “em
relação à sua função”, “devido à sua função” ou ainda “por causa de sua
função” revelariam a necessidade de intervenção da norma penal.
Já outro argumento residiria em punir a entrega/solicitação de
vantagens indevidas em razão da função pública não porque orienta o
comportamento da administração pública em determinado caso concreto, mas
sim porque visa atingir a imparcialidade do servidor público em um contexto
mais amplo e difuso480, pretendendo o legislador punir um conjunto de condutas
“em que o corruptor tem uma pretensão ou um interesse na actividade do
corrompido, ainda que não exista, de imediato, um interesse num acto ou omissão
específicos”481, existindo, na verdade, “uma intenção de criar um clima de
permeabilidade ou simpatia.”482
A partir daí, a indagação a ser lançada é se esta “fase larvar” 483
da corrupção propriamente dita merece obrigatoriamente a reprovação penal.
Por evidente que não se sustenta nem se admite como regular e adequada a
prodigalidade de particulares na satisfação de pessoais interesses dos
servidores públicos. 484 Em termos diretos, qual seria o prejuízo (ou o perigo)
para a administração pública, aqui considerada em letras minúsculas, ou seja,
aquela que em sentido funcional nada mais revela do que um instrumento a
serviço dos cidadãos 485 (e tão-somente isso), mediante a oferta ou
recebimento de vantagens indevidas entre particulares e servidores, uma
relação espúria entre particulares e servidores, a ponto de demandar a
intervenção do Direito penal?

480
Cf. PABLO SERRANO, Alejandro de. Dos claves …, p. 269.
481
LAMAS, Ricardo Rodrigues da Costa Correia. O recebimento ..., p. 84.
482
LAMAS, Ricardo Rodrigues da Costa Correia. O recebimento ..., p. 85. No mesmo sentido
aduzem SANTOS, BIDINO e MELO: “O rechaço às exigências de comprovação do
sinalagma enquanto condição para a o reproche penal não implica negação da atual e
alargada ideia da corrupção como negociação ilícita entre uma benesse derivada de um
particular e alguma vantagem pretendida do funcionário público, em conexão com as
funções públicas exercidas. Significa, sim, entender-se que o menoscabo ao bem jurídico
dá-se com o mero mercadejar da função pública, e que tal resta configurado não só com a
atestação do sinalagma entre a vantagem e um específico ato.” SANTOS, Claudia Cruz;
BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. Notas ..., p. 551.
483
Cf. MIGUEZ GARCIA, M.; CASTELA RIO, J. M. Código ..., p. 1235.
484
Cf. OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria ..., p. 309.
485
Cf. ORTIZ DE URBINA GIMENO, Íñigo. Delitos …, p. 328.
138

Soa como óbvia a existência de uma zona turva entre o poder


público e o poder privado. Aliás, é essa a discussão nesta tese, de tal modo
que merece destaque a menção de Fábio Medina OSÓRIO:
“Porém, as fronteiras entre esferas pública e privada constituem um
complexo tema que pressupõe uma dimensão de cidadania das autoridades
públicas, as quais são pessoas que têm experiências, vivências, contatos e
perfis próprios, circulando em ambientes onde se torna possível entabular
relacionamentos mais ou menos envolventes do ponto de vista do poder
econômico e do poder político. Criar barreiras psíquicas, funcionais,
sistêmicas, institucionais aos conflitos de interesses é um dos grandes
desafios daqueles que se propõem a enfrentar de perto esses problemas,
mas há espaços que permanecem ambíguos e complicados, demandando
486
respostas mais sutis, com ponderações cautelosas.”

Assim, nem todo indevido relacionamento entre o setor público e


o privado merece reprovação jurídico-estatal e um número ainda menor é que
deverá ser observado sob o prisma do Direito penal.
Divergindo dos posicionamentos favoráveis a partir da leitura até
aqui oferecida do bem jurídico, seja a tese de abuso do cargo, seja o perigo à
imparcialidade, salvo melhor juízo, tais posicionamentos não podem
fundamentar a intervenção penal. No tocante ao abuso do cargo verifica-se
um verdadeiro desrespeito às funções públicas, nomeadamente a moralidade
incidente sobre tal função, o que poderia ser perfeitamente sancionado e
reprimido por meio do Direito administrativo sancionador. 487 No Brasil há
diploma legal específico e de larga aceitação doutrinária e jurisprudencial, no
caso, a Lei 8.429/1992 que rege a responsabilização por atos de improbidade
administrativa.488 Aos defensores de sanções graves aos atos de corrupção
sequer é oponível a natureza da Lei 8429/1992, porquanto embora não dê a
pena de prisão ao público televisivo e ansioso por ela, contempla sanções tão
ou mais graves do que as previstas pela legislação penal.
Tampouco a justificativa por meio da tutela da imparcialidade,
cuja análise necessitaria ser feita anos-luz antes de qualquer valoração

486
OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria..., p. 307.
487
Sobre o tema do direito administrativo sancionador e corrupção obrigatório o texto de
LUZ, Yuri Corrêa da. O combate à corrupção entre direito penal e direito administrativo
sancionador. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 89, março/abril de
2011. p. 429 a 470.
488
A respeito, e de consulta obrigatória: OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade
administrativa. Má gestão pública, corrupção, ineficiência. 3ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013; JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 9ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
139

negativa da ação pretensamente corruptiva, análise esta ainda voluntariosa


por esperar que a simples entrega de valores pelo particular ao servidor
público certamente tornaria este um corrupto em potencial. Evidente que a
leitura há de ser feita o mais genericamente possível, até pela amplitude que
uma norma penal neste sentido deveria possuir, i.e., deveria abarcar
indistintamente o caso do poderoso empresário que presenteia o servidor
público com garrafas caríssimas de bebida alcoólica como também a situação
do magistrado que, após adentrar em loja de roupas, recebe do proprietário
um desconto especial (quer dizer, único e especial frente a outros clientes) ao
adquirir novos trajes e gravatas para o trabalho. Ambos os servidores
públicos receberam vantagens indevidas em razão de suas funções. Práticas
corruptas?
A resposta demanda a intervenção de outros fatores, a busca de
mais detalhes que certamente se encontrarão na identificação do ato de
ofício ou ainda em algo mais detalhado do que a mera vantagem auferida,
mais especificamente no motivo por que um servidor foi agraciado com
bebidas caras e o outro com um desconto especial e diferenciado, o que de
fato remeteria à melhor identificação do perigo à imparcialidade. Do contrário,
nada mais do que mera suposição.
Tanto é assim que nos países acima mencionados há estruturas
de interpretação destinadas a excluir a responsabilidade de alguns fatos. Em
Portugal, o próprio artigo 372º.1. cuida de declarar que se excluem da
tipicidade penal as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e
costumes, o que deixa uma infindável, e indevida, margem de aplicação tanto
ao investigador e a quem deve formular a imputação formal ao acusado, isso
para não mencionar o próprio julgador.
Já na Espanha vigora entendimento doutrinário, de certa forma
bem assentado, de que se faz necessária uma relação declarada de
condicionalidade entre a vantagem indevida e potenciais decisões sobre
interesses daquele que faz a oferta ou a entrega ao servidor público. Informa
SÁNCHEZ TOMÁS:
“En ese sentido, para la subsunción de una conducta en este tipo penal es
preciso, en primer lugar, que la autoridad o funcionario público concernido
ostente un cargo con una conexión relevante con la gestión de potenciales
140

intereses del particular y, en segundo lugar, que la dádiva o regalo sea de


una naturaleza tal que resulte ex ante para un espectador objetivo que el
único sentido social es garantizar una buena disposición y esmero en la
489
gestión de esos intereses.”

Ora, tal estrutura interpretativa é quase que um retorno à busca


do ato de ofício, uma vez que obriga a se tergiversar sobre o motivo da
entrega e oferta, de um lado, e recebimento, de outro, e ainda o que seria
possível ser feito pelo servidor que pudesse beneficiar, sem se saber ao certo
o que e em que medida, o particular.
Cumpre lembrar que ainda vigoram no direito brasileiro os delitos
de advocacia administrativa490 e também o delito de tráfico de influências 491,
este último merecedor de reforma tão ou mais urgente que os próprios tipos
de suborno ativo e passivo. Tal alerta visa apenas demonstrar que se o
Direito penal há de intervir sobre a relação espúria de benefícios oferecidos e
entregues por particular a determinado servidor, pode e deve fazê-lo sobre
outros argumentos que não na imaginável existência de prejuízo à
imparcialidade ex ante do servidor público ou ainda na justificativa de que o
abuso do cargo, sem prejuízo ou perigo direto e manifesto à administração
pública e, por conseguinte, aos cidadãos.
Neste sentido assiste razão a Fábio D´ÁVILA ao afirmar:
“O que se pretende destacar é que, antes de se questionar acerca da
utilidade político-criminal de determinadas medidas de natureza penal, deve-
se questionar acerca da sua legitimidade/validade jurídico-penal e jurídico-
constitucional. E aqui não importa o peso do interesse político-criminal em
questão, seja ela a simples otimização de funções administrativas, seja o
492
combate ao terror.”

Não só do Poder Executivo, mas especialmente dele, cobra-se


uma maciça presença social que resulta na produção de atos de direta
relevância econômica. E esta ampliação do espaço público, mediante novas
489
SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 424.
490
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração
pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou
multa. Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo: Pena - detenção, de três meses a um
ano, além da multa.
491
Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou
promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no
exercício da função: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único -
A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também
destinada ao funcionário.
492
D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 69.
141

formas de aparição e atuação do poder público, veio sem a devida cobertura


de regulações normativas efetivas, o que fatalmente favoreceu a
corrupção.493 Tal constatação se aplica à realidade brasileira e à de outros
países. Contudo, não outorga a possibilidade, nem tampouco a necessidade,
de intervenção da norma penal em situações cuja solução igualmente
normativa, mas extrapenal, se apresenta como satisfatória e justa. 494
À guisa de conclusão afirmou VIZUETA FERNÁNDEZ sobre o
tipo penal cuja extirpação do Direito penal brasileiro se advoga e cuja nova
redação nesta sede não se defende:
“No sólo el Derecho Penal protege bienes jurídicos. También otros sectores
del ordenamiento jurídico lo hacen. Por ello, el hecho de estimar que la
honradez o integridad de la condición de funcionario público es una realidad
con entidad suficiente para ser tutelada por el Derecho, no implica
necesariamente que haya de ser nuestra disciplina la rama encargada de
dispensar esta protección. Hoy en día el verdadero caballo de batalla no está
tanto en determinar la materia de lo que ha de ser protegido jurídicamente,
sino, más bien, ofrecer criterios validos que limiten la intervención del
495
Derecho penal.”

Dessarte, se a conduta objeto de incriminação não vai além da


geração de pretenso perigo à imparcialidade, verdadeiro <<tipo de perigo de
perigo>>, mediante a captação do ânimo do servidor público para situações
futuras, e inclusive incertas, tal conduta merece tão somente a aplicação de
sanções no âmbito disciplinar da própria administração pública como também
a responsabilização por atos de improbidade administrativa, mas sem a
intervenção penal. 496

493
ANDRÉS IBAÑEZ, Perfecto. Control judicial del poder político. In: Derechos y libertades.
Revista del Instituto Bartolomé de las Casas, Madrid, número 07, Ano IV, janeiro de 1999, p.
82.
494
Eis a opinião de FURTADO: “Sempre haverá descompasso entre a criação de novas
condutas fraudulentas e a capacidade do Estado de, por meio de legislação específica,
criminalizar referidas condutas. Surge então a necessidade de se desenvolverem novas
práticas para o combate e para a prevenção da corrupção, que não se esgotem no Direito
Penal, que devem ser mais ágeis, no sentido de que o Estado possa, respeitando os
princípios básicos de garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, dar respostas
efetivas e rápidas à corrupção.” FURTADO, Lucas Rocha. As raízes ..., p. 35.
495
VIZUETA FERNÁNDEZ, Jorge. Delitos …, p. 238.
496
Cf. SEMINARA, Sérgio. La corrupción en la administración pública (arts. 2-7). In: Fraude
y corrupción en el derecho penal económico europeo. Eurodelitos de corrupción y fraude.
Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (coordenadores). Cuenca: Ediciones de la
Universidad Castilla – La Mancha, 2006. p. 152.
142

3.3. O ato de ofício como elemento dos tipos penais de corrupção.

3.3.1. Conceito.

Resta evidente que a lei brasileira utiliza o termo <<ato de


ofício>> para a construção de alguns dos tipos funcionais, dentre eles a
corrupção em sentido estrito. Ora, o termo tanto é mencionado em partes
notáveis dos arts. 317 e 333, do Código Penal, como também é, por exemplo,
no artigo 319 do Código Penal que tipifica o delito de prevaricação. Tal
expressão, de outro canto, é abandonada na construção de tipos penais
como o da concussão (artigo 316, caput, do Código Penal) e o de tráfico de
influências (artigo 332, caput, do Código Penal), muito embora venha neste
descrito com alguma certeza maior, ou seja, lá se faz referência ao termo a
pretexto de influir “em ato praticado por funcionário público no exercício da
função.”
Uma mera comparação, em sede inicial, já é capaz de
demonstrar que a utilização do termo ato de ofício é precária, se comparada a
outras definições mais cautelosas e claras, como a prevista no artigo 332 do
Código Penal e que, no fundo, se refere à mesma situação fática e funcional.
Também numa postura bastante inicial, um bom filtro de interpretação para a
compreensão do ato de ofício passa, sem dúvida, pela compreensão de que
se refere a ato praticado por funcionário público no exercício da função
pública.
Antes mesmo da edição do Código Penal de 1940, a doutrina
pátria se preocupava em definir aquilo que a lei referiu como ato de ofício,
uma vez que tal exigência já se encontrava presente no Código Criminal de
1890.497

497
Art. 214. Receber para si, ou para outrem, directamente ou por interposta pessoa, em
dinheiro ou outra utilidade, retribuição que não seja devida; acceitar, directa, ou
indirectamente, promessa, dadiva ou recompensa para praticar ou deixar de praticar um
acto do officio, ou cargo, embora de conformidade com a lei.
Exigir, directa ou indirectamente, para si ou para outrem, ou consentir que outrem exija,
recompensa ou gratificação por algum pagamento que tiver de fazer em razão do officio ou
commissão de que for encarregado:
Penas: de prisão cellular por seis mezes a um anno e perda do emprego com inhabilitação
para outro, além da multa igual ao triplo da somma, ou utilidade recebida.
143

Assim é que Galdino SIQUEIRA teria mencionado ser o ato de


ofício como um ato “de suas attribuições legaes, ou de sua competencia”, de
modo que se “o acto embora de funccionario, não é de sua competencia, ou
de seu officio ou emprego, não póde haver crime de peita, mas conforme as
circumstancias, o de estelionato.”498
Da mesma forma aludiu Oscar de Macedo SOARES ao afirmar
que “é elemento de delicto que o acto seja das attribuições legaes do
funccionario, de sua competência, ex-officio suo, como diziam os romanos”,
chegando ao ponto de citar exemplos a respeito: “Commette crime de peita o
juiz que recebe dinheiro para dar um despacho; mas não constitue peita o
facto do juiz receber dinheiro para obter de um ministro, seu parente, uma
garantia de juros, porque esse acto não é de suas attribuições legaes.” 499
Após a edição do Código Penal de 1940, e repetição do
elemento típico “ato de ofício”, a necessidade de conceituá-lo permaneceu
hígida perante a doutrina, pois é caminho inerente à interpretação dos
dispositivos penais, quanto mais se considerada a orientação traçada pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento das ações penais n. 307/DF e
470/MG. 500
Uma primeira aproximação ao conceito de ato de ofício pode ser
retirada das lições de Paulo José da COSTA JUNIOR e de Antonio
PAGLIARO. Trata-se da conceituação, ainda que negativa, de que o ato de
ofício não se confunde com o sentido técnico atribuído pelo Direito
administrativo.501 Em palavras mais diretas, ato de ofício não é sinônimo de
ato administrativo, devendo ser empregado o termo, segundo os citados
autores, como “qualquer conduta realizada pelo funcionário público no
desempenho de suas funções.”502

Art. 215. Deixar-se corromper por influencia, ou suggestão de alguem, para retardar, omittir,
praticar, ou deixar de praticar um acto contra os deveres do officio ou cargo; para prover ou
propor para emprego publico alguem, ainda que tenha os requisitos legaes:
Penas: de prisão cellular por seis mezes a um anno, e perda do emprego com inhabilitação
para outro.
498
SIQUEIRA, Galdino. Direito penal ..., p. 283, isso em relação ao código de 1890.
499
SOARES, Oscar de Macedo. Código penal ..., p. 412, também em relação ao código
antigo de 1890.
500
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 203 e 204.
501
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 105.
502
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 105.
144

De fato é correto tal entendimento, muito embora se reconheça


que o próprio conceito de ato administrativo é discutível503 e, a depender da
amplitude que se lhe dá, até poderia ser o caso de equipará-lo (ou quase
equipará-lo) ao conceito de ato de ofício. Contudo, fica-se com a corrente
majoritária, que não identifica o ato de ofício com o ato administrativo, seja
porque a noção de ato administrativo não encamparia os atos de governo 504,
muito embora estes se enquadrem como atos de ofício realizáveis por
funcionários públicos (assim considerada a redação do artigo 327, do Código
Penal), seja porque, de acordo com o visto acima, a noção de ato de ofício
remonta ao conceito jurídico-penal de funcionário público, que é, por sua vez,
distinto daquilo que se compreende como agente público sob a ótica do
Direito administrativo.
E mais. Se tomada a definição de ato administrativo como “a
manifestação de vontade funcional apta a gerar efeitos jurídicos, produzida
no exercício de função administrativa”505 tem-se que os tipos penais de

503
Anote-se, muito brevemente, a discordância com os chamados atos materiais da
administração. De uma lado, afirma Maria Sylvia Zanella DI PIETRO que “(...) dentre os atos
de administração distinguem-se os que produzem e os que não produzem efeitos jurídicos.
Estes últimos não são atos administrativos propriamente ditos, já que não se enquadram
não respectivo conceito. Nesta última categoria, entram: “1. os atos materiais, de simples
execução, como a reforma de um prédio, um trabalho de datilografia, a limpeza das ruas,
etc.; 2. os despachos de encaminhamento de papéis e processos; 3. os atos enunciativos ou
de conhecimento, que apenas atestam ou declaram a existência de um direito ou situação,
como os atestados, certidões, declarações, informações; 4. os atos de opinião, como
pareceres e laudos.” Direito ..., p. 205 e 206. Já de outro pondera, quiçá com maior razão,
Marçal JUSTEN FILHO: “Costuma-se afirmar que os atos da Administração Pública não são
atos administrativos. Assim se passa porque se adota o conceito de que ato administrativo
seria apenas aquele dotado de efeitos sobre a esfera jurídica da Administração ou de
terceiros. A expressão atos materiais indica aqueles atos de pura execução de um comando
normativo. Ou seja, são atos que não correspondem à hipótese de incidência, mas que se
destinam simplesmente a dar cumprimento ao mandamento de uma norma. (...) A conduta
concreta de um servidor produzir o ato de limpeza do chão configuraria o cumprimento de
uma determinação normativa. Segundo a concepção tradicional do direito administrativo,
essa conduta seria simplesmente um ato material, refletindo a execução de uma norma. Por
isso, esse ato não produziria “efeitos jurídicos”. Discorda-se desse entendimento,
reputando-se que todos os atos que correspondem ao modelo normativo e envolvam o
desenvolvimento de função administrativa são administrativos. Por isso, mesmo os atos de
pura execução estão abrangidos na categoria. Mais precisamente, reputa-se que os atos
materiais, de pura execução, produzem um efeito jurídico de cunho extintivo ou modificativo.
Assim, por exemplo, a varredura das ruas é um ato administrativo, porque reflete a
satisfação de um dever jurídico e traduz o exercício da função administrativa.” JUSTEN
FILHO, Marçal. Curso ..., p. 392 e 393.
504
Estes derivam da função de governo, aqui considerada como “aquelas atinentes à
existência do Estado e à formulação de escolhas políticas internas.” JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso ..., p. 125.
505
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 383.
145

corrupção, ao se referirem ao termo ato de ofício buscam, ou deveriam


buscar, requisitos basilares e fundamentais para que se imponha ao corruptor
e ao corrupto sanções de natureza penal frente a atos contrários aos deveres
de suas funções, independentemente, muitas vezes, se tais atos produziram
ou não efeitos jurídicos a partir da leitura do Direito administrativo.506
Outrossim, adotar o termo <<ato de ofício>> como sinônimo de
ato administrativo faria com que se deixassem impunes eventuais condutas
que, muito embora lesionassem o bem jurídico tutelado pela corrupção
pública, simplesmente não se encaixariam na definição de ato administrativo.
Como resultado preliminar conclui-se que não há plena
identidade entre ato administrativo e o elemento típico “ato de ofício”
mencionado na tipificação penal da corrupção ativa e passiva no direito
brasileiro.
A bem da verdade, na doutrina brasileira há uma única cisão a
respeito do que deve ser compreendido no termo “ato de ofício”. Isso porque,
se a grande e esmagadora maioria dos autores alude à ideia de que o ato de
ofício é um ato de competência e atribuição propriamente ditas do funcionário
público, alguns poucos acabam por suavizar tais exigências e passam a
endossar o cabimento, no conceito, de simplesmente o ato, ainda que não
seja de competência do aludido funcionário, estar relacionado com a função
deste.
A respeito da denominada competência do funcionário público se
filiam, por exemplo, Cezar Roberto BITENCOURT, ao mencionar que “ato de
ofício é o ato de competência do funcionário” 507, Julio Fabbrini MIRABETE,
para quem “o ato ou abstenção a que se refere a corrupção deve ser da
competência do funcionário, isto é, deve estar compreendido nas suas
especificadas atribuições funcionais”508, Fernando CAPEZ a quem “deve o ato
necessariamente ser de específica atribuição do funcionário público” 509,
Damásio de JESUS, pois, refere ser “necessário que o ato esteja dentro da

506
Cf. VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 193.
507
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 208.
508
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual ..., p. 303.
509
CAPEZ, Fernando. Curso ..., p. 585.
146

esfera de atribuições do servidor público”510 e Luiz Regis PRADO, ao


defender que “o ato em torno do qual é praticada a conduta incriminada seja
da competência ou atribuição inerente à função exercida pelo funcionário
público”.511
Também a doutrina de Nelson HUNGRIA ainda é sólida base
para a tomada de posição a respeito da definição aqui envolvida de modo que
“o ato ou abstenção a que a corrupção se refere deve ser da competência do
intraneus, isto é, deve estar compreendido nas suas específicas atribuições
funcionais, pois só neste caso pode deparar-se com um dano efetivo ou
potencial ao regular funcionamento da administração”.512 Por fim, Magalhães
NORONHA também assevera que “deve o ato ser da competência do
funcionário, pois a contraprestação ao pagamento é veiculada pela função e,
pois, o ato deve caber no âmbito desta.”513
De outro canto, e de maneira residual, está a compreensão
trazida por Heleno Claudio FRAGOSO, por Rui STOCO, por COSTA JUNIOR;
PAGLIARO e por Guilherme de Souza NUCCI. Isso porque tais autores
mencionam a possibilidade de ser compreendido o ato de ofício não apenas
como os atos vinculados à competência 514 dos funcionários públicos, mas
também como atos relacionados ao exercício da função de tais funcionários,
o que amplia, certamente, o espectro de imputação.
Textualmente alerta FRAGOSO que o ato de ofício deve “ser da
competência do agente ou estar relacionado com o exercício da função, pois,
caso contrário, o crime a identificar-se será outro (exploração de prestígio,
estelionato, etc.).”515, muito embora o mesmo autor, ao cuidar da corrupção
ativa, mencione que “é indispensável que se trate de ato de ofício, que se
enquadre nas atribuições do funcionário.”516 Rui STOCO 517 caminha no

510
JESUS, Damásio de. Código penal anotado. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1030.
511
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. 5ª ed. Volume 3, p. 477.
512
HUNGRIA, Nelson. Comentários ..., p. 371.
513
NORONHA, Magalhães E. Direito penal, p. 248.
514
Sobre este termo noticia SUNDFELD: “A competência – e este é seu mais importante
condicionamento – é sempre outorgada pela norma, para que de seu exercício resulte
atendida certa finalidade, estranha ou exterior ao sujeito. A competência é um meio para
atingir fins determinados. Portanto, a competência é um poder vinculado a certa finalidade. ”
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos ..., p. 112.
515
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 438.
516
FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 491.
147

mesmo sentido e Paulo José da COSTA JUNIOR e Antonio PAGLIARO


repetem o já disposto acima, ou seja, o ato de ofício seria conceituado como
“qualquer conduta realizada pelo funcionário público no desempenho de suas
funções.”518 Já NUCCI pondera que “ato de ofício é exatamente a atribuição
inerente à função pública, à esfera de realização do funcionário, algo que
somente ele pode empreender – e não pessoa fora dos quadros
administrativos.”519
Tampouco a explicação literal a partir da conjugação dos termos
“ato” e “de ofício” elucida por completo a dúvida, pois, se assim fosse, apenas
os atos praticados espontaneamente pelo funcionário público, quer dizer, sem
a provocação de terceiro520, seriam os atos passíveis de gerar o injusto penal
no direito brasileiro. Adotado o termo em sua literalidade, bem provavelmente
em sentido muito menor do que aquele pretendido pelo legislador do século
passado, as distorções da punibilidade, já presentes, seriam ainda maiores.
Eis aí o impasse. Há quase 75 anos de vigência do Código Penal
não há um conceito unânime, ou até minimamente seguro, do que deve ser
tomado por ato de ofício no sentido jurídico penal dos arts. 317 e 333 do
Código Penal. O melhor conceito seria um novo, uma nova definição típica
que abolisse a incerteza trazida à expressão ora em destaque. Até lá, ao
menos para vincular a jurisprudência a parâmetros condizentes com o bem
jurídico a ser tutelado, cabe a realização de um esforço, monumental, diga-se
de passagem, para a estipulação dos limites de aplicação da norma penal.

517
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de Oliveira. Dos crimes ..., p. 1469.
518
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 105. Como são dos
poucos autores que se alongam na explicação acerca do tema, é o caso de se trazer à
colação: “Compreende, pois, não só as providências, os atos devidos, propostas,
requisições, pareceres, operações, comportamentos materiais, o próprio silêncio, que, de
acordo com a doutrina administrativa predominante, está compreendido no conceito de ‘ato
administrativo’. Acham-se também abrangidos os atos de governo e os atos de direito
privado, os quais, conforme a mesma doutrina, são estranhos ao conceito de ‘ato
administrativo’. Acham-se compreendidas, ademais, todas aquelas condutas que somente
em conexão com outras condutas (do mesmo sujeito ou de outros) formam um quid que,
para o direito administrativo, representa um ato único. Estão igualmente abrangidas as
condutas daquelas pessoas, como os notários, que, embora exercitando funções públicas,
não agem como órgãos das Administração Pública e, portanto, não praticam atos
administrativos.” Dos crimes ..., p. 105.
519
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e anticorrupção. Forense: Rio de Janeiro, 2015.
p. 19.
520
Menção feita pelo Ministro Carlos Ayres Britto na p. 4445 do acórdão da Ação Penal
470/MG, bem recordada em QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 204.
148

Compreender o <<ato de ofício>> dentro do contexto macro que


envolve a corrupção ativa e passiva no direito brasileiro como sendo apenas
o ato a ser desenvolvido pelo funcionário público que esteja dentro de suas
atribuições e/ou competência e que se desenvolva sem a intervenção de
terceiro, ou seja, em sua acepção mais restrita possível, acaba por desvirtuar
o tipo e a proteção penal pretendida.
Com isso se faz necessário o uso de interpretação que amplie o
texto legal, se é que o operador do direito se vê autorizado a tanto, quanto
mais se a interpretação for realizada literalmente sobre norma incriminadora,
como é o caso. Salvar o tipo de sua inocuidade mediante uma interpretação
indevida (porquanto extensiva) ou respeitar o princípio da legalidade, sendo
esta última uma tendência que forçaria invariavelmente a reforma da
legislação?
Deixando de lado o alerta sobre a urgente reforma – muito mais
necessária que a simbólica e maniqueísta reforma para tornar a corrupção
um delito considerado hediondo – sobressaem duas possibilidades.
A primeira possibilidade seria ampliar a compreensão do ato de
ofício para todo e qualquer ato para o qual o funcionário público detenha
atribuição e competência para realizá-lo. Esta, como visto acima, é a
interpretação largamente empregada pela doutrina brasileira e por certa
orientação, ainda que não unânime, jurisprudencial. 521
Um grande problema incidente sobre a adoção deste panorama
(ato de ofício = ato de competência e atribuição do funcionário) está na
compreensão matemática do mundo, uma compreensão idílica e irreal, de
que para todo e qualquer cargo, função ou emprego, para cada função
desenvolvida pelos funcionários públicos espalhados Brasil afora exista um
<<feixe de atos>> de competência e de atribuição muito bem delimitados.
Tal compreensão da administração pública direta e indireta é
inexistente e não condiz com os atos realizados pelos agentes públicos. Ora,
se por um lado e, por exemplo, a lavratura de um auto de infração pelo
Agente da Receita Federal tende a estar devidamente regulamentado em

521
V.g, TRF4, Apelação Criminal n. 2003.04.01.008561-1 – 8ª Turma – Rel. Des. Paulo
Afonso Brum Vaz, DJ 16.03.2005.
149

dispositivos normativos claros, tantos outros atos da administração pública


direta e indireta não possuem as atribuições funcionais tão bem definidas a
ponto de permitir a identificação do ato de ofício a partir da competência de
determinado funcionário.
O exemplo é de QUANDT:
“Pense-se no serventuário da justiça lotado no cartório da vara que aceita
propina para alterar a ordem de armazenamento dos autos dos processos
conclusos para sentença no gabinete do juiz, sabendo que essa ordem
corresponde à ordem em que os processos serão julgados. Uma vez que
essa ordenação não é atribuição do funcionário corrupto, esse fato haveria
de permanecer impune.” 522

Pode-se citar outro: o Juiz que solicita vantagem indevida para


que determinado sujeito não seja citado, muito embora o mandado de citação
já esteja em mãos do oficial de justiça, não cometeria corrupção, eis que
realizar a citação da parte não é atribuição do Juiz nem ele possui
competência e poderes para, de fato, ir realizar o ato de citação.
A segunda possibilidade, enquanto a reforma penal sobre os
delitos contra a administração pública não for realizada, quiçá melhor, seja a
interpretação das normas incriminadoras dos arts. 317 e 333 do Código Penal
por meio da compreensão do ato de ofício como todo e qualquer ato realizado
pelo funcionário desde que relacionado com a sua função, na mesma linha do
preconizado por FRAGOSO, STOCO e COSTA JUNIOR; PAGLIARO e
NUCCI, devidamente citados.
Nem se diga que se trata de interpretação hábil a banalizar a
corrupção, direcionando a norma para a punição do maior número possível de
funcionários e particulares e, muito menos, que é uma interpretação extensiva
indevida. Ora, compreender o “ato de ofício” como ato de competência 523 e
atribuição de determinado funcionário já é extensivo, uma vez que a
interpretação literal seria bem diversa e não chegaria a tal conclusão.
A escolha de uma das duas posições acima mencionadas retrata
bem a adoção do seguinte: o ato de ofício envolve apenas condutas
correspondentes às competências (muitas vezes sequer definidas) do

522
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 206.
523
Vale lembrar que o termo competência não pode ser aqui tomado como o desenvolvido
no direito administrativo, eis que não se está a equiparar o ato de ofício com o ato
administrativo.
150

funcionário ou tais condutas podem estar relacionadas apenas com os


poderes de fato derivados da posicional de funcionário público exercida pelo
agente?524
A captação do ato de ofício – determinado ou determinável –
como um ato relacionado com as funções do agente e não com a
competência/atribuição deste, tem a vantagem de abranger aquelas condutas
que, muito embora possam ir muito além das tarefas usualmente destinadas
para aquele agente, são na verdade possibilitadas por aquilo que VALEIJE
ALVAREZ denomina de <<relação funcional imediata>>. 525 Esta se afere a
partir da verificação de suficiência da relação do ato ao cargo, emprego ou
função. Trazendo para o direito brasileiro, bastaria para caracterização do ato
de ofício ser relativo ao cargo, emprego ou função e não que seja inerente a
estes.526
Interessante anotar que o Supremo Tribunal Federal teve a
oportunidade, todavia perdida, de traçar este importante limite interpretativo.
Sim, porque no julgamento da Ação Penal 470 os conceitos para o “ato de
ofício” foram empregados da mais variada forma e unicamente contribuíram
para o aumento das dúvidas já existentes. 527
A respeito do julgamento da Ação Penal referida, concluiu
Allamiro Velludo SALVADOR NETO que o Supremo Tribunal Federal
“direcionou-se para uma perspectiva mais subjetiva da corrupção,
abandonando a dependência absoluta entre corrupção e ato de ofício e, ao
mesmo tempo, trilhando o entendimento que tende a aperfeiçoar a peita
exclusivamente pelo recebimento de vantagem em razão do cargo.”
Aliás, este autor 528 diz que, a depender da interpretação e
compreensão do termo ato de ofício se teria uma concepção ora mais
objetiva do delito de corrupção, ora mais subjetiva. Assim é que a
imprescindibilidade ou não do ato de ofício – muito embora pareça ser

524
VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 197.
525
VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 199.
526
Cf. VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 201.
527
A respeito vide o obrigatório texto de QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 200 a
210.
528
Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Reflexões pontuais sobre a interpretação do
crime de corrupção no Brasil à luz da APN 470/MG. In: Revista dos Tribunais, São Paulo,
volume 933, julho de 2013, p. 57-58.
151

realmente necessário em razão de clara incidência da taxatividade do tipo


penal – mudaria a “configuração do crime de corrupção”529, pois se exigido o
ato de ofício não existiria acordo sem objeto (o ato de ofício), recebendo,
desta forma, o delito uma forma aparentemente objetiva. Já para a hipótese
de o ato de ofício deixar de ser exigido como elemento do tipo, aumentar-se-
ia a subjetividade do delito, com o que a consumação do delito poderia se dar
“apenas em decorrência de aceitações ou solicitações de vantagem em razão
do cargo.” 530
A determinação ou não do ato de ofício é questão a ser
examinada em tópico diverso. Por ora pode-se concluir preliminarmente que
(i) o termo ato de ofício não pode ser desprezado pelo intérprete,
pois não exerce a função de “mero” figurante no tipo nem tampouco o
intérprete pode relegar sua existência;
(ii) o termo ato de ofício não se coaduna, concessa venia, com a
interpretação lançada pela maior parte da doutrina brasileira, eis que o filtro
de definição em sendo a competência ou atribuição não abarca a realidade
dos fatos e do desvalor do injusto penal;
(iii) o termo ato de ofício pode ser interpretado, sem desrespeito
à norma penal e aos princípios básicos que permeiam a aplicação do jus
puniendi estatal, a partir da noção de relação funcional imediata proposta há
quase 20 anos por Inma VALEIJE ALVAREZ; muito embora cunhada para a
explicação da legislação espanhola, inclusive anterior ao Código Penal atual
(de 1995 e que em termos de corrupção já recebeu algumas reformas
importantes, em especial as ocorridas em 2010 e 2015), há possibilidade de
ser empregada à realidade brasileira, com o que por ato de ofício deve-se
entender como o ato possível de ser praticado pelo funcionário, seja o ato de
competência ou atribuição deste, seja o ato que, muito embora não seja de
competência do funcionário, tenha sido realizado em virtude das facilidades
ou oportunidades que se derivam da situação subjetiva da qual o funcionário
é titular. 531

529
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Reflexões ..., p. 55.
530
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Reflexões ..., p. 55.
531
Cf. VALEIJE ALVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 201. Guardadas as devidas
proporções, curiosamente este foi o entendimento, todavia normatizado, utilizado pelo
152

3.3.2. O grau de determinação do ato de ofício.

Uma vez identificado o ato de ofício em si, e devidamente


esclarecida a sua inserção no tipo penal de corrupção ativa, surge a
indagação da determinação ou indeterminação a incidir sobre este ato de
ofício.532 A depender da interpretação lançada, e aqui se está a falar da
interpretação em sentido lato, pode-se desbordar os limites previstos no
artigo 333, vez que a norma brasileira de suborno ativo requer que o
particular ofereça ou prometa vantagem indevida determinada para que o
servidor público pratique, omita ou retarde o ato de ofício. Isso para não
mencionar os limites que a interpretação extensiva possui em se tratando de
normas de caráter incriminador.
Portanto, não a partir da “voluntas legis”, mas sim a partir daquilo
que a norma brasileira efetivamente estipula como proibido e sua relação com
a imparcialidade, no caso o bem jurídico tutelado, a interpretação do ato de
ofício e de sua concretude devem girar a partir de uma determinação, isto é,
de que algo esteja determinado no ato a ser praticado pelo servidor. Merece
destaque, de igual modo, que a lei brasileira em vigor não pune, como
exposto à saciedade linhas acima, a mera oferta ou promessa em razão das
funções do servidor, mas sim que tais atos estejam ligados a um ato de ofício
que se revista de uma relação funcional imediata com o funcionário público.

legislador de 1940 para tipificar o que a doutrina chama de peculato-furto (artigo 312,
parágrafo 1º, do Código Penal). Olhos postos neste tipo penal verifica-se que não é
necessário que o funcionário esteja no exercício de suas funções, atribuições e
competências, mas sim que se valha da facilidade que lhe proporciona a qualidade de
funcionário público. Para tanto, vide NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1273
e 1374.
532
Os Tribunais já se debruçaram, ainda que não em caráter final, sobre o tema. Débora
Thais de MELO e Claudio BIDINO mencionam em estudo dois precedentes totalmente
antagônicos. Para o STJ, quando do julgamento do RESP 440106, Rel. Min. Paulo Medina,
ainda que se referisse ao artigo 317 do Código Penal, teria mencionado que se prescinde
“da necessidade de apontar e demonstrar um ato específico da função, dentro do âmbito
dos atos possíveis de realização pelo funcionário.” De outro canto, os mesmos autores
mencionam julgado do TRF4 (Ap. Crim. 2004.04.01.0075034 – Rel. Des. Élcio Pinheiro de
Castro), onde fez-se constar que “para a caracterização do crime de corrupção passiva é
indispensável que o agente público receba vantagem indevida pela prática (ou promessa) de
um ato de ofício específico.” BIDINO, Claudio; MELO, Débora Thaís de. A corrupção de
agentes públicos no Brasil: reflexões a partir da lei, da doutrina e da jurisprudência. In: A
corrupção. Reflexões (a partir da Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu Regime
Jurídico-Penal em Expansão no Brasil e em Portugal. SANTOS, Cláudia Cruz; BIDINO,
Claudio; MELO, Débora Thaís de. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 175.
153

Sendo assim, a doutrina dá suporte interpretativo necessário e


satisfatório ao tema, bastando que o ato seja ao menos individualizável, ainda
que genericamente, no momento do pacto ou convite corruptivos.
Alude Luiz Régis PRADO:
“Registre-se ainda que o ato de ofício objeto do delito de corrupção passiva
não deve restar desde o início determinado, ou seja, não é necessário que no
momento em que o funcionário solicita ou recebe a vantagem o ato próprio
de suas funções esteja individualizado em todas as suas características.
Basta apenas que se possa deduzir com clareza qual a classe de atos em
troca dos quais se solicita ou se recebe a vantagem indevida – isto é, a
533
natureza do objeto da corrupção.”

Já Paulo José da COSTA JUNIOR informa:


“Isto significa, em primeiro lugar, que o ato de ofício deve ser individualizado,
ou, quando menos, ser individualizável.
A individualização, todavia, poderá limitar-se ao genérico dos atos, enquanto
a individualização do genérico comporta a individualização de todos os atos
concretos de ofício que, como espécies, acham-se compreendidos. A
individualização poderá ser indireta, no sentido de que o funcionário público
se comprometa a cumprir os atos que serão determinados de um modo
preestabelecido, quiçá através de manifestações de vontade sucessivas do
particular.” 534

Por fim alerta VALEIJE ÁLVAREZ:


“Por tanto, debe tratarse de un acto concreto, delimitado en su esencia
específica e identificado o susceptible de poder ser identificado con cierto
grado de certeza, de acuerdo al conjunto de circunstancias concurrentes en
el momento del pacto. Desde esta perspectiva, no hay delito de cohecho
pasivo propio cuando las dádivas se dan o prometen por actos imprecisos,
ambiguos o indeterminados. (…)
La determinación del acto puede limitarse al señalamiento de un género, en
cuanto la indicación del género implica también la individualización de todos
535
los actos concretos del cargo que como especie comprende.”

Este parece ser o tom a ser dado à interpretação adequada ao


tipo penal, pois com isso se acaba por (i) dar observância ao tipo legal do
artigo 333, caput, do Código Penal, (ii) atender à proteção do bem jurídico
imparcialidade, uma vez que ao servidor público será dado um objeto ao qual
poderá se comportar de maneira imparcial e (iii) permitir a aplicação da

533
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, p. 477.
534
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 106.
535
VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 202 e 203.
154

norma tal qual como desenhada, evitando uma leitura absolutamente estrita e
que impediria, sobremaneira, a sua incidência prática. 536

3.4. As modalidades de corrupção ativa e passiva no direito penal brasileiro.


Condutas típicas e possíveis lacunas de punibilidade.

