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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0153.14.006906-0/001 Númeração 0069060-


Relator: Des.(a) Washington Ferreira
Relator do Acordão: Des.(a) Washington Ferreira
Data do Julgamento: 09/11/2021
Data da Publicação: 12/11/2021

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO


EXTRAJUDICIAL. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. TAC.
MUNICÍPIO DE DONA EUZÉBIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MORA. MULTA
COMINATÓRIA. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO EX-PREFEITO.
IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CONFIGURAÇÃO.
PRECEDENTES.

I. Consoante ao estabelecido pelo STF quando do julgamento do RE nº


1.027.633/SP (Tema nº 940), "a teor do disposto no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve
ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do
ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa".

II. Conquanto o Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o ente


municipal e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais preveja a
responsabilidade pessoal do ex-gestor municipal pela multa cominatória no
caso de inexecução, este é mero representante daquele, de modo que não
possui legitimidade para suportar pessoalmente a exação pecuniária.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0153.14.006906-0/001 - COMARCA DE


CATAGUASES - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): ITAMAR RIBEIRO TOLEDO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de

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Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,


em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. WASHINGTON FERREIRA

RELATOR

DES. WASHINGTON FERREIRA (RELATOR)

VOTO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto contra a sentença


proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de
Cataguases, que, nos autos dos Embargos à Execução de Título Executivo
manejados por ITAMAR RIBEIRO TOLEDO em face do MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, julgou procedente o pedido
inicial, na forma do artigo 487, I, do CPC, e reconheceu a ilegitimidade
passiva do Embargante, julgando extinta a ação executiva nº
0153.14.005583-8, sem resolução do mérito (Ordem nº 05).

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais alega, em suas


razões recursais, que a sentença infringe, expressamente, a cláusula geral
do direito negocial em matéria de direitos difusos, prevista nos artigos 5º, § 6º
e 11, todos da Lei Federal n° 7.347/85; a máxima efetividade da tutela
coletiva e o permissivo legal dos negócios jurídicos processuais. Ressalta
que a obrigação executada no feito principal versa sobre pagamento de
quantia certa e não discute obrigação de (não) fazer, revelando-se possível
seu direcionamento ao gestor. Pondera que a matéria debatida não perpassa
pela teoria do órgão ou qualquer outro modelo de imputação de
responsabilização

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administrativa, limitando-se à juridicidade, no âmbito do direito negocial, de


se incluir no TAC cláusula de multa em que o gestor voluntariamente dispõe
de seu patrimônio pessoal como garantia. Disserta sobre os contornos da
formação de negócios jurídicos processuais aplicáveis à Administração
Pública, primando-se pela tutela do interesse público de forma adequada,
proporcional e efetiva. Colaciona julgados deste egrégio TJMG que
corroboram com a possibilidade de responsabilização pessoal do gestor
público. Ao final, pugna pelo provimento do recurso para que seja reformada
a sentença atacada e rejeitados os embargos à execução (Ordem nº 08).

Sem preparo, ante a isenção legal (Artigo 1.007, § 1º, do CPC c/c
artigo 10, VI, da Lei Estadual nº 14.939/03).

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Ordem nº 10).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se através do


parecer exarado pelo ilustre Procurador de Justiça, Dr. Eduardo
Nepomuceno de Sousa, opinando pelo conhecimento e provimento do
recurso (Ordem nº 16).

É o relatório.

Presentes os requisitos de admissibilidade exigidos pelo CPC,


conheço do recurso.

Sem questões prejudiciais ou preliminares a serem analisadas,


passo ao exame das insurgências recursais.

MÉRITO

Colhe-se dos elementos coligidos aos autos que, em 06/09/2009,


firmou-se o Termo de Ajustamento de Conduta nos autos dos Inquéritos Civis
Públicos n° MPMG-0153.12.000011-9 e n° MPMG-0153.09.000006-5,
visando, em síntese, obrigar o Município de Dona Euzébia a "somente
efetuar contratações temporária de

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servidores, com o objetivo de atender às necessidades temporárias e de


excepcional interesse público, decorrentes das hipóteses elencadas na Lei
Municipal 612/2002" (Ordem nº 14 - Páginas 29/34).

Em 19/07/2012, foi firmado, ainda, o primeiro aditamento ao TAC


(Ordem nº 14 - Páginas 23/28).

