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Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

5ª Câmara Cível

Agravo de Instrumento - Nº 1401068-24.2022.8.12.0000 - Campo Grande


Relator(a) – Exmo(a). Sr(a). Des. Alexandre Raslan
Agravante : Janderson Pereira Nunes.
Advogado : Marcelo Ferreira Lopes (OAB: 11122/MS).
Advogado : Wellington Morais Salazar (OAB: 9414/MS).
Advogado : Marcos Avila Corrêa (OAB: 15980/MS).
Agravado : Estado de Mato Grosso do Sul.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO


POR DANOS MORAIS. AÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO DE MATO
GROSSO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. JURISDIÇÃO DE OUTRO ESTADO
DA FEDERAÇÃO. PRINCÍPIO DA ADERÊNCIA TERRITORIAL. REMESSA DOS
AUTOS. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Apesar da literalidade do artigo 52, parágrafo único, do Código de
Processo Civil, a interpretação que deve ser feita do referido dispositivo é no sentido de
que quando o autor, podendo então propor a ação no foro do seu domicílio, fará em
desfavor do próprio Estado onde resida, ou autarquia estadual do Estado onde resida,
mas jamais de Estado diferente porque, nesse sentido, prevalece a regra mais específica
contida no artigo 53, III, “a” do CPC. A referida interpretação está em consonância
com a Constituição Federal, pois o artigo 125, § 1º, da Carta Magna estabelece que os
Estados organizarão sua Justiça, sendo a competência dos Tribunais definida na
Constituição do Estado e pela Lei de Organização Judiciária, ao que significa dizer que
deve ser demandado em seu território, sob pena de violação do pacto federativo.
Recurso conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM, em sessão permanente e


virtual, os(as) magistrados(as) do(a) 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato
Grosso do Sul, na conformidade da ata de julgamentos, a seguinte decisão: Por
unanimidade, negaram provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.

Campo Grande, 25 de março de 2022

Des. Alexandre Raslan


Relator(a) do processo
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
R E L A T Ó R I O
O(A) Sr(a). Des. Alexandre Raslan.

Janderson Pereira Nunes interpõe agravo de instrumento com


pedido de efeito suspensivo contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara de Fazenda
Pública e de Registros Públicos da Comarca de Campo Grande/MS que, nos autos da
Ação de Indenização por Danos Morais nº 0834038-60.2021.8.12.0001, movida em
face do Estado de Mato Grosso, declinou a competência para uma das Varas de
Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá/MT.
Em suas razões recursais às f. 1/7, sustenta, em síntese, que: a) a
competência territorial possui natureza relativa e, por isso, depende da impugnação da
parte contrária, o que não aconteceu nos autos; e, b) o feito deve tramitar na Justiça
Estadual de Mato Grosso do Sul, tendo em vista o que estabelece o artigo 52, parágrafo
único, do CPC.
Por fim, requer a concessão de efeito suspensivo e, no mérito, o
provimento do recurso, para que seja reconhecida a competência do juízo a quo para
processar e julgar a presente demanda.
Liminar deferida às f. 62/64.
O agravado manifesta-se à f. 73, ponderando que não é parte nos
autos, devendo as intimações serem direcionadas ao Estado de Mato Grosso.
É o relatório.

V O T O
O(A) Sr(a). Des. Alexandre Raslan. (Relator(a))