É comum serem classificados os delitos de corrupção, ativa ou


passiva, em próprios ou impróprios, antecedentes ou subsequentes.
Há certamente um equívoco na própria nomenclatura legal, pois
mencionar que a corrupção do funcionário público é sempre passiva significa
olvidar-se do verbo ali incriminado, qual seja a conduta de solicitar. De outro
canto, a classificação como ativa da conduta praticada pelo particular
encontra amparo nos verbos incriminados oferecer ou prometer, porquanto
como visto acima os verbos dar ou entregar não integram tal tipo penal.
Contudo, a partir do acima delineado, tem-se que a corrupção
passiva imprópria em terras brasileiras em nada se relaciona com o ato de
ofício, eis que tal elemento não se encontra disposto no tipo penal do artigo
317 do Código Penal, mas aparece tão-somente no §1º do mesmo artigo. Nos
países onde costumeiramente o legislador pátrio busca suas inspirações ou
influências, está claramente previsto o ato de ofício, sendo ele lícito e regular,
para a tipificação da corrupção passiva imprópria. Já a legislação brasileira
atualmente em vigor permite, ainda que equivocadamente, obter uma
classificação típica propriamente única, ou seja, desvinculada da prática de
um ato de ofício.
Uma decorrência disso é a inexistência de complementariedade
entre os tipos penais de corrupção ativa e passiva, o que deságua em
ausência de segurança jurídica e mais difícil compreensão pelo intérprete,
quanto mais se considerado o cidadão comum e não afeto à matéria jurídica.
A atual conformação típica do Direito penal brasileiro tampouco
distingue as corrupções passivas e ativas próprias e impróprias, tarefa que
536
Bastando-se pensar, para tanto, que o agente corruptor, para ser punido, tivesse que
nominar com todos os detalhes o ato a ser praticado, nominando-o e detalhando formas de
cometimento, horários, etc.
155

fica a cargo da doutrina e da jurisprudência. Olhos postos nas figuras penais


mencionadas, verifica-se que tanto o caput do artigo 317 quanto o caput do
artigo 333 do Código Penal nada mencionam sobre a ilicitude ou ilegalidade
do ato a ser praticado pelo servidor público. O ato de ofício, pelo visto, sequer
está mencionado no artigo 317, caput, do Código Penal.
Portanto, a considerar que a natureza ou ainda o caráter da
contraprestação realizada pelo funcionário público é importante critério para a
estipulação das sanções penais 537 aplicáveis, pode-se afirmar que o Brasil
possui legislação sui generis e incorreta no plano dogmático e político-
criminal, pois não observa o princípio da proporcionalidade em suas
formulações penais.
A legislação brasileira reserva uma causa de aumento de pena,
na importância de 1/3 de acréscimo, para as situações em que os subornos
ativo e passivo atingem o seu objetivo, ou seja, quando o funcionário retarda
ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever
funcional. Trata-se de figuras majoradas e que derivam das estruturas
básicas traçadas nas cabeças dos arts. 317 e 333 do Código Penal.
Por fim, as classificações incidentes, sob os adjetivos de
corrupção antecedente e consequente (ou subsequente), também merecem
destaque. Tomando a legislação tal como posta atualmente constata-se que a
lei penal brasileira pune a corrupção passiva em suas vertentes antecedente
e subsequente e a corrupção ativa apenas em sua vertente antecedente.
O artigo 317 do Código Penal faz alusão à conduta do
funcionário público que solicita, aceita promessa ou recebe vantagem
indevida em razão de sua função. Já houve oportunidade de analisar a não
exigência do ato de ofício linhas acima, com o que agora se torna
evidentemente desnecessário. O que há de ser ressaltado aqui é que, se a lei
brasileira não exige a prática de ato de ofício por parte do servidor público,
torna-se despicienda qualquer indagação sobre a incidência de o ato de ofício
– sequer exigido – ocorrer antes ou depois dos verbos presentes no tipo
penal do artigo 317 do Código Penal.

537
SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 402.
156

Desta forma, com apoio em diversos posicionamentos


doutrinários pátrios, desde há muito se argumenta sobre a punição da
corrupção passiva em dupla vertente: antecedente e consequente. É no
mínimo curiosa esta classificação, porquanto incide em um sistema normativo
que, ao menos para a corrupção passiva, subsidia-se não no ato de ofício,
mas sim na solicitação, recebimento e aceitação de vantagem indevida em
razão das funções do servidor público. De qualquer forma, realizado ou não
um ato de ofício por parte do servidor público, é inegável que a legislação
pátria pune, de igual forma e rigor, toda e qualquer forma de solicitação,
recebimento ou aceite de propina, independentemente do momento em que
isso ocorra frente à interlocução com o particular.
Quanto ao suborno ativo, justamente por este se vincular ao
oferecimento ou promessa de vantagem de indevida para que um ato de
ofício seja realizado, retardado ou omitido, a lei brasileira criminaliza apenas
a conduta da corrupção antecedente, ou seja, é atípica a conduta do
particular que, após realizado, retardado ou omitido determinado ato de
ofício, ofereça ou prometa ao servidor certa vantagem indevida. Qualquer
interpretação diferente desta, concessa venia, agrediria o princípio da
legalidade, pois o tipo é evidentemente claro neste pormenor.
A partir disso pode-se chegar a algumas conclusões.
A primeira delas é a impropriedade da legislação brasileira atual
se comparados os tipos penais de corrupção passiva e de prevaricação
(artigo 319 do Código Penal). De lege lata, tem-se que o Estado brasileiro
pune de maneira muito mais severa um servidor público que, após ter
realizado um ato legal ou sequer o tenha realizado, solicite vantagem
indevida de um particular do que aquele servidor que, sem ter solicitado
vantagem indevida ao particular, tenha praticado um ato de ofício
contrariamente ao determinado em lei com o simples intento de satisfazer um
interesse ou sentimento pessoal (v.g., o particular atingido pelo ato de
prevaricação ser inimigo declarado do servidor público).
A crítica reside não na desnecessidade de pena ao funcionário
corrupto, mas essencialmente na desproporcionalidade de tratamento pelas
normas em vigor.
157

Já como conclusão de lege ferenda quanto ao suborno ativo a


partir da seguinte indagação: deveria o Estado brasileiro, tal como realizou o
Português, em futura reforma, introduzir a corrupção ativa subsequente,
punindo o particular que oferece e entrega vantagem indevida ao funcionário
que já praticou o ato de ofício previsto pela norma penal?
A resposta soaria afirmativa se abolido o critério do ato de ofício,
com o que qualquer entrega de vantagem pelo particular ao servidor público
se tornaria típica. Quanto a isso não se vê dificuldade interpretativa alguma.
A dúvida ficaria se, ainda mantido o tipo penal de corrupção ativa atrelado ao
ato de ofício, deveria ser punido o ato de entrega, promessa ou oferta de
vantagem indevida após realizado o ato de ofício.
A respeito discorre, corretamente, MILITELLO:
“Mientras la ofensividad del cohecho se siga fundamentando en la
<<compraventa>> de actos oficiales, castigar el particular por haber dado o
prometido beneficio indebido a un funcionario público sólo después de que
éste – sin previo acuerdo con el otro – haya realizado un acto propio de su
competencia (tanto conforme como contrario a sus deberes), significaría
castigar un hecho insuficientemente ofensivo.” Un cohecho activo
subsiguiente, en sustancia, es un cohecho que mira al pasado: mero
reconocimiento o captatio benevolentiae; al menos – es oportuno resaltarlo –
en un sistema que centra la ofensividad del cohecho sobre el acto oficial,
incapaz de proyectarse sobre la futura conducta (y por ello sobre la
538
imparcialidad y buen funcionamiento) de la Administración pública.”

Assiste razão ao autor citado, porquanto mantido o ato de ofício


como conditio sine qua non para a criminalização da corrupção ativa, punir o
fato do oferecimento ou proposta de vantagem indevida ter ocorrido
posteriormente à prática daquele significaria, no final das contas, a
simplesmente desconsiderar o ato de ofício como elemento fundante da
criminalização. Tal desconsideração, ademais, não encontraria reflexo na
ofensividade a ser gerada ao bem jurídico <<imparcialidade>>, o que remete
à necessidade de manter como atípica a conduta, isso se o legislador quiser
manter coerência do ordenamento jurídico aos princípios penais mais caros
ao Direito penal.

538
MILITELLO, Vincenzo. Concusión ..., p. 250.
158

3.5. O sujeito ativo nos delitos de corrupção ativa e passiva. Especial


atenção ao conceito de funcionário público.

A todo delito corresponde um agente, sendo função da norma


delimitar o sujeito do delito e, assim, o círculo de pessoas a realizar a
conduta delitiva. Tal círculo de atores ativos pode ser genérico, v.g., delito de
homicídio (artigo 121, caput, do Código Penal), como também pode ser
restrito, dependendo da relevância das condutas a serem proscritas pelo
ordenamento jurídico. 539
Para a ocorrência do suborno passivo e ativo, dada a
característica de delicta in officio 540, nos termos dos arts. 317 e 333, do
Código Penal, fez-se remissão obrigatória ao conceito 541 de funcionário
público normatizado no artigo 327 do mesmo diploma legal nos seguintes
termos:

“Funcionário público
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem,
embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou
função pública.
§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou
função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora
de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da
Administração Pública.
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes
previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de
função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta,
sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo
poder público.”

Trata-se, sem dúvida alguma, de pressuposto básico para a


análise dos tipos penais de corrupção strictu sensu, cada um à sua
maneira 542, inclusive da limitação da intervenção do Direito penal, muito
embora o conceito de funcionário público trazido pela legislação penal já

539
Cf. BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 693 e 694.
540
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1524.
541
Nas palavras de Mariângela Gama de Magalhães GOMES tais conceitos seriam as
definições legislativas, sendo sua existência justificada a partir de que “diante dos diferentes
significados que as palavras podem conter, o legislador opta por esclarecer o exato alcance
de norma penal incriminadora.” GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. Teoria geral da
parte especial do direito penal. São Paulo: Atlas, 2014. p. 128.
542
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 185.
159

ensejaria um estudo monográfico próprio, dadas as diversas impropriedades


e dúvidas incidentes sobre o referido dispositivo.
Sendo o suborno passivo um delito classificado como próprio 543
em relação ao sujeito ativo, incide necessariamente todo um arcabouço
doutrinário particular e direcionado a elucidar os temas de autoria e
participação. Além disso, como a noção de suborno ativo e passivo é
dependente da conceituação normativa de “funcionário público”, a
interpretação do artigo 327 do Código apõe limites importantes à incidência
da norma penal. Tanto é assim que no direito brasileiro e também nas
legislações estrangeiras há esta preocupação para definir corretamente o
sujeito ativo 544 da corrupção passiva e, ao mesmo tempo e definição, quem
são as pessoas a receber as propostas ilícitas por parte do(s) particular(es).
A norma do artigo 327 do Código Penal se divide em duas
perspectivas de conceituação.
A primeira delas está no artigo 327, caput e no seu §1º, primeira
parte, vinculando-se dentro desta perspectiva a noção de pessoas que atuam
na Administração Pública, com o que fica subentendido que exercem função
pública. Já a segunda parte do § 1º amplia a noção de funcionário público
para incluir pessoas que trabalham em empresas contratadas ou conveniadas
para a execução de atividade típica da Administração Pública, de modo que a
consideração passa pela ideia de parceria entre a iniciativa privada e o Poder
Público para desenvolver as atividades típicas deste último. 545
Em relação ao caput do artigo em referência, a crítica doutrinária
inicia fazendo menção à adoção – o que revela, mais uma vez, a
desatualização do Código Penal de 1940 – do termo funcionário público,
conceito este já não mais empregado pelo direito administrativo nem mesmo
pela Constituição da República de 1988, eis que esta já menciona
corretamente o termo “agente público” genericamente, conforme o artigo 37,

543
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 53; NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal ..., p. 1289.
544
As legislações espanhola, portuguesa e alemã, por exemplo, também trazem definições
normativas de funcionário público. Neste sentido: artigo 24, Código Penal espanhol; artigo
386, Código Penal português e §11.2., Código Penal alemão.
545
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 187.
160

§ 6º, ou ainda faz uso da acepção servidor público, termo muito mais
adequado. 546 547
O argumento exposto à saciedade pela doutrina é o de que, no
intuito de assegurar maior âmbito de proteção e tutela à Administração
Pública, a lei penal brasileira acabou por acolher noção extensiva do termo
funcionário público, a ponto de exigir apenas que este exerça, ainda que
transitoriamente e sem remuneração, determinado cargo, emprego ou função
pública.548
Socorro algum à interpretação do termo funcionário público
prestaram as convenções internacionais que o Brasil ratificou em seu direito
interno. Tanto a Convenção Interamericana contra a Corrupção assinada no
marco da OEA (Decreto 4.410/2002 549), como a Convenção sobre o Combate
da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais (OCDE, Decreto 3.678/2000 550) e também a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (ONU, Decreto
5.687/2006 551), reiteraram o uso do termo funcionário público, aqui criticado,
com o que não se soluciona a celeuma.

546
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1467. Vide também PRADO, Luiz
Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3, p. 531.
547
Não por outro motivo que o Anteprojeto de Código Penal em seu artigo 282 altere a
nomenclatura para servidor público. Infelizmente, contudo, a redação proposta pelo
Anteprojeto dá azo às mesmas críticas versadas ao texto atual.
548
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 3, p. 530; NUCCI,
Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1312.
549
Artigo I. Definições. Para os fins desta Convenção, entende-se por: "Função pública" toda
atividade, temporária ou permanente, remunerada ou honorária realizada por uma pessoa
física em nome do Estado ou a serviço do Estado ou de suas entidades, em qualquer de
seus níveis hierárquicos; "Funcionário público", "funcionário de governo" ou "servidor
público" qualquer funcionário ou empregado de um Estado ou de suas entidades, inclusive
os que tenham sido selecionados, nomeados ou eleitos para desempenhar atividades ou
funções em nome do Estado ou a serviço do Estado em qualquer de seus níveis
hierárquicos.
550
Artigo 1. (...) 4. Para o propósito da presente Convenção: a) "funcionário público
estrangeiro" significa qualquer pessoa responsável por cargo legislativo, administrativo ou
jurídico de um país estrangeiro, seja ela nomeada ou eleita; qualquer pessoa que exerça
função pública para um país estrangeiro, inclusive para representação ou empresa pública;
e qualquer funcionário ou representante de organização pública internacional;
551
Artigo 2. Definições. Aos efeitos da presente Convenção: a) Por "funcionário público" se
entenderá: i) toda pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou
judicial de um Estado Parte, já designado ou empossado, permanente ou temporário,
remunerado ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo; ii) toda pessoa que
desempenhe uma função pública, inclusive em um organismo público ou numa empresa
pública, ou que preste um serviço público, segundo definido na legislação interna do Estado
Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte; iii) toda
161

Pelo contrário, reitera um termo já não mais empregado pelo


Direito administrativo e assim reforça o indevido argumento sempre repetido
de existir no Direito penal a particularidade de amplitude do conceito
daqueles a serem considerados como os agentes corrompidos.
Justamente é sob o manto deste argumento que reside o
problema de aferir o exato conceito de funcionário público sem a devida
reflexão e cuidado 552, eis que a “premissa de que o conceito de funcionário
público é mais extenso do que o se servidor público, por exemplo,
proporciona apenas um núcleo mínimo de abrangência do conceito, mas não
lhe fornece quaisquer limites exteriores.”553
A redação do caput do artigo 327 do Código Penal, talvez revele
o que de maior importância exista para a determinação do servidor corrupto,
que é a função pública.554 Embora estejam contidas na redação do caput do
artigo 327 as expressões cargo e emprego, o conceito amplo adotado pelo
Código Penal faz menção à noção de função pública e considera como
funcionário “aquele que exerce um poder de império, autoridade ou
discricionário, por pequeno que seja”555 pois “o conceito está jungido ao de
função pública, isto é, a atividade exercida pelo Estado, para consecução de
seus fins.”556
Por cargo público há de se entender, de acordo com o artigo 3º
da Lei 8.112/90, como o conjunto de atribuições e responsabilidades
previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor,
o que na visão de Marçal JUSTEN FILHO vem exposto como “uma posição
jurídica, utilizada como instrumento de organização da estrutura

pessoa definida como "funcionário público" na legislação interna de um Estado Parte. Não
obstante, aos efeitos de algumas medidas específicas incluídas no Capítulo II da presente
Convenção, poderá entender-se por "funcionário público" toda pessoa que desempenhe uma
função pública ou preste um serviço público segundo definido na legislação interna do
Estado Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado Parte;
b) Por "funcionário público estrangeiro" se entenderá toda pessoa que ocupe um cargo
legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um país estrangeiro, já designado ou
empossado; e toda pessoa que exerça uma função pública para um país estrangeiro,
inclusive em um organismo público ou uma empresa pública;
552
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 186.
553
QUANDT, Gustavo de Oliveira. Algumas ..., p. 186.
554
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p. 1312; QUANDT, Gustavo de Oliveira.
Algumas ..., p. 188 e 191.
555
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1525.
556
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1525.
162

administrativa, criada e disciplinada por lei, sujeita a regime jurídico de direito


público peculiar, caracterizado por mutabilidade por determinação unilateral
do Estado e por certas garantias em prol do titular.” 557 O gênero cargo público
contém espécies divididas de acordo com a investidura do ocupante, ou seja,
cargos de provimento efetivo e os cargos em comissão, tudo de acordo com o
preconizado pelo artigo 37, inciso II, da Constituição da República. 558
Já o termo emprego público se refere à pessoa considerada
empregado público, sendo este o que mantém um vínculo contratual regido
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) 559, via de regra com empresas
públicas ou ainda em sociedades de economia mista. 560
Por sua vez o conceito de função, sob a vertente do Direito
administrativo (portanto menos ampla que a lei penal), ao contrário do cargo
e do emprego que possuiriam uma individualidade própria, poderia ser
conceituada a partir de um locus residual, com o que é entendida como o
“conjunto de atribuições às quais não corresponde um cargo ou emprego.” 561
No quadro constitucional atual, sob o entendimento do Direito
administrativo, ao se falar em função se atingem duas possibilidades. A
primeira seria a função atinente a determinados servidores públicos
temporários e contratados com fulcro no artigo 37, IX, da Constituição
Federal562. A segunda, por sua vez, abarcaria funções de natureza
permanente e para as quais o legislador não criou o cargo respectivo. Via de
regra, esta segunda espécie de função atinge o exercício de direção,
assessoramento, que remontam à confiança563 e são de livre provimento e
exoneração.564

557
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 908.
558
Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 910.
559
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 604.
560
Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 884.
561
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 605.
562
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 606.
563
Salutar o alerta de Celso Antonio Bandeira de MELLO: “Estas funções, às quais são
atribuídas gratificações, representam na prática do serviço público uma importante válvula
para desmandos. (...) Assim, embora se trate de um instituto necessário, deveria ser
legislativamente previsto com grande cautela e parcimônia, ao menos quando relativas a
funções de assessoramento. Quanto menor o número destas funções, e, também, diga-se
de passagem, de cargos em comissão, menores serão as possibilidades de os grupos
políticos manipularem a Administração Pública em prol de interesses alheios à seriedade
administrativa.” MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso ..., p. 260.
564
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 606.
163

Até aqui se ajusta o termo função para o Direito administrativo


com o termo função para o Direito penal dos funcionários públicos. Contudo,
a acepção e amplitude da locução função pública para o Direito penal 565 é,
como visto, ainda maior. Isso porque a função pública no sentido jurídico-
penal há de ser conceituada como aquela projetada ao interesse social ou
coletivo e que é realizada por órgãos estatais e paraestatais 566 ou ainda
como, a partir de uma noção mista traçada por OLAIZOLA NOGALES e
formada por três elementos:
“a) elemento subjetivo: función pública es la llevada a cabo por un ente
público; b) elemento objetivo: función pública es la realizada mediante actos
sometidos al Derecho público; y c) elemento teleológico: función pública es
567
aquélla en la que se persiguen fines públicos.”

Mas não é só isso. O conceito de funcionário público do Direito


administrativo (agente público) não irá coincidir com o conceito jurídico-penal
não só pela carga normativa trazida pelo artigo 327 e parágrafos do Código
Penal, mas também pela própria finalidade do Direito penal, in casu e
genericamente, a tutela do funcionamento da administração pública 568,
devendo mesmo a descrição normativa de funcionário coincidir com aquele
que tenha uma especial posição em relação com o funcionamento da coisa
pública, ou seja, exerça uma função pública nos termos acima
569
preconizados.
Fala-se, portanto, que o Direito penal assume uma conceituação
unitária-funcional do agente público, sendo realmente “o exercício da função

565
Não se trata de conceituar, de maneira minudente, as acepções que esta função pública
pode receber, as quais se dividiriam, segundo JAVATO MARTÍN, em quatro correntes:
teleológica, objetiva, subjetiva e mista ou eclética. JAVATO MARTÍN, Antonio Ma. El
concepto de funcionario y autoridad a efectos penales. In: Revista Jurídica de Castilla y
León, Castilla y León, n. 23, janeiro de 2011. p. 157.
566
MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal, p. 899.
567
OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 132.
568
“Aos agentes do poder público incumbe manter a orden, a regularidade, a eficiência e a
legalidade dos serviços públicos.” FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 402.
569
ABANTO VÁSQUEZ, Manuel A. El tratamiento penal de los delitos contra la
administración pública. Palestra promovida no XVII Congreso Latinoamericano, IX
Iberoamericano, I Nacional de Derecho Penal y Criminología, organizado pela Universidad
Nacional de Guayaquil. Guayaquil, 25 a 28 de outubro de 2005. Disponível em
http://www.academia.edu/13819957/EL_TRATAMIENTO_PENAL_DE_LOS_DELITOS_CONT
RA_LA_ADMINISTRACI%C3%93N_P%C3%9ABLICA, acesso em 23 de agosto de 2015, às
10h34min, p. 7.
164

pública o que caracteriza o funcionário perante o direito penal.” 570 E assim é


porque o Direito administrativo mais se preocupa com a incorporação do
agente público às regras de direito público, via de regra de maneira
voluntária, profissional e permanente.
Do contrário, o Direito penal, e assim ocorre em legislações
estrangeiras já referidas (v.g., Espanha e Portugal), leva em consideração o
efetivo exercício da função pública, acima conceituada, deixando de lado
pormenores quanto à organização administrativa, a permanência e o
profissionalismo do agente público. 571 Se o Direito administrativo se ocupa da
regulação do status do funcionário, deveres e direitos deste para com a
Administração Pública, o Direito penal, agregando e ampliando a
conceituação administrativa, busca trabalhar com um conceito que oportunize
a proteção da função pública e o correto funcionamento da administração
pública frente a lesões ou a perigo de lesões provenientes de funcionários e
de particulares.572
Há muito teria se manifestado Fernando Henrique Mendes de
ALMEIDA, ao aclarar que “o conceito legal de funcionário dentro do direito
penal positivo é eminentemente ratione materiae e nisto êle se distingue do
conceito formal administrativo, como é bem de ver”, e, rematando, que no
Direito administrativo “o que predomina é qualidade ex-vi legis” enquanto no
traço penal seria de “qualidade ratione materiae”. 573
De acordo com a maior parte da doutrina e também da
jurisprudência, o caput do artigo 327 do Código Penal possibilita incluir na
conceituação ampla e unitária-funcional, fundamentada principalmente no
exercício de funções públicas, o Presidente da República, senadores,
deputados, todos aqueles eleitos por sufrágio popular (presidente, senadores,
deputados federais, governadores, deputados estaduais, prefeitos e
vereadores), oficiais do exército brasileiro, prefeitos municipais, servidores da
guarda municipal 574, os funcionários nomeados e investidos em seus cargos e
pagos pelos cofres públicos como também os servidores mensalistas,
570
Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições ..., p. 404 e 405.
571
Cf. JAVATO MARTÍN, Antonio Ma. El concepto ..., p. 153 e 154.
572
Cf. JAVATO MARTÍN, Antonio Ma. El concepto ..., p. 154 e 155.
573
ALMEIDA, Fernando Henrique Mendes de. Dos crimes ..., p. 157.
574
STOCO, Rui; STOCO, Tatiana de O. Dos crimes ..., p. 1526.
165

diaristas, contratados a título precário e também aqueles que exercem


serviços públicos sem remuneração, tais como os jurados, mesários, entre
outros575.
No que respeita à primeira parte do §1º, do artigo 327 do Código
Penal, “equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou
função em entidade paraestatal”. Muito embora se pudesse, apenas com
fulcro no artigo 327, caput, captar e incluir como funcionários públicos
pessoas que exerçam funções em entidades paraestatais, tais como
sociedades de economia mista e empresas públicas, o §1º, primeira parte do
mesmo artigo parece outorgar um melhor fundamento.
Assim, com supedâneo na expressão “entidade paraestatal” 576 e
conferindo-lhe a qualidade necessária para incluir a administração pública
indireta 577 em seu conceito, passou a considerar como funcionário público
equiparado aquele que exerce cargo, emprego ou função em sociedades de
economia mista 578, empresas públicas579, autarquias 580 e fundações de direito

575
Cf. PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 24.
576
Note-se que o conceito de entidade paraestatal não é unânime e assume, em alguns
casos, contornos bem distintos do que está exposto no texto. Afirma Marçal JUSTEN FILHO:
“Entidade paraestatal ou serviço social autônomo é uma pessoa jurídica de direito privado
criada por lei para, atuando sem submissão à Administração Pública, promover o
atendimento a necessidades assistenciais e educacionais de certos setores empresariais ou
categorias profissionais, que arcam com sua manutenção mediante contribuições
compulsórias.” Curso de Direito Administrativo, p. 325. Os exemplos, segundo este autor,
seriam o Serviço Social da Indústria (SESI), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Curso de Direito Administrativo, p. 324.
577
Elucida JUSTEN FILHO: “Utiliza-se a expressão ´Administração Indireta´ para referir-se a
essa pessoas meramente administrativas. Elas recebem as suas competências de modo
indireto, por uma decisão infraconstitucional das pessoas políticas, a quem tais
competências foram originalmente distribuídas.” JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 274.
578
Cujo conceito normativo é o de uma “entidade dotada de personalidade jurídica de direito
privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade
anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou à entidade
da Administração Indireta”, muito embora venha a calhar a crítica de Celso Antonio Bandeira
de MELLO no sentido de que algumas sociedades de economia mista não assumem
caracteres de atividade econômica, mas sim de mera prestação de serviços públicos.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso ..., p. 196 e 197.
579
Na definição de Marçal JUSTEN FILHO tem-se que “empresa pública é uma pessoa
jurídica de direito privado, assim qualificada por lei e sujeita a regime jurídico diferenciado,
cujo capital é de titularidade de uma ou mais pessoas de direito público”. Curso de direito
administrativo, p. 305.
580
A autarquia é definida por DI PIETRO como “a pessoa jurídica de direito público, criada
por lei, com capacidade de autoadministração, para o desempenho de serviço público
descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei.” DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 501.
166

público581 e fundações públicas582. Anote-se que na Lei 8.666/94 (que regula


os contratos administrativos e as licitações) adveio conceito com contornos
mais precisos, pois no seu artigo 84, o termo “entidade paraestatal” veio
complementado pela menção a fundações, empresas públicas, sociedades de
economia mista e demais entidades sob o controle direto ou indireto do Poder
Público. 583
A atuação da administração indireta se deve à clara necessidade
de o Estado descentralizar a atividade administrativa, justamente para que
seja realizada de modo a atingir os fins públicos pretendidos, muito embora
possam se revestir de personalidade de direito privado. Exemplifica Celso
Antonio Bandeira de MELLO que as sociedades de economia mista e as
empresas públicas são fundamentalmente instrumento de ação do Estado na
busca de satisfação de interesses que transcendem aos meramente
privados.584
O traço fundamental, portanto, ainda continua sendo a baliza de
que os servidores da administração pública indireta seriam sujeitos ativos dos
delitos de funcionários públicos, em especial da corrupção, pelo argumento
de que desenvolveriam função pública.
A segunda parte do §1º do artigo 327 do Código Penal
menciona, por sua vez, serem também equiparadas a funcionários públicos
aquelas pessoas que trabalhem para empresa prestadora de serviço
contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da
Administração Pública. Ainda que os termos de empresa contratada ou
conveniada sejam, até certo modo, fáceis de compreender, como será visto, a
equiparação depende da definição de atividade típica da administração
pública, o que exige interpretação atenta e cuidadosa. A pergunta feita por

581
Instituídas pelo poder público, por meio de lei específica para a sua criação (artigo 37,
inciso XIX, da Constituição Federal de 1988), mantidas por aquele poder e para a
consecução de atividades de interesse público.
582
“pessoa jurídica de direito privado, instituída mediante autorização legislativa sob a forma
de fundação, para o desempenho de atividades de interesse coletivo, destituídas de cunho
econômico, mantida total ou parcialmente com recursos públicos.” JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso ..., p. 315.
583
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11ª
ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 610.
584
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso ..., p. 198.
167

BITENCOURT, e aqui endossada, é: “o que pode ser interpretado como


´atividade típica da Administração Pública´?” 585
Um bom ponto de partida é estabelecido a partir das noções de
relacionamento orgânico com a administração pública e do regime jurídico
incidente sobre determinada atividade. Tem-se o vínculo orgânico com a
administração pública a partir da relação de dependência entre a
Administração Pública e a atividade a ser prestada, sendo aquela
responsável para exercer o controle sobre o executor da atividade.
A atividade típica da administração pública é identificada a partir
do regime jurídico incidente, seja de direito público total ou parcial, não
existindo atividade típica da administração pública que se submeta a um
regime exclusivamente de direito privado. Em sentido muito próximo se
manifesta Marçal JUSTEN FILHO 586, mas daí fazendo uso do termo serviço
público que, para ser definido, passaria pela conjugação de três aspectos: i)
ângulo material ou objetivo, ou seja, uma atividade de “satisfação de
necessidades individuais ou transindividuais de cunho essencial” 587; ii) ângulo
subjetivo, isto é, uma atividade desenvolvida pelo Estado (diretamente ou por
quem este delegue), e, iii) ângulo formal, pois se caracterizaria pela
“aplicação do regime jurídico de direito público.” 588
Esta ampliação do conceito de funcionário público adveio a partir
de reforma legislativa instituída no ano de 2000 e buscou reconhecer que
outros agentes, a partir da necessidade e efetivação da descentralização das
atividades administrativas, podem exercer atividades de natureza pública e,
com isso, lesionar ou colocar em perigo a administração pública.
Veja-se que não se trata apenas de pessoas que exerçam
atividade em determinada empresa, mas sim que esta empresa seja
contratada ou conveniada para o exercício da então classificada atividade
típica da administração pública. Deste modo, exsurgem os conceitos de
contratação e convênio entre a Administração Pública e a iniciativa privada,
fruto da já elencada necessidade de descentralizar a administração pública

585
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Volume 5. p. 150.
586
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 731.
587
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 731.
588
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 731.
168

em face da complexidade da sociedade atual e, ao mesmo tempo,


possibilitam a ampliação da eficácia na utilização dos recursos econômicos e
na prestação dos serviços públicos, objetivando maior qualidade e menor
custo.589
Trata-se, mais precisamente, da delegação de atividades
administrativas realizadas que o Código Penal resolveu nominar como
contratação e convênio. O contrato administrativo para a realização de
atividades específicas da administração típica sói ser classificado como
contrato administrativo em sentido estrito, cujas espécies são os contratos de
delegação e os de colaboração.590
De maneira mais direta, tem-se que a contratação de uma
empresa particular para a prestação de uma atividade típica da administração
pública se dá por meio do contrato de concessão, sendo “um contrato
plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a
prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a
um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos
usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante
591
remuneração extraída do empreendimento.”
Já o convênio se reveste da natureza jurídica de um acordo ou
ajuste entre o Poder Público e demais entidades de natureza pública ou
privada e que têm como objetivo a realização dos anseios de mútuo
interesse, pressupondo, igualmente, a recíproca colaboração entre os
convenentes e conveniados.592 Do ponto de vista normativo estrito, o termo
convênio está previsto no artigo 116 da Lei 8.666/93 593, mas de acordo com o

589
Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 757.
590
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 467.
591
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso ..., p. 759.
592
Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 352.
593
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos,
ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da
o
Administração. § 1 A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades
da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho
proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes
informações: I - identificação do objeto a ser executado; II - metas a serem atingidas; III -
etapas ou fases de execução; IV - plano de aplicação dos recursos financeiros; V -
cronograma de desembolso; VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim
da conclusão das etapas ou fases programadas; VII - se o ajuste compreender obra ou
serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a
169

correto posicionamento de DI PIETRO, o convênio estritamente considerado


entre entidades públicas e privadas “não é possível como forma de delegação
de serviços públicos, mas como modalidade de fomento” 594, pois
“o convênio não se presta à delegação de serviço público ao particular,
porque essa delegação é incompatível com a própria natureza do ajuste; na
delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que
não a possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm
competências comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus
595
objetivos.”

A função pública é exercida de maneira centralizada e


descentralizada pelo Estado, por isso a conveniência de ser adotada a
definição de funcionário público tanto para as hipóteses em que estes figurem
como sujeitos ativos como quanto para as hipóteses que figurarem como
sujeitos passivos do delito 596. Se assim não fosse incidiria indevida lacuna de
punibilidade, pois o particular que oferecesse vantagem indevida a
funcionário, v.g., da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), para
que este deixasse de multar determinada operadora de telefonia, cometeria
aquele conduta atípica, quando na verdade tem-se um claro supedâneo
dogmático e político-criminal para puni-lo por corrupção ativa.
Dessarte, afigura-se não só necessário como absolutamente
relevante que o legislador penal adote um conceito próprio de funcionário
público. Se não com esta nomenclatura, podendo num futuro ser inclusive
alterado (como pretende o Anteprojeto de Código Penal 597) para servidor
público, mas desde que seja um conceito particular e próprio do Direito penal,

execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do


empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.
594
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 354
595
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito ..., p. 354.
596
No mesmo sentido RASSI, João Daniel. Administração pública na acepção orgânica e o
conceito penal de funcionário público – contributo para o estudo do art. 327 do Código Penal
Brasileiro. In: Crimes contra a administração pública: aspectos polêmicos. Marcelo Xavier de
Freitas Crespo (coordenação). São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 27 e 31.
597
Servidor público. Art. 282. Considera-se servidor público quem, embora transitoriamente
ou sem remuneração, exerce cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo. § 1º
Equipara-se a servidor público quem exerce cargo, emprego ou função em autarquia,
empresa pública e sociedade de economia mista e quem trabalha para empresa prestadora
de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração
Pública ou dos Poderes Legislativo e Judiciário. § 2º Equipara-se também a servidor público
o responsável de organização da sociedade civil ou não-governamental, no manejo de
recursos públicos. § 3º O conceito de servidor público aplica-se tanto ao sujeito ativo quanto
ao sujeito passivo dos crimes.
170

porquanto há clara distinção entre os objetivos perseguidos pelo Direito penal


e pelo Direito administrativo.
Já a título conclusivo pode-se afirmar:
a) ao Direito penal interessa precipuamente a proteção do
correto exercício da função pública e, no delito de corrupção, a proteção da
imparcialidade de tal exercício, de modo que a definição penal de funcionário
público será sempre mais correta quando se ativer aos fins buscados pelo
Direito penal, o que certamente não ocorreria caso o conceito ficasse atrelado
ao formalismo do Direito administrativo 598; desse modo, assiste razão a
OLAIZOLA NOGALES 599 ao afirmar que o círculo de autores do delito de
suborno passivo se dá não por ostentarem o status de funcionários, mas sim
porque exercem determinada função pública e neste exercício podem
perturbar a imparcialidade inerente a ela;
b) correto o posicionamento de Luiz Régis PRADO, Érika
Mendes de CARVALHO e Gisele Mende de CARVALHO ao mencionarem que
“esse conceito amplo de funcionário público decorre da própria concepção
mais abrangente de Administração Pública enquanto bem jurídico penal que,
(...), não se restringe apenas à função administrativa realizada pelo estado,
mas abarca a atividade estatal como um todo”600;
c) o conceito normativo brasileiro descrito no artigo 327 do
Código Penal igualmente revela uma adoção ampla da função pública cuja
imparcialidade se quer proteger, sendo, no caso, a função pública em sentido
estrito ampliada para a noção de “gestão da coisa pública” em sentido
amplo 601;
d) este conceito realmente funcional de funcionário público acaba
por aumentar o rol de sujeitos ativos, atores centrais da imputação penal 602,

598
Cf. VÁSQUEZ-PORTOMEÑE SEIJAS, Fernando. Los delitos contra la administración
pública. Santiago de Compostela, Universidade de Santiago de Compostela, Servicio de
Publicación e Intercambio Científico, 2003. p. 341.
599
Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito …, p. 168.
600
PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de.
Curso ..., p. 1388.
601
Cf. VÁSQUEZ-PORTOMEÑE SEIJAS, Fernando. Los delitos ..., p. 342.
602
Cf. ALBERTO DONNA, Edgardo. El concepto dogmático de funcionario público en el
código penal. In: Sistemas penales iberoamericanos. Libro Homenaje al Profesor Dr. D.
Enrique Bacigalupo en su 65 Aniversario. Manuel Jaén Vallejo (diretor). Lima: ARA Editores,
2003. p. 1083.
171

exatamente por se relacionarem de maneira íntima e indissociável com o bem


jurídico <<imparcialidade da função pública>> e dos atos praticados a partir
dela e, assim, possuem direitos e deveres não impostos aos particulares;
e) sem que isso revele o desconhecimento da razão de ser do
tipo funcional de suborno passivo (e a impossibilidade de dupla punição pelo
mesmo fato) e adotando as noções de SPENA 603 e MILITELLO 604 quanto às
estruturas estáticas e dinâmicas dos delitos ora em análise, realmente não há
como concordar que o desvalor das ações e dos resultados 605 de corromper
ou se deixar corromper realizadas pelo servidor público seja o mesmo
imposto ao particular, pois diverso o trato com o mesmo bem jurídico
<<imparcialidade>>, tornando plenamente possível reforma penal suficiente a
impor mais gravosas sanções ao funcionário do que ao particular.

3.6. A vantagem indevida como elemento dos tipos penais de corrupção


ativa e passiva.

3.6.1. Conceito e tomada de posição.

Tanto na figura do suborno ativo quanto do suborno passivo está


presente a expressão vantagem indevida. Parece existir certo consenso em
torno da locução vantagem indevida no sentido de qualificá-la como toda e
qualquer vantagem contrária ao direito 606, ou melhor, toda e qualquer

603
Cf. SPENA, Alessandro. Il <<turpe mercato>>, p. 192 a 208. Muito embora este autor
utilize as duas estruturas a fim de explicar diferenças entre os bens jurídicos tutelados pelos
tipos penais de suborno ativo e suborno passivo, neste momento as estruturas são
aplicadas a fim de realçar que a função pública desenvolvida pelo funcionário já está
regulada por uma série de normas a que este funcionário deve obedecer, diferentemente do
particular que recebe unicamente o controle penal de atos contra a administração pública.
Não apenas pelo duplo descumprimento (penal e administrativo), mas especialmente pela
inobservância de princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais de índole
administrativa a que o servidor, via de regra, está exposto, o descumprimento destas pelo
servidor público, salvo outro juízo, exige que a responsabilização criminal seja fixada em
parâmetros diversos.
604
Cf. MILITELLO, Vincenzo. Concusión ... p. 249 e 250.
605
A respeito, vide, por exemplo, ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 318 a 326 e BUSATO,
Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 1ª ed., p. 316 e 317.
606
Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de.
Curso ..., p. 1349; NUCCI, Guilherme de Souza, Código penal comentado, p. 1289;
172

vantagem a que o funcionário público não faz jus para ou por exercer sua
função, ainda que a vantagem indevida possa beneficiar terceiro e não
diretamente o servidor público.
Assim é, pois, na figura de corrupção passiva se tipifica a
conduta de solicitar ou receber, para si ou para outrem vantagem indevida, ou
aceitar promessa de vantagem dessa ordem. Já na corrupção ativa se
criminaliza a conduta de oferecer ou prometer vantagem indevida a
funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de
ofício.
A lei brasileira não estipula a obrigatória patrimonialidade da
vantagem, muito embora seja esta a característica mais comum das
vantagens oferecidas e recebidas. Nesta toada parece ser segura a noção
trazida por COSTA JUNIOR e PAGLIARO:
“Vantagem é um quid apto a acrescentar, para um indivíduo, a possibilidade
de satisfazer uma necessidade humana qualquer, isto é, fazer cessar uma
sensação dolorosa ou causar uma sensação agradável. Posto que a lei não
distingue, a vantagem poderá ser patrimonial ou não patrimonial. A vantagem
poderá ser representada por uma coisa (dinheiro, títulos, joias), mas pode
também consistir num bem imaterial (uma fórmula química ou matemática,
uma promoção, uma condecoração). (...)
Descendo à exemplificação, configuram “vantagens” não só presentes de
coisas, como mútuos, descontos, dilações no pagamento, recuperação de um
crédito, remissão de um débito, bilhetes de loteria, uso gratuito ou
semigratuito de uma habitação, seguros de vida, pensão, emprego, missões,
promoções, licenças, transferências desejadas, ocupações colaterais
607
retribuídas, títulos, condecorações, um bom matrimônio.”

Conclusiva, pois, pode ser a afirmação de que o Direito penal


brasileiro adotou corretamente posicionamento imaterial-subjetivo608 sobre a
qualidade da vantagem indevida. Do ponto de vista normativo a disposição
legal se torna mais abrangente a ponto de político-criminalmente atingir
situações não precipuamente econômicas, quiçá em menor grau, que também
podem tornar-se o motivo por que o servidor público seja convidado a se

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 5. p. 114; STOCO, Rui;
STOCO, Tatiana de Oliveira. Dos crimes ..., p. 1469.
607
PAGLIARO, Antonio; COSTA JR., Paulo José da. Dos crimes ..., p. 85 e 86. No mesmo
sentido vide FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições ..., p. 439; WUNDERLICH, Alexandre. Dos
crimes ..., p. 54; NUCCI, Guilherme de Souza, Código penal comentado, p. 1289;
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Volume 5. p. 114.
608
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 134.
173

corromper ou ainda se tornem o móvel de conduta corruptiva que parte de si


mesmo. 609
Ainda a respeito do aspecto qualitativo da vantagem indevida
oferecida pelo particular ou buscada pelo servidor público, quando não em
circunstâncias bilaterais bem comuns na prática forense, o que deve ser
avaliado perante a legislação brasileira é a aptidão de a vantagem indevida
proporcionar eventual ou concreta atuação parcial e direcionada pelo servidor
ou, nas palavras de RODRÍGUEZ PUERTA, “tenga capacidad para excluir la
obligación del funcionario de actuar de forma imparcial”. 610 Um rápido
exemplo: seria atípica a conduta de um funcionário do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (IBAMA) que deixa de multar determinado empresário
mediante a solicitação de que este empresário, influente política e
economicamente, faça uma série de ligações telefônicas a fim de remover o
filho do aludido funcionário do interior para a capital do Estado, de modo que
o filho não necessite aguardar a natural progressão na carreira de, por
exemplo, fiscal da receita estadual?
Note-se que a vantagem é indevida, não beneficia diretamente o
corrupto e sim seu familiar e não ostenta diretamente natureza econômica,
mas ainda assim é suficiente para demover o fiscal ambiental de realizar a
regular notificação do empresário. Na linha do já afirmado acima, certas
amplitudes da norma penal merecem a credibilidade do intérprete em razão
de, sem prejudicar pressupostos básicos de garantia e legalidade,
proporcionar a real abrangência das condutas típicas, muitas delas pouco
cartesianas ou enquadráveis nos exemplos clássicos e perfeitos da literatura
penal.
Com absoluta propriedade, neste sentido, aponta KINDHÄUSER:
“La corrupción, requiere, por tanto, que la ventaja no sea útil para la
actuación funcional en cuestión. Por el contrario, la ventaja debe, más bien, ir
en contra del interés en el correcto ejercicio de la actuación funcionarial.
Esencial para la corrupción es, entonces, una incompatibilidad entre el
interés que el encargado tiene que cautelar en virtud de su especial posición
611
de deber, y el interés al que se vincula por la aceptación de la ventaja.”