No bojo do referido aditamento ao TAC restou consagrado, em sua


cláusula décima segunda, a responsabilidade pessoal do ex-gestor municipal
pela multa diária devida em razão de eventual descumprimento do pactuado.
Vejamos:

CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA - O descumprimento de qualquer das


obrigações assumidas no presente Termo de Compromisso, implicará na
imposição de multa diária ao representante legal do COMPROMISSARIO, no
importe de R$ 500,00 (quinhentos reais), sendo a referida penalidade
corrigida pelo IGP-M/FGV e, na sua falta, pelo INPC, independente de
interpelação judicial ou extrajudicial, e revertida em favor do FUNDO
ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO MG - FUNEMP, Banco do Brasil 5/A -
001, Agência 1615-2, Conta Corrente n 0 6167-0, sem prejuízo da adoção
das demais medidas judiciais cabível. (Ordem nº 14 - Página 27) - (destaque)

E, em decorrência da mora no cumprimento do TAC, o Parquet


ajuizou a Ação de Execução de Título Executivo Extrajudicial em desfavor do
Apelado, ex-prefeito do Município de Dona Euzébia, objetivando a execução
do montante de R$ 402.693,09 (quatrocentos e dois mil seiscentos e noventa
e três reais e nove centavos) - (Ordem nº 14 - Páginas 01/09).

Opostos Embargos à Execução pelo Apelado (Ordem nº 01), ao


final, o MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Cataguases
julgou procedente o pedido inicial, na forma do artigo 487, I, do CPC, e
reconheceu a ilegitimidade passiva do Apelado, julgando extinta a ação
executiva nº 0153.14.005583-8, sem resolução do mérito (Ordem nº 05).

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É essa, portanto, a decisão judicial atacada, cingindo-se a


controvérsia recursal à eventual (i)legitimidade do Apelado, Itamar Ribeiro
Toledo, para figurar no polo passivo da Ação de Execução de Título
Extrajudicial proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

A sentença deve ser mantida.

Isso porque, sabe-se que o ordenamento jurídico pátrio adota a


chamada Teoria do Órgão, notadamente ao lecionar que toda atuação do
agente público deve ser imputada ao órgão que ele representa, e não à sua
pessoa.

Neste tocante, trago à colação os ensinamentos de CELSO


ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

Órgãos são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de


atribuições do Estado. Por se tratar, tal como o próprio Estado, de entidades
reais, porém abstratas (seres de razão), não têm nem vontade nem ação, no
sentido de vida psíquica ou anímica próprias, que, estas, só os seres
biológicos podem possuí-las. De fato, os órgãos não passam de simples
repartições de atribuições, e nada mais.

Então, para que tais atribuições se concretizem e ingressem no mundo


natural é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de
agentes. O querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito,
diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal
sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu
agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do
Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado
(manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e pela vontade
e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem
através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nesta
posição de veículos de expressão do Estado (in Curso de Direito
Administrativo; 29ª. Ed. São Paulo: Editora Malheiros Editores, 2012. p. 144).

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No âmbito constitucional, o artigo 37, § 6°, da CR/88, é claro ao


dispor que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Outrossim, em evidente consideração ao regramento traçado pelo


Constituinte quanto à responsabilização da Administração Pública, o colendo
Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE nº 1.027.633/SP
(Tema nº 940), fixou a seguinte tese:

A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos
causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa
jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima
para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.

Vejamos a ementa do referido paradigma:

RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - RÉU AGENTE PÚBLICO -


ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - ALCANCE - ADMISSÃO
NA ORIGEM - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PROVIMENTO. (STF - RE
nº 1.027.633/SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, TRIBUNAL PLENO,
julgado em 14/08/2019. Processo Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe
-268 . Divulgação 05/12/2019. Publicação 06/12/2019)

Com efeito, não obstante o Termo de Ajustamento de Conduta


tenha estabelecido em sua Cláusula Décima Segunda (Ordem nº 14 - Página
27) que, no caso de descumprimento ou atraso injustificado, o ex-gestor
municipal suportaria pessoalmente multa diária, certo é que o Apelado, ao
assinar o TAC, o fez em representação à municipalidade, de modo que o
Município de Dona Euzébia assumiu a obrigação em cumprir com o que ali
se encontrava disposto.