Janderson Pereira Nunes interpõe agravo de instrumento com


pedido de efeito suspensivo contra decisão proferida pelo juízo da 2ª Vara de Fazenda
Pública e de Registros Públicos da Comarca de Campo Grande/MS que, nos autos da
Ação de Indenização por Danos Morais nº 0834038-60.2021.8.12.0001, movida em
face do Estado de Mato Grosso, declinou a competência para uma das Varas de
Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá/MT.
No presente caso o agravante reside em Campo Grande/MS,
ingressou com a presente ação no foro de seu domicílio em razão de suposta abordagem
policial abusiva perpetrada por policiais militares em São José dos Quatro Marcos/MT,
o que levou a ingressar a presente demanda corretamente em face do Estado de Mato
Grosso.
Em que pese as alegações do recorrente, não se desconhece o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a regra contida no
artigo 52, parágrafo único, do Código de Processo Civil, é interpretada como
competência concorrente entre o o foro do domicílio do autor e o do local de ocorrência
dos fatos.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEMANDA CONTRA
ESTADO DA FEDERAÇÃO. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. FORO
DO DOMICÍLIO DO AUTOR. OPÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. 1. O
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
Tribunal a quo, ao decidir a controvérsia, consignou (fls. 202-203, e-
STJ): "Conclui-se, pois, que em caso de o autor da demanda estar
domiciliado em local diverso dos limites territoriais do Estado em que
situado o Município-demandado, a competência para o respectivo
julgamento deverá ser firmada de acordo com o art. 53, inciso III, 'a', do
CPC/2015 em conjunto com as regras de organização judiciária daquele
mesmo ente federado, restringindo-se a aplicabilidade do art. 53, inciso
V, do CPC/2015, e do art. 4º, inciso III, da LF nº 9.099/95, para as
hipóteses em que o autor estiver domiciliado dentro do território da
mesma unidade federativa (Estado) em que situado o Município
demandado. No caso sub examine, tendo o impetrante apontado o
Município de Petrópolis/RJ como a parte legitimada para figurar no polo
passivo do feito, a competência para o processamento da demanda
incumbe à Justiça Estadual do Rio de Janeiro, a quem o processo deverá
ser encaminhado para as providências que se entender pertinentes." 2. A
Primeira Seção do STJ já decidiu que, em observância ao art. 52,
parágrafo único, do CPC/2015, a demanda ajuizada contra Estado da
Federação pode ser proposta no foro do domicílio do autor, que, in casu,
se localiza no Estado de São Paulo, o que atrai a competência do Poder
Judiciário desse Estado para o processamento do feito. Precedentes:
AgInt no CC 163.985/MT, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção,
DJe de 25/06/2019; AgInt no CC 157.479/SE, Rel. Ministra Regina
Helena Costa, Primeira Seção, DJe de 04/12/2018. 3. Agravo Interno não
provido. (STJ - AgInt no RMS 64292 / SP – Relator Ministro HERMAN
BENJAMIN - SEGUNDA TURMA Julgamento em 30/11/2020 Publicado
em 09/12/2020)
Contudo, entendo que não deve ser admitido que a Fazenda Pública
Estadual possa ser demandada fora da jurisdição do respectivo Estado.
Estatui o artigo 52, parágrafo único, do CPC:
Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em
que seja autor Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado,
a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de
ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da
coisa ou na capital do respectivo ente federado.
Aludido dispositivo deve ser interpretado no sentido de que quando
o autor, podendo então propor a ação no foro do seu domicílio, faria em desfavor do
próprio Estado onde resida, ou autarquia estadual do Estado onde resida. Jamais de
Estado diferente porque, nesse sentido, prevalece a regra mais específica contida no
artigo 53, III, “a” do CPC, que dispõe:
Art. 53. É competente o foro: (...)
III - do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;
Ora, o ato ou fato que desencadeia o suposto dever de indenizar é a
falha na abordagem policial ocorrida em São José dos Quatro Marcos/MT, por
policiais militares do Estado de Mato Grosso, inexistindo qualquer razão para o
ajuizamento da presente ação no Estado de Mato Grosso do Sul em desfavor de outro
ente da unidade federativa brasileira.
Nesse sentido, eis os precedentes do Tribunal de Justiça de Mato
Grosso do Sul (destaco):
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER CUMULADA COM DANOS MORAIS - AÇÃO MOVIDA
CONTRA O COMPLEXO HOSPITALAR REGIONAL DE CACOAL –
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA – JURISDIÇÃO DE OUTRO ESTADO
DA FEDERAÇÃO – COMPETÊNCIA DA 3 Art. 53. É competente o foro:
(...) III - do lugar: a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa
jurídica; Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul JUSTIÇA
DO ESTADO DE RONDÔNIA – PRINCÍPIO DA ADERÊNCIA
TERRITORIAL REMESSA DOS AUTOS – DECISÃO MANTIDA –
RECURSO NÃO PROVIDO. Embora o art. 52, parágrafo único do CPC,
prescreva que o particular goza do direito de escolha do lugar onde
demandar, a exegese do dispositivo não pode ter a amplitude que lhe
deseja emprestar a recorrente, porque as hipóteses do parágrafo único
do art. 52 do CPC devem ser restritas aos limites territoriais de atuação
de determinado ente estatal. Sendo assim, não há nenhuma autoridade
do Governo do Estado de Rondônia que esteja sujeita à jurisdição de
algum órgão da Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul, pelo simples e
inafastável motivo de se tratarem de distintas unidades da Federação,
completamente autônomas entre si e, além disso, não apenas esse
obstáculo se apresenta, como também a circunstância de que o local de
ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, ter se dado naquele
Estado. (TJMS – Agravo de Instrumento n. 1414881-89.2020.8.12.0000 –
Relator Des. Marcos José de Brito Rodrigues – 1ª Câmara Cível –
Julgamento em 24/01/2021 – Publicado em 26/01/2021).