609
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 144.
610
RODRÍGUEZ PUERTA, M. José. El delito …, p. 191.
611
KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos ..., p. 06.
174

Dentro desta noção de incompatibilidade de interesses é que o


termo “para si ou para outrem” visa evitar indesejável lacuna de punibilidade,
vez que, do contrário, ao agente corrupto estaria aberta a justificativa de que
a vantagem não se teria destinado a ele, mas sim a terceiro. Mas não é só. A
tônica do tipo penal – e consequente tutela do bem jurídico – é a de impedir
que o recebimento, solicitação ou aceitação de promessas de vantagens
indevidas, ainda que destinadas a terceiros, sejam o móvel de uma atuação
parcial – e porquanto indevida – do servidor público. Em termos bem diretos:
a vantagem indevida, seja para si, seja para terceiro, colocaria em risco a
imparcialidade do servidor público.
Não só o qualitativo, mas também o aspecto quantitativo da
vantagem indevida exerce papel preponderante para a interpretação da
tipicidade dos delitos de suborno ativo e passivo, em especial a interpretação
dos limites de imputação da norma penal.
Conforme ora exposto, vê-se que à quantidade da vantagem
indevida se outorgam papéis diferenciados se considerado o bem jurídico
imparcialidade, as condutas e os seus sujeitos ativos.
Quanto ao cidadão comum, sujeito ativo do delito de suborno
ativo, a quantidade/valor da “propina” por ele oferecida ao servidor pode e
deve ser analisada já sobre um prisma objetivo de criação (ou não) de um
risco ao bem jurídico imparcialidade, justamente para se afastar a aplicação
de pena para situações de mínima idoneidade da vantagem indevida. 612
Não se trata de retirar o caráter de perigo abstrato do delito de
suborno ativo, mas sim de utilizar critérios para situações-limite em que
nenhum risco seja gerado ao bem jurídico imparcialidade, ou porque a
quantia, desde um ponto de vista médio-ideal 613, seja insuficiente para
motivar a atuação regular ou irregular do servidor público, ou porque se
vislumbre uma absoluta impropriedade do meio empregado, que também
ocasionará igual insucesso.614

612
Cf. RODRÍGUEZ PUERTA, Ma. José, El delito …, p. 201.
613
Cf. OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito ..., p. 364.
614
Eis a decisão jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo inserida no
Código Penal Comentado de Guilherme de Souza NUCCI: “Embora delito unissubsistente e
formal, a aperfeiçoar-se com o simples oferecimento ou promessa de vantagem indevida, a
corrupção ativa reclama seja essa oferta ou promessa, além de certa, factível em relação ao
175

Assim é que se podem enquadrar de maneira mais adequada,


por exemplo, os presentes e recordações de final de ano concedidos por
determinado particular a servidores públicos. Pense-se em garrafas de
espumante. Salvo outro juízo, não há como tornar atípica tal oferta desta
vantagem indevida de cunho econômico a partir do critério da insignificância,
eis que para isso seria necessário avaliar o quão insignificante teria sido
lesionada ou colocada em perigo a imparcialidade dos servidores, prova,
como se sabe, impossível, quando não permeada de incerteza e insegurança.
Eis o posicionamento de Pierpaolo Cruz BOTTINI:
“Diante disso, o tipo de perigo abstrato somente será completo, sob uma
perspectiva objetiva, diante de um juízo de periculosidade que permita
afirmar a existência concreta de riscos para os bens jurídicos protegidos,
realizado sob uma perspectiva ex ante que agregue elementos ontológicos e
nomológicos sobre os cursos causais passíveis de afetar os interesses
tutelados. Desta forma, a ausência de periculosidade afetará a tipicidade e
retirará do âmbito de incidência da norma penal o comportamento
615
valorado.”
Ao contrário dos critérios de insignificância ou de adequação
social, tem-se na verdade a não geração de perigo ao bem jurídico, sendo o
caso de averiguar se há idoneidade na vantagem oferecida a partir da
perspectiva do bem jurídico. Claro que o aspecto subjetivo também conta em
diversas situações associadas à irrelevância ou diminuta quantia da
vantagem oferecida. Neste aspecto não se trata de normalidade social, uma
adequação das condutas aos usos e costumes, mas que pequenas
gratificações não possuem o intento de comprar o ato funcional, mas apenas
demonstrar apreço, educação e reconhecimento por serviços inclusive na sua
maior parte já prestados. 616
Frente ao exposto, e relembrando que os delitos de suborno não
estão construídos sob a base de impedir ganhos econômicos espúrios, mas
sim sobre a base de resguardo da imparcialidade do servidor público, o valor
e a quantia da propina são apenas relevantes desde que a priori se consiga

agente e idônea de molde a agredir a consciência do funcionário“ (hipótese de foragido de


presídio, de aspecto esquálido, que, preso de madrugada, foi colocado na cela, oferecendo
ao delegado elevada soma para ser libertado, sem que a autoridade desse a menor atenção
ao fato).” (Apelação 314.877-3, São Paulo, 3ª Câmara Criminal, rel. Des. Gonçalves
Nogueira, 19.12.2000, v.u., JUBI 57/01). NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal ..., p.
1290.
615
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2010. p. 231.
616
Cf. VALEIJE ÁLVAREZ, Inma. El tratamiento ..., p. 161.
176

visualizar na oferta ou promessa de suborno algo suficiente a manejar um


atuar hipoteticamente parcial do funcionário. 617
No que toca às condutas incriminadas pelo tipo penal de suborno
passivo no direito brasileiro alguns detalhes podem ser descritos. A respeito
da qualidade da vantagem indevida valem as mesmas observações postas
acima acerca da desnecessidade de valoração ou conteúdo econômico, nada
mudando a natureza da indevida vantagem exigida para a conformação do
tipo penal de suborno ativo. Da mesma forma para as condutas de receber ou
de aceitar promessa de vantagem servem as ponderações anteriores
mencionadas, contudo com algumas ressalvas.
Já na leitura da norma penal brasileira de suborno passivo, mais
especificamente a sua modalidade “solicitar”, a partir da construção normativa
alicerçada em torno de uma vertente patrimonialista de corrupção, ou seja,
desvinculada de um ato de ofício, resume-se na proibição de qualquer
solicitação formalizada pelo servidor público, desde que indevida a vantagem.
Concorde-se ou não com a regra brasileira nesta modalidade, a norma
informa ser típica a conduta do agente que solicita a vantagem em razão de
sua função, criando, em caráter superlativo (e indevido), oportunidade à
incidência da proibição penal.
A solicitação torna-se típica apenas e tão-somente a partir da
contextualização como indevida e independentemente da quantia/valor,
justamente em razão da ausência de um critério para aferir eventual
atipicidade da conduta, critério este que residiria no ato de ofício.
O posicionamento adotado a respeito da conduta “solicitar” vem
reforçado pela dificuldade de se adotar qualquer filtro interpretativo a partir
das noções de adequação social ou ainda de insignificância, justamente pela
impossível acoplagem de uma realidade à outra: seria adequado socialmente
que o servidor público, em razão de sua vantagem, solicitasse vantagem
indevida, ainda que mínima, a determinado particular? O servidor que solicita
R$ 50,00 de um particular pelo simples fato de ostentar a qualidade de
servidor público restaria impune porquanto insignificante o valor por ele
solicitado?

617
Cf. SÁNCHEZ TOMÁS, José Miguel. Cohecho, p. 401.
177

Certamente que os princípios consagrados no artigo 37 da


Constituição da República denotam que não, tornando diminuta, quando não
inviável, a aplicação de critérios de imputação que limitem a incidência da
norma penal, no caso a adequação social618 e o princípio da insignificância 619.
Não parece adequado socialmente que o servidor público solicite vantagens
que a ele não incumbam. A insignificância, por sua vez, não há de ser tomada
com fulcro na quantia ou qualidade da vantagem, mas sim na possibilidade
de as funções do servidor público virem a ser impregnadas de parcialidade
(daí a natureza de delito de perigo abstrato). Ínfima lesão ao bem jurídico, na
esteira dos ensinamentos de ROXIN 620, não se coaduna com o bem jurídico
imparcialidade, ao menos na imparcialidade considerada a partir do verbo
“solicitar” previsto no artigo 317 do Código Penal.
A solicitação direta de vantagens indevidas pelo servidor ao
particular em diversas ocasiões poderá soar como quase uma obrigação do
particular em ceder ao pedido, pois, do contrário, poderá ficar “marcado” pelo
funcionário em situações futuras em que precisará da atenção e até da
compreensão do servidor.
De qualquer forma, algum critério há de ser posto para evitar um
malsinado automatismo para a consideração dos delitos de suborno, valendo
ressaltar que ao servidor público a questão é ainda mais delicada, vez que a
ele se pune, ainda que desproporcionalmente, o recebimento de vantagem
em razão de suas funções e não por ter praticado ou não ter praticado
determinado ato de ofício. O advogado que, no corredor do Fórum, convida o
Juiz da causa por mero ato de educação a tomar um café expresso, não
responderia por corrupção ativa, eis que não buscava qualquer prática de ato
de ofício; já o Juiz, sendo o café pago pelo advogado, salvo algum critério
mais adequado para se interpretar a vantagem indevida, responderia por
corrupção passiva, porquanto o recebimento da vantagem (café expresso)
ofertada pelo advogado partiu em razão da função pública exercida.

618
Cf. PRADO, PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele
Mendes de. Curso ..., p. 123 a 126; GRECO, Rogério. Código penal ..., p. 04 e 05;
619
Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de.
Curso ..., p. 127 a 129.
620
ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 292 a 297.
178

Por mais modesto que seja o exemplo ora utilizado, tem ele o
condão de colaborar para a exigência de critério interpretativo relacionado ao
bem jurídico e, dessarte, em ressaltar que o delito de suborno não ostenta
seu desvalor na natureza ou quantidade da vantagem indevida recebida e/ou
entregue, mas sim no objeto de tutela que é a imparcialidade do servidor
público.
A legislação portuguesa avançou neste ponto e optou por
normatizar o princípio da adequação social na reforma produzida no ano de
2010, fazendo-o incidir, por óbvio, apenas no tipo penal de recebimento
indevido de vantagem (sem vinculação a ato de ofício 621 determinado e, muito
menos, que este ato de ofício seja ilícito). Vejamos:
“Artigo 372º. Recebimento indevido de vantagem
1. O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por
si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar
ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial,
que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com
pena de multa até 600 dias.
2. Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou
ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou
conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe
seja devida, no exercício das funções ou por causa delas, é punido com pena
de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3. Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e
conformes aos usos e costumes.”

De outro modo se encaixam as condutas de receber e aceitar a


promessa de vantagem indevida, haja vista que o início delitivo, conforme os
próprios verbos demonstram, parte do particular e não do servidor público.
Não se quer adentrar em elementos de natureza subjetiva, na intenção ou
não de os agentes, corruptor e corrupto, mediante a troca de vantagens
indevidas, realizarem subjetivamente a corrupção, uma vez que há meios
para que a fixação dos critérios permaneça na antessala objetiva do
problema.

621
A respeito do sistema português ponderam MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO:
“Excluem-se das vantagens indevidas as condutas socialmente adequadas e conformes aos
usos e costumes: ex., lembranças de natal que se mandam entregar; um ramo de flores em
dia de aniversário. Não podem ter a aparência de venalidade. (...) Vem aliás na nossa
tradição a atipicidade de certo tipo de benesses sem qualquer relação direta com atos
praticados no exercício das funções desde que de valor simbólico.” MIGUEZ GARCIA, M.;
CASTELA RIO; J. M. Código ..., p. 1234 e 1235.
179

De maneira objetiva, ao invés de se realizar um exercício mental


de quase futurologia, isso nos casos ainda não levados a efeito, ou ainda de
regressão psíquica naqueles já efetivados, há de se pensar numa
compatibilidade ou incompatibilidade entre os interesses que o servidor
público há de proteger e os interesses a que se vinculará na hipótese de
aceitação ou recebimento da vantagem indevida. 622
A partir deste raciocínio se abre a possibilidade de incidência do
princípio da adequação social para a interpretação tal como asseverado
acima, matiz interpretativo que acabou sendo inserido na legislação
portuguesa.
Por fim, cumpre salientar que os códigos de conduta ética dos
servidores municipais, estaduais e federais não deixam de figurar também
como relevantes vetores de interpretação, em especial sobre o que poderia
ser considerado adequado socialmente. Neste caso a ausência de
responsabilização criminal se daria também a partir da subsidiariedade do
Direito penal, pois não cabe ao Direito penal proibir aquilo que outras regras
jurídicas acabam por permitir.
Vejam-se alguns exemplos.
Diz o artigo 9º do Código de Conduta da Alta Administração
Federal aprovado em 21 de agosto de 2000:
o
Art. 9 É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de
autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver
reciprocidade.
Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste artigo os
brindes que:
I - não tenham valor comercial; ou
II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de cortesia,
propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos especiais ou
datas comemorativas, não ultrapassem o valor de R$ 100,00 (cem reais).”

Já o Decreto 43.385/2004 que dispõe sobre o Código de


Conduta Ética do Servidor Público e da Alta Administração Estadual do
Estado de Minas Gerais, precisamente em seu artigo 6º, inciso VIII, reza que
é vedado ao servidor público “aceitar presentes, benefícios ou vantagens de
terceiros, salvo brindes que não tenham valor comercial ou que, sendo
distribuídos a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por

622
KINDHÄUSER, Urs. Presupuestos …, p. 6.
180

ocasião de eventos especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o


valor de um salário mínimo”.
Estes critérios se apresentam ainda mais interessantes se
relembrado que a legislação brasileira pune o mero recebimento ou aceitação
de vantagens indevidas por parte do servidor público, independentemente da
prática ou não de ato de ofício. Dessarte, ao tempo em que o valor da
“propina” não foi estipulado para acima do previsto nos códigos de ética que
incidem sobre cada servidor, ao menos tais valores criam valorosas barreiras
à incidência da norma penal que, associadas ao princípio da adequação
social, permitiriam a separação dos fatos a sofrerem a responsabilização de
natureza criminal.
E, realmente por fim, deve ser levada em consideração a
provável relação entre quantidade ou valor da vantagem indevida e o ato
praticado, pois quanto maior a ilicitude do ato 623, maior a vantagem requerida,
com o que novamente se vê o ato de ofício como elemento fundante da figura
base de corrupção e que contribui para um tipo penal de interpretação mais
segura e alheia a subjetivismos. Não deixa de ser verdadeira também a
conclusão de que quanto maior o benefício econômico gerado ao particular a
partir do ato, maior também a vantagem passível de solicitação por parte do
funcionário público.
Como conclusões parciais se teriam:
(i) para o direito brasileiro a vantagem indevida não
necessariamente precisa ter cunho econômico;
(ii) nos casos de corrupção ativa o valor/quantia da vantagem
indevida deve ser analisada a respeito de sua idoneidade para corromper, ou
seja, para oferecer um perigo à imparcialidade do servidor, sendo idêntico o
raciocínio a ser empregado nas hipóteses de corrupção passiva bilateral
(receber ou aceitar promessa da vantagem oferecida ou prometida pelo
particular com alusão a um específico ato de ofício);

623
Que nos dizeres de REISMAN se enquadriam nos subornos de variação, estes
comumente detentores da característica de se buscar a suspensão ou a não aplicação de
uma norma. Conclui o autor: “Hasta donde la ley es vista como una técnica para asegurar
una pauta autorizada de producción y distribución de valores en una comunidad, el soborno
de variación frustra la técnica para los que están dotados de poder y riqueza, y es llevado a
cabo por ellos.” REISMAN, W. Michael. Remedios …, p. 153.
181

(iii) nos casos de corrupção passiva unilateral, ante a ausência


de expressão menção ao ato de ofício, a solução do direito português, no
sentido de normatizar a exclusão da tipicidade em casos de adequação
social, transparece suficiente e indicada para o direito brasileiro, porquanto,
embora vaga, fornece possibilidades seguras de não imposição de pena em
alguns casos.

3.7. As penas cominadas aos delitos de corrupção ativa e passiva. Natureza


e quantidades.

É fato que a corrupção, independentemente de sua vertente ativa


ou passiva, não se insere na criminalidade responsável por preencher as
vagas do sistema penitenciário e o imaginário da sociedade a respeito dos
delitos merecedores da pena privativa de liberdade. Justamente por isso, e
por outros fatores de índole política e econômica, pode-se passar a ideia de
relativa tolerância estatal nas esferas legislativa e judicial.624
Contudo, a respeito das consequências jurídicas do delito a
serem impostas às práticas de suborno há de se pensar, seja sob a ótica da
legislação vigente ou, ainda, da legislação vindoura, sobre a adequação 625
das medidas adotadas justamente para que as penas possam cumprir a sua
função. Tratar nesta sede acerca das funções 626 da pena seria tarefa
indevida, à beira do impossível e, inclusive, inadequada. Imprescindível,
contudo, se partir de uma premissa e a premissa aqui adotada é a da
correlação bem jurídico <<imparcialidade>> e consequências jurídicas do
624
Cf. REBOLLO VARGAS, Rafael; CASAS HERVILLA, Jordi. El proceso penal y la
investigación de la delincuencia económica. In: La delincuencia económica: prevenir y
sancionar. Mercedes García Arán (directora). Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 359.
625
Cf. QUERALT, Joan J. Reflexiones ..., p. 20.
626
A respeito vide obrigatoriamente NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena.
6ª ed. Rio de Janeiro: 2014; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena.
São Paulo: Manole, 2004; MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2000; PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de;
CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral e especial. 14ª
ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015; BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte
Geral. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015; ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Madrid:
Civitas, 1997; HASSEMER, Winfried. Por qué y con qué fin se aplican las penas? In:
Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoría de la imputación el derecho
penal. Santa Fé de Bogotá: Editorial Temis, 1999.
182

delito. Acima já teria sido ponderado que a finalidade do Direito penal, o que
no caso reflete inclusive na finalidade e no fundamento da existência dos
tipos penais de suborno, é a proteção de determinados bens jurídicos. Deste
modo, a função da pena deve ser a mesma, ou seja, proporcionar, tanto no
modelo hipotético traçado pela norma quanto em casos práticos, o necessário
auxílio à proteção da imparcialidade do servidor público.
Neste sentido opina BUSATO:
“A proteção seletiva de bens jurídicos é a forma de controle social das
situações intoleráveis. Este é reconhecido pela doutrina como o fundamento,
a justificativa, a razão de existir do direito penal. Ora, se esse é o móvel e o
filtro da dogmática jurídico-penal, deve ser também da consequência de sua
aplicação. Ou seja, a missão do Direito penal deve obrigatoriamente coincidir
com a missão da pena. Se as normas penais se estabelecem, de regra,
através de preceitos e sanções, e o conteúdo dos primeiros é que determina
o sistema de imputação, até por uma questão de coerência interna da própria
norma, deve haver coincidência entre os fundamentos da pena e do Direito
penal.”627

Ainda como premissa, há de serem inseridas formas pelas quais


o Estado possa realizar a proteção eficaz do bem jurídico, com a evidência de
que esta eficácia há de estar condicionada aos direitos e garantias 628 do
imputado como cidadão. Dessarte, ainda que se concorde que a missão da
pena é mesmo tutelar o bem jurídico <<imparcialidade>>, as formas pelas
quais este abrigo será exercido se dará pela proibição das condutas e
consequente previsão de sanções e demais consequências penais
obrigatoriamente aptas a auxiliar no controle do intolerável.
Com isso, e de maneira a dar melhor fundamento ao controle
social do intolerável, as sanções preconizadas à corrupção só servirão se
forem adequadas a uma correta responsabilização pelo fato cometido, bem
como contenham elementos suficientes a demover futuros atos de corrupção,

627
BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte Geral. 2ª ed., p. 809. Este autor pondera que
qualquer outra finalidade, como “o sentido de castigo da retribuição, a ideia de cura
expressa na ressocialização, a ameaça coercitiva e a motivação à norma são impressões
provocadas como efeito da atuação no sentido de preservação do controle social.” Direito
penal, 2ª ed., p. 809.
628
A noção de eficácia é assumida por ROIG como “atributo da tarefa judicial de aplicação
que logra reduzir ao máximo os danos que a habilitação do poder punitivo causa ao
sentenciado – e consequentemente à própria coletividade.” (…) “…, eficaz é, pois, não
apenas a lei penal ou a pena, mas a própria atividade sancionatória que cumpre seu dever
jurídico-constitucional de minimização da afetação do indivíduo.” ROIG, Rodrigo Duque
Estrada. Aplicação da pena: limites, princípios e novos parâmetros. 2a ed. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 100.
183

características que somente serão desenvolvidas se compreendidas as


práticas delitivas em sua inteireza: o bem jurídico tutelado, a ofensividade da
corrupção e a estrutura típico-criminosa. Aliás, na senda corruptiva não há
como não dar crédito à finalidade preventiva da consequência penal, quanto
mais se considerados os aspectos criminológicos que circundam o autor
desta natureza de delitos. 629
O que há de se buscar no sistema penal, portanto, é o aumento
da capacidade de rendimento das consequências penais impostas aos
autores dos delitos de suborno como parte do sistema direcionado à tutela do
bem jurídico, o que não necessariamente passa pelo recrudescimento 630 das
sanções penais atualmente em vigor, mas sim pela estrita observância de
diversos princípios penais de garantia, entre eles o princípio da
proporcionalidade.
Neste panorama é de se recordar que a estrutura de aplicação
de consequências jurídicas do delito no direito brasileiro se ancora
precipuamente na pena privativa de liberdade. A sanção corporal está
disposta na maioria das normas penais mensurada em uma quantidade
máxima e mínima, o regime de cumprimento de pena é formatado a partir da
quantidade de pena privativa de liberdade recebida pelo agente e a
substituição da pena corporal por restritivas de direitos se baseia na
quantidade da pena privativa de liberdade. Ademais, diversos benefícios
penais são concedidos tendo em conta a pena privativa de liberdade
cominada ou ainda aplicada em concreto, o lapso e forma de contagem da
prescrição dependem da quantidade de pena privativa de liberdade prevista
em lei, entre tantas outras questões. Tudo isso para não mencionar a pena
629
A respeito vide BLANCO CORDERO, Isidoro. La corrupción desde una perspectiva
criminológica: un estudio de sus causas desde las teorías de las actividades rutinarias y de
la elección racional. In: Serta. In Memorian Alessandro Baratta. Fernando Pérez Álvarez
(ed.). Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2004; SHECAIRA, Sérgio Salomão.
Corrupção: uma análise criminológica. In: Direito penal como crítica da pena. Estudos em
homenagem a Juarez Tavares por seu 70º Aniversário em 2 de setembro de 2012. Luis
Greco e Antonio Martins (organizadores). São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 603 a 615.
630
Em que pese a assertiva ter sido direcionada especificamente à corrupção eleitoral, as
palavras de PONTE merece destaque: “Combater a corrupção eleitoral significa, pois, não
apenas recrudescer a lei penal, mas adotar uma série de medidas que guardem
compromisso com o modelo exigido por um Estado Democrático de Direito. A mera
exasperação da lei penal traduz medida simplista, aliada, invariavelmente, à ausência de
políticas de segurança pública e a práticas clientelistas.” PONTE, Antonio Carlos da. Crimes
..., p. 169.
184

privativa de liberdade em si mesma considerada, uma vez que possui papel


relevante na proibição da corrupção strictu sensu em solo brasileiro.
Em relação à pretensa tolerância estatal tem-se que realmente
não passa de ilusão, até porque a quantidade de pena cominada aos delitos
de corrupção ativa e passiva é de 02 a 12 anos de reclusão, podendo ainda
ser majorada em caso de efetiva prática e/ou omissão de ato de ofício que
infrinja o determinado pelas normas aplicáveis à espécie.
Frente ao exposto, o bem jurídico <<imparcialidade do servidor
público>> conta com arsenal suficiente no tocante à quantidade de pena
privativa de liberdade, valendo relembrar que a real intimidação do agente
delitivo se dá não por eventual quantidade de pena cominada ao delito e sim
a partir da menor ou maior probabilidade de ele ver-se realmente processado
e punido. 631
Diante da pena privativa de liberdade cominada às práticas
corruptivas diversas, as críticas são vertidas a partir do filtro da
proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, é possível se concluir pela
inexistência de proporcionalidade entre a gravidade da sanção penal e a
gravidade do delito. Num segundo passo, também se dessume a inexistência
de proporcionalidade entre as próprias figuras delitivas, porquanto se comina
a mesma pena para a corrupção de prática lícita de ato de ofício e para a
prática ilícita da mesma natureza de ato.
No atinente à gravidade da sanção penal, é consabido que na
atividade estatal impera o dever de proteção de bens jurídicos, entre eles a
imparcialidade referida inúmeras vezes, como também a proteção de direitos
individuais, in casu, a liberdade. Adotam-se aqui as ponderações de SARLET
para identificar que o Estado, muitas vezes no afã de concretizar seu dever
de proteção de bens jurídicos, acaba afetando desproporcionalmente direitos
fundamentais, inclusive daqueles que possam estar sendo processados
criminalmente. Diz o mencionado autor:
“Essa hipótese corresponde às aplicações correntes do princípio da
proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das
medidas restritivas de direitos fundamentais que, nessa perspectiva, atuam

631
Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad organizada y sistema de derecho penal.
Contribución a la determinación del injusto penal de organización criminal. Granada:
Comares, 2009. p. 15.
185

como direitos de defesa, no sentido de proibições de intervenção (portanto,


de direitos subjetivos em sentido negativo, se assim preferirmos). O princípio
da proporcionalidade atua, neste plano, (o da proibição de excesso), como
632
um dos principais limites às limitações dos direitos fundamentais (...).”

Numa simples comparação com outros tipos penais funcionais,


por exemplo, o peculato, (artigo 312 do Código Penal) ou a concussão (artigo
316 do Código Penal), verifica-se que a gravidade da sanção cominada aos
delitos de corrupção é muito próxima, senão idêntica, muito embora os tipos
corruptivos se revelem crimes de perigo, o que fatalmente conduziria à
fixação de pena em caráter menor se comparado a delitos de resultado, como
o peculato. Numa leitura mais ampla também se denota que, comparado com
outros delitos de perigo e que tutelam bens jurídicos supraindividuais
igualmente caros à sociedade brasileira, v.g., o delito de poluição, também
assim a quantidade de pena fixada à corrupção é exacerbada. O que dizer,
então, da pena cominada ao tipo de corrupção ativa e passiva se comparado
ao tipo penal de concussão, cujo máximo de pena privativa de liberdade é 04
anos menor do que o máximo cominado à corrupção.
O desproporcional resultado, como não poderia ser diferente, é
catastrófico. Afronta-se o princípio constitucional reitor da República
brasileira, que é a dignidade do ser humano, tal como pondera BOTTINI:
“O exagero, a violência excessiva, o exacerbamento de segurança social,
acabam por mitigá-lo, vez que se constata plasticamente que o próprio Poder
Público afronta expressamente a dignidade daqueles submetidos a seu
controle. Do contrário, a aplicação da pena com respeito à autonomia, com
escopo de oferecer novas oportunidades de convívio social, acaba por
restabelecer a sensação de estabilidade, de respeito aos valores mesmo
633
diante daquele que afetou bens tutelados pelo direito penal.”

Passando por alto da idoneidade e da necessidade de pena,


inclusive privativa de liberdade, às ocorrências que revelem
comprovadamente os atos de corrupção, é realmente o princípio da
proporcionalidade em sentido estrito o ambiente de tensão, este revelador da

632
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos
limites e possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de
insuficiência em matéria criminal. In: Criminologia e sistemas jurídico-penais
a
contemporâneos. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012. p. 209 e 210.
633
BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O princípio da proporcionalidade na produção legislativa
brasileira e seu controle judicial. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.
85, julho/agosto de 2010, p. 273.
186

impropriedade da quantidade de pena contida nas normas brasileiras. Assim,


qual seria a proporção adequada de sanção privativa de liberdade a ser
cominada aos fatos corruptivos? A resposta, como visto, passa pelo filtro do
bem jurídico tutelado e da finalidade penal de controlar o socialmente
intolerável, contudo, este empreendimento há de ser feito mediante sensível
diminuição da quantidade de pena hoje cominada.
Salvo entendimentos contrários, a ofensividade da corrupção
ativa e passiva assim como o bem jurídico que se pretende tutelar não só
propiciam a diminuição da resposta penal privativa de liberdade como
também possibilitam o aumento de novas espécies de pena, conforme se
demonstrará abaixo. Por ora fica anotado o benefício de se respeitar a
subsidiariedade do encarceramento, o que certamente significa privilegiar a
dignidade do jurisdicionado, sem que, com isso, se abra espaço para a
impunidade. A pena privativa de liberdade há de ficar restrita a casos graves,
em especial para aqueles em que a atividade particular e pública tenha
atingido âmbitos especiais de ilicitude, hoje presentes nas figuras majoradas
de corrupção ativa e passiva, observados os demais detalhes do caso
concreto.
Assim é que a proporcionalidade abstrata 634 precisa figurar como
norte legislativo a fim de que a pena não se torne um peso excessivo em
detrimento de um benefício inferior. Na atual legislação brasileira ocorre
justamente este quadro concreto, isto é, sob os auspícios da tutela da
imparcialidade do servidor público estão fixadas penas mais graves do que o
necessário, revelando, no mais das vezes, descompasso entre delito e
sanção.
Sequer se pode falar que a pena privativa de liberdade abaixo de
08 anos é inócua, porquanto tal raciocínio revelaria a crença de que o
aprisionamento em regime semiaberto se equipara ao aberto ou, mais, que
significaria nada aplicar ao condenado. Em um sentido mais direto: pura

634
A respeito vide AGUADO CORREA, Teresa. El principio de proporcionalidad en derecho
penal. Madrid: Edersa, 1999. p. 283 e seguintes e NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios
constitucionais penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2010. p. 210 e 211.
187

manifestação de sanha persecutório-punitiva, com resquícios de


inconstitucionalidade e de Direito penal simbólico.
Concretamente analisada a legislação brasileira, muito embora
não seja uma situação incidente apenas nos delitos de corrupção ativa e
passiva, é fato que o intervalo entre os limites mínimo e máximo da pena
privativa de liberdade existente em tais delitos acaba por prejudicar a real
compreensão e gravidade do desvalor da ação incidente sobre os atos
corruptivos. Trata-se de imagem não concatenada com a realidade, pois
muito embora a pena máxima seja de 12 anos de reclusão, e neste patamar
reservada a atos sensivelmente graves de corrupção ativa e passiva –
quando não necessariamente presente a agravante da reincidência, pois sem
esta dificilmente se atingirá esse patamar – é evidente que a pena será
imposta a partir de 02 anos e apenas em casos mais graves será fixada em
patamar superior a 04 anos.
Como visto acima, é apenas maior a probabilidade de a pena
superar 04 anos de reclusão em casos em que efetivamente a corrupção
ativa e passiva envolvam de fato a prática indevida de ato de ofício ou ainda
a sua omissão ou atraso proposital, redundando naquilo que se compreende
por corrupção ativa e passiva próprias.
Eis aí um grande inconveniente e que deveria ser alterado 635 em
futura legislação penal, porquanto prejudica a real compreensão da resposta
penal brasileira. Ora, não é correto que o Estado-juiz tenha os mesmos
parâmetros para o estabelecimento de sanções para atos de corrupção
diametralmente opostos, a saber: oferecer vantagem indevida a funcionário
público para praticar um ato de ofício devido e regular não pode nem deve ter
a mesma pena (ainda que no plano hipotético) do ato de oferecer vantagem
indevida para a prática de atos irregulares e, por si só, contrários à
legislação.
Idêntico comentário pode ser direcionado à corrupção passiva e
por meio do seguinte exemplo: o oficial de justiça “A” que solicita vantagem
indevida para realizar a citação de determinada parte em processo judicial
635
Esta alteração, contudo, não está prevista sequer no Projeto de Código Penal (Projeto de
Lei n. 236/2012 do Senado Federal). Neste projeto o artigo 276 mantém o equívoco acima
retratado, deixando de graduar as sanções a partir de suas notórias diferenças.
188

está sujeito à mesma pena do oficial de justiça “B” que solicita vantagem
indevida para deixar de citar determinada parte em processo judicial.
Evidentemente que há saída prática, qual seja a ponderação dos vetores do
artigo 59 do Código Penal, mais precisamente no vetor “motivos” ou ainda no
vetor “circunstâncias”, devendo o Julgador fixar penas distintas para os
exemplos acima ventilados. 636
Contudo, muito embora a tarefa de criminalização secundária
possa preencher e resolver os problemas e deficiências hoje existentes, é o
caso de se reconhecer que a atividade de criminalização primária possui
importância absolutamente relevante para distinguir, do ponto de vista da
sanção penal abstratamente cominada, situações cujo desvalor devem ser (e
são) notoriamente distintos.
Relegar apenas ao momento de fixação da pena a distinção
entre corrupção para ato lícito e corrupção para ato ilícito é menosprezar as
funções do princípio da legalidade em suas acepções de estrita taxatividade.
E mais. É desconhecer que a colocação em perigo do bem jurídico tutelado
(imparcialidade do servidor público) há de merecer um plus de reprovação
nas hipóteses em que o objetivo da corrupção é a prática de atos de ofícios
de maneira irregular (contra legem ou mesmo a abstenção de sua prática).
Assim, a diferença quantitativa de pena entre a corrupção própria
e corrupção imprópria, passivas ou ativas, não se baseia em critérios
adequados de reprovação, pois deixa um severo e indesejado hiato ante a
falta de escalonamento de corrupção imprópria para ato lícito e corrupção
imprópria para ato ilícito (ou sua abstenção). 637

636
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 50.
637
No tocante à fixação da pena críticas são lançadas à política da denominada “pena
mínima”, ainda que a partir de premissas diversas. A respeito vide o posicionamento de
NUCCI: “Há muitos anos temos estudado e constatado o fenômeno generalizado no
Judiciário brasileiro no tocante à denominada política da pena mínima. Não há cabimento
para se manter a pena dos réus, em geral, no mínimo legal, quando se deve seguir,
fielmente, o princípio constitucional da individualização da pena (art. 5.º, XLVI, da CF/1988).
A pena padronizada é avessa à Constituição Federal, devendo ser evitada e combatida. Não
se quer, com isso, defender equívoco inverso, consistente numa política da pena máxima.
Pretende-se sustentar a política da pena justa, perfeitamente ajustada ao mandamento
constitucional da individualização da pena. Para tanto, todos os elementos constantes do
Código Penal, para firmar a pena concreta, necessitam ser utilizados pelo julgador. Desde a
detalhada avaliação das circunstâncias judiciais, previstas no art. 59, passando por todas as
agravantes e atenuantes (arts. 61 a 66), até chegar às causas de aumento e diminuição da
pena, todas as etapas merecem acurada análise no momento da condenação. Sem dúvida,
189

Para além de um efeito intimidador (prevenção geral negativa)


que a norma penal há de cumprir perante a sociedade, pode-se indagar qual
o efeito efetivamente atingido pela pena privativa de liberdade em delitos
deste jaez. Deixando de lado qualquer finalidade retributiva – muito embora
prevista na lei penal brasileira, de impor um mal em resposta a determinado
malfeito realizado pelo agente corrupto –, transparece que a pena privativa de
liberdade não pode ser a única, sob pena de não desestimular servidores
públicos e os particulares propensos à realização dos crimes de suborno.
É evidente que o cerceamento de liberdade ocupa lugar
relevante como alerta ao agente corrupto (que ainda não realizou o crime),
disso não há dúvida. RODRÍGUEZ PUERTA chancela este entendimento:
“La opción preferible, si se quieren respetar los principios esenciales del
derecho penal sin bagatelizar estos delitos, es la de mantener la pena de
prisión moderada pero cierta, respetuosa con el principio de proporcionalidad
y capaz de desplegar efectos preventivos, disuasorios. Se trataría de
incorporar, o mantener, penas de prisión de baja intensidad pero alta
638
frecuencia en su imposición.”

Porém, como o cerceamento de liberdade não pode servir


apenas como ameaça e, uma vez cominado, sim há de ser aplicado nos
casos concretos. A partir daí é que surgem inúmeras dúvidas a respeito do
efeito da privação de liberdade sobre o agente descoberto e efetivamente

aplausos merecem os magistrados que deixaram o comodismo da pena mínima, cuja


fundamentação era igualmente esquecida, passando a adotar o raciocínio lógico para fixar a
pena concreta, na exata medida do merecimento de cada réu.” NUCCI, Guilherme de Souza.
O princípio constitucional da individualização da pena e sua aplicação concreta pelo STF no
caso Mensalão. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 933, julho de 2013. p. 246. Em
outro vértice surge o ponderado por ROIG: “Trata-se, enfim, de um processo de
desconstrução do dogma da “pena mínima”, presente na concreção dos preceitos
secundários dos tipos penais e que representa a essência do dever jurídico-constitucional
de redução da intensidade da afetação individual. Parte desse processo deve-se à direta
associação entre o quantum penal e a satisfação das idealizadas finalidades de prevenção e
reprovação. Nesse aspecto, crê-se que a injunção da pena mínima importa em retribuição
insuficiente ou em deficitária prevenção de delitos, percepção esta tendente ao progressivo
agravamento do tratamento penal. Parcela significativa deste processo também se deve à
“apropriação da pena” por parte de alguns aplicadores.” ROIG, Rodrigo Duque Estrada.
Aplicação ..., p. 263.
638
RODRÍGUEZ PUERTA, María José. Modelos de prevención y sanción de la delincuencia
económica. Perspectiva comparada. In: La delincuencia económica: prevenir y sancionar.
Mercedes García Arán (directora). Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 385. Favorável à
utilização da pena privativa de liberdade para casos de delinquência econômica, os
argumentos utilizados por Joan BAUCELLS LLADÓS podem ser trasladados para a
corrupção. Neste sentido vide BAUCELLS LLADÓS, Joan. Sistema de penas para la
delincuencia económica en derecho español. In: La delincuencia económica: prevenir y
sancionar. Mercedes García Arán (directora). Valencia: Tirant lo Blanch, 2014. p. 400 e 401.
190

julgado. Que papel ocupa e desempenha esta privação de liberdade sobre o


agente? A tal ressocialização, para além de sobejamente criticada 639, não há
de ser buscada neste caso, porquanto devidamente socializado o agente
está. Via de regra trata-se de pessoa, seja o particular ou o servidor público,
bem relacionada, devidamente inserida no meio em que vive, que não revela
perigo iminente à sociedade, não pratica delitos com violência ou grave
ameaça (do ponto de vista físico-corporal do termo), com o que a pena
privativa de liberdade, se unicamente considerada e aplicada, perde
credibilidade e não supera as expectativas nela depositadas.
Dito isso, e sob o prisma de que à grande soma das práticas
corruptivas dificilmente serão aplicadas penas privativas de liberdade acima
de 04 anos, denota-se que as penas restritivas de direitos assumem papel
importantíssimo. E, dentre as possibilidades que estão à mão do julgador
brasileiro (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de
serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de
direitos e limitação de fim de semana), certamente se destacam as penas de
afetação de cunho pecuniário640 como também aquelas que interditam
temporariamente direitos do condenado.
Em sendo a vantagem indevida o preço da corrupção, o motivo
que possibilita a compra da função do servidor por parte do funcionário
público, notoriamente se verifica ser o delito de suborno vinculado a questões
de índole financeira e econômica. Caso o objetivo da corrupção ativa (e daí a
vantagem indevida nela envolvida aparecer incluída como mero <<custo do
negócio ilícito>>) não seja necessariamente de índole econômica, v.g., a
obtenção indevida de uma autorização do Poder Público para o zoneamento
e comercialização de lotes de terra, que sói ser muito comum, ao menos há
de se vislumbrar na obtenção da vantagem indevida por parte do servidor

639
As críticas podem ser conferidas em MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos
da pena, p. 76 a 86; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Finalidades da pena, p. 86 a
90; ROXIN, Claus. Derecho penal, p. 85 a 89; HASSEMER, Winfried. Introdução aos
fundamentos do direito penal. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005. p. 376
a 385.
640
Cf. SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 185.
191

público um motivo claramente econômico e que o motiva à tomada de


decisões parciais, quando não parciais e ilícitas.
As penas substitutivas de interdição temporária de direitos
também assumem especial relevância.
No tocante ao servidor público, condenado pelo delito de
corrupção passiva, é verdade que tais penas substitutivas não assumem
tamanha importância, uma vez que a consequência acessória prevista no
artigo 91 do Código Penal, vai além da mera proibição temporal. Com isso
não se exclui a possibilidade de o magistrado fixar a pena substitutiva de
proibição de exercício de cargo, função ou atividade pública futura (no lapso
temporal a ser cumprido de condenação) bem como, com fulcro no artigo 91
do Código Penal, igualmente determinar a perda do cargo, função pública ou
mandato eletivo.
Já em relação ao particular, atingido por condenação alusiva ao
delito de corrupção ativa, acredita-se que as penas de interdição de direitos
(em especial a contida no inciso II do artigo 47 do Código Penal, qual seja a
proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de
habilitação especial, de licença ou autorização do poder público) cumprem
papel absolutamente relevante, porquanto sobrelevam diversos aspectos da
pena, a considerar a prevenção geral e a prevenção especial. Quanto a
última determinada proibição de direitos incidiria diretamente sobre o agente
corruptor e em favor da sociedade, sem os percalços da pena privativa de
liberdade, mas cumprindo o seu papel de controle social daquilo que o Estado
de Direito não há de tolerar. 641
Neste pormenor (restrição de direitos do cidadão como sanção
de natureza penal) transparece que o Direito penal está relativamente
atrasado se comparado ao Direito administrativo. Isso porque desde 1992,
vigora a lei de improbidade administrativa que prevê, entre outras penas, a
proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazo
variável e que pode chegar, em situações-limite, até dez anos.

641
BUSATO, Paulo. Direito Penal. Parte geral. 1ª ed., p. 810.
192

Eis aí um regramento até mais severo do que o previsto nas


penas substitutivas para o Direito penal atual, mas com capacidade de
rendimento muito maior, porquanto atinge direta e individualmente o
sentenciado, quando não se associa de maneira bem clara a relação sanção
versus bem jurídico protegido.
No mesmo sentido, os efeitos de prevenção geral negativa são
atingidos sem o ônus desnecessário da obrigatória privação de liberdade, até
porque um raciocínio bastante comum é o de que o sentenciado à pena
privativa de liberdade, justamente por estar preso, ao menos naquele período
em que encarcerado, não mais poderia cometer o delito pelo qual foi
condenado, o que na verdade, em tantas situações, não passa de uma ilusão.
Possivelmente um defeito de todo o sistema de execução de
pena brasileiro seja a ausência de um rígido acompanhamento daqueles
submetidos às penas restritivas de direito. Particularmente, em relação à
corrupção esta desatenção merece ser revista, até para abrir mão da pena
privativa de liberdade (sempre que isso for viável e justo ao caso concreto)
sem se perder a efetividade da sanção penal.
Associada à pena corporal está a pena de multa, esta
parametrizada pelos moldes presentes no Código Penal, isto é, de 10 a 360
dias-multa, fruto da apreensão do desvalor da ação e do resultado da prática
corrupta e que, assim, deverá amoldar-se de modo paralelo à pena privativa
de liberdade. Já o valor do dia-multa há de ser fixado de acordo com a
capacidade econômica do condenado. Toda esta equação (número de dias
multa x valor do dia multa) poderá ainda ser aumentada em até 03 vezes, se
o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, a pena de
multa ainda que aplicada no patamar máximo, é ineficaz.
Cientes de que o número de dias-multa é medido pelo conteúdo
do injusto e pela culpabilidade da ação cometida 642, não há inconveniente
algum em se aumentar o número abstrato de dias-multa cominado aos delitos
de suborno, seja pela característica de busca de vantagens econômicas com
a corrupção, pela natureza dos agentes corruptos e corruptores, seja ainda
pelo especial caráter preventivo geral e especial desta natureza de pena

642
Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 3. 5ª ed., p. 512.
193

patrimonial, de certa forma pouco dessocializante 643. Muito embora este


aumento tenha ocorrido, v.g., na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), sem que
esta tenha perdido a severidade das normas privativas de liberdade, vê-se
que o legislador já se desatrelou, ao menos em uma oportunidade, das
amarras do Código Penal quanto à fixação da pena de multa.
Este binômio pena privativa de liberdade versus pena de multa
passa, desafortunadamente, a ideia de serem as únicas ferramentas à
repressão e prevenção dos delitos de corrupção ativa e passiva.
A bem da verdade são sim as penas em sentido estrito ou, ainda,
as consequências jurídicas do delito em sentido imediato. Contudo, não há de
se olvidar que o Código Penal possui ferramental adicional, e deveras
importante, para a imposição de sanções adequadas à realidade corruptiva.
Está-se falando mais precisamente das consequências jurídicas acessórias
do delito e que a lei penal brasileira classifica como efeitos genéricos e
específicos da condenação.
No que importa à realidade da corrupção, tem-se como efeitos da
condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime
(artigo 91, I, do Código Penal); a perda em favor da União do produto do
crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo
agente com a prática do fato criminoso (artigo 91, II, letra b); a perda de
cargo, função pública ou mandato eletivo (artigo 92, I, do Código Penal),
valendo salientar que a perda do cargo, função ou mandato eletivo não é um
efeito automático da sentença, mas que demanda fundamentação própria
para tanto.
A pena de multa, a obrigação de indenizar os danos causados a
partir das práticas de corrupção e a perda dos produtos e proveitos do crime
possuem inerente proximidade com a decretação de medidas assecuratórias
reais, o sequestro e o arresto de bens, a serem expostos em outro momento
deste estudo (subcapítulos 4.1. e 4.2.). Fica apenas o registro de que as
medidas de política criminal de natureza processual acompanham pari passu,
justamente para dar efetividade à sanção penal, as categorias de Direito
penal substantivo acima mencionadas.

