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02/05/2021 · Processo Judicial Eletrônico - 2º Grau

Poder Judiciário da União


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

Gabinete da Des. Sandra De Santis

Número do processo: 0712881-64.2021.8.07.0000


Classe judicial: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202)
AGRAVANTE: SIN DOS TRA EM E DE T T DE P U I E E T E DE T CARGAS DF
AGRAVADO: DISTRITO FEDERAL
DECISÃO
 

Vistos etc.
 

Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra decisão em


ação civil pública ajuizada pelo Distrito Federal para obstar o exercício do direito de
greve pelos trabalhadores dos serviços de transporte público rodoviário do DF,
previsto para ocorrer a partir de 0h do dia 3/5/2021.

Ao analisar o pedido liminar do Distrito Federal, o juiz plantonista determinou


que os réus “se abstenham de promover a paralisação, total ou parcial, dos serviços
de transporte rodoviário programada para o dia 03/05/2021 como meio de pressão
política para inclusão da categoria como grupo prioritário de vacinação, sob pena de
multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)”. Fundamentou o Magistrado:
 

Há, sim, pedido de interferência no direito de greve, mas isso não significa que a
Justiça Comum não seja a competente para apreciar a matéria, pois as reivindicações
não guardam relação com o contrato de trabalho em si, mas com as condições de
trabalho garantidas no âmbito de um contrato público, de concessão de serviço
público, e o objetivo da paralisação não é viabilizar negociações com o empregador,
mas alterar políticas públicas do plano distrital/nacional de imunização.

Em outras palavras, a melhoria das condições de trabalho reivindicada não pode ser
atendida pelos empregadores e a ameaça de paralisação é dirigida ao Poder Público,
como meio de sobrepor os interesses da categoria profissional à escolha política da
definição de grupos prioritários para a vacinação. (ID 90433367).

 
É o breve relatório.
A Constituição Federal prevê, no inciso II do artigo 114, a competência da
Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações que envolvam exercício do
direito de greve. Dispõe, ainda, que, “em caso de greve em atividade essencial, com
possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá
ajuizar dissídio coletivo, competindo a Justiça do Trabalho decidir o conflito” (art. 114,
§3º).

b l d l d d d fi
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O Supremo Tribunal Federal tem diversos precedentes em que define o


alcance do direito de greve para estabelecer a competência da Justiça do Trabalho e
até Súmula Vinculante sobre a matéria:

23. A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada
em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.

 
Nesse ponto, trago a ementa de julgado que deu origem ao entendimento
vinculante:
 

CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. JUSTIÇA DO TRABALHO X


JUSTIÇA COMUM. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. MOVIMENTO GREVISTA.
ACESSO DE FUNCIONÁRIOS E CLIENTES À AGÊNCIA BANCÁRIA: "PIQUETE". ART.
114, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.

1. "A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que


dependa a solução da lide de questões de direito civil" (Conflito de Jurisdição n.
6.959), bastando que a questão submetida à apreciação judicial decorra da relação
de emprego.

2. Ação de interdito proibitório cuja causa de pedir decorre de movimento grevista,


ainda que de forma preventiva.

3. O exercício do direito de greve respeita a relação de emprego, pelo que a


Emenda Constitucional n. 45/2003 incluiu, expressamente, na competência da
Justiça do Trabalho conhecer e julgar as ações dele decorrentes (art. 114, inciso II,
da Constituição da República).

4. Recurso extraordinário conhecido e provido para fixar a competência da Justiça


do Trabalho. (RE 579648, Relator(a): MENEZES DIREITO, Relator(a) p/ Acórdão:
CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL -
MÉRITO DJe-043 DIVULG 05-03-2009 PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-08 PP-
01534 RTJ VOL-00208-03 PP-01271) 

 
No caso presente, a ação civil pública ajuizada pelo Distrito Federal envolve
direito de greve, tanto que a fundamentação está baseada em diversos dispositivos
da Lei 7.783/1989 (Lei de Greve). A motivação do movimento grevista - se de natureza
política ou econômica - é irrelevante para a definição da competência para o
julgamento da ação. Basta que a lide envolva o direito de greve para que se atraia a
competência da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114, inciso II, da
Constituição Federal.
Cumpre destacar que, em ação civil pública semelhante, ajuizada em 2019
pelo Distrito Federal contra sindicatos de trabalhadores do segmento de transportes
que organizavam movimento grevista contra a Reforma da Previdência daquele ano,

í d d d úbl d d l d ê
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o Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública do DF declinou da competência para a Justiça


do Trabalho (autos 0706118-61.2019.8.07.0018), verbis:

Considerando que os art. 114, I e II, da CRFB são garantias constitucionais


fundamentais dos trabalhadores para acesso à justiça especializada enquanto
salvaguarda dos direitos sociais ventilados, compete ao Juízo Trabalhista deliberar
sobre o tema, mesmo que chegue à conclusão de que o direito de greve fora
exercido de forma abusiva ou com desvio e finalidade.

O que se nota é que a ação indica no polo passivo duas entidades


representativas de trabalhadores, e além disso, o comportamento combatido é a
suspensão da execução dos respectivos contratos de trabalho. Esse o quadro, o
liame laboral é evidente, e por via de consequência a máxima efetividade das
garantias constitucionais em questão impõe a remessa dos autos para a justiça
especializada.