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


FAZER E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – AÇÃO MOVIDA
CONTRA O DETRAN/MT – INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA –
JURISDIÇÃO DE OUTRO ESTADO DA FEDERAÇÃO –
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO –
PRINCÍPIO DA ADERÊNCIA TERRITORIAL – REMESSA DOS AUTOS
– DECISÃO MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Discute-se no
presente recurso, eventual competência do Juízo da 2ª Vara da Fazenda e
Registro Público da Comarca de Campo Grande-MS. 2. Estabelece o
artigo 125, § 1º, da Constituição Federal que os Estados organizarão sua
Justiça, sendo a competência dos Tribunais definida na Constituição do
Estado e pela Lei de Organização Judiciária, as quais, por interpretação
lógica, restringem-se ao seu âmbito territorial, sob pena de violação do
equilíbrio federativo. 3. Na espécie, verifica-se que a autoraagravante
ajuizou ação de obrigação de fazer e indenização por danos morais em
face do Departamento de Trânsito do Estado de Mato Grosso –
Detran/MT, pois, segundo consta, adquiriu um veículo através de um
leilão realizado no mês de setembro de 2016 e que o Detran/MT não
baixou os débitos pendentes sobre o bem móvel e ainda não expediu o
CRLV do referido veículo. 4. Em atenção ao princípio da aderência ao
território, o qual estabelece que cada órgão judicial só pode exercer sua
jurisdição nos limites territoriais estabelecidos por lei, não se admitindo
o conhecimento de pretensão manejada contra outro Estado da
Federação. 5. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. (TJMS –
Agravo de Instrumento n. 1405154-09.2020.8.12.0000 – Relator Des.
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
Paulo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul Alberto de
Oliveira – 3ª Câmara Cível – Julgamento em 31/08/2020 – Publicado em
14/09/2020).

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C


RESSARCIMENTO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL – IRRESIGNAÇÃO QUANTO À CONDENAÇÃO A TÍTULO DE
DANOS MORAIS – PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO –
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA – JURISDIÇÃO DE OUTRO ESTADO
DA FEDERAÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO PARANÁ –
PRINCÍPIO DA ADERÊNCIA TERRITORIAL – REMESSA DOS AUTOS.
O Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul possui jurisdição
limitada ao âmbito do seu território, em atenção ao que dispõe o
Princípio da Aderência ao Território. (TJMS – Apelação Cível n.
0804486--39.2015.8.12.0008 – Relator Des. Júlio Roberto Siqueira
Cardoso – 4ª Câmara Cível – Julgamento em 17/04/2019 – Publicado em
23/04/2019).
Neste contexto, o artigo 52, parágrafo único, do Código de Processo
Civil deve ser interpretado com a Constituição Federal, pois, o art. 125,Constituição
Federal estabelece que os Estados organizarão sua Justiça, sendo a competência dos
Tribunais definida na Constituição do Estado e pela Lei de Organização Judiciária, o
que significa dizer que deve ser demandado em seu território, sob pena de
violação do pacto federativo.
O Superior Tribunal de Justiça, de igual forma entende que a
competência deve ser fixada com base em critérios razoáveis, bem por isso que
envolvendo pessoa jurídica de direito público, não significa que possa ser demanda
em qualquer unidade da federação (STJ, 3ª. Seção, CC 21.6562, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, 16.12.98, DJU de 17.02.99).
Por derradeiro, cumpre observar que se encontra pendente de
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal a ADI nº 5492, ajuizada pelo
Governador do Estado do Rio de Janeiro, sob o fundamento de que submeter os
Estados-membros e o Distrito Federal ao foro do domicílio do autor da demanda
jurídica, pela mera vontade deste, "compromete a efetividade da garantia do
contraditório, esvazia a Justiça Estadual como componente da auto-organização e dá
margem ao abuso de direito no processo".
Destarte, apesar da pendência de julgamento, comungo do
entendimento de que a submissão de um ente federativo à jurisdição de outro ofende o
pacto federativo, previsto no art. 18 da Constituição Federal, impondo-se a ratificação
da decisão agravada.
Diante do exposto, conheço o recurso interposto por Janderson
Pereira Nunes, porém nego provimento.
É como voto.

D E C I S Ã O
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO


Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR

Presidência do(a) Exmo(a). Sr(a). Des. Vilson Bertelli

Relator(a), o(a) Exmo(a). Sr(a). Des. Alexandre Raslan

Tomaram parte no julgamento os(as) Exmos(as). Srs(as). Des.


Alexandre Raslan, Desª Jaceguara Dantas da Silva e Des. Luiz Antônio Cavassa de
Almeida.

Campo Grande, 25 de março de 2022.

in

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