643
Cf. BUSATO, Paulo. Direito penal, p. 838.
194

Para finalizar, as consequências jurídico-penais, principais e


acessórias, devem primar pela efetividade, justeza e inteligência, atentando
para a realidade da corrupção como fato social a ser prevenido e, no caso,
sancionado. Assim é que as restrições outras que não a prisão, ou seja, as
restrições patrimoniais e funcionais (laborais) transparecem como mais
adequadas para o rendimento pretendido, atingindo em cheio aspectos do
cometimento dos delitos de suborno, desde que devidamente controladas e
aferido o seu cumprimento pelos órgãos de execução.
4. MEDIDAS DE POLÍTICA CRIMINAL PARA O ENFRENTAMENTO DA
CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA.

4.1. As medidas cautelares pessoais.

Os institutos e normas processuais penais ostentam importante


função no enfrentamento das práticas corruptivas. Ao contrário de uma estrita
separação entre Direito penal e Direito processual penal, a melhor leitura é a
de perfeita associação dos âmbitos normativos, até porque indissociáveis.
Com extrema felicidade resumiu HASSEMER:
“A posição do sistema jurídico-penal situa-se no campo do controle social, o
sistema jurídico-penal é uma das suas partes. Ele tem os mesmos elementos
estruturais que os outros âmbitos do controle social: norma, sanção,
processo. A norma define a conduta desviante como criminosa, a sanção é a
reação ligada ao desvio, o processo é o prolongamento da norma e da
sanção à realidade.” 644

A partir desta noção de processo como “prolongamento da


norma e da sanção à realidade”, também o processo penal deve servir como
instrumento, justo e atrelado às garantias fundamentais, para que se
desenvolva a tutela da imparcialidade funcional do servidor público.
Obviamente que o apresentado neste tópico é um <<recorte dentro de um
recorte>>, pois o pretendido é tão-somente averiguar o papel e efetividade
das cautelares pessoais, nomeadamente a prisão preventiva, como parte do
sistema jurídico-penal.
Certamente a restrição provisória da liberdade de determinado
implicado em delitos de suborno é um dos mais sublimes momentos da
intervenção judicial sobre um assunto que não é unicamente jurídico. Quer
dizer, a corrupção como fenômeno resvala – abertamente para o público –
para o campo jurídico e, por conseguinte, para o jurídico-criminal, muito
embora sua gênese seja de natureza política e de interesses parasitários
inseridos no tecido social. 645

644
HASSEMER, Winfried. Introdução ..., p. 415.
645
Cf. ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Corrupción…, p. 186.
196

Obviamente que a intervenção judicial, por meio das regras


processuais, não se dá unicamente por meio de medidas cautelares reais e
pessoais, sendo o seu espectro de atuação muito mais complexo e dinâmico:
autorização de produção de provas ainda em sede investigatória
(nomeadamente as costumeiras quebras de sigilo bancário, fiscal e
telefônico), recebimento da acusação formalizada pelo Ministério Público,
instrução do feito e toda uma série de atos judiciais bem conhecidos daqueles
que militam na seara criminal.
Contudo, como mencionado acima, a restrição da liberdade do
implicado no processo judicial, e aqui especificamente do implicado por
delitos de corrupção ativa e passiva e de sua restrição de liberdade antes de
transitada em julgado a sentença condenatória, é momento e providência
emblemática, para além de excepcional, cujos efeitos simbólicos e práticos
são absolutamente notórios.
Ora, em sendo o momento atual um tempo de liminaridade, para
citar as palavras de D´ÁVILA, tempo em que as mudanças sociais,
econômicas, jurídicas e políticas assumem um caráter incomum de
transformação, acaso feito um recorte sobre o tema e isolada a questão das
medidas cautelares pessoais incidentes sobre delitos de corrupção, observa-
se a característica de um “esgotamento do paradigma passado”646, mas sem
se conseguir “perceber com clareza o modelo que começa a surgir” 647.
Decerto que o processo penal cunhado em 1941 (Decreto-lei n.
3689/1941) não foi pensado para o momento atual, sequer aquela sociedade
detinha a preocupação tal como ocorre agora sobre as ocorrências e os
efeitos da corrupção. Muito embora as regras de encarceramento provisório
tenham sofrido recente reforma (Lei 12.403/2011), estas alterações, ao
menos no que respeita à prisão preventiva para delitos de corrupção, foram
de pouca monta. 648
Pouco se pode esperar do Direito penal e do processo penal no
combate à corrupção. Esta afirmação é forte em suas palavras e em seu
646
D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 66.
647
D´ÁVILA, Fábio Roberto. Liberdade ..., p. 66.
648
A partir do momento em que os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal
permaneceram inalterados, a possibilidade de conversão da prisão preventiva em medidas
cautelares diversas surgiu.
197

sentido, com o que parece ser de impossível refutação. Normas penais e


processuais penais sempre chegam tarde 649, após o fato consumado, sendo
este que vai a julgamento. Não se desconhece que a norma essencialmente
penal possui claro intento preventivo geral, mas na prática o tipo penal atinge
condutas já realizadas, atos dos corruptores e dos corrompidos já levados a
efeito e que deste modo merecem ir a julgamento. Por outro lado, a
possibilidade normativa de ser encarcerado, ainda que as minúcias das
regras processuais possam não ser conhecidas a fundo pelos corruptos e
corruptores, faz com que estes ao menos possam repensar, antes da prática
dos atos, o risco de suas atividades futuras.
Tudo isso considerado e reconhecido, o Direito penal e o
processo penal possuem relevante papel, mas certamente residual, neste
combate e nesta “luta”, agora abertos e declarados contra a corrupção.
Portanto, o ponto de inflexão é justamente reafirmar que as
regras processuais atinentes à prisão preventiva, atualmente em vigor, são
harmônicas e propiciam ao processo penal ser eficaz 650, ou seja, que
proporcionem decisões justas em tempo razoável e mediante o respeito aos
direitos fundamentais, ainda que a cautelaridade processual incida sobre
macro processos que, a rigor, contam com influência política e econômica.
Esta harmonia, contudo, só é possível se respeitada a
independência do julgador e, por este, realizada a adequada interpretação e
aplicação das normas vigentes.
Ora, as normas penais e processuais penais ao cuidarem da
atividade de persecução criminal da corrupção, fato delituoso grave e com
efeitos deletérios sobre a sociedade e a economia, cuja intensidade varia
caso a caso. Esta atividade, como se sabe, apenas pode ser exercida pelo
Poder Judiciário, por claro mandamento constitucional.
A atividade jurisdicional, portanto, é de suma importância e não
pode ser substituída por nenhuma outra, até porque outras instâncias e
formas de controle já atuam (atuaram) antes da atividade judicial e possuem
objetivos distintos, como visto, até mais de cunho preventivo do que
649
Cf. QUERALT, Joan J. Reflexiones ..., p. 31.
650
Cf. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime organizado e proibição de insuficiência. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 180.
198

repressivo. Para afirmar o óbvio, não há como sujeitar determinado cidadão a


uma pena, pela prática do delito de corrupção, sem que isso se origine por
meio de um processo judicial democrático, com observância de todas as
garantias previstas na Constituição e nos tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário.
Este processo judicial democrático é comandado por um
julgador, cuja independência e imparcialidade precisam ser ferrenhamente
defendidas e garantidas, sob pena de o processo judicial ostentar várias
características, menos a de democrático, com o que não atenderá aos
ditames constitucionais e perderá completamente a sua legitimidade.
Apenas o Poder Judiciário pode sujeitar determinada pessoa a
um processo judicial e apenas o processo judicial pode sujeitar esta mesma
pessoa a uma pena no sentido estrito-penal do termo, seja ela privativa de
liberdade ou não. O silogismo é realmente direto. Os delitos de corrupção
ativa e passiva não apenas estão inseridos no Código Penal como delitos,
mas estão inseridos como delitos em razão da necessidade de tutela da
imparcialidade do servidor público no desenvolvimento de suas atividades
funcionais. Cometido o delito, este precisa ser averiguado por instâncias
investigativas, procedimentais e de julgamento, cujo controle das garantias
processuais, das regras do jogo e a possibilidade de fixação de pena são do
Poder Judiciário e, em última instância, do julgador de determinado caso
penal.
Portanto, apenas se garantida a independência do Poder
Judiciário é que se garantirá um livre e justo julgamento de todo e qualquer
delito. No caso da corrupção, a garantia desta independência merece maior
relevo, uma vez que o poder político e econômico possui meios eficazes –
que certamente foram e serão futuramente utilizados – de retirar a
independência do Poder Judiciário de maneira a favorecer os implicados.
Quanto mais grave o fato de corrupção processado, maior a pressão que
sofrerá o julgador e maior deverá ser a garantia de sua independência
funcional, dos atos judiciais a serem praticados e do respeito a seu livre
convencimento sofre os fatos objeto de julgamento. Esta mesma
independência do Poder Judiciário tende a ser sufragada pelos meios de
199

comunicação651 que, por sua vez, inundam o imaginário da sociedade,


transformando muitas vezes os fatos em maiores e mais graves do que
realmente são. Inúmeros são os eventos tendentes a retirar a imparcialidade
e a independência do Poder Judiciário e atuam tanto para favorecer a posição
jurídica do imputado quanto para prejudicá-la.
Assim é que a imparcialidade da administração pública, como
bem jurídico, apenas pode ser adequadamente assegurada pelo processo
penal se ao condutor do processo seja garantida a imparcialidade e a
independência.
O segundo aspecto versa diretamente sobre o arcabouço de
medidas cautelares pessoais que podem atingir a liberdade de determinado
envolvido em corrupção ativa ou passiva, a partir da decretação da prisão em
flagrante delito ou da prisão preventiva. Note-se que a prisão temporária,
prevista na Lei 7.960/89, não prevê o delito de suborno dentre aqueles que
ensejam a sua decretação que, na verdade, se assemelha à odiosa prisão
para averiguação, cujo prazo de cinco dias de prisão se torna automático,
quando não é raro vislumbrar o acusado preso por cinco dias sem que
nenhum ato investigativo adicional tenha sido feito pela Autoridade Policial
além da busca e apreensão e da prisão. Este, todavia, não é o objeto da
questão, nem tampouco o é a discussão, sempre interessante, do flagrante 652
preparado e do flagrante esperado, o que ensejaria discussões a respeito da
entrega, oferta e recebimento da vantagem indevida – pactuada ou não –
entre corruptor ativo e passivo.
Na verdade, a discussão das medidas cautelares pessoais, ao
menos nesta sede, resume-se aos fatores dogmáticos, político-criminais e
fáticos sobre a prisão preventiva e uma possível releitura de seus requisitos.
Dessarte, dentro da inarredável necessidade de privilegiar a
independência judicial, está aqui incluída a liberdade e a conveniência de
decretar a prisão preventiva de quem quer que seja. Contudo, tal liberdade é

651
Cf. BACIGALUPO, Enrique. Corrupción política y proceso penal. In: Teoría y práctica del
derecho penal. Tomo II. Madrid: Marcial Pons, 2009. p. 1343 e 1344.
652
A respeito vide obrigatoriamente NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 66 a 68.
200

uma liberdade mitigada 653, porquanto, além de plena atenção aos fatos
trazidos ao conhecimento do magistrado, este está adstrito às regras
processuais que, salvo outro juízo, possuem limites bem claros e evidentes.
Diante do discurso favorável à utilização desmedida das medidas
processuais, capazes de segregar preventivamente todo e qualquer acusado
de corrupção, como se realmente a solução penal imediata e sem processo
fosse a tão sonhada resposta definitiva sobre o tema, corroboram as palavras
de NUCCI: “Embora a corrupção constitua um delito grave, a prisão provisória
do acusado não pode ser decretada automaticamente. Há de se buscar a
existência dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.” 654
E a busca da essência dos requisitos do artigo 312 do Código de
Processo Penal passa, de maneira vinculante, pela exata compreensão da
natureza cautelar da prisão preventiva. Ao contrário do que leigos e não-
leigos possam advogar, a prisão preventiva possui natureza unicamente
cautelar 655 e cujo fim único é de tutelar o andamento processual retilíneo e
sem interferências de terceiros. Bem alerta OLIVEIRA:
“Se a prisão em flagrante busca sua justificativa e fundamentação, primeiro,
na proteção do ofendido, e, depois na garantia da qualidade probatória, a
prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução
criminal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado
autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade da fase de
656
investigação e do processo.”

No mesmo sentido aduz BADARÓ:


“Muitas vezes no curso do processo o fato tempo – ou melhor, a demora para
que se obtenha o provimento final, faz com que seja necessária alguma
medida para assegurar a utilidade e eficácia desse futuro provimento, quando
vier a ser proferido. Assim, as medidas cautelares surgem como um
instrumento que assegura o provimento final. No entanto, como normalmente
a instrução ainda não está concluída, não se pode decidir com base em um
juízo fundado em cognição profunda e exauriente. Decide-se, então, não com
a certeza, isto é, concluindo pela existência ou não do delito, mas de acordo
com um juízo de probabilidade, decorrente do fumus commissi delicti, de que
ao final será aplicado o direito de punir, por meio de uma sentença penal
condenatória. Em suma, a condenação é a hipótese mais provável. Nesse
sentido que se fala de uma instrumentalidade hipotética. Ou seja, a medida

653
Cf. GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
p. 382.
654
NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 41 e 42.
655
Cf. DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 9ª
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 198.
656
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
p. 550.
201

cautelar será um instrumento para assegurar o resultado de uma hipotética


condenação.”657

Dessarte, os requisitos de garantia da ordem pública, da garantia


da ordem econômica, da conveniência da instrução criminal e de assegurar a
aplicação da lei penal precisam (pois do contrário subvertem a natureza da
prisão preventiva, a ponto de transformar o imputado em objeto e não em
detentor de direitos e garantias) respeitar esta natureza cautelar e
provisional 658. Não se prende o acusado preventivamente para se antecipar
punição 659 ou para qualquer outra finalidade 660 que não a tutela da
regularidade processual, justamente para que eventual interessado (o
implicado ou pessoas próximas a ele) torne o processo penal uma fantasia,
um mero joguete de normas, cujo desfecho estará nas mãos do imputado e
não nas mãos do Poder Judiciário.
Daí porque padece de vício insanável a medida de número 09
(#medida9) proposta pelo Ministério Público Federal 661 em sua atual
“cruzada” contra a corrupção. Ali se afirma o seguinte:

657
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2015. p. 938.
658
“Nas prisões cautelares, a provisionalidade é um princípio básico, pois são elas, acima
de tudo, situacionais, na medida em que tutelam uma situação fática. Uma vez desaparecido
o suporte fático legitimador da medida e corporificado no fumus commissi delicti e/ou no
periculum libertatis, deve cessar a prisão. O desaparecimento de qualquer uma das
“fumaças” impõe a imediata soltura do imputado, uma vez que é exigida a presença
concomitante da ambas (requisito e fundamento) para manutenção da prisão.” LOPES JR.,
Aury. Prisões cautelares. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 35 e 36. No mesmo sentido
vide NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 12ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015. p. 559.
659
Cf. DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 198 e 199.
660
No âmbito da operação Lava-jato chamou a atenção, tamanho o absurdo, o
posicionamento do Procurador Regional da República, Dr. Manoel Pestana, no parecer
exarado nos autos de Habeas Corpus n. 5029016-71.2014.4.04.0000 julgado pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, cujo trecho aqui se reproduz: “A conveniência da instrução
criminal mostra-se presente não só na cautela de impedir que investigados destruam
provas, o que é bastante provável no caso do paciente, que lida com o pagamento a vários
agentes públicos, mas também na possibilidade de a segregação influenciá-lo na vontade de
colaborar na apuração de responsabilidade, o que tem se mostrado bastante fértil nos
últimos tempos. Com efeito, à conveniência da instrução processual, requisito previsto artigo
312 do Código de Processo Penal, deve-se acrescer a possibilidade real de o infrator
colaborar com a apuração da infração penal, como se tem observado ultimamente, diante
dos inúmeros casos de atentados contra a administração e as finanças do país. Nesse
propósito, por razões óbvias, as medidas cautelares alternativas à prisão são inadequadas e
impróprias aos fins previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.”
661
Mais detalhes em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas, acesso em 18
de agosto de 2015, às 19h32min.
202

“A #medida9 propõe uma alteração do parágrafo único do art. 312 do Código


de Processo Penal, criando uma hipótese de prisão preventiva para evitar a
dissipação do dinheiro ilícito ganho com crimes. De fato, prevê-se a prisão
extraordinária para "permitir a identificação e a localização ou assegurar a
devolução do produto e proveito do crime ou seu equivalente, ou para evitar
que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou
acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou
insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas".

Não se trata de meras palavras, mas sim de indevida proposta


legislativa com claro propósito de transformar imputado em mero objeto e
instrumento para o justo interesse do Órgão Acusatório para recuperar e
bloquear ativos maculados. Assim, dentre as propostas da Procuradoria Geral
da República, está a reforma do artigo 312 do Código de Processo Penal
incluindo novos parâmetros para o cerceamento preventivo do acusado:
“Art. 312. [...]
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada:
I – em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por
força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4°);
II – para permitir a identificação e a localização do produto e proveito do
crime, ou seu equivalente, e assegurar sua devolução, ou para evitar que
sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado,
quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou
enquanto estiverem sendo implementadas.”

Realmente não se compreende como a prisão preventiva de


determinada pessoa, como o cerceamento de sua liberdade poderia favorecer
a identificação, localização e devolução de valores transacionados na
qualidade de vantagem indevida (preço da corrupção) ou ainda obtidos a
partir da corrupção (efeitos decorrentes dos atos praticados pela
administração pública em favor deste ou daquele particular). Trata-se de mais
do mesmo, porquanto o acusado que continua a praticar delitos (em especial
o de lavagem de ativos pela ocultação dos valores), ou ainda busca tumultuar
a investigação, poderá ter sua prisão preventiva já a partir das regras atuais,
sem a necessidade da indevida reforma pretendida.
A respeito dos indícios de materialidade e autoria, representados
pelo termo fumus commissi delicti662, e também a respeito dos indícios de

662
De acordo com RANGEL o fumus commissi delicti seria “representado pelas expressões
prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria. Prova de existência do crime
refere-se à materialidade do ilícito penal, ou seja, a existência do corpo de delito, que
deverá ser atestada pelo laudo pericial, documento ou prova testemunhal idônea. Indícios
suficientes de autoria não são provas contundentes, robustas e que geram a certeza
203

conveniência da instrução processual e aplicação da lei penal, ao menos do


ponto de vista hipotético, não trazem maiores problemas interpretativos.
O tema, por óbvio, é conturbado. Mais conturbado ainda ao se
verificar um caso concreto, porquanto em sendo dialógico o processo penal,
este será sempre um processo de partes. Contudo, ressalvado o aspecto de
diversidade de interesses entre acusação e defesa, a instrumentalidade
prevista e incidente sobre os requisitos de conveniência da instrução
processual e também de aplicação da lei penal está, salvo melhor juízo,
bastante assentada na doutrina 663 e na jurisprudência 664 pátria. Há quem diga,
inclusive, que estes seriam os únicos requisitos constitucionais e
“verdadeiramente cautelares, na medida em que se destinam ao processo, a
assegurar o regular e eficaz funcionamento do processo penal.” 665
A mesma pacificação doutrinária não incide sobre os requisitos
de garantia da ordem pública e garantia da ordem econômica, e isso
independentemente do delito averiguado em concreto.
A garantia da ordem econômica pode ser invocada para a
decretação da prisão preventiva para casos de corrupção, muito embora seja
sabido que o delito de suborno não ostenta a qualidade de crime econômico
strictu sensu666 nem tampouco está inserido nas leis comumente
mencionadas pela doutrina tal como aduz RANGEL:
“A Lei n. 8.884/94 de 11/6/1994, em seu art. 86, incluiu no art. 312 do CPP a
expressão ordem econômica, ou seja, quis permitir a prisão do autor do fato-

absoluta de autoria do indiciado ou acusado. Bastam apontamentos de que o indigitado ou


acusado é o autor do fato. Elementos que apontem a fumaça no sentido de que o acusado é
autor do ilícito penal que ora se apura. São indicações. Não é necessário o fogo da certeza,
mas sim a mera fumaça de que ele pode ser o autor do fato.” RANGEL, Paulo. Direito
processual penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 809.
663
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2014. p. 30; DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 201;
GIACOMOLLI, Nereu José. O devido ..., p. 398 e 399.
664
V.g. decisão relativamente recente oriunda do Supremo Tribunal Federal: “Prisão
preventiva. Instrução processual. Surge harmônica com o figurino legal prisão preventiva
alicerçada no fato de os envolvidos no processo virem destruindo elementos referentes aos
ilícitos cometidos, embaralhando, assim, a instrução.” (STF – HC 114056/ES – Rel. Exmo.
Min. Luiz Fux – 1ª Turma – DJe 04.09.2013)
665
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 656. O
mesmo entendimento está exposto em LOPES JR., Aury. Prisões ..., p. 118.
666
Em sentido obrigatório conferir BALDAN, Édson Luís. Fundamentos do direito penal
econômico. Curitiba: Juruá Editora, 2012 e SCHMIDT, Andrei Zenkner. A delimitação do
direito penal econômico a partir do objeto do ilícito. In: Crimes financeiros e correlatos
(Celso Sanchez Vilardi, Flávia Rahal Bresser Pereira e Theodomiro Dias Neto). São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 19 a 77.
204

crime que perturbasse o livre exercício de qualquer atividade econômica,


com abuso do poder econômico, visando à dominação dos mercados, a
eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. A prisão para
garantir a ordem econômica poderá ser decretada se se tratar de crimes
previstos nas Leis ns. 8.137/1990, 8.176/1991, 8.078/1990 e 7.492/86 e
demais normas que se referem à ordem econômica, como quer o art. 170 da
667
Constituição Federal e seguintes (c/c art. 20 da Lei 8.884/1994).

Nada obstante, os efeitos econômicos podem estar presentes em


casos desvelados de corrupção, isso em maior ou menor intensidade. Grosso
modo, compreendida a corrupção como fenômeno, evidentemente que ela
traz consigo consequências negativas de cunho econômico. 668 Isso não há
como negar. O que aqui se discute é se a garantia da ordem econômica pode
servir como requisito para o cerceamento de liberdade de determinado
imputado.
Com o devido respeito àqueles que pensam de maneira
diversa669, o problema incide não na interrelação entre delito de corrupção e
requisito de garantia da ordem econômica para a decretação da prisão
preventiva, mas sim no próprio requisito em si. Apoiar-se no movediço
requisito de garantia da ordem econômica apenas favorece a decretação de
uma prisão preventiva sem apoio concreto algum. Primeiro, porquanto
garantir a ordem econômica não parece estar ao alcance do magistrado, mas
sim de outros órgãos de natureza econômica. A dois, porque de tão
inconclusivo tem-se que não se trata de requisito hábil para o cerceamento da
liberdade de um cidadão, quanto mais se este cerceamento se dá sob um
panorama de indícios precários, eis que antecedem a sentença condenatória
que sempre se dá após o livre exercício do contraditório e da ampla defesa. A
três, porque a garantia da ordem econômica nada mais é do que um recorte
sobre o tema garantia da ordem pública, nada dizendo para além disso. A
quatro, porque, salvo prognósticos imprecisos, no momento da decretação da
prisão preventiva não se tem condição de determinar se a liberdade de

667
RANGEL, Paulo. Direito ..., p. 808.
668
A respeito dos efeitos de natureza econômica vide item 1.4.2. supra.
669
“Não é possível permitir a liberdade de quem retirou e desviou enorme quantia dos cofres
públicos, para a satisfação de suas necessidades pessoais, em detrimento de muitos, pois o
abalo à credibilidade da Justiça é evidente. Se a sociedade teme o assaltante ou o
estuprador, igualmente tem apresentado temor em relação ao criminoso do colarinho
branco.” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 555.
205

determinado imputado favorecerá a tutela da ordem econômica, aliás, cujo


conceito, como dito acima, é vago, impreciso e, portanto, inconstitucional.
BADARÓ argumenta no seguinte sentido:
“A prisão para garantia da ordem econômica não é, tal qual aquela para
garantia da ordem pública, uma medida de natureza cautelar. Não se destina
a ser um instrumento para assegurar os meios (cautela instrumental) ou
resultado do processo (cautela final). Ao contrário sua finalidade é permitir
uma execução penal antecipada, visando aos fins de prevenção geral e
especial, próprios da sanção penal, mas não das medidas cautelares.” 670

Já OLIVEIRA salienta:
“Em primeiro lugar, acreditamos que a referência expressa à garantia da
ordem econômica seja absolutamente inadequada, não resistindo a qualquer
análise mais aprofundada que se faça sobre ela. Aliás, semelhante
modalidade de prisão foi incluída no art. 312 do CPP, pela Lei 8.884, de 11
de junho de 1994, a chamada Lei Antitruste, que cuida de ilícitos
administrativos e civis, contrários à ordem econômica, revogada já pela Lei n.
12.529/11.
(...)
Parece-nos, contudo, que a magnitude da lesão não seria amenizada e nem
diminuídos os seus efeitos com a simples prisão preventiva de seu suposto
autor. Se o risco é contra a ordem econômica, a medida cautelar mais
adequada seria o sequestro e a indisponibilidade dos bens dos possíveis
responsáveis pela infração. Parece-nos que é dessa maneira que se poderia
melhor tutelar a ordem financeira, em que há sempre o risco de perdas
671
econômicas generalizadas.”

E, por fim, ponderam PACELLI e FISCHER:


“Ora, ao menos em linha de princípio, não vemos como a segregação
cautelar de alguém possa garantir a estabilização da economia, no que toca
à proteção do mercado consumidor, sempre sujeito às flutuações e
manipulações de preços resultantes de operações estratégicas entre grupos
e forças produtivas (econômicas). A não ser que a prisão seja absolutamente
indispensável para evitar que a pessoa, em liberdade, possa continuar a
realizar as mesmas manobras danosas à economia. No entanto, diante da
complexidade administrativa e da organização hierarquizada de tais
empreendimentos, duvidamos da eficácia da medida prisional para tais
finalidades. Uma curiosidade: a inclusão da motivação associada à garantia
da ordem econômica decorreu da Lei n. 8.884/94, que trata de ilícitos
administrativos e civis, no âmbito da legislação econômica antitruste. Melhor
que a prisão seria a pronta intervenção no mercado por parte das
672
autoridades econômicas do país.”

Inclusive, ao se aceitar a ordem econômica como requisito


suficiente e adequado para a decretação da prisão preventiva, ter-se-ia que

670
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo ..., p. 981.
671
OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso ..., p. 555 e 556.
672
PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ao código de processo penal e sua
jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 674.
206

concordar com a decretação de uma medida cautelar que nenhuma função


instrumental teria para a tutela do processo, mas sim numa medida cautelar
que, transformando o acusado de sujeito de direitos a um objeto nas mãos do
Estado, sob o panorama de que a liberdade daquele serve ao objetivo
pretendido pelo Estado de se tutelar a ordem econômica e não o bem jurídico
em si mesmo considerado. Portanto, a instrumentalidade cautelar sai de cena
e pode ser encarada como uma caricata673 medida de política de segurança,
ao custo de se retirar a liberdade (seja no plano hipotético, seja no plano
prático) de pessoas que, se devidamente analisada a finalidade da prisão
processual, não mereceriam o cárcere, ao menos de maneira provisória.
Já o critério de maior abertura para a decretação da prisão
preventiva é sem dúvida o da garantia da ordem pública. Bem por isso é o
mais discutido e, inclusive, criticado. Mesmo aqueles que concordam com a
constitucionalidade de tal requisito assinalam que o legislador ao editar a Lei
12.403/2011 perdeu grande oportunidade de aniquilar a vagueza e imprecisão
deste requisito, substituindo-o por outro mais adequado.
Tamanha é a crítica incidente sobre a “garantia da ordem
pública” como sendo argumento suficiente a encarcerar preventivamente
determinado acusado que a doutrina pátria se divide praticamente em três
vertentes: a) aqueles 674 que assinalam que o argumento é substancialmente

673
Sempre atual a crítica de HASSEMER: “O resultado dessa forma de discussão é uma
caricatura da real situação e de suas exigências: Política criminal reduz-se a política de
segurança, o aspecto da segurança da liberdade é argumentativamente negligenciado, não
existe uma proposta progressista de segurança pública, os problemas que nós temos com
essa segurança são apresentados unilateralmente e veem-se reduzidos aos desejos
policiais de exacerbação e aplicação dos meios de combate ao crime.” HASSEMER,
Winfried. Direito penal: fundamentos, estrutura, política. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris
Editor, 2008. p. 264.
674
Ferrenho defensor da inconstitucionalidade é Aury LOPES JR.: “É importante fixar esse
conceito de instrumentalidade qualificada, pois só é cautelar aquela medida que se destinar
a esse fim (servir ao processo de conhecimento). E somente o que for verdadeiramente
cautelar é constitucional. (...) Nesse momento, evidencia-se que as prisões preventivas para
garantia da ordem pública ou da ordem econômica não são cautelares, e, portanto, são
substancialmente inconstitucionais. Trata-se de grave degeneração transformar uma medida
processual em atividade tipicamente de polícia, utilizando-as indevidamente como medida
de segurança pública. A prisão preventiva para garantia da ordem pública ou econômica
nada tem a ver com os fins puramente cautelares e processuais que marcam e legitimam
seus provimentos.” LOPES JR., Aury. Direito ..., p. 648. No mesmo sentido se apresentam
obras inclusive citadas por LOPES JR. tais como DELMANTO JUNIOR, Roberto. As
modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.
83 e SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da
prisão preventiva. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez, n. 10. p. 114;
207

inconstitucional, sem chances para interpretação apta a resgatar o aludido


requisito; b) aqueles 675 que assinalam que o argumento é constitucional, mas
o restringem à ideia de reiteração criminosa a partir de uma interpretação
conforme a Constituição e, por fim, c) aqueles 676 que acordam com sua

ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: a bricolagem de significantes. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2006. p. 26.
675
Aqui cabem as palavras de Douglas FISCHER e Eugenio PACELLI: “O que estamos a
dizer é: a interpretação conforme a Constituição se revela poderoso e necessário
instrumento de revalidação de regulações normativas de grande importância no cotidiano
nacional, e cujo desaparecimento (pela invalidade, por inconstitucionalidade) causaria males
de idêntica dimensão àqueles produzidos sob seu signo (das citadas normas reputadas
inconstitucionais). (...) Por isso acreditamos que uma interpretação conforme a Constituição
pode e deve ser feita em relação à prisão para garantia da ordem pública, de tal maneira
que: I – somente se admita a prisão quando se tratar de crimes de natureza grave, sem
prejuízo dos limites impostos no art. 313, I, CPP. A gravidade, em princípio, seria deduzida
da pena cominada; II – a natureza do crime deve apontar ou indicar a possibilidade concreta
de reiteração criminosa, segundo seja a experiência do conhecimento humano de cada
época. Crimes sexuais, homicídios e lesões corporais graves, como parte de estratégias
econômicas, organizações criminosas voltadas para atividades de grande risco de danos às
pessoas, a tortura, o tráfico de drogas, enfim, toda essa gama de crimes para os quais o
constituinte demonstrou claramente o alto índice de sua reprovação, ostentam esse perfil.
Em tese, é claro. (...) Negar o risco de reiteração criminosa, ou, e mais, negar a
possibilidade de certos prognósticos quanto a essas conclusões, é o mesmo que retroceder
sempre e permanentemente, a uma ideia originária e fundamentadora da dignidade humana,
sem os condicionantes da civilização moderna.” PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas.
Comentários ..., p. 672 e 673. Na mesma linha está BADARÓ ao declarar: “Portanto, a única
interpretação que, de maneira menos imperfeita, poderia compatibilizar o art. 282, caput, I,
com o caput do art. 312 é considerar que a prisão preventiva para “garantia da ordem
pública” representa um dos casos expressamente previstos em que a medida, por exemplo,
a prisão, é decretada para evitar a prática de infrações penais. Ou seja, mesmo para
aqueles que admitem a constitucionalidade da prisão para garantia da ordem pública, sua
aplicação tem que ficar restrita aos casos em que se busca evitar a reiteração criminosa.
Em outras palavras, o inciso I do caput do art. 282 impede que se identifiquem, como
hipóteses de garantia da ordem pública, situações como exemplaridade, pronta reação ao
delito, aplacar o clamor público de proteção da própria integridade física do acusado, entre
outras que a vagueza da expressão “ordem pública” possibilitava.” BADARÓ, Gustavo
Henrique. Processo ..., p. 979 a 981.
676
Aqui o referencial é NUCCI, o qual conta com amplo assento na jurisprudência pátria: “A
garantia da ordem pública é a hipótese de interpretação mais ampla e flexível na avaliação
da necessidade da prisão preventiva. Entende-se pela expressão a indispensabilidade de se
manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este
for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de
muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento de sua realização um forte
sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento
do agente. A garantia da ordem pública pode ser visualizada por vários fatores, dentre os
quais: gravidade concreta da infração + repercussão social + periculosidade do agente. Um
simples estelionato, por exemplo, cometido por pessoa primária, sem antecedentes, não
justifica histeria, nem abalo à ordem, mas um latrocínio repercute negativamente no seio
social, demonstrando que as pessoas honestas podem ser atingidas, a qualquer tempo, pela
perda da vida, diante de um agente interessado no seu patrimônio, elementos geradores,
por certo de intranquilidade. Note-se, ainda, que a afetação da ordem pública constitui
importante ponto para a própria credibilidade do Judiciário, como vêm decidindo os tribunais
pátrios.” NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 553. No mesmo
sentido vide RANGEL, Paulo. ..., p. 807; DEMERCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge
Assaf. Curso ..., p. 200 e 201.
208

constitucionalidade e com a adequação inclusive de sua nomenclatura, pois


alegam ser plenamente possível alcançar o seu real significado a partir do
próprio termo “garantia da ordem pública.”
Evidente que a filiação a algum dos posicionamentos acima parte
também da concordância (ou não) sobre a possibilidade de a prisão
processual, em seu gênero preventiva, possa se dar fora dos moldes de um
processo cautelar, quer dizer, toma-se por inconstitucional justamente em
razão de que a garantia da ordem pública não funciona como um instrumento
a tutelar o andamento regular do processo, mas sim a finalidades diversas e
alheias à regularidade processual. De outro lado, há aqueles que concordam
que a prisão preventiva pode dar-se sem esta instrumentalidade processual,
servindo a outros interesses e objetivos.
Some-se a isso a carga política e semântica dos delitos de
corrupção strictu sensu, quanto mais associados aos efeitos imputáveis a
esta realidade delitiva, vê-se que a solução pode assumir diversos contornos,
todos, contudo, defensáveis a partir dos pressupostos e interpretações
lançadas sobre a ínsita realidade e objetivos do processo penal e, por que
não, do Direito penal em si. Não se trata de decisão isolada, mas sim atrelada
à concepção de qual é a real função exercida pelas normas penais e
processuais penais em um Estado de Direito, especificamente o brasileiro.
Há, no entanto, saída para tão intrincada questão, e que se dá
por meio de análise dos princípios que norteiam a Constituição e as demais
normas incidentes sobre esta questão que, num primeiro momento, pode até
parecer não solucionável.
À partida, o princípio da não presunção de culpabilidade não se
opõe à decretação da prisão preventiva, desde que esta cumpra o seu papel.
Em sentido inverso, a prisão preventiva assume seu papel de proteção ao
processo e, indiretamente, à sociedade, sempre e quando não sirva de
punição antecipada. Se assim é, a gravidade – pura e simplesmente
considerada – seja em hipótese ou em concreto, respeitadas as opiniões
divergentes, nunca poderá fundamentar a prisão processual em sua
modalidade preventiva. Uma coisa é a prisão preventiva ser resguardada
para os delitos assim considerados graves na legislação brasileira (cuja pena
209

máxima supere 04 anos) 677; outra, totalmente diversa, é se agarrar na


gravidade abstrata, ou ainda concreta, de determinado crime para aferir, a
partir deste critério “gravidade” se o imputado será ou não privado de sua
liberdade.
Um silogismo muito claro pode ser realizado: se a execução de
pena privativa de liberdade pressupõe uma sentença condenatória transitada
em julgado, após um processo de partes e que somente será constitucional e
legítimo se for permeado pelo princípio do contraditório e da ampla defesa
(valendo lembrar a incidência do entendimento do Pretório Excelso, mais
precisamente o leading case Habeas Corpus n. 84.078, Relator Ministro Eros
Grau) 678, como alegar a gravidade de um delito, cuja sentença ainda não foi
proferida, para sujeitar o acusado a uma sanção de igual teor e gravidade
(haja vista que os efeitos sobre a liberdade são idênticos)?
Tal conclusão não nega o direito justo nem tampouco o direito de
a sociedade ver julgado adequadamente o imputado. Pelo contrário. O
adequado e o justo passam aqui pelo mesmo filtro constitucional, filtro este
que somente possibilita o exercício jurisdicional discricionário, porém
fundamentado e amparado em outra justificativa de encarceramento
provisório que não a gravidade abstrata ou concreta, in casu, da corrupção.
Tampouco a prisão processual para restabelecimento das
instituições pode fundamentar a prisão preventiva. Impossível negar a
notoriedade da necessária intervenção do Poder Judiciário para a solução
dos casos de corrupção; aliás, abolida está a vingança privada em terras
brasileiras. Esta intervenção judicial diz respeito ao julgamento do caso em si
e na retirada da inércia tão vezes incidente nos órgãos de persecução penal
e na própria magistratura. Contudo, exercer o papel jurisdicional não pode
confundir-se com a decretação de prisão preventiva sob os auspícios de
preservar instituições e a democracia. 679

677
E a lei que conceituou a “organização criminosa”, Lei 12.850/2013, inclusive tipificando
como crime a participação nela, trouxe um reforço a esta definição de crimes graves, ou
seja, cujas penas superem os 04 anos de prisão.
678
Inteiro teor disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531, acesso em 18
de agosto de 2015, às 19h53min. Em sentido abertamente oposto ao decidido no aludido
writ veja-se BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 183 a 186.
679
Cf. ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Control …, p. 396.
210

Sendo a aplicação de pena decorrente de sentença penal


condenatória incerta e futura, note-se bem, a aplicação prematura da prisão
preventiva não pode funcionar de nenhuma forma como uma antecipação das
consequências pretendidas pela acusação, e muito menos pelo juiz, e, da
mesma forma, não pode ser travestida de um intento de controle judicial do
poder político, como se fosse um contrapeso exercido pela função
jurisdicional sobre a função política.
Mais uma vez destaca ANDRÉZ IBAÑEZ:
“La jurisdicción como tal no es una función <<contrapeso>> en el sentido
señalado político y fuerte de expresión. Porque no se proyecta de forma
sistemática sobre la política como ámbito, no separado de la legalidad, pero
dotado de indudable autonomía; ni se superpone a ella en paralelo, de
manera envolvente. Incide, sólo, sobre actos ya producidos en el marco de la
misma, incluidos, desde luego, los que caigan en el campo de acción de la
680
justicia criminal.”

Ora, nos dias atuais a corrupção – quiçá ainda mais a


macrocorrupção – salta aos olhos de todos os brasileiros, inclusive aqueles
integrantes do Poder Judiciário, como uma chaga, um mal do qual o país não
consegue se libertar e verdadeiramente nocivo a interesses cívicos, morais e
econômicos da sociedade brasileira. Era de se esperar, portanto, decisões
jurisprudenciais descompassadas com a realidade, permissa venia, tal como
a empregada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos de
Habeas Corpus 5029050-46.2014.404.0000/PR julgado no âmbito da
atualíssima operação denominada “Lava-jato” 681:
“3. A complexidade e as dimensões das investigações relacionadas com a
denominada Operação Lava-Jato, os reflexos extremamente nocivos
decorrentes da infiltração de grande grupo criminoso em sociedade de
economia mista federal, bem como o desvio de quantias nunca antes
percebidas, revela a necessidade de releitura da jurisprudência até então
intocada, de modo a estabelecer novos parâmetros interpretativos para a
prisão preventiva, adequados às circunstâncias do caso e ao meio social
contemporâneo aos fatos.”