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Nessa perspectiva, em que pese a narrativa apresentada pelo


Apelante, não há como se impor a responsabilização pessoal do ex-gestor
municipal para arcar com a multa, já que, no exercício de suas atribuições,
era mero representante do ente Municipal.

Ademais, embora o recorrente sustente que a responsabilidade


pessoal do gestor é medida deveras necessária, tendo em vista que ele é
quem detém poderes para cumprir ou não as obrigações de fazer ajustadas,
certo é que quem dispõe da competência para efetivar as condutas
abarcadas no TAC é o Município de Dona Euzébia, sendo o ex-prefeito,
repita-se, seu mero representante.

Nesse mesmo sentido já pude me manifestar, enquanto Relator e


Vogal, quando dos julgamentos dos Agravos de Instrumento nº
1.0704.15.009990-8/001 e n° 1.0000.20.510826-9/001, ocorridos em
10/08/2021 e 09/02/2021, respectivamente.

Não é outro, ainda, o entendimento desta egrégia 1ª Câmara Cível,


em apreciação a casos análogos ao presente:

APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - TERMO


DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - DEMANDA AJUIZADA CONTRA EX-
PREFEITO - EMBARGOS Á EXECUÇÃO - ATUAÇÃO DO AGENTE
PÚBLICO NA CONDIÇÃO DE REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA
DE DIREITO PÚBLICO - MULTA COMINATÓRIA - RESPONSABILIZAÇÃO
PESSOAL - IMPOSSIBILIDADE - ILEGITIMIDADE PASSIVA -
RECONHECIDA - ACOLHIMENTO DA PRELIMINAR - GARANTIA -
RECURSO PROVIDO. A responsabilidade por multa cominatória em caso de
descumprimento das obrigações assumidas em Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) deve ser atribuída ao ente público que fez parte do ajuste, e
não ao agente político, visto que este é mero representante daquele. (TJMG -
Apelação Cível nº 1.0394.12.001809-5/001, Relator: Des. GERALDO
AUGUSTO, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/11/2019, publicação da
súmula em 11/11/2019) - (destaque)

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APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR


AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REJEIÇÃO. EMBARGOS DO
DEVEDOR. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. OBRIGAÇÃO DE FAZER.
DESCUMPRIMENTO. IMPOSIÇÃO DE MULTA. PREFEITO MUNICIPAL.
RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE. ILEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM. RECONHECIMENTO. RECURSO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO. 1. Não há falar-se em nulidade da sentença por ausência de
fundamentação, quando as questões deduzidas pelas partes foram
devidamente apreciadas pelo juízo a quo. 2. No direito administrativo
brasileiro vigora a teoria do órgão pela qual se presume que a pessoa
jurídica manifesta sua vontade por meio dos órgãos que são partes
integrantes da própria estrutura da pessoa jurídica. Assim sendo, quando os
agentes que atuam nestes órgãos manifestam sua vontade, considera-se
que esta foi manifestada pelo próprio ente ao qual integra. 3. Nos termos da
norma inserta no art. 37, § 6º, da Constituição da República, a
responsabilidade por ato omissivo ou comissivo de agente público é da
pessoa jurídica de direito público, daí porque forçoso o reconhecimento da
ilegitimidade passiva do alcaide para responder por execução de multa
decorrente de descumprimento de Termo de Ajustamento de Conduta
firmado entre a municipalidade e o Parquet. (TJMG - Apelação Cível nº
1.0153.14.009741-8/001, Relator: Des. BITENCOURT MARCONDES, 1ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/10/2018, publicação da súmula em
10/10/2018) - (destaque)

Logo, atento aos elementos trazidos pelo Apelante, tenho que a


relevância da fundamentação trazida nas razões recursais não restou
devidamente demonstrada, inexistindo motivos, por conseguinte, para a
reforma da sentença atacada.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Sem honorários recursais, pois incabíveis na espécie.

Custas recursais pelo Apelante, observada, contudo, a isenção


legal que ampara o Ministério Público do Estado de Minas

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Gerais, na forma do artigo 10, VI, da Lei Estadual nº 14.939/03.

É como voto.

DES. MÁRCIO IDALMO SANTOS MIRANDA - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. GERALDO AUGUSTO - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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