Vale dizer, não é possível afastar de antemão a competência constitucional da


Justiça do Trabalho, pois asseverar que o movimento combatido "não é greve" é
questão de mérito, que não pode ser enfrentada por esse Juízo por transbordar os
limites de sua competência funcional.

Em face do exposto, reconheço a incompetência absoluta do Juízo e, tendo em


vista tratar-se de ação civil pública e não de dissídio coletivo, declino da
competência em favor de uma das Varas da Justiça do Trabalho no Distrito
Federal, com as nossas cordiais homenagens. I. (ID 59584747) (Grifo nosso) 

 
Ademais, as empresas rés nesta ação civil pública (autos 0702764-
57.2021.8.07.0018) já ajuizaram dissídio coletivo de greve na Justiça do Trabalho, na
data de ontem (1º/5/2021), autos 0000343-60.2021.5.10.0000, cuja liminar foi
parcialmente deferida pelo Presidente do TRT da 10ª Região, Desembargador
Brasilino Santos Ramos, para:

determinar que, caso venha haver sustação coletiva do trabalho, seja garantido o
contingente mínimo de 60% (sessenta por cento) nos horários considerados de pico
(5h às 9h30 da manhã e 17h às 19h30), e de 40% (quarenta por cento) nos demais
horários, sob pena de pagamento de multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil
reais). Advirto que eventuais ilícitos praticados por empregados ou empregadores no
curso do movimento paredista serão apurados por meio dos remédios processuais
próprios. Designo audiência, a ser realizada na modalidade telepresencial, por meio
da plataforma de comunicação digital Microsoft Teams, para 3/5/2021, às 15h30. Em
razão de o processo ter sido direcionado ao ambiente do gabinete do plantonista, as
Suscitantes são consideradas intimadas nestes autos. Brasília-DF, 01 de maio de
2021.

Dessa forma, diante da competência da Justiça do Trabalho para apreciar


causas que envolvam o direito de greve, deve-se declinar da competência para
julgamento da presente ação em favor de uma das Varas da Justiça do Trabalho no
Distrito Federal.

àd l ó á f d l l d
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Quanto à decisão interlocutória já proferida pelo juiz plantonista nos autos da


ação civil pública 0702764-57.2021.8.07.0018 (ID 90433367), entendo que seus
efeitos devem ser suspensos até a análise da questão pelo juízo competente, pois
conflitantes com a decisão proferida no dissídio coletivo 0000343-60.2021.5.10.0000
(acima transcrita).

Nesse ponto, trago a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves sobre o


disposto no artigo 64, §4º, do CPC/2015 (in Manual de Direito Processual Civil, 12ª
edição, 2020, Ed. JusPodivm, p. 228):

O CPC/1973 não previa a consequência do reconhecimento da incompetência


relativa, prevendo apenas em seu art. 113, §2º, que no caso da incompetência
absoluta os atos decisórios seriam nulos, ainda que a doutrina limitasse a
nulidade aos atos decisórios de mérito.

No novo diploma processual, o tratamento passa a ser homogêneo, prevendo o


art. 64, §4º, do CPC que os atos praticados por juízo incompetente são válidos,
devendo ser revistos ou ratificados (ainda que tacitamente) pelo juízo
competente. Significa dizer que durante o período de trânsito dos autos, que
compreende a remessa dos autos pelo juízo que se declarou incompetente e sua
chegada ao juízo competente, todos os atos já praticados continuaram a gerar
efeitos, ficando a continuidade da eficácia de tais atos condicionados à postura a
ser adotada pelo juízo competente que receberá os autos.

Essa realidade, entretanto, configura apenas a regra criada pelo sistema, porque
o juízo que se declara incompetente poderá no mesmo ato decidir que
determinados atos por ele praticados deixam de gerar efeitos até que sejam
ratificados pelo juízo competente. Note-se que não há mais declaração de
nulidade do ato, até porque o ato é válido, mas é possível ao juiz de origem
que decida pela ineficácia de determinada decisão por ele proferida. É
nesse sentido que deve ser interpretado o início do dispositivo legal:
“Salvo decisão judicial em sentido contrário (...)”. (Grifo nosso)

Por fim, ressalto que a decisão já proferida pelo juízo trabalhista, em dissídio
coletivo, que afinal deve prevalecer, viabiliza o direito de greve dos trabalhadores,
sem, contudo, inviabilizar o direito de ir e vir da população do Distrito Federal, por
meio do transporte público, uma vez que garante o contingente mínimo de 60%
(sessenta por cento) da frota nos horários considerados de pico (5h às 9h30 da
manhã e 17h às 19h30), e de 40% (quarenta por cento) nos demais horários, sob
pena de pagamento de multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil reais).
Dessa forma, suspendo os efeitos da decisão de ID 90433367, proferida nos
autos da ação civil pública 0702764-57.2021.8.07.0018, nos termos do artigo 64, §4º,
c/c artigo 1.019, inciso I, ambos do CPC e declino da competência em favor de uma
das Varas da Justiça do Trabalho no Distrito Federal, com as devidas homenagens. I.

Brasília, 2 de maio de 2021.

 
              Sandra De Santis

b d l
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               Desembargadora Plantonista


 
Assinado eletronicamente por: SANDRA DE SANTIS MENDES DE FARIAS
MELLO
02/05/2021 21:38:22
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ID do documento: 25293047

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