Como mencionado acima, as instituições cumprem o seu papel


ao não desbordar seus limites. E o limite da prisão preventiva em seu
requisito de garantir a ordem pública é evitar a reiteração de crimes e não

680
ANDRÉS IBÁÑEZ, Perfecto. Control …, p. 87.
681
Inteiro teor disponível em
http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=7246540,
acesso em 18 de agosto de 2015, às 19h59min.
211

antecipar qualquer espécie de reprimenda ou sanção penal a depender da


gravidade dos fatos levados a julgamento. Não se desconhece que muitas
vezes a gravidade concreta do delito indica com grande grau de
verossimilhança a tese de reiteração criminosa, o que há de chancelar a
decretação da prisão preventiva. Do contrário, ou seja, fundamentar a prisão
preventiva na gravidade concreta do delito (o que se dizer da abstrata,
portanto) enseja incontornável menosprezo ao princípio de presunção de não
culpabilidade.
Dada a atualidade da questão, note-se que não muito tempo
depois o Supremo Tribunal Federal cuidou de restabelecer a normalidade ao
julgar o Habeas Corpus n. 127.186/PR, de relatoria do Exmo. Min. Teori
Zavascki, cujo objeto era o mesmo do julgado imediatamente citado acima:
“(...)
5. A jurisprudência desta Corte, em reiterados pronunciamentos, tem
afirmado que, por mais graves e reprováveis que sejam as condutas
supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da
prisão cautelar. De igual modo, o Supremo Tribunal Federal tem orientação
segura de que, em princípio, não se pode legitimar a decretação da prisão
preventiva unicamente com o argumento da credibilidade das instituições
públicas, “nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento
de indignação da sociedade” (HC 101537, Relator: Min. MARCO AURÉLIO,
Primeira Turma, DJe de 14-11-2011).
6. Não se nega que a sociedade tem justificadas e sobradas razões para se
indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados e de
esperar uma adequada resposta do Estado, no sentido de identificar e punir
os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender que a
credibilidade das instituições, especialmente do Poder Judiciário, somente se
fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito
cumprimento da lei, seja na apuração e no julgamento desses graves delitos,
seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de
inocência, do direito a ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito
dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos
682
estritos casos autorizados pelo legislador.(...).”

Portanto, – inclusive mediante orientação da jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal – há de se privilegiar estrita observação da
necessidade e proporcionalidade da prisão preventiva. Em se apresentando
desnecessária ou desproporcional poderão ter incidência as inserções
trazidas com a Lei 12.403/2011, tais como a proibição de frequentar
determinados lugares, de manter contato com determinadas pessoas,

682
Inteiro teor disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9015980, acesso em 18
de agosto de 2015, às 22h03min.
212

recolhimento domiciliar, fiança, monitoramento eletrônico e acautelamento de


passaporte, as quais em alguns momentos ou processos particulares
parecem ter sido revogadas do ordenamento jurídico pátrio.
O Estado precisa respeitar os limites de seu próprio poder,
inclusive para tornar legítimo o exercício do jus puniendi por meio de
interpretações restritivas e proporcionais 683 das medidas que acautelam o
processo penal como meio legítimo de imposição da punição estatal.
A respeito do possível endurecimento da lei penal no combate à
corrupção disse Cláudia Cruz SANTOS:
“O endurecimento do poder punitivo face à corrupção não só não parece
desigualitário em um contexto de ponderação relativa das criminalizações,
como, pelo contrário, se justifica pela necessidade de protecção de um
tratamento igualitário dos cidadãos no seu relacionamento com o Estado e na
sua actividade económica baseada na liberdade de concorrência. Pretende-
se, neste direito penal de ultima ratio que advogamos, que o Estado puna
menos – mas até para que ele puna como deve e quando deve se impõe a
repressão da corrupção. Tendo em conta a relevância dos valores atingidos
pela corrupção e o quantum de dano que a mesma para ele importa, julga-se
que a criminalização – nos moldes defendidos – é legítima. Será, para além
disso, necessária sempre que os meios preventivos – aos quais se deve
outorgar a prioridade – não tenham funcionado. Caberá de seguida aos
684
aplicadores do direito procurar garantir-lhe a eficácia possível.”

4.2. As medidas cautelares reais.

O processo penal não pode se dar ao luxo de ser obsoleto e


ineficaz frente à criminalidade astuta, moderna e eficaz. Tal conclusão indica
à <<atualização dos instrumentos repressores>> citada por ACCIOLY 685.
Nada obstante, nenhuma atualização expressiva foi feita na legislação

683
Eis a lição de Maurício Zanoides de MORAES: “Tratando-se do âmbito da persecução
penal, no qual os conflitos surgem do entrechoque entre os direitos fundamentais
(individuais) e o interesse persecutório (estatal), a proporcionalidade interfere para
determinar quanto aqueles direitos podem ceder, sem que essa compressão signifique sua
supressão.” MORAES, Maurício Zanoide de. Publicidade e proporcionalidade na persecução
penal brasileira. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Antonio Scarance
Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008. p. 32.
684
SANTOS, Claudia Cruz. Considerações introdutórias (ou algumas reflexões suscitadas
pela “expansão” das normas penais sobre corrupção). In: A corrupção. Reflexões (a partir da
Lei, da Doutrina e da Jurisprudência) sobre o seu regime jurídico-criminal em expansão no
Brasil e em Portugal. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 39 e 40.
685
ACCIOLY, Maria Francisca dos Santos. As medidas cautelares patrimoniais na lei de
lavagem de dinheiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 33.
213

brasileira desde a edição do Código de Processo Penal em 1941, ao menos


no tocante às medidas cautelares reais incidentes sobre os delitos de
corrupção.686
Em especial sobre os delitos de corrupção ativa e passiva é
possível verificar que os objetivos dos atores ilícitos se complementam na
ideia de um acordo sinalagmático. Ao cidadão comum cumpre oferecer a
vantagem indevida em troca de um ato do servidor público que lhe favoreça
(no mais das vezes economicamente). Ao servidor, por sua vez, por
mercadejar com sua função, busca a obtenção de uma vantagem indevida
que, via de regra, será de cunho econômico.
Portanto, transparece correto afirmar, com elevada segurança,
que a corrupção envolve objetivos econômicos a serem alcançados pelo
particular e pelo servidor público. À quebra da imparcialidade do servidor
público está correlata, com muita frequência, a obtenção de ganhos
econômicos ilícitos para ambas as partes intervenientes no delito. 687 O fato de
os tipos penais de corrupção no Brasil e em diversos outros países se
contentarem com a mera proposta ilícita para a consumação do delito não
retira em nada esta capacidade de se antever a conjugação econômico-
financeira do delito de suborno.
Esta realidade, por sua vez, merece ser compreendida pelo
sistema de medidas assecuratórias previsto no Código de Processo Penal e,
inclusive, pela prática processual diária. Assiste razão a BLANCO CORDERO
em manifestação destinada à realidade espanhola, mas que bem serve ao
caso brasileiro:
“La práctica de los Tribunales a la hora de acordar el comiso en supuestos de
corrupción consiste en hacerlo recaer sobre las comisiones (dádivas, regalos)
ilícitamente pagadas al empleado público corrupto. Evidentemente el riesgo
que corre el corruptor cuando paga dichas comisiones es la pérdida de las
mismas. Sin embargo, no es habitual que se decrete el comiso de las

686
É bem verdade que existiram duas reformas pontuais. A primeira, feita em 1998, com a
criação da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), mas que não incide diretamente na
matéria de corrupção e, por outro lado, traz a inversão do ônus da prova, o que é
absolutamente contrário às garantias constitucionais. A segunda alteração foi a promovida
em 2012 (Lei 12.694/2012) e diz respeito à possibilidade de o Juízo decidir pela alienação
antecipada dos bens (artigo 144-A do CPP). Note-se que esta não alterou a forma e
requisitos para o sequestro e arresto, mas tão-somente a destinação dos bens apreendidos.
687
Cf. BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación del comiso en caso de adjudicación de
contratos públicos obtenida mediante soborno de funcionarios públicos. In: Estudios penales
y criminológicos, Santiago de Compostela, vol. XXVII, 2007. p. 40.
214

ganancias que obtiene el corruptor. Esto es frecuente en los casos de


comisiones ilegales pagadas por empresas de la construcción, que obtienen
la adjudicación de contratos de obras públicas, en los que se priva al
empleado público de la comisión ilegal pero no se acuerda ninguna medida
para neutralizar las ganancias generadas para la empresa por la ejecución
688
del contrato.”

Dessarte, as medidas cautelares reais, mais especificamente as


medidas assecuratórias, para que surtam o duplo efeito pretendido a partir
delas, isto é, evitar a ineficácia e obsolescência do processo penal (aspecto
processual-probatório) 689 e proporcionar meios hábeis à aplicação das
consequências jurídico-penais do delito (aspecto de ressarcimento
patrimonial da vítima) 690, devem ser aplicadas e interpretadas
691
adequadamente à realidade dos fatos, aos princípios e garantias
fundamentais e reestruturadas para o atual momento histórico e social.
Isso se torna viável a partir de uma interpretação a partir das
normas penais e processuais penais desde há muito vigentes no país
(proposições de lege lata) e também pela possível inserção de alterações
legislativas (proposições de lege ferenda), sobretudo aquelas propostas pelos
tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Num breve passar de olhos nas medidas cautelares reais
dispostas no Código de Processo Penal se vislumbra o seguinte sistema.
Sobre os objetos diretos do crime a ferramenta processual a ser utilizada é a
apreensão (prevista no artigo 240 do Código de Processo Penal). A incidir
sobre os bens móveis ou imóveis que tenham sido adquiridos por meio dos
proventos do crime, o Código de Processo Penal dispõe do denominado
sequestro (regulado pelos arts. 125 a 133). A hipoteca legal (arts. 134 e
seguintes do Código de Processo Penal) é a medida a ser deflagrada sobre
os bens imóveis que provenham de origem lícita, portanto não delitiva,
medida esta destinada a garantir a efetividade da sanção penal no que toca a
seus efeitos patrimoniais (ressarcimento da vítima). Como providência
preparatória para a hipoteca legal está previsto o arresto prévio de bens
688
BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación …, p. 74.
689
Cf. LOPES JR., Aury. Direito ..., p. 708.
690
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 314; DEMERCIAN,
Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso ..., p. 301.
691
A respeito vide NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e
processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
215

imóveis, regulado pelo artigo 136 do Código de Processo Penal, e que deverá
recair obrigatoriamente sobre bens de origem lícita. E, por fim, também
disciplina o Código de Processo Penal a figura do arresto prévio de bens
móveis, cuja incidência está atrelada à inexistência de bens imóveis a serem
hipotecados ou, quando existam, sejam insuficientes. 692
Afora críticas contundentes sobre a ausência de um rito
apropriado para a imposição e processamento da medida de sequestro (artigo
125 e seguintes do Código de Processo Penal) 693 e também da já conhecida
discussão sobre qual seria o recurso cabível 694 após a decretação do arresto
prévio para futura especialização de hipoteca legal de bens imóveis ou ainda
do arresto prévio de bens móveis, as normas reguladoras da matéria são até
de fácil compreensão. Não se pode dizer que o sistema não seja
razoavelmente inteligível.
A questão é bem outra. Não se trata de ausência de normas,
mas da sua estruturação prática, Nos casos concretos é que surgem as
grandes incongruências e falhas, inclusive com prejuízos para as partes
processuais.
Sem perder o ponto de vista principal deste estudo, notório que
em paralelo a investigações e julgamentos de casos de corrupção torna-se,
salvo em casos singularmente pequenos, quase que obrigatória a utilização
das medidas assecuratórias aqui em comento por parte do órgão
acusatório.695 Portanto, há de existir uma atuação temporalmente adequada
por parte do Ministério Público, verdadeiramente urgente, para que a medida

692
Salvo algum posicionamento pontual diversa esta é a realidade defendida pela maior
parte da doutrina, valendo destacar: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo
penal ..., p. 314 a 324; LOPES JR., Aury. ..., p. 707 a 722; LEITE, Larissa. Medidas
patrimoniais de urgência no processo penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2011;
PACELLI, Eugenio; FISCHER, Douglas. Comentários ..., p. 294 a 319; BADARÓ, Gustavo
Henrique. Processo ..., p. 1047 a 1079; ACCIOLY, Maria Francisca dos Santos. As medidas
cautelares ..., p. 29 a 97.
693
Cf. LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 319.
694
Há dúvida acerca do recurso cabível, sendo que o entendimento jurisprudencial
majoritário é o de que tal decisão não ensejaria o recurso de apelação, justamente por não
se tratar de decisão com força de definitiva. A respeito, por exemplo, o resultado do Recurso
Crime em Sentido Estrito n. 5000478-66.2013.404.7000, 8ª Turma do Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, Rela. Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. 31.05.2013.
695
Filia-se aqui ao entendimento de que tais medidas não podem, sob o risco de desrespeito
ao sistema acusatório, ser deferidas de ofício pelo magistrado. Neste sentido, entre outros,
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo ..., p. 1051.
216

pretendida surta os efeitos almejados. Pedidos extemporâneos tendem


inclusive a ser indeferidos, porquanto faltará a demonstração acusatória a
respeito do “periculum in mora” e, do mesmo modo, se deferido, o objeto a
ser sequestrado ou arrestado pode não mais ser encontrado no estado, no
local ou ainda com o valor pretendido.
Trata-se aqui de reiterar o ônus ministerial e a importância de,
exercendo seu dever de ofício, analisar os casos concretos com vistas à
viabilidade de requerimentos neste sentido, inclusive para satisfazer uma
expectativa natural e lídima da sociedade em vista da efetividade 696 da tutela
jurisdicional. 697
Também é ônus ministerial, a ser demonstrado no caso concreto,
a natureza lícita ou ilícita do bem cujo bloqueio se requer. Não se deve partir
de premissas absolutamente equivocadas, muito menos promover confusão
acerca dos institutos cautelares brasileiros. O primeiro equívoco comumente
cometido se dá entre os institutos do sequestro (origem ilícita dos bens) e do
arresto prévio à especialização de hipoteca legal (origem lícita dos bens). 698
Como dito acima, o sequestro de bens móveis e imóveis é
possível quando (i) existam indícios veementes da proveniência ilícita dos
bens e (ii) também existam indícios veementes da autoria e materialidade do
delito. Assim, não se pode perder a noção de que o chamado sequestro de
bens apenas pode recair sobre bens adquiridos com os proventos da infração
e, dessarte, visa “impedir que o agente usufrua as vantagens ilicitamente
obtidas.”699
É justamente o sequestro a medida a ser deflagrada sobre o
valor (em espécie ou não) ou bem obtido pelo agente público corrupto, desde
que sobre este valor ou bem incidam provas indiciárias veementes.
696
Cf. FERNANDES, Antonio Scarance. Reflexões sobre as noções de eficiência e de
garantismo no processo penal. In: Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. Antonio
Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 18.
697
Cf. LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 99.
698
“A hipoteca legal de bens móveis está prevista no art. 134 do CPP e difere, radicalmente,
do seqüestro de imóveis que acabamos de analisar. Isso porque o seqüestro (arts. 125 a
133) somente poderá recair sobre os bens adquiridos com os proventos do crime, logo, de
origem ilícita. Já a hipoteca legal situa-se noutra dimensão, pois conduz à constrição legal
dos bens de origem lícita, diversa do crime.” LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e
sua Conformidade Constitucional. Volume II. Rio de Janeiro, 2009. p. 195.
699
LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 294.
217

A respeito da interpretação a ser lançada sobre a expressão


<<provas indiciárias veementes>> aduz NUCCI:
“Não são quaisquer indícios que servem para sustentar o sequestro, privação
incidente sobre o direito de propriedade, constitucionalmente assegurado,
mas somente aqueles que forem vigorosos. Em outros cenários, a lei exige
indícios suficientes de autoria, algo, por contraposição, mais leve (arts. 312 e
413, CPP). No caso presente, os indícios veementes devem apontar para a
origem ilícita dos bens e não para a responsabilidade do autor da infração
penal. A norma fala em indícios veementes buscando uma quase certeza da
proveniência ilícita do bem sequestrável, não se referindo à certeza, pois
esta, por óbvio que seja, propicia, ainda mais, a decretação da medida
700
assecuratória.”

Consoante o contido na menção feita por BLANCO CORDERO


linhas acima 701, o foco das medidas cautelares patrimoniais – in casu o
sequestro de bens ilícitos – pode e deve ser também o valor auferido pelo
agente corruptor, ou seja, pelo agente privado que oferece ou promete a
vantagem indevida ao servidor público. A dúvida reside primordialmente na
quantia a ser sequestrada a partir das considerações do caso concreto. Eis
um pequeno exemplo 702: o sujeito A, empresário do setor imobiliário, oferece
– com posterior entrega efetiva – ao servidor público B (este alocado no setor
de urbanismo da Prefeitura do Município X) a quantia de R$ 1 milhão de
reais; o ato de ofício pretendido (e ao final auferido) por A é o de que B
autorize com urgência e sem a exigência dos documentos ambientais e
outros correlatos, o loteamento e comercialização de determinada área da
qual A é o proprietário.
O valor de um milhão de reais auferido pelo servidor B é
passível, respeitada a necessidade de comprovação fática de sua ilicitude, de
ser sequestrado, estando amparado o Ministério Público a requerer a medida

700
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal ..., p. 315 e 316. Sobre o mesmo
tema apontam DEMERCIAN e MALULY: “O art. 126 do CPP exige para o sequestro, como
requisito de sua viabilidade, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos
bens, ou seja, bastando forte suspeita, ainda que não haja uma prova direta da origem lega,
é possível a realização da medida.” DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf.
Curso ..., p. 303.
701
BLANCO CORDERO, Isidoro. La aplicación …, p. 337 e seguintes.
702
O caso concreto do qual parte BLANCO CORDERO é o ocorrido na cidade de Colônia
(Alemanha) e no qual a empresa LCS pagou 24 milhões de marcos alemães (isso em 1990)
de modo a vencer indevidamente a concorrência para a construção de uma planta para
incineração de resíduos. O valor de 24 milhões de marcos alemães correspondia a 3% do
total do valor do custo da obra (cerca de 792 milhões de marcos alemães). BLANCO
CORDERO, Isidoro. La aplicación ..., p. 43 a 46.
218

com base no artigo 125 do Código de Processo Penal. A dúvida fica por conta
da vantagem negocial naturalmente auferida pelo empresário A em razão do
delito cometido. O exemplo, seja por seu lado cartesiano, seja ainda pela
máxima advinda dos leigos (que diriam que numa circunstância como esta é
“claro” que A auferiu certa vantagem econômica), torna absolutamente viável
imaginar que a aplicação de um milhão de reais a título de propina traz ínsita
a noção de que o lucro de A com o loteamento “comprado” do servidor B foi
sensivelmente superior ao valor ilícito investido por ele. Suponha-se, para dar
continuidade ao exemplo, que o faturamento de A na negociação dos lotes
tenha sido de 100 milhões de reais e o lucro líquido da operação tenha sido
de R$ 30 milhões.
A vantagem obtida pelo particular neste caso se encaixa, salvo
melhor juízo, na qualidade do produto auferido pelo crime. E, também
ressalvadas opiniões contrárias, o que está ao alcance de bloqueio pelo
Poder Judiciário é tão-somente a vantagem proporcionada pelo delito (R$ 30
milhões) e não todo o faturamento (R$ 100 milhões) e, muito menos, eventual
bloqueio dos lotes em questão ao argumento de que teriam relação com o
delito de corrupção cometido, até porque a posse e propriedade do terreno
são lícitas, apenas lateralmente se relacionando com os delitos de corrupção
ativa e passiva exemplificados.
Compreensão desta sorte está adequada às previsões legais
brasileiras e também ao preconizado no artigo 31 do Decreto 5.687/2006
(Convenção de Mérida), pois se respeita a ideia de embargo preventivo
previsto no Decreto (deferimento liminar da medida de sequestro) bem como
a ideia de produto do delito que, de acordo com o artigo 2, letra “e”, se
entende como “os bens de qualquer índole derivados ou obtidos direta ou
indiretamente da ocorrência de um delito”.
Por fim, também de modo a atender o disposto no ponto 10 do
artigo 31 do Decreto 5.687/2006 (de que nada do disposto no Decreto afetará
o princípio de que as medidas nele previstas se definirão e aplicar-se-ão em
conformidade com a legislação interna dos Estados Partes e com sujeição a
este), reitera-se que a medida adequada para o bloqueio da vantagem
indevida recebida pelo servidor público é o sequestro do provento da
219

infração, ou seja, produto indireto do delito de corrupção cometido. O produto


direto da vantagem entregue pelo particular ao servidor público é sem dúvida
o ato de ofício realizado, atrasado ou omitido, o qual em si não possui valor
algum, mas que proporciona, indiretamente, a obtenção de valores indevidos
aos intervenientes no ilícito penal.
De outro vértice, a carga acusatória, ainda que após o juízo de
prelibação, não pode desbordar os limites deste, que nada dizem além disso,
ou seja, que existem indícios de autoria e materialidade, ou, ainda, que
estariam presentes as condições da ação penal.
Dessarte, o espaço judicial de decisão permite – e exige – a
diferenciação entre os indícios sobre o cometimento de determinado delito e
os indícios de ilicitude sobre determinado bem, direito ou valor, de modo que
o sequestro a ser empreendido pelo Poder Judiciário há de ficar adstrito à
realidade indiciária daquilo comprovado pela acusação e não por meio de
qualquer ilação.
Note-se que a medida assecuratória de sequestro visa, em último
termo, a otimização da viabilidade de ser decretada a perda em favor da
União do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua
proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (artigo 91, II,
letra b, do Código Penal), valendo, contudo, a ressalva de LEITE:
“Não é demais recordar que, reconhecidamente, o seqüestro de bens
descrito no Código de Processo Penal possui natureza cautelar – o que
novamente induz à necessidade de demonstração efetiva e a partir de
elementos materiais acerca da existência do periculum in mora que, aliás,
transparece a ideia de necessidade da medida. Assim, embora alguns
autores silenciem sobre o assunto ou dispensem esse pressuposto de modo
sumário (evocando a gravidade dos fatos penais ou a referencia eficientista
do Processo Penal), não há dúvida de que uma análise conforme as
referências do Estado de Direito (que se vinculam à Legalidade,
Razoabilidade, Proporcionalidade e Presunção de Inocência) impõem que a
constrição antecipada de direitos decorra de situações excepcionais, em que
se possa demonstrar com efetividade a necessidade da providência
processual constritiva.” 703

Já o arresto prévio de bens móveis e imóveis para posterior


inscrição em hipoteca legal traz, também para os casos de corrupção,
discussões processuais de contornos muitas vezes mais fáticos do que

703
LEITE, Larissa. Medidas ..., p. 308.
220

jurídicos. Sendo uma medida cautelar é clarividente que o seu deferimento


passa pelo crivo dos requisitos do fumus comissi delicti (fumus bonis iuris) e
do periculum in mora. Inicie-se pelo fumus comissi delicti, ou seja, indícios
suficientes de autoria e materialidade.
Não pode prevalecer o argumento ministerial de que o simples
recebimento da exordial acusatória obrigue o Poder Judiciário a decretar as
medidas cautelares patrimoniais pretendidas. Vê-se que tal interpretação é
maléfica ao Estado Democrático de Direito e a todas as garantias processuais
e penais vigentes no Brasil atualmente.
A decretação das medidas cautelares passa sempre e
obviamente pelo crivo do Magistrado e não ao bel prazer das partes
interessadas (do Ministério Público ou ainda dos assistentes de acusação). O
conhecimento, processamento e deferimento das medidas como o arresto
prévio, o sequestro e ainda a especialização da hipoteca legal se baseiam,
para além das regras estabelecidas no processo penal brasileiro, também nos
princípios constitucionais de garantia. Tais regras e princípios visam evitar
abusos ou outorgar a alguma das partes processuais mais “armas” 704 e
instrumentos judiciais do que às outras partes envolvidas no processo, mais
precisamente o(s) acusado(s).
Assim, o deferimento da medida cautelar de arresto prévio à
especialização de hipoteca legal ou mesmo a própria especialização em si
não é automático e nem, tampouco, o recebimento da denúncia criminal
contra determinado acusado do crime de corrupção ativa ou passiva dá
direito à parte acusatória em ver deferida imediatamente a medida cautelar
pretendida, seja o sequestro, seja o arresto prévio.
Assim, se o dispositivo do artigo 126 do Código de Processo
Penal informa que para o sequestro bastará a comprovação de indícios
veementes de autoria e materialidade, a hipoteca legal e o arresto prévio são

704
Cabível a observação de GIACOMOLLI: “Manter as partes no mesmo nível de
oportunidades no processo penal, garantindo-se idênticas oportunidades processuais, com
utilização dos mecanismos processuais no mesmo grau de intensidade (simetria e
equilíbrio). É a principal funcionalidade da par conditio. Por isso, a defesa há de ser dotada
da mesma capacidade e dos mesmos poderes que a acusação, admitindo-se o contraditório
em todo momento e em todas as etapas do processo, em face de qualquer ato probatório.”
GIACOMOLLI, Nereu José. O devido ..., p. 407 e 408.
221

regidos por outros parâmetros. Isto porque no artigo 134 do Código de


Processo Penal nada está dito sobre a obrigatoriedade de o Magistrado, ao
receber a denúncia, também decrete o arresto prévio e a consequente
especialização de hipoteca.
Aliás, não há dúvida alguma na redação legal do artigo 134 do
Código processual. A hipoteca legal pode ser requerida uma vez certa a
infração e existentes indícios suficientes de autoria sobre ela. Ora, a hipoteca
legal poderá ser requerida e o seu deferimento sempre ficará a cargo do
Magistrado. Este, vislumbrando o fumus comissi delicti como também o
periculum in mora, decidirá em favor da acusação. Caso contrário, em favor
do acusado. Não se pode perder de vista que o deferimento ou não da
medida cautelar passa pelo crivo do livre convencimento motivado do
Magistrado.
Quanto ao periculum in mora, tem-se que este requisito é aqui
compreendido como o filtro interpretativo posterior à análise dos indícios de
autoria e materialidade. Ora, o deferimento das medidas cautelares não se
baseia pura e simplesmente no fumus boni iuris, mas sim precisa ser
confirmado pelo perigo na demora, na plausibilidade do pedido ministerial
sobre a verossimilhança da tese sobre a qual, caso não incidente a medida
de bloqueio, há chance razoável de o acusado dilapidar seu patrimônio,
restando o direito de reparação do dano e da vítima fatalmente atingidos.
Ao que parece é o caso de se dar maior atenção às questões
envolvendo a pretensão ministerial naquilo que respeita o arresto prévio para
posterior especialização de hipoteca legal. Eis o comentário de Aury LOPES
JR.705:
“Nos casos de sequestro, em que a medida recai sobre os bens (móveis ou
imóveis) adquiridos com os proventos da infração, o foco da atenção do
julgador acaba sendo a prova da origem ilícita. Uma vez demonstrado o
crime e o caminho percorrido até a aquisição dos bens, o periculum in mora
passa a ser secundário, impondo-se a indisponibilidade do patrimônio. O
ponto nuclear a exigir o máximo de atenção é o fumus comissi delicti.
Distinta é a situação da hipoteca legal e do arresto, onde os bens são de
origem diversa, lícita e completamente desvinculados do crime. É uma
medida que incide sobre o patrimônio lícito do réu, que será disponibilizado
para assegurar o pagamento das custas, multa e a indenização (resultado da
ação civil ex delicti). Aqui a situação é muito mais grave e o ponto nevrálgico

705
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal e sua ..., p. 195.
222

é a demonstração do periculum libertatis. É claro que deve haver a fumaça


da prática do crime, mas o ponto mais importante da decisão é a análise do
perigo da dilapidação do patrimônio, o risco de frustração da pretensão
indenizatória.
Esse ponto, pensamos, não tem merecido a devida atenção por parte dos
juízes e tribunais.
Incumbe ao acusador demonstrar, efetivamente, o risco de dilapidação do
patrimônio do imputado, com a intenção de fraudar o pagamento da
indenização decorrente de eventual sentença condenatória. Essa prova, em
geral, não é feita, e os juízes e tribunais, desprezando o imenso custo que
representa tal medida, a decretam sem o necessário rigor na análise do
fumus comissi delicti e do periculum in mora.”

O bloqueio de bens lícitos do acusado por corrupção ativa ou


passiva também há de ocorrer no ambiente de instrução processual
permeado pelo contraditório e pela ampla defesa, abrindo grande
possibilidade de debate acerca de quais foram os danos gerados pelos atos
corruptivos que merecem reparação ou indenização. O caráter de
excepcionalidade das medidas cautelares patrimoniais informa que a
presunção em favor deste ou daquele prejuízo não pode existir. Não se trata
de discurso vazio e informado por tendências retóricas de simples
favorecimento do acusado. Pelo contrário, são afirmações amparadas pelo
sistema constitucional e pelas sempre reverberadas matizes trazidas pelo
Decreto 5.687/2006, mais precisamente o contido em seu artigo 35:
“Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em
conformidade com os princípios de sua legislação interna, para garantir que
as entidades ou pessoas prejudicadas como consequência de um ato de
corrupção tenham direito a iniciar uma ação legal contra os responsáveis
desses danos e prejuízos a fim de obter indenização.”

Daí a necessária discussão, em lugar da presunção, a respeito


dos efeitos trazidos pelos atos de corrupção e que darão lugar às medidas
assecuratórias que visam o bloqueio de valores lícitos pertencentes aos
acusados. O fato de a corrupção, como fenômeno, ser responsável por
efeitos maléficos ao Estado de Direito, não permite ser presumido o efeito
concreto gerado por determinado(s) fato(s) de corrupção levados a
julgamento. Se assim fosse as medidas cautelares assumiriam verdadeira
característica de confisco, algo impensável no Estado Democrático de Direito.
De igual forma, também se faz necessário um correto
dimensionamento da pena de multa passível de aplicação ao imputado, seja
em relação ao valor do dia-multa, seja em relação ao número de dias-multa
223

(que reconhecidamente são fixados em paralelo à gravidade da sanção


privativa de liberdade aplicada). Isso porque o bloqueio de valor, acima do
que a razoabilidade demonstra como possível, deturpa a própria essência do
instituto, pois há de se bloquear apenas aquilo que se faz necessário para
atingir o objetivo pretendido. Trata-se, pois, de observar a proporcionalidade
da medida, vetor incidente de maneira específica e individualizada sobre
cada caso concreto.
Já as reformas, para além daquilo já previsto no Código de
Processo Penal, pode-se afirmar que estão subdimensionadas, ou melhor,
dissonantes de uma das previsões mais interessantes – e discutíveis –
trazidas pela Convenção de Palermo. Trata-se do contido no artigo 54, 1,
letra “c”, do Decreto 5.687/2006, de seguinte redação:
“1. Cada Estado Parte, a fim de prestar assistência judicial recíproca
conforme o disposto no Artigo 55 da presente Convenção relativa a bens
adquiridos mediante a prática de um dos delitos qualificados de acordo com a
presente Convenção ou relacionados a esse delito, em conformidade com
sua legislação interna:
(...)
c) Considerará a possibilidade de adotar as medidas que sejam necessárias
para permitir o confisco desses bens sem que envolva uma pena, nos casos
nos quais o criminoso não possa ser indiciado por motivo de falecimento,
fuga ou ausência, ou em outros casos apropriados.”

Antes de concluir como sendo recomendação utilitarista e


contrária aos preceitos processuais penais, não se trata de aplicar pena
criminal sem o devido processo, mas sim que tais medidas sejam de outra
natureza que não criminal, mas sim de cunho administrativo ou civil.
A intenção trazida pela Convenção de Palermo, e já em vigor em
alguns países706, busca enfrentar questões práticas de largo conhecimento no
direito penal brasileiro: mesmo tendo a certeza da origem delitiva (por
exemplo, por meio de sentença condenatória transitada em julgado), na
hipótese de morte do agente ou ainda de prescrição, o artigo 107, em seus
incisos I e IV (primeira parte), do Código Penal, disciplina a extinção de
punibilidade sem que remanesça nenhum efeito da condenação.

706
Colômbia, por exemplo. A respeito vide TOBAR TORRES, Jenner Alonso. Aproximación
general a la acción de extinción de dominio en Colombia. Civilizar, Bogotá, vol. 14, n. 26,
enero/junio de 2014. Disponível em: http://www.usergioarboleda.edu.co/civilizar/civilizar-
26/aproximacion-general-accion-extincion-dominio.pdf, acesso em 18 de agosto de 2015, às
00h22min.
224

Há de se dar razão a BLANCO CORDERO quando afirma:


“El comiso constituye una herramienta fundamental para la recuperación de
los bienes derivados de la corrupción. Ésta, de naturaleza claramente penal,
requiere la intervención de un juez que imponga en una sentencia definitiva
la privación de los bienes de origen delictivo a favor del Estado. Sin embargo,
en ocasiones, el comiso penal se revela como un instrumento poco
satisfactorio para recuperar los activos de la corrupción. La necesidad de que
exista un proceso penal motiva que, en caso de que no pueda iniciarse o se
paralice, el decomiso no se llegue a imponer de manera definitiva. Ello puede
suponer un incentivo enorme para aquellos presuntos delincuentes que, con
el fin de consolidar sus ganancias ilícitas, van a evitar a toda costa que se
lleve a cabo un proceso penal.” 707

Trata-se, portanto, de retirar o protagonismo penal na seara de


efetivação da regra de que ninguém pode se beneficiar de suas ações
ilícitas.708
O intento político-criminal internacional poderia partir de
inarredável falha dogmática, ao menos aos olhos do penalista brasileiro, no
sentido de buscar subverter a natureza jurídica das causas extintivas de
punibilidade ou, quando menos, alterar por força de lei seus efeitos mais
naturais e aguardados. Felizmente se pensou diferente. Novamente BLANCO
CORDERO elucida a respeito das vantagens advindas de tal proposta
legislativa:
“En cualquier caso, lo importante de esta modalidad de decomiso es que
tiene carácter real, es decir, se dirige contra los bienes y no es de naturaleza
penal, esto es, no va contra las personas. El decomiso sin condena, al
tratarse de una institución real (in rem), puede ser imposto con criterios
probatorios menos estrictos que el decomiso penal, no va a ser necesario
que lo decrete el juez penal e, desde luego, puede dirigirse contra las
personas jurídicas y también contra los herederos de los presuntos
709
responsables penales.”

Esta proposta internacional elogiada pela doutrina acima citada


resultou no projeto de Lei n. 5.681/2013, apresentado pelo Deputado Vieira
da Cunha, mas que atualmente se encontra arquivado. De qualquer forma
vale mencionar o contido nos arts. 1º e 2º da citada proposta legislativa:
707
BLANCO CORDERO, Isidoro. Recuperación de activos de la corrupción mediante el
decomiso sin condena (comiso civil o extinción de dominio). In: El derecho penal y la política
criminal frente a la corrupción. Eduardo A. Fabián Caparrós, Miguel Ontiveros Alonso e
Nicolás Rodríguez Garcia (coordenadores). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012. p.
337.
708
Cf. JORGE, Guillermo. Recuperación de activos de la corrupción. Buenos Aires: Del
Puerto, 2008. p. 67.
709
BLANCO CORDERO, Isidoro. Recuperación …, p. 339. De igual forma JORGE,
Guillermo. Recuperación …, p. 72.
225

“Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a Ação Civil Pública de Extinção de Domínio,
caracterizada como a perda civil de bens, que consiste na extinção do direito
de posse e de propriedade, e de todos os demais direitos reais ou pessoais,
sobre bens de qualquer natureza, ou valores que sejam produto ou proveito,
direto ou indireto, de atividade ilícita ou com as quais estejam relacionadas,
na forma desta lei, e na sua transferência em favor da União, dos Estados,
do Distrito Federal ou Municípios, sem direito a indenização. Parágrafo único.
A perda civil de bens abrange a propriedade ou a posse de coisas corpóreas
e incorpóreas e outros direitos, reais ou pessoais, e seus frutos.
Art. 2º. Será declarada a perda de bens, direitos, valores, patrimônios e
incrementos nas hipóteses em que:
I - procedam, direta ou indiretamente, de atividade ilícita;
II - sejam utilizados como meio ou instrumento para realização de atividade
ilícita;
III - estejam relacionados ou destinados à prática de atividade ilícita;
IV - sejam utilizados para ocultar, encobrir ou dificultar a identificação ou a
localização de bens de procedência ilícita;
V - provenham de alienação, permuta ou outra espécie de negócio jurídico
com bens abrangidos por qualquer das hipóteses previstas nos incisos
anteriores;
VI - não tenham comprovação de origem lícita.
§ 1º. A transmissão de bens por meio de herança, legado ou doação não
obsta a declaração de perda civil de bens, nos termos desta lei.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica ao lesado e ao terceiro interessado
que, agindo de boa fé, pelas circunstâncias ou pela natureza do negócio, por
si só ou por seu representante, não tinha condições de conhecer a
procedência, utilização ou destinação ilícita do bem.
§ 3º A extinção de domínio do bem, direito, valor, patrimônio ou incrementos
frutos de ilicitudes discriminadas no caput e seus incisos acarretará em
transferência deles em favor da União, dos Estados, do Distrito Federal ou
dos Municípios, sem direito à indenização, respeitado o direito do lesado e do
terceiro de boa-fé.”

Esta proposta, é verdade, apenas reforça outras medidas há


tempos em vigor no Brasil, quais sejam a ação civil pública ou ainda a ação
de improbidade administrativa, providências judiciais a serem tomadas pelo
Ministério Público e que podem igualmente atingir o bloqueio de bens. Nada
obstante, desde que assegurados direitos e garantias aos atingidos 710, da
ação civil pública ou da ação de improbidade administrativa poderiam surtir
efeitos práticos independentes do processo penal, ainda que perseguissem
objetivos idênticos e igualmente importantes.

710
“... el decomiso sin condena (decomiso civil o extinción de dominio) parece ser un
mecanismo idóneo para privar a los corruptos de sus ganancias, siempre y cuando se
aplique con respeto absoluto de los derechos humanos.” BLANCO CORDERO, Isidoro.
Recuperación …, p. 371.
226

4.3. Delação premiada e o desvelamento do lado oculto da corrupção.


Possibilidades. Experiências do direito comparado.

Uma das principais características dos atos de corrupção é o


sigilo e consequente ocultação de sua realidade. Não por outro motivo se fala
na cifra negra da corrupção, justamente em razão dos fatos que sequer
chegam ao conhecimento das autoridades competentes. Tal como o tráfico de
entorpecentes, respeitadas as diferenças entre as famílias delitivas e os
aspectos criminológicos entre a Lei de drogas e o fenômeno da corrupção,
fato é que o sigilo e a discrição foram inclusive catalogados no capítulo 01
entre as características marcantes da corrupção e, por conseguinte, também
são caracteres bem definidos junto aos tipos penais dos arts. 317 e 333 do
Código Penal.
O real motivo deste lado oculto pouco importa. Seja em razão da
ilicitude da conduta, seja por ocasião das engrenagens próprias entre
particulares e o poder presente nas mãos dos servidores públicos, a
confirmação é que as tramas dos delitos de suborno agem sub-repticiamente
e tentam ao máximo não chamar a atenção. Nada obstante, é notória a
complexidade – e a tendência de aumento desta complexidade 711 – das
relações travadas entre o poder público e os particulares. E, descoberto o
caso concreto, vale ainda mais a regra do silêncio entre corruptor e corrupto,
também de maneira a não quebrar o elo, muitas vezes permanente, entre
ambos. Não sendo quebrado o silêncio e, passadas as agruras iniciais do
processo penal, da eventual prisão preventiva e dos costumeiros bloqueios
patrimoniais, tudo poderá ser retomado, ainda que com outra roupagem
pública e privada.
Como medida de política criminal, ainda que não diretamente
pensada para o caso da corrupção, várias alterações legislativas surgiram
nos ordenamentos jurídicos, inclusive no brasileiro, no sentido de quebrar a
regra do silêncio mediante políticas preventivo-premiais. Trata-se de normas

711
Cf. RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Ramon. Heroes o traidores? La protección de los
informantes internos (whistleblowers) como estrategia político-criminal. In: Indret, Revista
para el análisis del derecho, Barcelona, 3/2006, julio de 2006. Disponível em
http://www.indret.com/pdf/364.pdf, acesso em 27 de outubro de 2015, às 20h19min. p. 04.
227

favorecedoras ao acusado colaborador com as instituições responsáveis pela


investigação, buscando estas tanto prevenir delitos, como atingir a prova para
reprimir aqueles dos quais já se suspeita e se investiga, tudo isso por meio da
outorga de vantagens nomeadamente processuais e penais ao imputado que
revelar a verdade e colaborar à elucidação dos fatos típicos. No plano dos
fatos trata-se da constatação da inarredável utilização das normas jurídicas 712
para o controle de práticas intoleráveis ao Estado e à sociedade.
Das leis 713, penais e extrapenais, em que este tema foi retratado
normativamente, vale ressaltar o artigo 8º, § único, da Lei 8.072/90 (crimes
hediondos), o artigo 6º da Lei nº 9.034/1995 (organizações criminosas), o
artigo 25, §2º, da Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro
nacional, por meio da alteração promovida pela Lei nº 9.080/1995), os arts. 1º
ao 7º da Lei nº 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária, econômica e
relações de consumo, por meio da alteração promovida pela Lei n.
9.080/1995), o artigo 159, §4º, do Código Penal (crime de extorsão mediante
sequestro, por meio da alteração promovida pela Lei n. 9.269/1996), os arts.
1º e 5º da Lei nº 9.613/ 1998 (lavagem de dinheiro); os arts. 13 e 14 da Lei nº
9.807/1999 (lei de proteção a testemunhas), o artigo 35-B da Lei nº
8.884/1994 (ilícito contra a ordem econômica por meio da alteração
promovida pela Lei n. 10.149/2000), o artigo 32, § 2º, da Lei nº 11.343/2006
(lei de drogas) e, mais recentemente, o artigo 4º da Lei 12.850/2013, que
passou a regular com mais detalhes a denominada colaboração 714 premiada.
Nenhuma destas medidas legislativas visou atingir unicamente
os delitos de corrupção, muito embora sobre tais delitos ocorram reflexos

712
Cf. VILLAR BORDA, Luis. La corrupción oficial en los Estados contemporáneos. In:
Derecho Penal y Criminología. Universidad Externado de Colombia, Bogotá, vol. 21, número
68, 2000. Disponível em
http://revistas.uexternado.edu.co/index.php/derpen/article/view/1127/1069, acesso em 25 de
outubro, às 17h57min. p. 126.
713
Histórico retratado em NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais
comentadas. Vol. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 677 e 678; BITENCOURT, Cezar
Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários à lei de organização criminosa: lei 12.850/2013. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 119 a 124. No plano internacional as Convenções realizadas no
âmbito da Organização das Nações Unidas (Palermo, artigo 26 e Mérida, artigos 8 e 37)
também cuidaram de tratar do tema.
714
Sobre a distinção entre os termos delação premiada e colaboração premiada vide
FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis.
Criminalidade organizada. Comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. Curitiba:
Juruá, 2014. p. 76 a 79.
228

diretos, principalmente porque a corrupção pode estar envolta com a


organização criminosa ou ainda com a lavagem de dinheiro, com o que as
Leis 9.613/98 e 12.850/2013 teriam incidente aplicação. E, como se não
bastasse, a Lei 9.807/1999 tratou indistintamente da delação premiada, sem
remetê-la a este ou aquele delito específico, fazendo seus benefícios
recaírem sobremaneira sobre os delitos de suborno.
Especificamente em torno da corrupção são dignas de nota as
inserções trazidas pela Lei 12.846/2013, a “Lei Anticorrupção”. Neste diploma
legal passou a ser regulado, no artigo 16, o instituto denominado de acordo
de leniência 715. Este, muito embora sem caráter penal definido, possui
relação próxima, em sua gênese e efeitos, com a colaboração premiada,
inclusive na produção e uso de provas passíveis de geração a partir da
delação premiada e do acordo de leniência.716
Outro ponto de relacionamento entre o sistema penal e as
normas administrativas da Lei Anticorrupção são os programas de
cumprimento ou compliance, melhor retratados no subitem 4.6. deste estudo,
com implicação direta com as medidas premiais aqui retratadas.
O instituto da colaboração premiada no direito brasileiro, dentre
717
os modelos à disposição do legislador, nasce da premissa e do objetivo de
maximizar a eficiência do processo penal por meio de prêmios 718 a serem

715
De acordo com NUCCI, “não se trata propriamente de leniência, mas de outros institutos,
também camuflados por uma terminologia mais aprazível. Quer-se a confissão da pessoa
jurídica ou a delação premiada. Esses são os autênticos objetivos.” NUCCI, Guilherme de
Souza. Corrupção ..., p. 178.
716
A respeito do relacionamento entre a delação premiada e o acordo de leniência previsto
na Lei 12.846/2013 vide SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. O acordo de leniência na lei
anticorrupção. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 947, setembro de 2014;
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei
anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 345 e 348; LAMY, Anna Carolina Pereira
Cesarino Faraco. Reflexos do acordo de leniência no processo penal: a implementação do
instituto ao direito penal econômico brasileiro e a necessária adaptação ao regramento
constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
717
De acordo com RAGUÉS I VALLÈS as estratégias poderiam ser (i) aumento dos deveres
de denunciar e sanções em caso de descumprimento, (ii) recompensas e (iii) proteção.
RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistleblowing. Una aproximación desde el derecho penal.
Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 40 e seguintes. Claro que para a realidade própria da
colaboração de alguém que tenha cometido delitos e resolva colaborar, a saída mais comum
será por meio de oferecimento de benefícios criminais, nomeadamente de redução de pena
e similares.
718
“A lei do silêncio, no universo criminoso, ainda é mais forte, pois o Estado não cumpriu
sua parte, consistente em diminuir a impunidade, atuando, ainda, para impedir que réus
colaboradores pereçam em mãos dos delatados. Ademais, como exposto nos fatores
229

concedidos ao acusado-colaborador, partindo da diminuição da pena até o


perdão judicial, tudo dependendo do regramento aplicável e da situação
concreta.
Portanto, quanto aos objetivos719 pretendidos pelos institutos de
colaboração premiada não há porque deixar de observar o óbvio: busca-se a
maximização dos resultados, do desvelamento dos fatos criminosos
cometidos e da recuperação das vantagens atingidas pelos responsáveis.
Tudo isso se encaixa no objetivo último de tutelar o bem jurídico agredido em
cada caso concreto, naquilo já mencionado neste estudo como o controle
social do intolerável. Contudo, como no Direito penal e processual não há de
imperar a máxima de que <<os fins não justificam os meios>>, há de ser feita
uma ponderação a ponto de averiguar a adequação de tais iniciativas com
outros institutos de natureza penal, em especial com as garantias penais que
impedem o Estado de ultrapassar certos limites, mesmo que direcionados à
tutela de bens jurídicos e proteção da sociedade.
Ao contrário do que se possa imaginar, a utilização de prêmios
ao acusado, que passa a colaborar de alguma forma com o Poder Judiciário
ou ainda com os órgãos de investigação, não é nova no direito brasileiro.
Pelo contrário. Numa rápida passada de olhos pelo Código Penal e pela
legislação extravagante verificam-se exemplos de notória aplicação, ainda
que ostentem naturezas jurídicas diversas. Como regra geral estampada no
artigo 65, inciso III, letra “d”, do Código Penal, está o instituto da confissão.
Também no Código Penal estão reguladas algumas causas extintivas da
punibilidade, como o caso da retratação (artigo 107, inciso VI, do Código

positivos da delação, o arrependimento pode surgir, dando margem à confissão espontânea


e, consequentemente, à delação. O prêmio deve surgir em lugar da pena, afinal, a
regeneração do ser humano torna-se elemento fundamental, antes mesmo de se pensar no
castigo merecido pela prática da infração penal. (...)” NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ...,
p. 691.
719
Apontam Walter Barbosa BITTAR e Alexandre Hagiwara PEREIRA: “Entretanto, no caso
da delação premiada, há um consenso no sentido de que o instituto segue uma moderna
orientação político-criminal. E não poderia ser diferente, pois de uma forma geral, o que se
busca com a delação premiada é uma ajuda nas investigações criminais, seja recuperando o
produto do crime, seja identificando os demais participantes do delito, sempre se
fundamentando predominantemente em interesses criminais.” BITTAR, Walter Barbosa;
PEREIRA, Alexandre Hagiwara. Delação premiada: direito estrangeiro, doutrina e
jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 69.
230

Penal) nos crimes de ação penal privada ou ainda o perdão judicial (artigo
107, inciso IX, do Código Penal).
Na parte especial do Código Penal a figura típica do artigo 342
do diploma penal (delito de falso testemunho) exara instrumento de política
criminal muito interessante a ser aplicado a partir de conduta voluntária da
testemunha que, antes da sentença penal condenatória a ser proferida no
processo, que tenha faltado com a verdade tem a condição de “voltar atrás”,
fazer notar a sua inverdade, revelar o que tem conhecimento, sendo
premiada com o perdão judicial. Na legislação especial, cumpre mencionar a
Lei 8.137/90 e os diversos dispositivos (v.g., artigo 15, Lei 9.964/2000; artigo
9º, Lei 10.684/2003; artigo 69, Lei 11.941/2009, etc.) – alguns por demais
criticáveis – que possibilitaram e possibilitam a extinção da punibilidade pelo
pagamento do imposto devido nos delitos contra a ordem tributária.
O que se quer dizer com isso é que a colaboração do agente
como condição para que seja diminuída sua pena ou ainda se lhe extinga a
punibilidade já é circunstância há muito conhecida no Direito penal e vem
fundamentada, de acordo com o caso, a partir de critérios de justiça e
conveniência político-criminal.
A delação premiada, ou colaboração premiada como gizado nas
Leis 9.807/1999 e 12.850/2013, atua na mesma linha de conveniência
político-criminal ao oportunizar diminuição de pena ou até o perdão judicial
para o agente corrupto, por exemplo, que revele toda a verdade sobre os
fatos de que tenha conhecimento. Todas as disposições penais acima
mencionadas a respeito da colaboração premiada rezam que o prêmio judicial
terá como parâmetro a extensão da colaboração do acusado.
Contudo, a delação premiada se distingue, obviamente, de uma
mera confissão e desta característica própria do instituto da colaboração se
atinge um importante aspecto sobre a bilateralidade do delito de corrupção.
Os institutos mencionados acima (previstos no Código penal e na legislação
extravagante) incidem sobre a figura do acusado e sobre um aspecto de sua
conduta unicamente considerada, ou seja, diminui-se a pena daquele que
confessar a própria conduta, extingue-se a punibilidade daquele que pagar o
próprio tributo e assim por diante.
231

Já a colaboração premiada só tem sentido se este acusado ou


imputado revelar o que sabe sobre sua conduta e também sobre a conduta de
terceiros. Daí o termo vir retratado na lei das organizações criminosas e em
outras figuras típicas em que pode ocorrer a interação, via de regra, de mais
de um agente criminoso. Não delata apenas sua conduta, mas sim a de toda
a associação ou organização criminosa, de toda uma estrutura que tenha
participado de maneira conjunta a respeito de determinados fatos criminosos.
Sendo a corrupção um delito essencialmente bilateral (cuja
tipificação permite a punição autônoma e única do corruptor ativo ou passivo),
a colaboração premiada incide frontalmente, pois há o que delatar a respeito
do outro, ou seja, a respeito do corruptor ativo ou do corruptor passivo, tudo
conforme o caso. Associe-se aí o manifesto lado oculto da corrupção e sobre
o qual já se fez menção anteriormente com a realidade de que a grande
corrupção brasileira caminha lado a lado com os delitos de organização
criminosa e lavagem de dinheiro para se chegar à direta correlação entre os
temas corrupção e colaboração premiada.
Outra diferença notória para uma simples confissão ou qualquer
outra medida tomada reveladora da verdade ou de sua culpabilidade pelo
próprio acusado é a de que na colaboração premiada impõe-se a
necessidade de comprovação de fatos contra terceiros. Ao indiciado ou,
conforme for, ao já acusado formalmente pelo Estado, incumbe produzir
provas em favor do órgão acusatório, passando a ser uma fonte produtora de
provas em favor, em último termo, do órgão acusatório. Não se trata
necessariamente de sair a campo para criar e gerar tais provas, mas sim de
comparecer formalmente no processo criminal por meio de depoimentos e
documentos, na linha do estipulado, por exemplo, no artigo 4º da Lei
12.850/2013:
o
“Art. 4 O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,
reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la
por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que
dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização
criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da
organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da
organização criminosa;
232

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações


penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.”

A questão posta diretamente em torno da corrupção é se a


colaboração premiada é um meio, para além de uma pretensa eficácia certa e
irrestrita720 que se deposita no instituto, também constitucional, devendo-se
“pensar, de fato, em instrumentos que possam levar à eficácia da
investigação dos crimes, mas dentro de padrões que se colocam, ou seja,
dos padrões constitucionais, os quais não devem ser manipulados
retoricamente, como se tem feito.” 721 Toda e qualquer obtenção de provas,
incluindo aqui aquelas advindas da delação premiada a que de outro modo
muito dificilmente o órgão acusatório teria acesso, possui limites
constitucionais a serem obrigatoriamente observados.
Críticas contundentes se dirigem ao instituto da colaboração
premiada, porquanto o formato previsto em lei dá cobertura a alguns
disparates de ordem prática. Trata-se dos desvios (que não deveriam existir)
a partir da realidade normativa estipulada nas leis regentes do instituto.
Assim, o descompasso concreto entre a natureza do instituto e a
sua incidência de fato está bem colocado nas palavras de Édson Luís
BALDAN:
“Hoje, com a anomia reinante na fase de investigação preliminar, onde
múltiplos agentes e órgãos do Estado invocam legitimidade para fazê-la,
mantendo-se o defensor (este inexplicavelmente sem poderes
investigatórios) o mais distante possível da devassa oficial, constata-se
metodologia de apuração calcada sobre um tripé previsível: interceptação
telefônica inicial, por prazo indefinido, objetivando a coleta de indícios que
motivarão o decreto de uma prisão cautelar que, a sua vez, será empregada
como instrumento de coação sobre o imputado, instado sem recatos pelos
investigantes e acusadores a confessar e delatar, tendo a própria liberdade
como objeto de vergonhosa e desigual barganha. Ao estabelecer a delação
como condição para cessação da privação da liberdade do preso, pratica o
Estado inédita modalidade de extorsão da prova mediante sequestro do
investigado, sob a complacência do Poder Judiciário. Preço do “resgate”

720
Vide, por exemplo, a opinião de Vladimir Aras em entrevista concedida ao Jornal O
Estado de São Paulo em 04 de fevereiro de 2015, disponível em
http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/corrupcao-no-brasil-e-endemica-diz-
procurador/, acesso em 21 de agosto de 2015, às 17h36min.
721
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Fundamentos à inconstitucionalidade da delação
premiada. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 159, fevereiro de 2006. p. 07. Asseverando se
tratar de instituto manifestamente inconstitucional tem-se a opinião de ESTELLITA, Heloisa.
A delação premiada para a identificação dos demais coautores ou partícipes: algumas
reflexões à luz do devido processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 202, setembro de
2009.
233

pode ser, além da confissão, também a apresentação de outras provas


materiais ou documentais, negociáveis entre um indigitado de garantias
722
acanhadas e um Estado de poderes dilatados e sem freios éticos.”

A triste realidade está fatalmente confirmada pela leitura dos


jornais, quando não na atualização televisiva diária da operação policial sem
fim em curso no País desde março de 2014. Antes da delação persiste o
decreto prisional. Ao assinar o acordo de delação, o decreto prisional se
esvai, como se o risco ao processo e à alargada interpretação da ordem
pública persistisse antes da delação pelo simples fato de a própria
colaboração ainda não ter sido assinada entre as partes.
Não se desconhece que a atitude de se tornar um réu
colaborador também passa pelo direito de defesa do acusado e por uma linha
tanto de abdicação (pois não fará uso do direito ao silêncio e o de não
produzir prova contra si) como de exercício (sua colaboração irá refletir em
benefícios processuais e penais para sua melhor defesa) do direito de defesa
garantido constitucionalmente.
Aqui incidem as críticas formuladas por SCHÜNEMANN 723 a
respeito do sistema processual penal norte americano que o aludido
professor, em caráter profético, anunciou que se alastraria pelos sistemas
jurídicos europeus, estes fortes modelos para a América Latina. Muito embora
as críticas do professor alemão se dirijam ao instituto do guilty plea norte-
americano, suas conclusões podem ser aplicadas diretamente sobre o
instituto da colaboração premiada, a saber: (i) em vários casos pune-se mais
severamente o acusado que tenha feito uso de seu lídimo direito de defesa e,
portanto, tenha enfrentado o processo penal ao invés de ter se submetido ao
acordo de delação724; (ii) é exercida grave pressão ao acusado, pois na
hipótese de fazer valer o seu direito de responder ao processo penal e
discutir sua inocência, acaso condenado poderá (e receberá) pena bem

722
BALDAN, Édson Luís. O jogo matemático da delação e a extorsão da prova mediante
sequestro do investigado. Boletim do IBCCRIM, São Paulo, n. 159, fevereiro de 2006. p. 05.
723
Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar crítico ao modelo processual-penal norte-
americano. In: Estudos de direito penal, direito processual penal e filosofia do direito. São
Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 240.
724
Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar ..., p. 252.
234

superior à proposta em caso de delação 725; e, (iii) subverte-se a lógica de


aplicação da pena, pois a pena reduzida em caso de acordo de colaboração
não mais se rege pela proporcionalidade de ataque a determinado bem
jurídico, mas sim sob a égide da extensão da delação e seus efeitos 726.
Na verdade há de se averiguar se as regras de colaboração
premiada, em especial as trazidas pela Lei 12.850/2013, trazem em si o
adjetivo de constitucionais. Isso sem se olvidar que a delação premiada não
pode ser utilizada como instrumento de barganha para a revogação da prisão
processual nem essa, como o outro lado da moeda, ser decretada ou mantida
com fins de fragilizar o acusado de modo a crer na delação premiada como a
única possibilidade de se defender adequadamente, ter sua pena
obrigatoriamente diminuída e, em curto prazo, ter sua liberdade recobrada.
A isso se deve associar o mais amplo direito de defesa ao
acusado durante o processo em que já tiver sido assinado o acordo de
delação premiada. Não há como impedir o acusado colaborador de buscar
meios legítimos (recursos, ações constitucionais, etc.) para infirmar a
qualidade e quantidade da prova de que o Ministério Público faz uso.
Outro ponto de não menos importância é a figura da
homologação judicial do acordo firmado entre as partes prevista nos §§ 7º e
8º do artigo 4º da Lei 12.850/2013 de seguinte teor:
o o
“§ 7 Realizado o acordo na forma do § 6 , o respectivo termo, acompanhado
das declarações do colaborador e de cópia da investigação, será remetido ao
juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade e
voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na
presença de seu defensor.
o
§ 8 O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos
requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.”

Evidentemente que a homologação judicial visa garantir o


estipulado em lei, isto é, a necessidade, regularidade e legalidade do acordo
firmado entre acusação e defesa. Nada mais natural e também adequado que
isso seja feito por interveniente imparcial. Ademais, esta homologação não
poderia nunca ser feita pelo mesmo Juiz responsável727 pelo julgamento ou

725
Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar ..., p. 253.
726
Cf. SCHÜNEMANN, Bernd. Um olhar ..., p. 253.
727
Cf. FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos
Reis. Criminalidade ..., p. 136 a 138.
235

ao qual está registrado o Inquérito Policial, justamente para não oferecer


perigo à imparcialidade deste, eis que ainda será o responsável por decretar
a sorte do acusado, condenando-o ou absolvendo-o.
As observações neste sentido são de Heloisa ESTELLITA:
“Assim, afora a ínsita ilegalidade da celebração de acordo entre
indiciado/acusado e Ministério Público e sua homologação pelo juiz, a
natureza jurídica da delação premiada impede que se possa falar em acordo
antecipando sua aplicação. De um lado porque não incumbindo ao Ministério
Público proferir sentença, não pode (ou não deve) prometer algo que não
pode cumprir; de outro porque, acaso o acordo seja “homologado” pelo
magistrado, tal proceder implica duplo julgamento antecipado do mérito da
ação penal: a) o juízo de condenação; b) o juízo acerca da presença dos
requisitos legais para a aplicação da causa de diminuição da pena.
Caso o objeto da delação seja a “identificação dos demais co-autores ou
partícipes, esse julgamento antecipado do mérito da ação penal efetuado na
celebração do “acordo” priva delator e delatado de garantias básicas
decorrentes do devido processo legal: de um lado, priva o acusado delator de
qualquer possibilidade de um julgamento justo, porque o seu julgador já se
“comprometeu” a condená-lo; e, de outro, tira dos delatados a mesma
possibilidade, pois já se proferiu um juízo antecipado de certeza sobre a
728
“identificação dos demais co-autores ou partícipes.”

Portanto, se de um lado não se pode subtrair a figura do Juiz 729


para a homologação do acordo, esta homologação deveria ser subtraída do
Juiz responsável pelo julgamento da causa, devendo este ter acesso apenas
quando os autos estivessem conclusos para sentença.
Outro aspecto constitucional a ser debatido sobre a delação
premiada nos termos em vigor na legislação brasileira se refere ao sigilo dos
depoimentos prestados pelo acusado colaborador. Diz o artigo 7º da Lei
12.850/2013 que o pedido de homologação do acordo será sigilosamente
distribuído, sendo o acesso restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao
delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações,
assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso
aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa,
devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às

728
ESTELLITA, Heloisa. A delação ..., p. 02 e 03.
729
Pondera Frederico Valdez PEREIRA: “A colaboração premiada, enquanto atividade
preliminar de coleta de elementos apuratórios no âmbito investigativo, deve ser dirigida por
membro do MP, mantendo-se o juiz afastado das tomadas de depoimento do arrependido e
dos prêmios conexos aos ajustes esboçados. Ao juiz compete aferir a observância
preliminar dos pressupostos do instituto em concreto e se foram observadas as garantias do
colaborador, sem se comprometer antecipadamente com a concessão de prêmio ao agente,
tampouco se envolvendo em atos de cunho investigatório.” PEREIRA, Frederico Valdez.
Delação premiada: legitimidade e procedimento. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 145.
236

diligências em andamento. O acordo de colaboração deixará de ser sigiloso,


por sua vez, assim que recebida a denúncia.
Salvo melhor juízo, a providência de se proibir o acesso dos
delatados aos autos de delação premiada é medida que atinge diretamente o
direito de defesa 730 garantido constitucionalmente. O argumento de que isso
seria necessário para garantir o direito das providências e diligências em
andamento é falacioso, porquanto existem diligências que já podem estar
concluídas e, portanto, seu teor não deveria ser sonegado ao conhecimento
do acusado (delatado) e seu defensor. Outrossim, não parece claro qual seria
a posição sobre o acesso aos autos em caso de processo já em andamento,
ou seja, em que o réu colaborador passa a prestar informações e dados no
curso da ação penal e contra corréus. Evidentemente que estes devem ter
acesso quase que imediato ao conteúdo fornecido pelo réu delator, pois
sobre o teor de suas informações poderão requerer a produção de provas e
isso deve ocorrer, naturalmente, antes de proferida a sentença.
Não há motivo, ademais, para que o termo, a partir do qual se
poderá dar acesso à delação, seja o recebimento da denúncia e não o seu
oferecimento. Qual o risco ou prejuízo a qualquer das partes em ter acesso a
documentos que deem supedâneo à denúncia já formalizada pelo Ministério
Público, contudo ainda não recebida pelo Magistrado? A princípio, nenhum.
Trata-se de medidas pontuais a serem alteradas na legislação
brasileira, sempre com a devida observação dos Magistrados e órgãos
recursais, para que o instrumento da delação não seja exercido com abuso
pela acusação ou ainda que meras formalidades legais impeçam
indevidamente o exercício de defesa.
Certamente há muito que caminhar de modo que a delação
possa atingir <<constitucionalmente>> os efeitos pretendidos e bem
assinalados por David Teixeira de AZEVEDO:
“A delação promove a tutela de bens jurídicos pela descoberta precoce de
infrações criminais, identificação da autoria ou participação de agentes,
redução das consequências jurídicas do crime, resgate do bem jurídico
objeto de proteção, a cumprir exitosamente a finalidade política de
conservação das condições essenciais da vida em comunidade.
De outro lado, a delação antecipa o juízo ético-retributivo-preventivo próprio
do direito punitivo. Ela implica a declaração antecipada – pelo Estado-Juiz –

730
Cf. a respeito NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios ..., p. 263 e seguintes.
237

do cumprimento satisfatório da finalidade do magistério punitivo: prevenção


especial de delitos pela reformulação do agente de sua hierarquia axiológica,
com a penetração de sua personalidade pelos valores ético-jurídicos
imperantes, cujo respeito e adesão são exigidos apenas no plano objetivo na
vida em sociedade: demandar uma tal adesão e incondicional acatamento no
plano subjetivo seria a recepção de uma intervenção autoritária do Estado no
exercício do magistério punitivo. A retomada – repita-se: na perspectiva
objetiva – do respeito aos valores fundamentais de convivência, o
reconhecimento da prática da infração criminal, a busca de uma proveitosa e
útil persecução penal, a diminuição do dano causado pelo crime e o resgate
do bem jurídico, por outro lado, constituem índice da desnecessidade da
pena criminal – ou necessidade em grau diferenciado – sob a ótica da
731
prevenção geral e da prevenção especial de crimes.”

Alguns fatores fáticos e normativos conduzem a discussão para


além dos limites da colaboração premiada e da capacidade de rendimento
daquele instituto ao desvelamento da corrupção em sentido estrito. Assim,
considerando (i) as críticas à delação premiada, (ii) a interpretação de que a
Lei 12.850/2013 deve ser aplicada tão-somente para os casos em que se
esteja a falar de organizações criminosas e (iii) a necessidade de
devolução/recuperação732 dos valores transcorridos como propina para que
se possa aplicar os dispositivos da Lei 9.807/1999, torna-se possível pensar
em modernizar a legislação brasileira direcionada à corrupção, sempre e
quando isso seja feito de maneira responsável e criteriosa.
A edição de novas normas de caráter penal sempre comporta
algum risco, mas que o legislador não pode deixar de correr. E, ao que indica
a realidade brasileira, pouco caso se faz deste risco, a ponto de realmente se
legislar de maneira simbólica e pouco efetiva. No caso não se advoga a
criação de um tipo incriminador, mas sim um dispositivo que possa premiar o
agente que revele, dentro de determinado lapso temporal e mediante o
cumprimento de certos requisitos, a prática da corrupção ativa.

731
AZEVEDO, David Teixeira de. Delação premiada e direito de defesa. Boletim IBCCRIM,
São Paulo, n. 265, dezembro de 2015. p. 04. O instituto da delação premiada está longe da
unanimidade no direito brasileiro. Assim, criticamente, alegam BITENCOURT e BUSATO:
“Está-se tornando intolerável a inoperância do Estado no combate à criminalidade, seja ela
massificada, organizada ou desorganizada, conforme nos têm demonstrado as alarmantes
estatísticas diariamente. E, agora, com esta medida, o Estado confessa abertamente sua
incapacidade de exercício do controle social do intolerável e convoca em seu auxílio o
próprio criminoso. (...) Com essa figura o legislador brasileiro possibilita premiar o “traidor”,
oferecendo-lhe vantagem legal, manipulando os parâmetros punitivos, alheio aos
fundamentos do direito-dever de punir que o Estado assumiu com a coletividade.”
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 116 e 117.
732
Artigos 13 e 14 da Lei 9.807/1999.
238

Quanto ao requisito subjetivo, advoga-se a tese de cabimento de


tal benefício a partir de um comportamento pós-delitivo733 realizado apenas
pelo particular e, portanto, autor do suborno ativo. Tal cabimento se baseia na
diferença de deveres extrapenais existentes entre o particular e o servidor
público para com a administração pública e, consequentemente, na distinta
valoração jurídico-estatal a ser feita sobre o fato delitivo cometido.
O requisito objetivo diria respeito à modalidade e forma da
corrupção cometida pelo particular, sendo cabível a escusa absolutória tão-
somente nos casos em que a entrega da vantagem indevida tenha sido
realizada pelo particular por solicitação do servidor público e, igualmente, que
tal entrega tenha sido solicitada para a prática de um ato de ofício lícito pelo
servidor.
Se, sob a égide da legislação brasileira atual, a conduta de
entregar é atípica como defendido acima, o que se faz com especial rigor e
apelo ao princípio da legalidade, neste estudo já foi delineada a viabilidade
de, em futura reforma legislativa, ser criminalizada a conduta de entregar
vantagem indevida a servidor público. Deste modo, a escusa absolutória aqui
pretendida exerce função particular dentro do sistema tipológico a ser
reformulado para a correta proteção jurídico-penal do bem jurídico.
Portanto, cabível a escusa absolutória direcionada ao desvelar o
pacto corruptivo unicamente para os casos em que o início delitivo tenha sido
iniciado pelo servidor público e que o particular tenha entregue a vantagem
indevida a pedido daquele, desde que para a prática de ato lícito.
Por fim, o requisito de ordem temporal. Acaso não fixado um
requisito temporal, poderia ser o sujeito ativo da corrupção ativa beneficiado
a qualquer tempo e sobre a sua conduta ser exigida unicamente a
voluntariedade (a exemplo do que ocorre com a colaboração premiada) 734.
Parece incabível apenas a voluntariedade, mas sim exigida do agente uma
conduta totalmente espontânea e, para tanto, ser tomada pelo particular,
antes da instauração de qualquer procedimento administrativo investigatório
733
Nos dizeres de Luiz Regis PRADO tal instituto ganharia a natureza jurídica de escusa
absolutória posterior ou superveniente. Cf. PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes
de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso ..., p. 583.
734
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais ..., p. 692; BITENCOURT, Cezar Roberto;
BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 119.
239

pela autoridade competente, no caso a polícia judiciária e, atualmente, o


próprio Ministério Público, haja vista a pretensa permissividade constitucional
das atividades investigativas desenvolvidas pelo órgão acusatório.
Dispositivo de semelhante função e estrutura está há certo
tempo inserido no ordenamento jurídico espanhol, ao menos desde o Código
Penal de 1995, tendo sofrido pequena reforma em 2010, está atualmente com
a seguinte redação:
“Art. 426. Quedará exento de pena por el delito de cohecho el particular que,
habiendo accedido ocasionalmente a la solicitud de dádiva u otra retribución
realizada por la autoridad o funcionario público, denunciare el hecho a la
autoridad que tenga el deber de proceder a su averiguación antes de la
apertura del procedimiento, siempre que no haya transcurrido más de dos
meses desde la fecha de los hechos.”

Esta disposição normativa possui intenção muito similar ao da


delação premiada. Na verdade é idêntica no objetivo, mas exige do
denunciante-colaborador muito menos do que o extenso rol de exigências
inserido na Lei 12.850/2013 e não conta com os efeitos adversos antes
demonstrados. Ademais, tal inovação cumpriria com a função de proporcionar
o desvelamento de casos menores de corrupção e contaria com suficiente
apelo político-criminal adequado às normas constitucionais. Outrossim, trata-
se de instituto propriamente direcionado à corrupção e apto a gerar um
prêmio de natureza penal diretamente interligado à característica das mais
dificultosas à investigação criminal da corrupção: o seu caráter de ocultação,
de acordo sub-reptício.
Portanto, reitere-se que o primeiro aspecto positivo a ser
destacado sobre tal intento político criminal é o de destinar-se a questões
menores de corrupção. Aos casos de maior envergadura e,
consequentemente, de elevado desvalor da conduta, possivelmente
permeados pela existência de organizações criminosas, a delação premiada
(com seus rigores) ainda seria o caminho a ser exigido pelos membros do
órgão acusatório. Contudo, para as pequenas e principalmente pontuais
ocorrências delitivas, esse comportamento pós-delitivo poderia funcionar
como relevante instrumento ao desvelamento da corrupção.
Não obstante, de nada valeria a criação da norma se esta não
vier a ser difundida entre a sociedade e, inclusive, encorajada pelas
240

instituições. Do contrário, em especial ao particular, este certamente não se


sentirá em situação confortável para realizar a denúncia premiada. Pelo
contrário, funcionará como corruptor e, diante do receio maior do servidor
corrupto superar a segurança da garantia de proteção estatal, por óbvio
manterá o silêncio. A norma de nada adiantará.
Outro fator interessante é o de fixar um lapso temporal para que
aquele que participar de acordo corrupto comunique a autoridade. O prazo
fixado na lei espanhola é de no máximo 02 meses a contar da data do fato
criminoso. Tal prazo não só parece bastante razoável, como a exigência de
que o termo fatal seja o início do procedimento também soa adequado. Em
termos brasileiros se poderiam associar o início do procedimento como a data
em que a autoridade policial ou o Ministério Público instauram o procedimento
investigatório. Caso se fixe como possível a comunicação posteriormente ao
início da formalização da investigação, parece que o caráter espontâneo da
colaboração se perderia por completo, fazendo o acusado jus apenas à futura
atenuante da confissão.
A adoção de dispositivo deste teor teria também a vantagem de
solucionar o atual enquadramento legal do particular que se vê obrigado a
entregar a vantagem indevida e que parte da jurisprudência735 costuma
vislumbrar como uma ocorrência de corrupção ativa e não de concussão.
Tal como na delação premiada, para que norma desta ordem
cumpra o seu papel político-criminal, é necessária plena confiança na solução
estatal, na investigação do fato comunicado e, principalmente, na segurança
que o Estado dará ao delator.
Em caráter de remate fica salientado o posicionamento lançado
por OLAIZOLA NOGALES ao instituto:
“... se ha visto que tiene un doble fundamento: por un lado facilitar al
particular que accede <<presionado>> por el funcionario, la posibilidad de
librarse de la sanción penal, aun habiendo cometido un delito. Por otro lado,
el precepto favorece el descubrimiento de los elementos corruptos que
actúan dentro de la Administración, perturbando el correcto servicio que los
736
poderes públicos deben prestar a los ciudadanos.”

735
V.g., TRF4, Apelação Criminal n. 2000.71.11.000494-6, Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, 7ª
Turma, DJ 17/05/2006.
736
OLAIZOLA NOGALES, Inés. El delito ..., p. 444.
241

4.4. Organização criminosa e corrupção.

Já faz muito tempo que há notória preocupação dos organismos


internacionais e dos países que os compõem com o que se pode denominar
de criminalidade organizada 737 e, a partir daí, com as organizações
criminosas.738
Fruto de intenso debate, inclusive com vozes crítico-discordantes
a respeito do tema 739, não há como negar a gravidade da intersecção entre os
dias atuais e a criminalidade organizada. Segundo MOCCIA:
“No que concerne à luta contra a criminalidade organizada, a ampliação da
intervenção penal foi a consequência da assunção pelas organizações de
uma especial consistência, de uma capacidade sem precedentes de
penetração no território e nas mesmas instituições. Se a isso se soma a
relevantíssima força econômica do crime organizado como empreendimento,
a sua capacidade de operar e desafiar o livre mercado – como imissões nos
circuitos econômico-financeiros de ingentíssimas quantidades de capitais -, o
740
quadro de uma ilegalidade disseminada faz-se completo.”

No tocante ao direito brasileiro os Decretos 5.015/2004 e


5.687/2006, responsáveis por internalizar no ordenamento jurídico brasileiro
as Convenções levadas a efeito pela ONU, Palermo e Mérida,

737
Definida, a partir dos critérios da Organização das Nações Unidas (ONU) na Convenção
de Palermo, como: organização estruturada destinada para a comissão de delitos graves e
dirigida à busca de benefícios econômicos. Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad
…, p. 50.
738
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2013. p. 05.
739
De acordo com Juarez Cirino dos SANTOS: “A experiência mostra que a resposta penal
contra o crime organizado se situa no plano simbólico, como espécie de satisfação retórica
à opinião pública mediante estigmatização oficial do crime organizado – na verdade, um
discurso político de evidente utilidade: exclui ou reduz discussões sobre o modelo
econômico neoliberal dominante nas sociedades contemporâneas e oculta as
responsabilidades do capital financeiro internacional e das elites conservadoras dos países
do Terceiro Mundo na criação de condições adequadas à expansão da criminalidade em
geral e, eventualmente, de organizações locais do tipo mafioso.” SANTOS, Juarez Cirino
dos. Crime organizado. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 42, janeiro de 2003.
p. 222 e 223. De igual forma vide TAVARES, Juarez. A globalização e os problemas de
segurança pública. In: Revista da Associação de Professores de Ciências Penais, São
Paulo, vol. 0, ano 01, 2004. p. 127-142 e HEFENDEHL, Roland. La criminalidad organizada
como fundamento de un derecho penal de enemigo o de autor? In: Derecho penal y
criminología, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, volume 25, número 75, 2004. p.
57.
740
MOCCIA, Sergio. O controle da criminalidade organizada no Estado Social de Direito:
aspectos dogmáticos e de política criminal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São
Paulo, n. 92, setembro de 2011. p. 33.
242

respectivamente, assumem particular relevância para o enfrentamento da


criminalidade organizada.
Ora, em ambos os Decretos estão previstas medidas
direcionadas a desvelar, reprimir e prevenir o crime organizado. Obviamente
existem diferenças, em especial de conteúdo, pois o Decreto 5.015/2004
claramente assume como tema principal o crime organizado e o Decreto
5.687/2006, por sua vez, possui como temática principal a corrupção. Mas, ao
deixar de lado aspectos herméticos, por óbvio que os diplomas legais se
completam e buscam oferecer adequadas respostas normativas à realidade
social, considerando a verdadeira simbiose entre crime organizado 741 e
corrupção.
Muito embora a discussão em torno das organizações criminosas
não seja nova 742, a atualidade das suas ações dá-se em razão dos avanços
tecnológicos e da globalização, contribuindo para a alteração de panorama
como informam CALLEGARI e WERMUTH: “Inseridas em nossa sociedade
globalizada, as organizações criminais transformaram um mercado de
ingressos ilegais organizados de forma artesanal em um mercado ilícito
empresarial gerenciado internacionalmente.”743
Isso se atrela ao tema da corrupção, pois a “cruzada” atual
contra a corrupção transcorre pari passu com a “cruzada” contra a
criminalidade organizada, a ponto de ser uma só. Os tratados internacionais e
os decretos 5.015/2004 e 5.687/2006 bem evidenciam essa afirmação.

741
Aqui compreendido como sinônimo de criminalidade organizada, muito embora não se
desconheça a crítica de PRADO: “O crime organizado, por sua vez, não se confunde com a
criminalidade organizada ou com organização criminosa, enquanto entidade jurídico-penal;
só tem viabilidade ou relevância se efetivamente existe uma norma penal que sobre ele
disponha, seja na forma de um tipo penal correspondente, seja na forma de uma causa de
aumento de pena – o que será objeto de posterior reflexão. Do contrário, verifica-se a
existência de uma criminalidade organizada, de organizações criminosas – inclusive com
relevância jurídico-penal -, mas não seria possível constatar a existência, no mundo jurídico,
do crime organizado.” PRADO, Luiz Régis. Associação criminosa. Crime organizado (Lei
12.850/2013). In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 938, dezembro de 2013. p. 260.
742
Muito embora seja própria de sociedades capitalistas com características empresariais
ligadas à obtenção de ganhos ilícitos. Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p.
36.
743
CALLEGARI, André Luis; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Crime organizado:
conceito e possibilidade de tipificação diante do contexto de expansão do direito penal. In:
Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 79, julho de 2009. p. 21.
243

Dentro daquilo que PEREIRA definiu como sendo uma “relação


espúria entre o crime organizado e a corrupção” é fácil depreender que o
abuso do poder público, deturpando e desviando a coisa pública em proveito
de particulares, satisfaz tanto os crimes-meio quanto os crimes-fim buscados
pelas organizações criminosas. 744
Para compreender a relação entre organização criminosa e os
delitos de corrupção, basta analisar as características ínsitas a cada um
destes polos delitivos. Voltemos, ainda que em sentido mais aberto, às
características da corrupção mencionadas no capítulo 01 deste trabalho. Os
delitos de suborno ativo e passivo (corrupção pública em sentido estrito)
estão, como visto, associados diretamente ao poder público, desenvolvem-se
dentro do Estado, pelo Estado e diante do Estado. Não se pode deixar de
sobrelevar que o poder público é atualmente o grande contratante do
mercado 745, com o que altas somas de dinheiro se veem envolvidas, bem
como é o ente regulador por excelência, circunstância que contribui
sobremaneira também para que na decisão do servidor público, em seu ato
de ofício, estejam envolvidos valores em regra consideráveis.
Os crimes de corrupção do poder público trazem em seu bojo as
manifestações do poder em todas as suas escalas e poderes, cujo desiderato
é a obtenção de vantagens por todos os intervenientes e, via de regra, de
cunho mais econômico do que moral. Paga-se a propina ao servidor,
promete-se lhe a vantagem indevida sempre com vistas à obtenção futura de
vantagens econômicas diretas e indiretas. E, ao final, toda esta trama delitiva
opera-se dentro do maior sigilo. A um, porque criminosa. A dois porque, se
descobertas as negociatas, acabarão e uma tripla inconveniência surgirá:
processamento administrativo do servidor, responsabilização administrativa
(improbidade administrativa) e criminal e, de arremedo, secará a fonte de
renda ilícita dos intervenientes dos atos de corrupção.
Já a criminalidade organizada ostenta nas suas características 746
essenciais (organização, finalidade lucrativa e cometimento de delitos graves)

744
Cf. PEREIRA, Flávio Cardoso. Crime organizado e sua infiltração nas instituições
governamentais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 44 e 45.
745
Cf. CASTRO CUENCA, Carlos Guillermo. La corrupción …, p. 21.
746
Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad ..., p. 126-149.
244

e nas colaterais (busca de impunidade, sigilo, vinculações com o mundo


empresarial, busca do domínio do mercado e atividade internacional) diversos
laços de interrelação com o agir corruptivo. Destaquem-se os mais
importantes: a corrupção praticada em larga escala se desenvolve sob a
égide de rígida organização; a finalidade de lucro, como visto, integra
igualmente a corrupção; o sigilo também é fator que une as duas realidades
criminosas e, ao final, as vinculações com o mundo empresarial e o domínio
de determinado mercado ou área de atuação de domínio privado muitas
vezes se atingem apenas por intermédio da corrupção.
Informa, com razão, José Paulo BALTAZAR JUNIOR:
“Muitas vezes a atividade criminosa organizada é protegida mediante o
pagamento regular de propina aos encarregados de sua repressão, (...). Os
agentes públicos figuram aqui como verdadeiros associados da
criminalidade.
(...)
As práticas de corrupção não se limitam, porém, aos servidores em contato
direto com a criminalidade de submundo, nem às organizações criminosas de
modelo tradicional, sendo prática recorrente também nas organizações
747
empresariais e junto a funcionários públicos de altas esferas.”

Deste modo, quase que numa relação de causa e efeito, de


perfeita simbiose, a criminalidade organizada e os delitos de corrupção se
aproximam e se complementam de tal forma que a política criminal há de ser
congregada e desenvolvida de maneira única, próxima e concatenada.
Nesta senda foi promulgada a Lei 12.850/2013, dispositivo
normativo que deu fôlego à política criminal brasileira anticrime organizado e
anticorrupção. Esta legislação não surgiu num passe de mágica, mas sim
como fruto das convenções internacionais ratificadas internamente pelo
Brasil. Em que pese a morosidade para a edição da Lei e as prejudiciais
lacunas pela ausência de definição legal 748, a Lei 12.850/2013 cuidou de

747
BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 132 e 133. Complementa CASTRESANA
FERNÁNDEZ: “La corrupción, tal como ha sido entendida tradicionalmente, ha variado
también sus características esenciales. En una medida especialmente importante, tal como
ha quedado descrito, como consecuencia del incremento y agravamiento de la actividad de
los grupos delictivos organizados, facilitada por la liberalización de los mercados sin la
correlativa modernización de los instrumentos legales y de los medios materiales y
personales disponibles por los Estados y en particular por los órganos de la Administración
de justicia de aquéllos.” CASTRESANA FERNÁNDEZ, Carlos. Corrupción …, p. 217.
748
Uma vez que diversos diplomas normativos dependiam desta definição para serem
devidamente interpretados, v.g., Lei 9.613/98 e Lei 11.343/2006.
245

definir normativamente a organização criminosa 749, dispôs sobre diversos


meios de prova e infrações penais correlatas e também alterou
particularidades do procedimento criminal como, por exemplo, fixar o prazo
para o término da instrução processual.
Convém, a partir disso, extrair as principais implicações
dogmáticas e político-criminais trazidas pela realidade normativa, bem como
alguns parâmetros para a sua correta interpretação.
Avaliada como necessária a criação de um subsistema de
repressão e prevenção da criminalidade organizada 750, e dentre as opções
político-criminais viáveis ao Estado Brasileiro, optou-se não apenas por
reforçar as penas do delito de bando ou quadrilha, mas sim por uma política
criminal integrada 751, com derivações penais e processuais penais, inclusive
com a criação de um tipo penal individualizado para a organização criminosa.
A partir do envolvimento cíclico entre corrupção e criminalidade
organizada, eis que os crimes de suborno acabam por gerar o crime
organizado como também a criminalidade organizada se vale em diversas
situações de atos de corrupção, o viés adotado pelas normas de soft law 752
no plano internacional e de hard law no plano interno é de ordem
preventivo753. Com o objetivo de “garantir a tranquilidade social e evitar que a
criminalidade alcance patamares superiores a um nível de suportabilidade

749
Art. 1º (...). “§1º. § 1 o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou
mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4
(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”
750
Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p. 249.
751
“A grande alteração que se deu nesta matéria foi, entretanto, a regulamentação
dispensada pela lei aos procedimentos que já existiam, como a ação controlada, a infiltração
de agentes e o acesso a registros, dados cadastrais, documentos e informações, os quais,
assim como a colaboração premiada, receberam tratamento em seções individualizadas.
Trata-se de tendência político-criminal adaptativa, na medida em que pretende melhorar as
condições para a persecução dos crimes que envolvem a criminalidade organizada.”
MASIERO, Clara Moura. A política criminal brasileira voltada à criminalidade organizada:
análise das leis penais aprovadas no Brasil entre 1940 e 2014. In: Crime organizado:
tipicidade, política criminal, investigação e processo. André Luis Callegari (organizador). 2ª
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2016. p. 71.
752
Hoje atuante com o hard law num sentido muito mais funcional e prático, de modo a
alcançar os objetivos comuns entre ambos. Neste sentido vide RODOTÁ, Stefano. Códigos
de conducta: entre hard law y soft law. In: Códigos de conducta y actividad económica: una
perspectiva jurídica. Alicia Real Pérez (coord.). Madrid: Marcial Pons, 2010. p. 22.
753
Cf. PEREIRA, Flávio Cardoso. Crime ..., p. 44.
246

possível, sob pena de enfraquecimento das próprias estruturas estatais” 754,


as barreiras de incriminação são antecipadas 755 de modo a incriminar a
organização criminosa em si mesma considerada, por sua própria existência
e, no direito brasileiro, com rigor ainda maior se comparado àquele
direcionado ao que agora se adjetiva por associação criminosa, anteriormente
denominada pelo nomen juris de quadrilha ou bando.
Dessarte, o esforço conjunto e internacional é de criminalizar
antecipadamente a associação delitiva nos parâmetros do assim considerado
grupo criminoso organizado, definido no artigo 2º do Decreto 5.015/2004,
como sendo um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há
algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou
mais infrações com pena superior a 04 anos ou ainda enunciadas na
Convenção de Palermo, e com a intenção de obter, direta ou indiretamente,
um benefício econômico ou outro benefício material.
Evidentemente não se pune a organização criminosa em si, mas
o fato de promover, constituir, financiar ou integrar 756 a aludida organização, o
direito brasileiro fixou no artigo 2º da Lei 12.850/2013 a pena de 03 a 08 anos
de reclusão, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais
infrações penais praticadas. Portanto, há uma clara escolha preventiva,
fulcrada na prevenção dos perigos757 gerados pelo <<delito de associação>>.
Tal escolha de caráter político-criminal preventivo, de
criminalização ex ante, destoa completamente da forma de tratamento
jurídico-penal ex post, quer dizer, por meio de um aumento de pena a partir

754
FERNANDES, Antonio Scarance. O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime
organizado. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 70, janeiro de 2008.
p. 240.
755
Anota Antonio Carlos da PONTE: “Em relação à criminalidade organizada e à
criminalidade voltada ao ataque a bens difusos, o Estado deve anteceder a ação do
criminoso, visto que, conforme já sustentado, após a violação ao bem jurídico-penal, a
atuação estatal pode afigurar-se como meramente retributiva.” PONTE, Antonio Carlos da.
Crimes ..., p. 175.
756
Alerta NUCCI no sentido de que “... bastaria o verbo integrar, que abrangeria todos os
demais. Quem promove ou constitui uma organização criminosa, naturalmente a integra;
quem financia, igualmente, a integra, mesmo como partícipe.” NUCCI, Guilherme de Souza.
Leis …, p. 678.
757
Cf. PUSCHKE, Jens. Origen, esencia y límites de los tipos penales que elevan actos
preparatorios a categoría de delito. In: InDret, Revista para el análisis del derecho,
Barcelona, 4/2010, outubro de 2010, disponível em
http://www.raco.cat/index.php/InDret/article/viewFile/226684/308306, acesso em 08 de
dezembro de 2015, às 22h30min, p. 04.
247

da confirmação de que este ou aquele delito tenha sido praticado por uma
organização criminosa. Alguns estudiosos poderiam afirmar que aí também
se estaria falando de prevenção geral, desta vez inserida no rigor punitivo
previsto no preceito secundário da norma.
Desta prevenção geral não se discorda, mas também é inviável
deixar de apontar que a inserção de um tipo penal de organização criminosa,
no direito brasileiro, para além da associação criminosa já tipificada
anteriormente, revela a inserção de mais uma figura normativa cujo caráter
antecipatório é total e irretorquível, considerando não só o aumento de pena
para situações que envolvam as organizações criminosas, mas sim a sua
tipificação autônoma. Tudo isso, alerte-se, com aplicação da regra de
concurso material entre o crime associativo e os delitos efetivamente
praticados pela organização criminosa.
Para que estas medidas antecipatórias da tutela penal não
revelem caráter simbólico 758, quando não autoritário, sua justificativa há de
estar ancorada na existência de um bem jurídico a ser protegido por meio da
figura típica <<organização criminosa>>. Também há de se possibilitar a
responsabilização, do ponto de vista material, da organização criminosa
independentemente dos delitos praticados por ela 759 e, por fim, deve
prevalecer justificativa plausível do motivo pelo qual o tipo penal de
associação criminosa (artigo 288 do Código Penal) não consegue dar vazão à
tutela pretendida.
Iniciando por este último tópico, a própria potencialidade delitiva
ínsita e particular das organizações criminosas derivaria de um tratamento
próprio e diferenciado daquele outorgado às associações criminosas 760, sendo
que “o tipo de quadrilha ou bando foi criado para atender a necessidade da
época dos bandos, de baixo grau de sofisticação e número mais limitado de
agentes”.761
Ocorre que o tipo penal de associação criminosa não consegue
dar vazão à tutela pretendida ou, de forma melhor colocada, a tipicidade

758
Cf. MOCCIA, Sergio. O controle …, p. 41.
759
Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad …, p. 251.
760
Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad ..., p. 242 e 243.
761
Cf. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 227 e 229.
248

incidente no artigo 288 do Código Penal não oferece a resposta para a


macrocriminalidade organizada. Ora, tanto em seu formato original, cunhado
em 1940, quanto na recente reforma realizada pela mesma Lei 12.850/2013,
o tipo penal de associação criminosa atende à associação para delinquir de
menor sofisticação, com menor número de agentes e, por isso, com pena
privativa de liberdade inerente ao desvalor de sua conduta. Já as
características das organizações criminosas seriam diversas, com “potencial
de ameaça e perigo gigantescos, além de poder produzir consequências
imprevisíveis e incontroláveis.” 762
Já a legitimidade da criminalização da pertença e integração de
uma organização criminosa deriva, conforme dito acima, da identificação de
um bem jurídico digno de tutela. Assim, de acordo com o posicionamento
majoritário, o bem jurídico dos delitos de organização (associação criminosa
e organização criminosa) revela-se como sendo a paz pública763, ou seja, “o
sentimento coletivo de segurança e de confiança na ordem e proteção
jurídica”764. O fundamento da antecipação da tutela penal residiria, a partir
desta concepção, no especial perigo que determinada organização de
pessoas direcionada à prática de delitos revela diretamente à paz pública e
também indiretamente ao direito de segurança dos cidadãos.765 Trata-se, nas
palavras de FIGUEIREDO DIAS, da intervenção estatal num “estado prévio,
através de uma dispensa antecipada de tutela, quando a segurança e a
tranquilidade públicas não foram ainda efetivamente violadas, mas se criou já
um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública.” 766

762
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 22.
763
NUCCI, Guilherme de Souza. Organização ..., p. 22; NUCCI, Guilherme de Souza. Leis
..., p. 679; GRECO FILHO, Vicente. Comentários à lei de organização criminosa: Lei
12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 26; PRADO, Luiz Régis. Associação ..., p. 268;
FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis.
Criminalidade ..., p. 48.
764
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 50.
765
“De considerar, ainda, que frequentemente, o cidadão individualmente ou a coletividade
não teriam condições de defender-se por si só, em casos como da inferioridade física ou
numérica ou mesmo da falta de informações em relação a produtos ou instalações
perigosas, tudo a se resumir na colocação do cidadão em uma situação de necessidade da
proteção estatal.” BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crime ..., p. 191.
766
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. A criminalidade organizada: do fenômeno ao conceito
jurídico-penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 71, março de
2008. p. 17. Importante ressaltar que para este autor não é necessário a tipificação de um
crime de organização criminosa, mas sim que o tratamento típico-penal da criminalidade
organizada se dê por meio do delito de associação criminosa e que esta se destine ao
249

Nada obstante e, com a devida vênia à corrente majoritária, tem-


se que a identificação do bem jurídico <<paz pública>> é unicamente
aparente, assim, não é capaz, por si só, de demonstrar a conveniência e
legitimidade de inserção de um tipo penal de organização criminosa, ou
mesmo ainda servir de fundamento para a criminalização da antiga quadrilha
e hoje denominada de associação criminosa. A manutenção do vetor <<paz
pública>> como objeto de tutela dá origem a uma dissolução intrasistemática
do Direito penal, o que mais nada significa do que uma desatenção,
doutrinária – quando não também legislativa, entre a figura típica e o objeto a
ser tutelado.767
Assiste razão a ESTELLITA e GRECO quando afirmam:
“Ainda assim, a paz pública – e o mesmo pode-se dizer da ordem pública, da
segurança interior, ou de quaisquer noções similares – não pode ser
entendida como um bem jurídico coletivo capaz de justificar qualquer
incriminação. Isso porque nenhum desses bens pode ser afetado por si só,
sem que ao mesmo tempo seja afetado outro bem qualquer, geralmente de
natureza individual.
Concretamente: a paz pública e qualquer das noções assemelhadas só
podem ser atingidas por um comportamento que, ao mesmo tempo, coloque
em perigo ao menos abstrato outros bens como a vida, a integridade física, a
propriedade, a existência ou o funcionamento do Estado. Isso significa que
um comportamento que afete os bens coletivos propostos pela opinião
dominante não tem qualquer conteúdo de desvalor adicional em comparação
a um comportamento que já afete os bens que acabamos de mencionar. A
menção ao bem coletivo é, portanto, redundante do ponto de vista normativo.
Ela nada acrescenta para a justificação da norma penal em questão.” 768

Na verdade, a extração da fundamentação da intervenção


jurídico-estatal, por meio do Direito penal, intervenção esta em caráter
excepcional, quanto mais se considerado o lícito direito de associação, se dá
a partir da consideração do status de perigo gerado – por meio da
organização criminosa – , aos bens jurídicos cuja lesão ou colocação em

cometimento de delitos de particular natureza e gravidade. Neste sentido: “Em


consequência, é um fenómeno – neste aspecto, análogo a tanto outros: a criminalidade
terrorista, a criminalidade política, a criminalidade económico-financeira... – que clama pela
sua relevância jurídico penal a múltiplos e decisivos propósitos. Isto porém é uma coisa,
outra completamente diferente a tentativa de elevar a criminalidade organizada à categoria
de crime, de a criminalizar, de a criminalizar qua tale, de a tipificar, de a constituir em um
tipo-de-ilícito ou em um tipo-de-crime autónomos, de procurar a determinação de um bem
jurídico específico que por via dela se vise tutelar e proteger.” FIGUEIREDO DIAS, Jorge de.
A criminalidade ..., p. 14.
767
Cf. HEFENDEHL, Roland. La criminalidad ..., p. 65.
768
ESTELLITA, Heloisa; GRECO, Luís. Empresa, quadrilha (art. 288 do CP) e organização
criminosa. Uma análise sob a luz do bem jurídico tutelado. In: Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n. 91, julho de 2011. p. 399 e 400.
250

perigo aquela organização criminosa intentava atingir com a associação


delitiva. A partir deste raciocínio, que vai além de uma mera troca de
palavras, permite-se retirar a lesividade do injusto de organização não por
meio da pretensa tutela de bens jurídicos inconclusivos e indeterminados,
mas sim da colocação em perigo dos bens jurídicos considerados no
programa criminoso da organização levada a julgamento num caso
concreto.769
Nem se alegue, de outro canto, desrespeito ao brocardo ne bis in
idem, porquanto a organização criminosa teria o condão de ser criminalizada
sob um aspecto geral de criação de perigos a bens jurídicos, na sua maior
parte não identificáveis aos seus detentores. Do contrário, os delitos
realmente praticados pela organização criminosa são inclusive punidos a
título de concurso material, haja vista que a lesão se daria efetivamente sobre
um bem jurídico determinado. A associação delitiva incide sobre um bem
jurídico de natureza coletiva e indeterminada, aqui reconduzido à ideia de
perigo aos bens jurídicos cujo programa criminal a associação busca atingir.
Outra situação é a conjuntura concreta, seja de perigo, seja de efetiva lesão,
a partir dos delitos efetivamente praticados pela organização. Tanto é assim
que “o perigo que gera o delito associativo não se dirige ao bem concreto que
o cometimento de um crime-fim lesiona, e sim a todos os bens da mesma
classe, dos quais em geral é titular um número indeterminado de pessoas.”770
Portanto, o tipo penal de organização criminosa, se corretamente
interpretado, se vê justificado, porém em sentido diverso da proteção da paz
pública, mas sim a partir do próprio perigo gerado pelo atuar associativo771
permanente e numeroso das organizações criminosas que possibilitam num

769
Cf. ZÚÑIGA RODRÍGUEZ, Laura. Criminalidad ..., p. 267.
770
Cf. ESTELLITA, Heloisa; GRECO, Luís. Empresa ..., p. 401.
771
Fazendo valer o teste proposto por ESTELLITA e GRECO: “Do até agora exposto se
pode derivar um teste, que talvez seja de grande utilidade heurística: o delito associativo só
estará realizado se, subtraindo-se mentalmente a prática de quaisquer outros delitos, restar
na mera associação de pessoas conteúdo de desvalor suficiente a ponto de justificar uma
sanção penal. Se o único ponto de apoio para a imputação do delito associativo for a prática
dos outros crimes, está-se punindo essa prática duas vezes, já que associação, em si
mesmo, é algo que o ordenamento jurídico não valora negativamente.” Empresa ..., p. 405.
251

primeiro momento retirar barreiras impeditivas usuais e, em outro, criar


estruturas que facilitam a prática de delitos graves, tais como a corrupção.772
E, identificada a razão concreta de punição, pode-se asseverar
que o tipo penal, inserido no artigo 2º da Lei 12.850/2013, veio destituído de
parâmetros proporcionais, ao menos se considerada a pena estipulada de 03
a 08 anos de reclusão. Ao lado do aspecto preventivo da norma deu-se lugar
ao punitivismo exacerbado 773 e sem razão de ser, ostentando sim
características notoriamente repressivas e, neste pormenor, sem fundamento.
O rigor punitivo estabelecido com a pena privativa de liberdade
de 03 a 08 anos, associado ao concurso material com o(s) crime(s)
eventualmente cometido(s) pela organização criminosa foi bem além da
necessária pena justa.
Não que o concurso material não seja a solução legislativa
correta, pelo contrário. Aliás, uma vez tipificado o delito de organização
criminosa sob a identificação de um bem jurídico autônomo, como visto
acima, não há realmente outra conclusão defensável senão a soma aritmética
das penas. O que diminui a capacidade de rendimento do tipo penal em
debate, em especial por seu viés desproporcional (e inconstitucional), é a
quantidade da pena cominada a delito de cariz absolutamente preventivo e,
também, de perigo, se comparada com as penas dos delitos passíveis de
cometimento pela própria organização.
Transparece, salvo melhor juízo, que a estipulação fixa de pena,
tal como empregada pelo direito brasileiro, afigura-se como desproporcional
se considerado que raramente será o autor julgado apenas e tão-somente
pelo delito de organização. O corriqueiro e usual, tomando, por exemplo, o
ocorrido com o antigo delito de quadrilha ou bando, é que o autor responda,
em concurso material, pelos delitos cometidos pela organização criminosa e,
adicionalmente, pelo próprio crime de integrar a organização delitiva.
A pena, no patamar em que estipulada, revela a ingenuidade que
reveste o legislador brasileiro ao acreditar piamente na finalidade preventiv o-
geral da norma penal, quando não na própria repressão penal (mera

772
Cf. HEFENDEHL, Roland. La criminalidad ..., p. 66.
773
Cf. MASIERO, Clara Moura. A política ..., p. 69.
252

reprovação do crime), esta última característica carregada de um conhecido


populismo e oportunismo eleitoreiro, ocorrência delineada – em termos bem
mais polidos – por HEFENDEHL como um ativismo jurídico-político:
“La política reacciona a los escenarios de amenaza, que ella misma cría, o
que los medios de comunicación atizan. Habituales son también los reportes
según los cuales la criminalidad organizada se habría desbordado en nuestro
Estado en una medida amenazante, y que entonces tanto el Derecho Penal
como los métodos de investigación del Derecho Procesal Penal deben ser de
774
plano las armas más severas del Estado para defenderse.”

Identificada a razão de ser do tipo penal de organização


criminosa, uma proposta de lege ferenda seria uma readequação do quantum
de pena cominada, pois, do contrário, está-se a prognosticar decisões
descompassadas com a realidade, em que os delitos de efetiva lesão sejam
apenados com pena inferior ao delito de perigo, in casu, a organização
delitiva.
E mais. As disposições eminentemente repressivas vieram ainda
mais catalogadas para as ocorrências de corrupção, porquanto a Lei
12.850/2013 determina que ocorra um aumento de pena de 1/6 a 2/3 se no
delito de organização criminosa for verificado o concurso de funcionário
público, valendo-se a organização dessa condição para a prática de
determinada infração penal. Diz ainda no §6º do artigo 2º, que a condenação
com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo,
função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função
ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento
da pena.
Ora, considerando que o delito de corrupção passiva
efetivamente cometido é muito mais grave que a mera organização para
delinquir, deveria o legislador ter pensado – ao menos – e novamente – em
homenagem ao princípio da proporcionalidade – na imposição de tais rigores
ao delito de corrupção passiva em lugar da organização criminosa.
Do ponto de vista processual penal, a Lei 12.850/2013 trouxe
como medida autônoma (e aí a novidade, pois não se está falando em caráter
alternativo a eventual prisão preventiva nos termos do artigo 312 do Código

774
HEFENDEHL, Roland. La criminalidad ..., p. 64.
253

de Processo Penal) o afastamento cautelar do cargo, emprego ou função,


sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
investigação ou à instrução processual.
Se de um lado ao Direito penal cabe oferecer uma resposta
satisfatória à sociedade, de modo que inclusive se aperfeiçoe a proteção de
bens jurídicos – e parece que a Lei 12.850/2013 justamente foi cunhada
nesse sentido – o mesmo Direito penal precisa de freios para a pretendida
otimização. A obtenção de melhores resultados penais deve e precisa ser
limitada por garantias e princípios que vedem alguns vértices de eficácia
absoluta775. In casu, está-se a falar do princípio da proibição de excesso e do
princípio da proporcionalidade.
Portanto, o rendimento da Lei 12.850/2013 já pode ser valorado
como positivo, ao menos no tocante ao preceito primário da norma
incriminadora. Inicialmente, em razão de o Estado brasileiro não apenas
chancelar perante seu direito interno as duas convenções internacionais nas
quais foi signatário. Pelo contrário, ao menos no tocante à criminalização da
organização criminosa acabou por dar consecução ao artigo 5º do Decreto
5.015/2004. Para a percepção de outros Estados soberanos é absolutamente
relevante que o Brasil seja visto como nação cumpridora de seus
compromissos e como país consciente de sua obrigação de prevenir e
reprimir o crime organizado.
Antes mesmo da edição da Lei 12.850/2013, o Conselho da
Justiça Federal especializou 776 varas federais em todo o país, a exemplo do
que ocorreu no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região 777, para
que uma das varas criminais federais de cada uma das capitais dos Estados
da Região Sul passasse a ter competência exclusiva para julgar os crimes
praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter

775
Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda. Política criminal. Novos desafios. Velhos Rumos. In:
Direito Penal Económico e Europeu: textos doutrinários. Volume III. Coimbra: Coimbra
Editora, 2009. p. 160.
776
Sobre os ganhos e prejuízos da especialização judicial vide DOMÉNECH PASCUAL,
Gabriel; MORA-SANGUINETTI, Juan S. InDret, Revista para el análisis del derecho,
Barcelona, n. 01, 2015, disponível em http://www.indret.com/pdf/1120_es.pdf, acesso em 18
de junho de 2015, às 22h40min
777
Resolução n. 42, de 19 de julho de 2006, da Presidência do Tribunal Regional Federal da
4ª Região.
254

transnacional das infrações, e também da competência já existente naquelas


varas para o julgamento de crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei
7.492/86) e de lavagem ou ocultação de bens (Lei 9.613/98).
Já os desafios da legislação presente se encontram no assento
da prática jurídico-penal, ou, em termos mais diretos, na interpretação que os
órgãos de acusação darão à tipicidade e conceituação normativa da
organização criminosa e como o Poder Judiciário combaterá os excessos
que, se não em larga escala, ainda sim vão existir.
A determinação da organização criminosa de pessoas como uma
causa de aumento 778 para delitos efetivamente cometidos realmente pode não
cumprir o desiderato a que se propõe, pois obrigaria, ou melhor, vincularia a
repressão da organização criminosa somente quando ocorresse a efetiva
responsabilização judicial do(s) delito(s) almejado(s). Contudo, de nenhuma
forma se pode banalizar os elementos constitutivos da organização criminosa
como figura típica, tais como a estabilidade/permanência 779, a estruturação e
divisão de tarefas 780, o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza 781 e
os delitos 782 propostos.
Assim é que, dentro desta crítica concordância com a Lei
12.850/2013 e suas ferramentas indiretamente destinadas à repressão e
prevenção da corrupção ativa e passiva, se pode apontar o parâmetro
interpretativo delineado no voto da Exma. Sra. Dra. Ministra Rosa Weber nos
autos de Embargos Infringentes na Ação Penal 470:
“O ponto central de minha divergência diz com a concepção doutrinária que
tenho do delito de quadrilha tal como previsto já na redação original do art.
288 do Código Penal. Não basta, para o seu delineamento, que mais de três
pessoas, unidas ainda que por tempo expressivo, pratiquem delitos. É
necessário mais: é necessário que esta união seja voltada para a específica
prática de crimes. Em outras palavras, a lei exige, na minha concepção, que
a affectio societatis a informar a reunião dessas pessoas seja qualificada
pela intenção específica de cometer crimes. E tanto é que pode se configurar

778
Vide, por exemplo, a contundente crítica e consequente proposta formulada por
PITOMBO, Antonio Sérgio Altieri de Moraes. Organização criminosa. Nova perspectiva do
tipo legal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 190 a 197.
779
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p. 29 e 55.
780
Cf., NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 676.
781
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 676; NUCCI, Guilherme de Souza.
Organização ..., p. 15 e 16.
782
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis ..., p. 676; NUCCI, Guilherme de Souza.
Organização ..., p. 16; BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo. Comentários ..., p.
35.
255

o delito de quadrilha – crime formal -, antes mesmo da prática de qualquer


dos crimes para os quais instituída a associação. Essa especificidade
necessária não se faz presente, a meu juízo, data venia, no caso dos autos,
o que me levou, e mais uma vez me leva, a votar pela absolvição do
embargante forte no art. 386, III, do Código de Processo Penal - atipicidade
783
de conduta.”

4.5. Propostas de alteração legislativa: corrupção ativa e passiva como


crime hediondo.

A Lei 8.072/90, diploma legal regulador dos crimes hediondos 784,


possui em torno de si uma aura de relevância e louvor, quase salvadora e
solucionadora dos problemas vividos no direito brasileiro. Todos os
problemas de segurança pública, imaginam alguns, seriam solucionados a
partir do momento em que um delito fosse cravado como hediondo. A obra de
Jesús-Maria SILVA SÁNCHEZ 785 consegue explicar de maneira muito
satisfatória os motivos desta expansão e crença no Direito penal que, no caso
da Lei 8.072/90 em território brasileiro, diz respeito não à quantidade do
Direito penal, mas sim à qualidade e recrudescimento da pena imposta aos
delitos assim classificados como hediondos.
Atualmente há 03 propostas bem definidas sobre a tentativa de
alçar os delitos de corrupção (strictu e lato sensu) à categoria de hediondos.
Tais iniciativas ficam por conta do Projeto de Lei 2.489/2011 786, do Projeto de
Lei 5.900/2013 787 e da iniciativa do Ministério Público Federal nas

783
Disponível em
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6556057, página 105,
acesso em 25 de junho de 2015, às 22h07min.
784
A respeito da Lei 8.072/90 vide, em caráter obrigatório, NUCCI, Guilherme de Souza.
Leis ..., p. 423 e seguintes; FRANCO, Alberto Silva; LIRA, Rafael; FÉLIX, Yuri. Crimes
hediondos. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
785
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política
criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999.
786
De autoria do Deputado Roberto de Lucena, disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=523037, acesso
em 15 de agosto de 2015, às 15h46min. Este projeto de Lei se encontra apensado ao
Projeto de Lei n. 5900/2013 de autoria do Senador Pedro Taques.
787
De autoria do Senador Pedro Taques, disponível em
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=583945, aceso
em 15 de agosto de 2015, às 15h48min.
256

denominadas 10 medidas contra a corrupção, iniciativa que traz em seu bojo


também uma proposta de projeto de lei. 788
A essência das propostas em relação aos crimes de corrupção
ativa e passiva, é em si muito parecida e converge para tornar hediondos os
crimes de corrupção passiva e ativa que, de acordo com a Lei 8.072/90: i)
não são passíveis de graça, indulto (artigo 2º, inciso I); ii) não são passíveis
de fiança (artigo 2º, inciso I); iii) a pena imposta em razão de crime hediondo
é cumprida inicialmente em regime fechado (artigo 2º, §1º); iv) a progressão
de regime, no caso dos condenados por crimes hediondos, dar-se-á após o
cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de
3/5 (três quintos), se reincidente (artigo 2º, §2º); v) em caso de sentença
condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em
liberdade (artigo 2º, §3º); vi) o livramento condicional tratado no artigo 83 do
Código Penal será deferido desde que o sentenciado tenha cumprido mais de
dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, isso se o
apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (artigo 5º);
e, por fim, vii) a pena do artigo 288 do Código Penal (delito de associação
criminosa) passa a ser de três a seis anos (artigo 8º). 789
Em ambos os projetos (2.489/2011 e 5.900/2013) a pena dos
arts. 317, caput, e 333, caput, são alteradas de 2 a 12 anos de reclusão para
4 a 12 anos de reclusão. A diferença fica por conta da proposta da
Procuradoria Geral da República. Por meio desta seria inserido no Código
Penal o artigo 327-A, de seguinte redação:
“Art. 327-A. As penas dos crimes dos arts. 312 e § 1º, 313-A, 316 e § 2º, 317
e 333 serão de:
I – reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, se a vantagem ou o prejuízo é
igual ou superior a 100 (cem) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato;
II – reclusão, de 10 (dez) a 18 (dezoito) anos, se a vantagem ou o prejuízo é
igual ou superior a 1.000 (mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato;
III – reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos, se a vantagem ou o
prejuízo é igual ou superior a 10.000 (dez mil) salários-mínimos vigentes ao
tempo do fato.
§ 1º O disposto no parágrafo anterior não obsta a aplicação de causas de
aumento ou de diminuição da pena, previstas na Parte Geral ou Especial
deste Código.

788
Disponível em http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas, acesso em 15 de
agosto de 2015, às 15h59min.
789
A disposição acerca da prisão temporária não atinge os delitos contra a administração
pública.
257

§ 2º A progressão de regime de cumprimento da pena, a concessão de


liberdade condicional e a conversão da pena privativa em restritiva de
direitos, quando cabíveis, ficam condicionados à restituição da vantagem
indevidamente auferida ou do seu equivalente e ao ressarcimento integral do
dano.”

Afora possível ganho de votos ou popularidade sempre


pretendidos por Deputados e Senadores que, na verdade, pouca
preocupação demonstram com a política criminal no Brasil, a questão é que
as propostas acima mencionadas acreditam, por incrível que isso possa
parecer, em seus fundamentos.
Note-se que propostas desta índole se apoiam na credibilidade
do sistema penal – e na pena em si – para diminuir o número de crimes de
corrupção, mesmo tendo conhecimento de que o aumento das penas e
diminuição de benefícios penais não debelou a ocorrência de homicídios
qualificados e do tráfico de entorpecentes no território brasileiro. Indaga-se:
há maior certeza de existência e funcionamento do sistema penal do que o
subsistema direcionado ao tráfico de entorpecentes, aí incluindo a severidade
da pena e das medidas cautelares pessoais e penais?
O caráter de racionalidade (teoria da escolha racional) 790 a incidir
nos delitos de corrupção ativa e passiva – valendo mencionar que isso faz
parte do discurso do Ministério Público Federal 791 – seria fator decisivo que,
se contraposto à gravidade da pena cominada ao delito de corrupção,
motivaria o corrupto a se abster da prática do delito.

790
Vide a respeito o esclarecedor artigo de BLANCO CORDERO, Isidoro. La corrupción
desde una perspectiva criminológica: un estudio de sus causas desde las teorías de las
actividades rutinarias y de la elección racional. In: Serta. In Memorian Alessandro Baratta.
Fernando Pérez Álvarez (ed.). Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2004.
791
“Além disso, segundo estudos consagrados sobre corrupção, como os de Rose-Ackerman
e Klitgaard, uma das perspectivas do ato corrupto apresenta-o como fruto de uma decisão
racional que toma em conta os benefícios e os custos da corrupção e os do comportamento
honesto. A ponderação dos custos da corrupção envolve o montante da punição e a
probabilidade de tal punição ocorrer. A inserção de tais delitos como hediondos repercute
diretamente no montante da punição, sob prisma prático, pesando como fator negativo na
escolha racional do agente. É extremamente raro que autores de crimes de colarinho-branco
sejam punidos e, quando punidos, que cumpram pena em regime fechado, mesmo quando
os crimes são extremamente graves. A perspectiva de pena mais grave, e de condições
mais gravosas de cumprimento de pena, será certamente um fator de desestímulo a tais
práticas criminosas. No cenário atual, em que grandes esquemas de corrupção são
descobertos, é preciso adotar medidas firmes para mudar a realidade.” Disponível em
http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas/docs/medida_3_versao-2015-06-
25.pdf, acesso em 19 de agosto de 2015, às 00h09min.
258

Acredita-se, e assim o discurso ao menos receberia maior


coesão, pois no fundo a finalidade pretendida é a da repressão, do
pagamento pelo mal causado, e não apenas na ideia de prevenção geral
positiva anunciada por seus idealizadores.
A crítica aqui realizada conta com apoio doutrinário tal como o
realizado por BECHARA ao expor a política criminal brasileira:
“En lo que atañe a la eficacia de la intervención estatal brasileña sobre el
control de la corrupción, se evidencia aún la prevalencia del sistema penal
sobre el prisma de un ideal represivo en expansión. Así, además de los
mencionados tipos penales ya existentes, se observan múltiples propuestas
legislativas en trámite en el Congreso Nacional, caracterizadas por el
casuismo y falta de técnica, como ejemplo del proyecto de ley que pretende
volver atroces (“hediondos”) los delitos de corrupción activa, pasiva,
concusión y peculado cuando son cometidos por las altas autoridades.
A pesar de la aparente opción brasileña por una expansiva política criminal
represiva en materia de corrupción, en la práctica sus resultados han sido
poco fructíferos, principalmente por la falta de coordinación entre las esferas
formales involucradas. Consecuentemente, son frecuentes los casos en que
no se llega a la recuperación de los perjuicios causados y tampoco al retiro
del funcionario público de sus funciones, lo que pone en evidencia la
comunicación deficiente en el proceso de control represivo. De la misma
manera, se observa que una parte importante de los casos de práctica de
corrupción pública llegan al conocimiento del Estado, por medio de denuncias
de parientes, conocidos o adversarios y no como resultado de la fiscalización
regular, como sería deseable en el ámbito de una política de control racional.
Estos datos empíricos ponen en evidencia el fracaso del sistema penal en el
sentido de propiciar por sí mismo el control de la corrupción en el Brasil,
funcionando apenas como instrumento político de gobierno con carácter
792
simbólico.”

Propostas como as descritas acima nada mais revelam do que o


chamado Direito penal de emergência, caracterizado pelo uso desmedido da
lei penal que objetiva tratar (precária e indevidamente) os efeitos e não as
causas de determinado problema econômico ou social, in casu, a corrupção.
O resultado são normas penais de caráter quase ilimitado 793,
suficientes e adequadas ao enfrentamento da corrupção brasileira. Em já
existindo o tipo penal, trata-se de aumentar a sua pena e retirar eventuais
benefícios cabíveis ainda previstos em lei. Resta estreme de dúvidas que o
sistema penal anticorrupção, cunhado nas propostas de adjetivá-los de

792
BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. La evolución político-criminal brasileña en el control
de la corrupción pública. In: Revista General del Derecho Penal, Madrid, volumen 17, 2012.
p. 07 e 08.
793
Cf. MAZZACUVA, Nicola. El futuro del derecho penal. In: Crítica y justificación del
derecho penal en el cambio del siglo. Cuenca: Ediciones de la Universidad Castilla-
LaMancha, 2003. p. 231.
259

hediondos é apenas um meio, ainda que totalmente inadequado, para atingir


um fim inatingível: diminuir a corrupção por meio do Direito penal.
Veja-se que a tentativa de imposição de maiores rigores
consequenciais aos delitos de corrupção se encaixa claramente nos pontos
delineados por ZAFFARONI 794 para definir o que seria a utilização
emergencial do Direito penal. As reformas assim se dirigem a um fato novo,
qual seja o desvelar da corrupção, a gravidade da corrupção nos dias atuais.
Ato seguido, a mídia conclama a opinião pública e a dirige como quer,
propugnando por novas e imediatas soluções à criminalidade gerada pela
corrupção. Os mais avisados sabem que a norma penal alterada ou criada
para a ocasião irá proporcionar à opinião pública a falsa sensação de solução
da corrupção e, juntamente a isso, violará regras e garantias construídas ao
longo da criação do Direito penal moderno.
Afora a tese de que a mídia gera a sensação de necessidade de
reformas urgentes e que alterem o status quo das normas em vigor, o grande
fundamento para que prevaleçam alterações legislativas no fundo nada
democráticas é a crise de legalidade claramente instalada no Estado
brasileiro.
Não se trata de uma ilação, mas sim de afirmação notoriamente
confirmada e direcionada aos dias atuais, com enfoque inclusive à realidade
nacional. Trata-se da certeza da crise incidente sobre o Estado a partir da
falta de condições legais, legítimas e práticas para administrar a coisa
pública, entre elas o enfrentamento eficaz das práticas corruptivas, buscando
diminuir a um nível satisfatório a sua ocorrência.
Com razão afirma Sergio MOCCIA: “a crise de legalidade e de
legitimidade atingiu vastos setores do sistema, deixando emergir também a
absoluta ineficiência das estruturas institucionais para garantir aqueles
controles político-administrativos que teriam podido ser úteis para prevenir as
degenerações criminais da gestão da coisa pública.”795.

794
Cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La creciente legislación penal y los discursos de
emergencia. In: Teorías Actuales en el Derecho Penal (varios autores). Buenos Aires:
Editorial Ad-Hoc, 1998. p. 617.
795
MOCCIA, Sergio. Emergência e defesa dos direitos fundamentais. In: Revista Brasileira
de Ciências Criminais, São Paulo, n. 25, janeiro/março de 1999. p. 58.
260

Instalado, portanto, um sistema de causa e efeito absolutamente


viciado. A corrupção – deixando de lado a mídia – e aferindo-a a partir de
dados concretos, como os fornecidos pela Transparência Internacional ou
ainda pela Federação das Indústrias de São Paulo (FIEP) – assola
verdadeiramente o país. De outro lado, o Estado, em todas as suas instâncias
e poderes, encontra-se impedido normativa e praticamente de promover
políticas públicas adequadas para debelá-la, ao menos de maneira contínua e
efetiva, o que abre espaço para medidas legislativas tais como as agora
protagonizadas e que visam aumentar penas, retirar garantias, mas que não
conseguem diminuí-la.
Sobre o tema afirma Jesús-Maria SILVA SÁNCHEZ:
“Lo anterior, con todo, todavía no explicaría de modo necesario la demanda
de punición y la consiguiente expansión precisamente del Derecho penal. En
efecto, tales datos podrían conducir ciertamente a una expansión de los
mecanismos de protección no jurídicos, o jurídicos, pero no necesariamente
jurídico-penales. Ocurre, sin embargo, que tales opciones o son inexistentes,
o parecen insuficientes, o se hallan desprestigiadas. En primer lugar, la
sociedad no parece funcionar como instancia autónoma de moralización, de
creación de una ética social que redunde en la protección de los bienes
jurídicos. En segundo lugar, es más que discutible que cierta evolución del
Derecho civil del <<modelo de la responsabilidad>> al <<modelo del
seguro>> esté en condiciones de garantizar, por un lado, que éste cumpla
efectivamente funciones de prevención e, por otro, que garantice a los
sujetos pasivos una compensación, si no integral (cuya propia posibilidad
resulta cuestionable), al menos mínimamente próxima a ésta. En tercer lugar,
la burocratización y, sobre todo, la corrupción han sumido en un creciente
descrédito a los instrumentos de protección administrativa (ya preventivos, ya
sancionatorios). Se desconfía – con mayor o menor razón, según las
ocasiones – de las Administraciones públicas en las que, más que medios de
protección, se tiende a buscar cómplices de delitos socio-económicos de
796
signo diverso.”

Os resultados passam a ser exigências sociais a outorgar ao


Direito penal e ao processo penal finalidades que não lhes pertencem. A
proteção de bens jurídicos (Direito penal) e o meio seguro e democrático para
a solução judicial de casos penais (processo penal) tornam-se reféns da
imperiosa luta e erradicação de um problema social e econômico que não
lhes diz respeito, ao menos diretamente. A garantia de segurança e boa

796
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. La expansión …, p. 44 e 45.
261

administração é função do Estado por meio de todas as suas políticas


públicas e não por medidas que visam o encarceramento. 797
Sequer o aumento de pena é advogado de maneira deliberada
pelo Decreto 5.687/2006 (Convenção de Mérida), e pode-se afirmar que as
medidas legislativas pretendidas para tornar o delito hediondo e aumentar a
pena cominada estão inclusive em dissonância com a regra mestra
internacional. Isso porque consta no artigo 30 do Decreto 5.687/2006 que “1.
Cada Estado Parte punirá a prática dos delitos qualificados de acordo com a
presente Convenção com sanções que tenham em conta a gravidade desses
delitos.”
Nas entrelinhas desta relação entre as reformas legislativas
pretendidas, o Decreto 5.687/2006 e as penas atualmente cominadas aos
delitos de corrupção bem demonstram a impropriedade daquelas. O
argumento é que o aumento das penas dos delitos de corrupção ativa e
passiva merece ser majorada para que o regime inicial seja no mínimo o
semi-aberto e, por conseguinte, não seja viável a substituição da pena
privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. A utilização simbólica
do Direito penal, como ferramenta de política de segurança, está
demonstrada a partir da inexistência de uma proposta de manutenção das
penas atuais, mas com a impossibilidade de substituição pelas penas
restritivas de direito e ainda por uma alteração pontual para estes delitos, de
modo que seja viável o regime semi-aberto já a partir de 02 anos.
Trata-se de uma provocação, até porque não se concordaria com
um projeto desta índole e, caso existisse, a crítica estaria aqui presente da
mesma forma. O que se quer afirmar é que as propostas se valem das regras
do sistema penal para que a pena aplicada seja justamente a mais grave e
não a mais justa. Pelo contrário. Defendem-se as medidas propostas para
chegar à punição pela mera punição, o encarceramento pelo encarceramento,
este último fantasiado de prevenção geral.
Há muito não se moderniza adequadamente o sistema penal
brasileiro, há muito não aumentam as carreiras policiais, inclusive com

797
Cf. HASSEMER, Winfried. Persona, mundo y responsabilidad. Bases para una teoría de
la imputación en Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 86.
262

remuneração digna, não se pensa em reformar a estrutura dos Tribunais de


Apelação e muito menos o Superior Tribunal de Justiça, órgão de notória
importância, engessado na mesma estrutura cunhada pela Constituição de
1988 (contudo desenhado para um momento social, político e econômico –
inclusive de não acesso à Justiça – que hoje não mais persiste). Fala-se
apenas em aumentar a severidade da sanção penal.
Não se trata de defender o criminoso, mas de demonstrar a
incoerência do discurso direcionado para tratar as consequências jurídicas do
delito como se estas fossem a causa da corrupção. Os fatores causadores da
corrupção foram tratados, quiçá não em caráter exaustivo, no capítulo 01
deste trabalho, sem qualquer espécie de parcimônia com os imputados e réus
em processos corruptivos.
Há muito a fazer no Brasil para que a corrupção assuma, como
dito, níveis mais aceitáveis. Erradicada nunca será. Mas certamente apostar
na suficiência das medidas normativas cujo intento é o recrudescimento da
sanção penal, seja a sanção direta (pena cominada), seja a indireta
(impossibilidade de benefícios penais e processuais penais) traz em si traços
de larga ingenuidade. A própria Lei 8.072/90 em seus quase 15 anos de
existência, bem como outros discursos emergenciais (v.g., Lei Maria da
Penha, Lei 11.340/2006), já demonstraram que os consectários dessa política
criminal não mais são do que simbólicos. Assiste, portanto, razão a Sérgio
MOCCIA quando afirma que “legitimidade e efetividade devem, portanto,
caminhar juntas, iluminadas pela ideia de subsidiariedade que, no estado
social de direito, impõe o recurso ao sistema penal somente como extrema
ratio e respeitando todas as garantias estabelecidas.”798

4.6. Os programas de cumprimento de normas ou compliance. O rendimento


desta categoria para os delitos de corrupção em sentido estrito.

Em paralelo à importância que o tema da corrupção obteve nos


últimos tempos, também o volume de discussão e produção legislativa e

798
MOCCIA, Sergio. Emergência ..., p. 89.
263

doutrinária sobre aquilo denominado de programas de cumprimento de


normas ou ainda de programas de compliance 799 aumentou
consideravelmente. O recém-editado Decreto 8.420/2015 da Controladoria
Geral da União (CGU) regulamentador da responsabilização objetiva
administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira, de que trata a Lei
12.846/2013, acabou por fazer uso do termo “programa de integridade” e
inseriu propriamente tal temática no direito brasileiro.
Este programa, nos termos do artigo 41 do Decreto 8.420/2015
da CGU, consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de
mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta e em políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração
pública, nacional ou estrangeira.
O início da discussão a respeito dos programas de compliance
mundo afora se deu a partir de algumas constatações fáticas, que levaram
inclusive a comunidade internacional a cuidar do tema a partir de tratados
internacionais (tome-se, por exemplo, a Convenção de Mérida no âmbito da
ONU) 800.
De maneira muito sintética tem-se que foi nos Estados Unidos da
América, a partir dos anos 40 do século passado, que empresas fabricantes
de equipamentos eletrônicos passaram a se preocupar com o cumprimento
de condutas internas para fins de proteger as regras concorrenciais. 801 Em
seguida os temas ligados à lavagem de dinheiro 802, à corrupção e à proteção

799
“El término cumplimiento normativo (compliance) es uno de los más vagos e inexpresivos
que se haya acuñado jamás. Por sí sólo no dice apenas nada, salvo lo evidente: actuar
conforme a la legalidad, entendiendo legalidad en un sentido amplio, que abarcaría el
cumplimiento de obligaciones procedentes de la ley (civil, penal, administrativa, laboral, del
mercado de valores, etc.), pero también las directrices internas de la empresa y en especial
su código ético.” NIETO MARTÍN, Adán. El cumplimiento normativo. In: Manual de
cumplimiento penal de la empresa. Adán Nieto Martín (director). Valencia: Tirant lo Blanch,
2015. p. 25.
800
Artigos 12 e 13 do Decreto 5.687/2006.
801
NIETO MARTÍN, Adán. El cumplimiento …, p. 27
802
Artigo 9º e seguintes da Lei 9.613/98. Afirma ainda GLOECKNER: “Basicamente, a
criminal compliance procura evitar a responsabilização de agentes ou da empresa que opere
com o mercado financeiro, determinando procedimentos para que com o seu cumprimento,
264

do mercado financeiro 803 também foram responsáveis pela instituição e


consolidação do compliance entre os assuntos mais discutidos no cenário
legislativo interno e internacional.
Os fatores que desencadearam a aplicação dos programas de
compliance, assim considerados como a implantação de medidas de
prevenção a incidir sobre a atividade empresarial de modo a assegurar o
cumprimento das normas internas e externas, possibilitar a denúncia aos
setores competentes e inclusive contar com um sistema de sanções às
infrações804, muito se confundem com o próprio desvelamento e consequente
ocupação das instâncias repressivas e preventivas em torno da corrupção no
cenário atual (vide subitem 1.3. supra). Encaixam-se, assim, perfeitamente, a
globalização das empresas e mercados, o emprego de normas de soft law e a
responsabilização de pessoas jurídicas (tanto pelo Direito administrativo
como pelo Direito penal), como fatores que explicam e fundamentam a
adoção dos programas de compliance.
De outro lado, não há como discordar de que os programas de
cumprimento normativo, ou como quer a legislação brasileira, programas de
integridade, revelam um claro propósito de prevenção a partir de normas

seja evitada uma prática delitiva.” GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Criminal compliance,
lavagem de dinheiro e o processo de relativização do nemo tenetur se detegere: cultura do
controle e política criminal atuarial. In: Direito penal e criminologia [Recurso eletrônico on-
line] / organização CONPED/UFF; coordenadores: Rodrigo de Souza Costa, Nestor Eduardo
Araruna Santiago, Wagner Ginotti Pires. Florianópolis: FUNJAB, 2012. p. 79. Disponível em
http://www.publicadireito.com.br/publicacao/livro.php?gt=15, acesso em 12 de março de
2014.
803
V.g. a Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act nos Estados Unidos,
promulgada em 21 de julho de 2010. Aduz Arturo GÓNZALEZ DE LEÓN BERINI: “La Dodd-
Frank Wall Street Reform and Protection Act establece como su objetivo principal – según
señala ya el propio enunciado de la ley – promover la estabilidad económica y financiera de
los Estados Unidos de América mediante la mejora de los mecanismos de rendición de
cuentas y la garantía de una mayor transparencia en el funcionamiento de las enti dades del
sistema financiero; (…)” com o que “… se aumenta la supervisión de las instituciones que se
catalogan como potenciales creadoras de un riesgo sistémico para el sistema financiero,
modificando las competencias básicas de la Reserva Federal, y se aboga por la promoción
de una mayor transparencia general.” GÓNZALEZ DE LEÓN BERINI, Arturo. El criminal
compliance en la Reforma Norteamericana de la Dodd-Frank Act. In: Criminalidad de
empresa y compliance. Prevenciones y reacciones corporativas. Jesús-Maria Silva Sánchez
(director). Barcelona: Atelier, 2013. p. 132 e 133.
804
KUHLEN, Lothar. Compliance y derecho penal en Alemania. In: Responsabilidad de la
empresa y compliance. Santiago Mir Puig, Mirentxu Corcoy Bisadolo e Víctor Gómez Martín
(directores). Buenos Aires: Editorial B de F, 2014. p. 91.
265

privadas e públicas.805 Que os aspectos e políticas de prevenção passaram a


ser a vedete dos tempos atuais, inclusive no campo do Direito penal, não é
novidade. Ao contrário do que se poderia afirmar, tal antecipação penal para
o campo preventivo não é privilégio do Direito penal econômico ou ainda dos
delitos de funcionários. Talvez seja, é verdade, mais perceptível nestas
áreas, mas não uma característica própria. Fala-se, da década de 1970 para
cá, que:
“... as fronteiras formais do campo do controle do crime não são mais
marcadas pelas instituições do Estado da justiça criminal. O campo, agora,
se estende para além do Estado, envolvendo os atores e agências da
sociedade civil, permitindo que rotinas de controle do crime sejam
organizadas e direcionadas ao largo das agências estatais. (...)
Antes de tratar disposições criminosas ou de punir indivíduos culpados, o
terceiro setor se concentra em evitar a convergência de fatores que
precipitem eventos criminosos. Enquanto a justiça criminal confia no emprego
do poder punitivo ou na ameaça que este representa, o novo aparato busca
ativar a ação preventiva dos atores e agências que integram a sociedade
civil.”806

Nas palavras de SILVA SÁNCHEZ 807 ter-se-ia, ao lado de um


modelo de direito sancionador, um modelo de inspeção com progressiva
generalização a partir do adiantamento das barreiras de intervenção estatal a
incidir em diversas das esferas jurídicas dos cidadãos e dos entes coletivos.
No tocante à corrupção, as estratégias preventivas se voltam
inicialmente às pessoas jurídicas, públicas e privadas, reconhecendo nestas
os centros de promoção das práticas corruptas (sob a lógica do mercado
capitalista 808) e, num ritual cíclico, merecedoras de tutela ante os efeitos
nocivos da corrupção. Os entes coletivos, portanto, assumem este duplo

805
“Os programas de cumprimento constituem uma estranha hibridação de público e
privado, de Estado e mundo corporativo. As normas que se associam nas políticas de
empresa (corrupção, concorrência, regulamentos internos no âmbito de mercado de valores)
são duplamente normas mistas em seu conteúdo, público-privado, e em sua gênese, estatal-
supraestatal.” NIETO MARTÍN, Adán. Introducción. In: El derecho penal económico en la era
compliance. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (directores). Valencia: Tirant lo
Blanch, 2013. p. 13.
806
GARLAND, David. A cultura do controle. Crime e ordem social na sociedade
contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 370 e 371.
807
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Hacia el derecho penal del “Estado de la Prevención”. La
protección pena de las agencias administrativas de control en la evolución de la política
criminal. In: Responsabilidade penal na atividade económico-empresarial. Doutrina e
jurisprudência comentada. Antonio Ruiz Filho e Leonardo Sica (coordenadores). São Paulo:
Quartier Latin, 2010. p. 287.
808
Críticas muito bem ponderadas ao sistema capitalista incrustrado no Estado de Direito
estão em MARTINS, Rui Cunha. A hora ..., p. 12 a 15.
266

papel: geradores de corrupção e merecedores de tutela diante dos efeitos


gerados com a corrupção.
Atrele-se a isso o reconhecimento pelo Estado de sua falência no
propósito de, unilateralmente, cuidar das ferramentas, estruturas,
investimentos e promoção de conhecimento técnico e humano para enfrentar
a corrupção, seja reprimindo-a, seja prevenindo-a. Para cumprir o desiderato
da estratégia preventiva a ser imposta por meio das medidas compliance
administrativas e penais, o Estado – que já cumpre muito mais um papel
menos assistencialista e muito mais regulador 809 – determina, por meio de
normas (a maioria delas geradas a partir de medidas de soft law 810) o
chamamento dos entes privados de maneira a obrigatoriamente colaborar e
auxiliar na estipulação e aplicação de regras de controle.
Trata-se, sem rodeios, da privatização 811 da prevenção812 não só
de delito de corrupção, mas também do delito de lavagem de ativos 813, dos
delitos ambientais, dos delitos contra o sistema tributário, entre outros.
Atualmente, dada a especialização e complexidade das estruturas
809
NIETO MARTÍN, Adán. Introducción, p. 13.
810
Ainda que se contemple, ao menos ao penalista, a dificuldade de reconhecer o Direito
não derivado diretamente do Estado. COCA VILA, Ivó. Programas de cumplimiento como
forma de autorregulación regulada? In: Criminalidad de empresa y compliance.
Prevenciones y reacciones corporativas. Jesús-Maria Silva Sánchez (director). Barcelona:
Atelier, 2013. p. 44. Em caráter especial a Convenção de Mérida (Convenção da ONU
contra a corrupção), chancelada no direito interno a partir do Decreto 5687/2006 (artigos 12
e 13).
811
SIEBER, Ulrich. Programas de compliance en el derecho penal de la empresa. Una nueva
concepción para controlar la criminalidad económica. In: El derecho penal económico en la
era compliance. Luis Arroyo Zapatero e Adán Nieto Martín (directores). Valencia: Tirant lo
Blanch, 2013. p. 63.
812
Aponta Giovani SAAVEDRA: “Portanto, a primeira característica atribuída ao termo
criminal compliance é prevenção. Diferentemente do Direito Penal tradicional, que está
habituado a trabalhar na análise ex post de crimes, ou seja, na análise de condutas
comissivas ou omissivas que já violaram, de forma direta ou indireta, algum bem jurídico
digno de tutela penal, o criminal compliance trata o mesmo fenômeno a partir de uma
análise ex ante, ou seja, de uma análise dos controles internos e das medidas que podem
prevenir a persecução penal da empresa ou instituição financeira.” SAAVEDRA, Giovani A.
Reflexões iniciais sobre criminal compliance. In: Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 218,
janeiro de 2011. p. 11-12.
813
“Neste sentido, as políticas de combate à lavagem de dinheiro são construídas sobre a
cooperação entre setor público (...) e o setor privado. Entidades ou pessoas que operam em
campos sensíveis à lavagem de dinheiro, que exerçam atividades em setores comumente
usados pelos agentes de mascaramento de bens de origem ilícita (bancos, corretoras de
valores, de imóveis, contadores, etc.), são caracterizados como gatekeepers, como torres
de vigia, pois atuam ou tem acesso aos caminhos e trilhas pelo quais corre o capital oriunda
da infração penal.” BOTTINI, Pierpaolo; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro:
aspectos penais e processuais penais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p.
33.
267

empresariais, financeiras e sociais, seria impossível que o Estado se


munisse, unicamente a partir de sistema de heterorregulação, ou seja, de
normas meramente unilaterais e vindas apenas dele. Há ainda, para além da
incapacidade fático-normativa, questões de natureza econômica que
impedem os Estados nacionais de assumir unilateralmente tais processos de
regulação, supervisão e sanção. 814
No campo da corrupção o direito brasileiro deu um grande salto
normativo – e qualitativo – no trato com a prevenção da corrupção a partir da
edição da Lei 12.846/2013 815 e consequente regulamentação dos dispositivos
ali previstos por meio de diversos decretos dos estados federados 816 e da
União (o já referido Decreto 8.420/2015).
Dentre os modelos de regulação que o Estado Brasileiro poderia
ter adotado, pontue-se, fez a opção mais correta, pela aplicação daquilo que
se denomina de autorregulação regulada 817 ou de corregulação estatal e
privada.818 Trata-se do chamamento das entidades privadas, in casu as
pessoas jurídicas, para que criem parâmetros e medidas internas a partir de
fins e interesses públicos determinados pelo Estado regulador, de modo que
elaborem corpos normativos próprios.819
Em termos mais diretos, a Lei 12.846/2013 determinou em seu
artigo 7º, inciso VIII, que serão levados em consideração na aplicação das
sanções administrativas por atos de corrupção a “existência de mecanismos e
procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no
âmbito da pessoa jurídica.” Por sua vez, foi apenas por intermédio da edição
do Decreto n. 8.420/2015, da Controladoria Geral da União, que se pode falar

814
Cf. COCA VILA, Ivó. Programas …, p. 46. Da mesma forma KUHLEN, Lothar. Compliance
…, p. 105.
815
A respeito vide NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 85 e seguintes; CAMBI,
Eduardo. Introdução. In: Lei Anticorrupção. Comentários à Lei 12.846/2013. Eduardo Cambi
e Fábio André Guaragni (coordenação). Mateus Bertoncini (organização). São Paulo:
Almedina, 2014. p. 13 a 45; SANTOS, José Anacleto Abduch; BERTONCINI, Mateus;
COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013: Lei Anticorrupção. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
816
Por exemplo: no Estado de São Paulo foi editado o Decreto Estadual n. 60.106/2014 e no
Estado do Paraná o Decreto Estadual n. 10.268/2014.
817
KUHLEN, Lothar. Compliance …, p. 103.
818
Cf. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Autorregulação ..., p. 113.
819
Cf. COCA VILA, Ivó. Programas …, p. 51.
268

com mais propriedade nos programas de integridade, eis que a partir dali
devidamente conceituado.
Um dos maiores cuidados é não deixar a atual legislação cair no
esquecimento ou, quando muito, tornar-se um mero fantoche sem
implicações práticas. Ao menos as regras foram devidamente disciplinadas
sob o panorama de que “o programa de integridade deve ser estruturado,
aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das
atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o
constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir
a sua efetividade.” 820
A partir dos principais elementos presentes nas referências
internacionais a respeito dos programas de cumprimento, entre eles o Foreign
Corrupt Practices Act (FCPA) 821 e o UK Bribery Act822, aponta Bruno Carneiro
MAEDA cinco aspectos centrais que podem ser considerados fundamentais
em programas compliance, a saber: a) suporte da administração e liderança;
b) mapeamento e análise de riscos; c) políticas, controles e procedimentos; d)
comunicação e treinamento e, por fim, e) monitoramento, auditoria e
remediação. 823

820
Parágrafo único do art. 41 do Decreto 8.420/2015.
821
Primeira lei mundial destinada a castigar a corrupção internacional e que teve como
principal inovação a sujeição extraterritorial da responsabilidade criminal. Cf. a respeito, por
exemplo, NIETO MARTÍN, Adán. La prevención de la corrupción. In: Manual de
cumplimiento penal en la empresa. Adán Nieto Martín (diretor). Valencia: Tirant lo Blanch,
2015. p. 324 a 327. Sobre o FCPA já se fez menção, com mais detalhes, no capítulo 1
supra.
822
Promulgada em 2010 no Reino Unido a UK Bribery Act “resulta de aplicación a cualquier
empresa que realice sus negocios o parte de los mismos en el Reino Unido. Por esto puede
decirse que de facto la supone la instauración de un sistema de jurisdicción universal en
materia de corrupción, en cuanto na mayoría de las grandes empresas del planeta cotizan
por ejemplo en la bolsa inglesa o realizan algún tipo de negocio.” NIETO MARTÍN, Adán. La
prevención …, p. 328.
823
MAEDA, Bruno Carneiro. Programas de compliance anticorrupção: importância e
elementos essenciais. In: Temas de Anticorrupção & Compliance. Alessandra Del Debbio,
Bruno Carneiro Maeda e Carlos Henrique da Silva Ayres (coordenadores). Rio de Janeiro:
Elsevier, 2013. p. 181. Para Ivó COCA VILA seriam sete os pilares dos programas de
compliance, em si muito parecidos com os mencionados acima: cultura do cumprimento do
programa; pré-estabelecimento de objetivos empresariais; mensuração dos riscos da
atividade empresarial; adoção de medidas para a contenção dos riscos; delimitação dos
âmbitos de competência das pessoas e órgãos a funcionar; sistemas internos de
comunicação e, ao final, sistemas de supervisão e estipulação de sanções. Cf. COCA VILA,
Ivó. Programas …, p. 56 a 60. Em sentido similar é o posicionamento de SILVEIRA, Renato
de Mello Jorge. Autorregulação ..., p. 126 e 127.
269

De maneira a não esgotar toda a normativa trazida no Decreto


8.420/2015 (artigo 42 e incisos), é viável realizar a associação das
características pretendidas com a legislação brasileira agora em vigor. Assim,
o inciso I do artigo 42 dá satisfação ao tema suporte da administração e
liderança ao estipular que o programa de integridade de determinada
empresa será avaliado a partir do “comprometimento da alta direção da
pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e
inequívoco ao programa”. A análise de risco foi contemplada no inciso V do
artigo 42 ao dispor que melhor avaliado será o programa de compliance que
ponha em prática “análise periódica de riscos para realizar adaptações
necessárias ao programa de integridade”.
Já as políticas, controles e procedimentos aludidos por MAEDA
estão previstos em diversos incisos, dos quais pode-se citar o inciso VII
(“controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de
relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica”) e o inciso VIII
(“procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de
processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em
qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros,
tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de
autorizações, licenças, permissões e certidões”).
Um dos pontos a ser destacado é o que se refere à comunicação
e treinamento. Estes aspectos também estão descritos no artigo 42 do
Decreto que regulamenta a matéria, ao estipular no inciso X que a avaliação
do programa de integridade está vinculada ao quão adequados e melhores
forem os “canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente
divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à
proteção de denunciantes de boa-fé”. Por fim, o monitoramento, a auditoria e
a remediação viram-se atendidos no inciso XV ao mencionar os seguintes
termos: “monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu
aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos
lesivos previstos no art. 5º da Lei no 12.846, de 2013.”
Tudo isso considerado, há de se esquadrinhar quais as
consequências da realidade compliance para o criminal compliance ou ainda
270

para o que se pode denominar de Direito penal da corrupção.


Verdadeiramente é o caso de verificar o rendimento atual do “criminal
compliance” para a tutela do bem jurídico <<imparcialidade do servidor
público>>, quando não também a prognose de rendimento, haja vista tratar-
se de instrumento e categoria relativamente novos no Direito penal brasileiro.
Embora não cunhados estritamente para a realidade do Direito
penal, a principal característica que os programas de cumprimento adquirem
ao se relacionarem com o Direito penal, seja por meio de normas ou
princípios, o que acaba por revelar o criminal compliance, é a estratégia
preventiva.
Todo o arcabouço de princípios como também as normas recém-
inseridas no ordenamento jurídico revelam, sem dúvida, uma preocupação
precípua de evitar o cometimento do delito por meio de uma política criminal
ex ante. Neste ponto as medidas de criminal compliance, acaso não se
revelem como medidas de regulação criminal em sentido estrito, acabam por
proporcionar inclusive novas formas de interpretação da imputação criminal,
consoante consignado abaixo, assumiriam claramente a noção de prevenção
técnica desenvolvida por HASSEMER, prevenção realmente atuante e
alicerçada em estruturas organizacionais e técnicas que, por serem já
suficientes, impediriam novas ameaças penais, novos métodos de
investigação e, via de consequência, maior limitação dos direitos
individuais.824 Nas próprias palavras de HASSEMER 825 a meta principal desta
prevenção técnica:
“no es la modificación de normas, sino de relaciones de conexiones
organizativas o técnicas, de manera tal de poder quitarle peso prevención
normativa. Cuanto más medios idóneos del ámbito de la organización y la
técnica estén a disposición, menos se debería recurrir a los medios
normativos, los cuales, en parte, afectan profundamente los ámbitos jurídicos
de nosotros.”

Dentre as medidas inseridas nesta tal <<prevenção técnica>>,


inclusive direcionada para a corrupção, estariam o incentivo à discussão
ampla sobre o tema com fins de sensibilizar a sociedade, como também a

824
Cf. HASSEMER, Winfried. Posibilidades ..., p. 152.
825
HASSEMER, Winfried. Posibilidades ..., p. 150 e 151.
271

instituição de canais de denúncia confiáveis, pois com isso se favoreceria o


desnudar das estruturas corruptivas.826
Nada obstante as ponderações do professor da Universidade de
Frankfurt, as noções de criminal compliance, conquanto contenham um viés
preventivo, trazem com isso maior carga de intervenção jurídico-penal ao
tema da corrupção e, de acordo com o mencionado autor, uma maior carga
de proibições e sanções com características notoriamente penais.
Quanto ao tema eminentemente preventivo, o criminal
compliance de fato se direciona, por meio da fixação de canais de denúncia e
também pelo rigor na observância de normas ético-empresariais, a permitir
maior tutela do bem jurídico <<imparcialidade do servidor público>> num
sentido antecipado, antes mesmo que a prática corruptiva se efetive
concretamente. Isso é notório e nada mais revela do que a efetividade de um
valor como a transparência negocial a ser instituída nas relações entre o
setor público e o setor privado. Apego à transparência e também à
estruturação de medidas que a favoreçam (como os canais de denúncia)
certamente oferecem impedimentos àqueles que se destinem à corrupção
ativa e passiva.
Nesta toada pontua NIETO MARTÍN 827:
“Los códigos éticos, y no el Derecho penal, deben ser los que delimiten el
perímetro de las conductas prohibidas y las normas de comportamiento
dentro de la empresa. Los códigos éticos o las políticas de empresa en
muchas materias, como la corrupción o la administración desleal (conflictos
de intereses), suelen – y deben – ir más allá de la ley, prohibiendo conductas
que están en la zona previa de los tipos penales o instaurando normas de
flanqueo.”

Contudo, já em uma primeira análise se revelam, a partir do


cumprimento de normas preventivas de cunho ético-negocial (transparência)
e do favorecimento de canais de denúncia, aspectos de natureza
eminentemente penal, ou melhor, aspectos de aumento de incidência da
norma penal sobre o cidadão.

826
Cf. HASSEMER, Winfried. Posibilidades ..., p. 153.
827
NIETO MARTÍN, Adán. Problemas fundamentales del cumplimiento normativo en el
derecho penal. In: Compliance y teoría del Derecho penal. Lothar Kuhlen, Juan Pablo
Montiel e Íñigo Ortiz de Urbina Gimeno (editores). Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 27 e 28.
272

No que toca aos canais de denúncia, o Direito penal assume, por


exemplo, o protagonismo de decidir sobre a atipicidade ou (a incidência de
causa de) justificação828 do funcionário particular ou servidor público que
denuncie a atividade corrupta, conquanto seja um tanto óbvia e esperada a
tomada de medidas pela estrutura empresarial ou estatal contra o
denunciante.829
Já no tocante à instituição de um programa de cumprimento de
normas, é possível destacar que a mera inexistência de um programa de
compliance não gera a responsabilidade criminal, pelo simples motivo de
estar, ao menos por enquanto, sob a égide de um Direito penal do fato
praticado. De igual modo também seria controversa a incidência de normas
penais incriminadoras sobre a atividade de, existindo o programa compliance,
o seu mero descumprimento pudesse levar à responsabilização de natureza
criminal. 830 Evidentemente que poderia ser tipificado um delito nos moldes de
uma infração de dever, criminalizando a conduta dos dirigentes (ou até da
pessoa jurídica, se chegar a tanto) que se abstivessem de inserir o programa
de cumprimento em suas estruturas organizacionais. Contudo, até que isso
seja tipificado – o que não retira de antemão uma crítica à desnecessidade e
impropriedade de novel legislação desta natureza – note-se, novamente, que
a mera não aplicação do programa de cumprimento não tem o condão de
gerar responsabilização criminal.
Como não existe um tipo penal de descumprimento de medidas
de compliance por si só, não se pode falar da antecipação direta, por meio de
criminalização, da tutela penal. O que ocorre são possíveis alterações no
espectro da imputação de delitos comissivos por omissão, pois aos
responsáveis pelas medidas de compliance poderão ser aplicadas sanções

828
A respeito vide RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Héroes ..., p. 12; RAGUÉS I VALLÈS,
Ramon. Whistleblowing ..., p. 200 e seguintes.
829
Cf. RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistleblowing ..., p. 166.
830
Posiciona-se SILVEIRA: “... mas parece ser correta a colocação de que não deveria se
aceitar que o descumprimento de normas no interior de uma empresa, de per se,
implicassem uma responsabilidade individual, até mesmo porque essa punição careceria de
legitimidade. É de se imaginar que o Direito Penal – Direito Público por definição – não pode
ficar atrelado à ideia de um descumprimento de normas internas de uma dada empresa. ”
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Autorregulação, ..., p. 121.
273

criminais, tudo dependendo das circunstâncias fáticas. Neste sentido a


opinião de SILVA SÁNCHEZ 831:
“Ahora bien, por otro lado es certo que la implantación de compliance
programs hace surgir nuevas posiciones de deber para las personas físicas.
Pues tales programas contienen controles que deben ser asignados a las
personas físicas. Así, es cierto que para estas personas surgen nuevos
deberes, cuya infracción puede dar lugar a responsabilidad penal. Este es el
caso, entre otros, de los compliance officers.”

Porém, em outro vértice, não se pode permitir, em nenhuma


hipótese, a responsabilização objetiva, pelo cargo unicamente, a exemplo do
que ocorreu na Ação Penal 470 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, eis
que ali, em que pese isso ter ocorrido em imputações que versavam sobre o
delito de lavagem de dinheiro, “houve uma subsunção automática na qual a
violação do dever de informar as operações suspeitas determinava a condenação,
832
pela qual o descumprimento de deveres (non-compliance) seria incriminado.”
A maior incidência do Direito penal também se dá em âmbito
processual, nomeadamente na possibilidade de produção de provas em
procedimentos não-criminais e cujo resultado venha a instruir futuras
investigações e ações de natureza, daí sim, penais. Não se trata de novidade
no ordenamento jurídico brasileiro, muito menos no tocante à corrupção, uma
vez que o inquérito civil público (artigo 8º, §1º, da Lei 7.347/85) já servia a
esta finalidade. O cuidado há de ser tomado, porém, com os direitos e
garantias a incidirem nos procedimentos e colheita de provas em âmbitos não
penais e sua consequente utilização, daí sim, em procedimentos de natureza
penal.
No marco da corrupção espera-se, como visto, a prevenção de
delitos de corrupção e, a longo prazo, uma diminuição de sua prática
justamente por tirar a zona de conforto (sigilo inerente à corrupção) dos
agentes que se destinam a esta prática. Quanto maior a transparência e a
existência de mecanismos para que esta transparência seja efetiva,
831
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Deberes de vigilancia y compliance empresarial. In:
Compliance y teoría del Derecho penal. Lothar Kuhlen, Juan Pablo Montiel e Íñigo Ortiz de
Urbina Gimeno (editores). Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 103.
832
SAAD-DINIZ, Eduardo. O sentido normativo dos programas de compliance na APn
470/MG. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, volume 933, julho de 2013. p. 161. Diversas
críticas também foram vertidas por COSTA, Helena Regina Lobo da; ARAÚJO, Marina
Pinhão Coelho. Compliance e o julgamento da APN 470. In: Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, n. 106, janeiro de 2014. p. 217 a 221.
274

possivelmente menor será o índice de práticas de suborno ativo e passivo.


Anote-se, contudo, que no aspecto preventivo, a legislação brasileira deixou a
desejar, ao menos até o momento, pois o Decreto 8.420 e a própria Lei
12.846/2013 cuidam das pessoas jurídicas de direito privado 833, com o que
não aplicou à risca, o compliance também ao setor público 834 conforme
propugna o Decreto 5.687/2006 (que ratificou a Convenção de Mérida). 835
Também como reflexo do intento preventivo está o intento de
torná-lo efetivo, devendo ser evitado e combatido que os programas de
compliance tornem-se meras fachadas836 para o cometimento de crimes,
equivalendo-se praticamente a um non-compliance, ou, em termos mais
diretos, que o compliance se torne um abuso de formas para encobrir práticas
de corrupção e delitos correlatos (v.g., lavagem de dinheiro).

833
Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção ..., p. 108; GUARAGNI, Fábio André.
Disposições gerais. In: Lei Anticorrupção. Eduardo Cambi e Fábio André Guaragni
(coordenação). Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini (organização). São Paulo:
Almedina, 2014. p. 56 e 57.
834
A respeito do compliance no setor público vide NIETO MARTÍN, Adán. De la ética pública
al public compliance: sobre la prevención de la corrupción en las administraciones públicas.
In: Public compliance. Prevención de la corrupción en administraciones públicas y partidos
políticos. Adán Nieto Martín e Manuel Maroto Calatayud (diretores). Cuenca: Ediciones de la
Universidad Castilla-La Mancha, 2014. p. 17-42.
835
Art. 8. Códigos de conduta para funcionários públicos
1. Com o objetivo de combater a corrupção, cada Estado Parte, em conformidade com os
princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, promoverá, entre outras coisas, a
integridade, a honestidade e a responsabilidade entre seus funcionários públicos. 2. Em
particular, cada Estado Parte procurará aplicar, em seus próprios ordenamentos
institucionais e jurídicos, códigos ou normas de conduta para o correto, honroso e devido
cumprimento das funções públicas. 3. Com vistas a aplicar as disposições do presente
Artigo, cada Estado Parte, quando proceder e em conformidade com os princípios
fundamentais de seu ordenamento jurídico, tomará nota das iniciativas pertinentes das
organizações regionais, interregionais e multilaterais, tais como o Código Internacional de
Conduta para os titulares de cargos públicos, que figura no anexo da resolução 51/59 da
Assembléia Geral de 12 de dezembro de 1996. 4. Cada Estado Parte também considerará,
em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, a possibilidade
de estabelecer medidas e sistemas para facilitar que os funcionários públicos denunciem
todo ato de corrupção às autoridades competentes quando tenham conhecimento deles no
exercício de suas funções. 5. Cada Estado Parte procurará, quando proceder e em
conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, estabelecer
medidas e sistemas para exigir aos funcionários públicos que tenham declarações às
autoridades competentes em relação, entre outras coisas, com suas atividades externas e
com empregos, inversões, ativos e presentes ou benefícios importantes que possam dar
lugar a um conflito de interesses relativo a suas atribuições como funcionários públicos.
6. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar, em conformidade com os
princípios fundamentais de sua legislação interna, medidas disciplinares ou de outra índole
contra todo funcionário público que transgrida os códigos ou normas estabelecidos em
conformidade com o presente Artigo.
836
SIEBER, Ulrich. Programas …, p. 76. Sobre a necessidade de o compliance ser de fato
efetivo vide COSTA, Helena Regina Lobo da; ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance
..., p. 223.
275

A conclusão parcial a partir deste capítulo, portanto, é a de que


os controles preventivos, para serem efetivos em torno das práticas de
corrupção, vão além desta eficácia preventiva e, em que pese relevantes e no
atual momento legislativo brasileiro e mundial praticamente irrenunciáveis,
trazem consigo um aumento da quantidade de normas penais e processuais
penais. Em síntese: acoplada a noção de compliance ao Direito penal,
vislumbram-se incrementos tanto preventivos (ex ante) quanto repressivos
(ex post), mas certamente maior incidência de normas penais e processuais
penais sobre o controle da corrupção, o que acaba por confiar ao Direito
penal uma maior preponderância para o enfrentamento da corrupção do que
aquele vislumbrado antes da aludida interação entre compliance e normas
penais.
CONCLUSÕES E PROPOSTAS.

(i) o fenômeno da corrupção não resulta em plena identificação


com figuras típico-penais; pelo contrário, não existe um delito de corrupção,
mas sim no conceito amplo de corrupção se inserem condutas que, podendo
ou não vulnerar interesses penalmente protegidos, acabam por desfigurar
finalidades institucionais para que se privilegiem interesses particulares;
(ii) é necessário estipular a diferença entre corrupção como
fenômeno social e normativo (corrupção lato sensu) e corrupção como delito;
e, dentro do âmbito penal, os diversos delitos de corrupção, dentre eles os
delitos de corrupção ativa e passiva (corrupção strictu sensu);
(iii) a essência do conceito da corrupção lato sensu reside na
conduta de determinada pessoa que, vinculada normativamente com
interesses alheios, públicos ou privados, os descumpre em detrimento de
interesses particulares, próprios ou de terceiros;
(iv) a corrupção desenvolveu-se de acordo com as
particularidades brasileiras, não como um privilégio do período pós-regime
ditatorial;
(v) tanto a corrupção oculta quanto a corrupção manifesta na
mídia e nos processos judiciais está ladeada pela crise estrutural e normativa
instalada na figura do Estado;
(vi) dentre os fatores que contribuem para desvelar o fenômeno
da corrupção e consequente enfrentamento, estão a importância do Estado
como o maior contratante econômico, a crise de legitimação do Estado como
fonte de poder, o fim da Guerra Fria, a constatação de que a corrupção
impede o crescimento econômico global, a vigência da democracia e a
independência judicial e dos meios de comunicação;
(vii) os Tratados Internacionais no âmbito da ONU, em especial a
Convenção de Palermo e a Convenção de Mérida, deram visibilidade e força
normativa ao enfrentamento da corrupção;
(viii) dentre as causas do fenômeno da corrupção se destacam a
debilidade do sistema governamental, o subdesenvolvimento da sociedade e
do Estado, os regimes não democráticos, a ausência de um sólido sistema
277

judicial, a precariedade das carreiras dos servidores públicos e o excesso de


burocracia, de poder discricionário e de intervenção estatal na economia;
(ix) no caso particularmente brasileiro agregam-se como causas
da corrupção o patrimonialismo, o neopatrimonialismo e o sistema político e
eleitoral;
(x) quanto às consequências da corrupção tem-se que atingem
negativamente o grau e o volume de investimentos bem como o produto
interno bruto (PIB), trazem prejuízo à livre concorrência, diminuem a
capacidade de renda e consumo dos cidadãos, trazem prejuízos à
administração pública e ao desenvolvimento e perpetuação da democracia;
(xi) a nomenclatura utilizada pelo legislador penal, ao se referir
aos delitos de corrupção ativa e passiva, acaba por consolidar evidente
confusão com o fenômeno corruptivo; salutar seria a alteração para o nomen
juris “suborno”, com o que se isolaria a natureza típica e normativa desta
forma de corrupção que interessa ao Direito penal;
(xii) o bem jurídico tutelado pelos delitos de corrupção ativa e
passiva (delitos de suborno) é a imparcialidade do servidor público no
exercício de suas atividades funcionais;
(xiii) o ganho de rendimento por meio desta fixação do bem
jurídico é notório e se dá pela retirada de aspectos éticos que gravitam em
torno do tema corrupção; pela retirada do subjetivismo agregado às noções
de dignidade e prestígio da Administração Pública, ou ainda o seu bom e
normal funcionamento; traz legitimidade à intervenção estatal para que o
Estado possa punir o suborno a partir de critérios de objetividade, ou seja, de
que a atividade pública se dê livre da interferência de terceiros; tal bem
jurídico privilegia a ideia de igualdade de todos os cidadãos na obtenção e
fruição dos serviços públicos; a imparcialidade como bem jurídico traz
elementos concretos para individualizar o injusto penal de suborno para além
de um mero recebimento indevido de vantagem ou ainda de um exercício
inadequado da atividade reservada ao funcionário público;
(xiv) os tipos penais de corrupção ativa e passiva no direito
brasileiro são absolutamente independentes e não ostentam a característica
de bilateralidade necessária, mas sim de bilateralidade eventual;
278

(xv) a partir desta absoluta independência tem-se que a conduta


do particular que entrega ou dá a vantagem ao servidor após solicitação
deste comete, de acordo com a lei em vigor, conduta atípica;
(xvi) o termo <<ato de ofício>> está presente unicamente na
figura da corrupção ativa e não é requisito para a imputação do tipo penal de
corrupção passiva ao servidor público;
(xvii) a legislação penal brasileira é sui generis no tratamento da
corrupção ativa e passiva, porquanto pune cidadão e servidor público a partir
de sistemas diferenciados; ao cidadão vigora um sistema mercantilista da
corrupção e ao servidor vigora um sistema patrocinador de corrupção;
(xviii) é absolutamente relevante e necessário que o legislador
penal adote um conceito próprio de funcionário público; a alteração para o
termo “servidor público” traria efeitos benéficos, mas ainda assim o conceito
penal há de ser particular e próprio do Direito penal, porquanto há clara
distinção entre os objetivos perseguidos pelo Direito penal e pelo Direito
administrativo; ao Direito penal interessa precipuamente a proteção do
correto exercício da função pública e, no delito de corrupção, a proteção da
imparcialidade de tal exercício;
(xix) o termo <<ato de ofício>> inserido no artigo 333, caput, do
Código Penal, não pode ser desprezado pelo intérprete, pois não exerce a
função de mero figurante no tipo penal nem tampouco o intérprete pode fingir
a sua inexistência;
(xx) o termo <<ato de ofício>> não se coaduna com a
interpretação lançada pela maior parte da doutrina brasileira, eis que o filtro
de definição, sendo a competência ou atribuição, não abarca a realidade dos
fatos e do desvalor do injusto penal;
(xxi) o termo <<ato de ofício>> pode ser interpretado, sem
desrespeito à norma penal e aos princípios básicos que permeiam a
aplicação do jus puniendi estatal, a partir da noção de relação funcional
imediata, com o que por <<ato de ofício>> deve-se entender como o ato
possível de ser praticado pelo funcionário, seja o ato de competência ou
atribuição deste, seja o ato que, muito embora não seja de competência do
279

funcionário, tenha sido realizado em virtude das facilidades ou oportunidades


que derivam da situação subjetiva da qual o funcionário é titular;
(xxii) o <<ato de ofício>> deve estar minimamente identificado
para que se possa falar em corrupção ativa (artigo 333, caput, do Código
Penal);
(xxiii) o termo vantagem indevida não está atrelado a valor
econômico, mas sim a qualquer espécie de vantagem a que o servidor
público não tenha direito;
(xxiv) os delitos de suborno não ostentam seu desvalor na
natureza ou quantidade da vantagem indevida recebida e/ou entregue, mas
sim no objeto de tutela que é a imparcialidade do servidor público, de modo
que o termo vantagem indevida há de estar associado à finalidade de
corromper o servidor público, independentemente do valor ou quantia a ser
oferecida ou prometida;
(xxv) há de se pensar numa compatibilidade ou incompatibilidade
entre os interesses que o servidor público há de proteger e os interesses a
que se vinculará na hipótese de aceitação ou recebimento da vantagem
indevida; a partir deste raciocínio se abre a possibilidade de incidência do
princípio da adequação social, matiz interpretativo que acabou sendo inserido
na legislação portuguesa em recente reforma;
(xxvi) as penas estipuladas à corrupção ativa e passiva,
porquanto idênticas, desrespeitam o princípio da proporcionalidade, seja
porque o desvalor da conduta do particular e do servidor público são
diferentes, seja porque não diferencia tipicamente o suborno para ato lícito e
o suborno para ato ilícito;
(xxvii) as penas restritivas de direitos e a pena de multa
cominadas aos delitos de suborno, assim como as consequências
extrapenais do delito artigo 91 do Código Penal, merecem nova abordagem e
protagonismo, pois desempenham papel tão ou mais relevante do que a pena
privativa de liberdade;
(xxviii) a prisão preventiva ocupa lugar imprescindível para a
função a ela reservada, qual seja o estrito acautelamento do processo, não
podendo ir além de servir como ferramenta para que atos concretos (ou com
280

grande probabilidade de ocorrer) prejudiquem a aplicação da lei penal, a


devida instrução do processo ou, no máximo, a garantia da ordem pública
(aqui considerada como chance concreta de reiteração criminosa);
(xxix) as medidas cautelares reais resultam em salutar medida
para o correto desenvolvimento das funções reservadas ao Direito penal e ao
processo penal;
(xxx) o sequestro de bens (artigo 125 do Código de Processo
Penal) pode e deve incidir sobre os proveitos ilícitos do produto do crime;
deve-se evidenciar qual o proveito ilícito obtido não apenas pelo servidor
público (vantagem indevida), mas também o ganho ilícito obtido, ainda que
indiretamente, pelo particular responsável pelo oferecimento ou entrega da
indevida vantagem;
(xxxi) a colaboração premiada se revela como importante medida
político-criminal apta a desvelar a característica oculta da corrupção; nada
obstante, não pode servir como moeda de troca para que se recobre a
liberdade em casos de decretação de prisão preventiva; muito embora
recente, a legislação que regula a colaboração premiada merece reformas
urgentes para se adequar aos parâmetros constitucionais, em especial no
que se refere à figura do Juízo que homologa o acordo e ao acesso aos autos
pelo acusado/imputado prejudicado pelo acordo de colaboração;
(xxxii) caberia, como alteração legislativa, a inserção de uma
escusa absolutória que retirasse a punibilidade do particular autor de
corrupção ativa, desde que este informe, dentro de determinado prazo fixado
em lei, ao Ministério Público ou à Autoridade policial a ocorrência do crime de
suborno por ele praticado a partir de solicitação do servidor público; esta
medida político-criminal traria benefícios à corrupção de menor complexidade,
porquanto a colaboração premiada não tem assento em casos suborno de
menor gravidade;
(xxxiii) dada a proximidade manifesta entre os fenômenos da
corrupção e da criminalidade organizada, os instrumentos penais e
processuais penais ao enfrentamento de tais questões se aproximam;
(xxxiv) embora a legitimidade da criminalização do pertencimento
a uma organização criminosa decorra do próprio perigo gerado pelo atuar
281

associativo permanente e numeroso das organizações criminosas que


possibilitam criar estruturas propensas para a prática de delitos graves, há
descompasso e consequente desproporcionalidade às penas estipuladas aos
tipos penais de organização criminosa (artigo 2º da Lei 12.850/2013) e de
suborno (arts. 317 e 333 do Código Penal);
(xxxv) as propostas de aumentar a pena privativa de liberdade
aos delitos de corrupção ativa e passiva, bem como incluir tais delitos no rol
de tipos penais hediondos (artigo 1º da Lei 8.072/90), são medidas inócuas
para a tutela do bem jurídico pretendido e se apresentam com nefastas
características de Direito penal simbólico e de emergência;
(xxxvi) os intentos preventivos, com efeitos ínsitos de aumento
do espectro de imputação penal, trazidos pelos programas de cumprimento
(criminal compliance) – devidamente associados à Lei 11.846/2013 – revelam
a adequação das normas brasileiras aos padrões internacionais e, em que
pese uma clara cultura de controle das atividades empresariais e pessoais,
têm o benefício de evitar, a princípio, a aplicação da pena preventiva de
liberdade;
(xxxvii) os controles preventivos para serem efetivos em torno
das práticas de corrupção, vão além desta eficácia preventiva e, em que pese
relevantes e no atual momento legislativo brasileiro e mundial praticamente
irrenunciáveis, trazem consigo um aumento da quantidade de normas penais
e processuais penais;
(xxxviii) acoplada à noção de compliance ao Direito penal,
vislumbram-se incrementos tanto preventivos (ex ante) quanto repressivos
(ex post), mas certamente maior incidência de normas penais e processuais
penais sobre o controle da corrupção, o que acaba por confiar ao Direito
penal uma maior preponderância de enfrentamento da corrupção do que
aquele vislumbrado antes da aludida interação entre compliance e normas
penais.
282

Propostas de alteração legislativa

Suborno praticado pelo servidor público

Art. (...) – Solicitar ou receber, na qualidade de servidor público,


no exercício de suas funções ou em razão de suas funções,
vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, para
que pratique ato funcional contrário às suas funções e deveres:
Pena: reclusão de 02 a 12 anos, e multa de 10 a 1500 dias-
multa.

Art. (...) – Solicitar ou receber, na qualidade de servidor público,


no exercício de suas funções ou em razão de suas funções,
vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, para
que pratique ato funcional conforme as suas funções e deveres:
Pena: reclusão de 02 a 08 anos, e multa de 10 a 750 dias-multa.

Suborno praticado pelo particular

Art. (...) – Oferecer, prometer ou entregar vantagem indevida a


servidor público no exercício de sua função ou em razão dela,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato funcional de
forma contrária às suas funções e deveres:
Pena: reclusão de 02 a 10 anos, e multa de 10 a 750 dias-multa.

Art. (...) – Oferecer, prometer ou entregar vantagem indevida a


servidor público no exercício de sua função ou em razão dela,
para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato funcional
regular e conforme as suas funções e deveres:
Pena: reclusão de 01 a 08 anos, e multa de 10 a 360 dias-multa.
283

Parágrafo único. É atípica a conduta do particular que entrega a


vantagem indevida após solicitação do servidor público, desde
que motivado pela obtenção de tratamento imparcial deste.

Causa de extinção da punibilidade

Art. (...) Extingue-se a pena do particular que espontaneamente


informar ao Ministério Público ou à Autoridade policial a
ocorrência do crime de suborno por ele praticado a partir de
solicitação do servidor público, desde que tal comunicação
ocorra dentro do prazo de 02 meses a contar do seu
cometimento e desde que antes da instauração do procedimento
investigatório.
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