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Apoio Cultural

Portobello

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Celso Ramos
Um Perfil Político

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Carlos Alberto Silveira Lenzi

Celso Ramos
Um Perfil Político

Ilha de Santa Catarina


1997

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© 1997 by Carlos Alberto Silveira Lenzi

Projeto gráfico - Editora Terceiro Milênio


Revisão - Rita de Cássia Duarte
Digitação - Maria Viccari
Capa, editoração eletrônica - Lucio Santos Baggio
Fotos - Arquivo da família e do autor

Ficha catalográfica
Catalogação na fonte - Ana Lúcia Zaia Cos.ta - CRB 14-265

L575 e Lenzi , Carlos Alberto Silveira


Celso Ramos: um perfil polí
tico /Carlos Alberto Silveira
Lenzi.--Florianópolis: Ed. Ter
ceiro Milênio, 1997.
192 p.

1. Biografia - política I. Título

CDU:92

ISBN - 85-85882-11-5

Editora Terceiro Milênio


Rua Tenente Silveira, 199
Edifício Apolo - Conjunto 605/ 606
88010-300 - Florianópolis - SC
F one/Fax: (048) 222-1534

8
Do meu mundo lageano
para os meus pais,
Osvaldo e Maria de
Lourdes {em memória), e
ao meu irmão Sidney.
No mundo da Ilha para
tia Julieta (em memória),
Zuleika, nossa doce
Adriana e para a minha
sogra Wladyslawa.

9
"Há momentos decisivos diante dos
quais o homem público se defronta
radicalmente com sua própria
biografia, à espera ou de um
julgamento consagrador e definitivo, ou
do gradual e imperceptível
esquecimento. Um deles é o dia de sua
morte, corte radical que pode ser conver-
tido em momento consagrador de
reconhecimento entre os próprios pares e
seus descendentes, sintetizando os anseios
de uma geração, de uma época. "

Aspasia Camargo

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Sumário

Introdução 17

Do campo para a capital 19


Celso fala de Celso 23

Catapulta 3 7
{.
Inovação política 39

Rumo ao Palácio 43

A Declaração de Blumenau 47

O Seminário Sócio-econômico 51

Plano para Irineu 55

Jânio governava daqui 61

Jânio renuncia 65

Grandes realizações 71

Ferve a situação nacional 79

João Goulart apeado do poder 81

A sucessão de Celso Ramos 91


A divisão no PSD catarinense 93
Racha na UDN 94

13
Solução pessedista 95

Último discurso 111

Manifestações castrenses 115

O bipartidarismo 117

A eleição de 1966 123

Em Brasília 129
Falecimento de dona Edith 146

Volta à origem 151

Anexo 153

Notas 181

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Há homens que, por temperamento e formação, se esquivam das
homenagens e preferem trabalhar em silêncio. Essas costumam ser quali-
dades escassas nos políticos, que lutam por se manter sempre bem visíveis a
qualquer preço. Muitos são os que se lançam à vida pública não para servi-
/a, mas para dela se servirem. Poucos são os que a encaram como uma
missão a ser cumprida. A maioria nela identifica uma carreira de bri-
lho fácil ou a chave p.ara o exercício do poder como um fim em si mes-
mo, e não como inst~umento para a construção de uma sociedade me-
lhor e mais equitativa.
Celso Ramos foi um desses raros homens que exerceu a política com
um sentido de missão, de trabalho a ser realizado com vistas ao bem co-
mum, inspirado nos anseios do seu povo e com os olhos fixos no futuro.
Discreto, austero, herdeiro da tradição de uma família que deu a San-
ta Catarina alguns dos seus mais brilhantes homens públicos, foi um
homem singular sob todos os aspectos, um varão de Plutarco, como
poderia dizer um daqueles biógrafos louvadores de antigamente para
horror do biografado.
Neste perfil político, Carlos Alberto Silveira Lenzi, que conviveu
com o saudoso governador e pesquisou sua trajetória, situa Celso Ramos
no seu tempo e condição, acompanha-o pelos meandros da política catari-
nense, segue-o através de uma fase difícil da vida nacional e faz o registro
isento e documentado daquela que foi uma das melhores administrações
públicas do Estado.
A um tempo prudente e ousado, tradicional mas inovador, austero
mas de trato pessoal cativante, homem de uma palavra só, avesso a
conchavos mas hábil negociador, Celso Ramos deixou marcas indeléveis
naqueles que o conheceram e foi o pioneiro das administrações planejadas
com critérios técnicos, cujas realizações passam ao largo do imediatismo
da política eleitoreira e se lançam para o futuro. Ele via as árvores, mas

15
sua visão de administrador e político abarcava também a floresta em to-
das as suas peculiaridades e potencialidades.
Homem com firmes raízes na terra que amava e serviu, sua alma e
sua visão tinham o mesmo horizonte dos campos abertos de Lages.
Este livro é tanto o tributo a um grande catarinense como um servi-
ço a quantos se interessam pela História e pela política de nosso Estado.
Pretende ser, também, e se isso for possível, uma inspiração aos jovens que
sonham em se dedicar à vida pública.
A Editora Terceiro Milênio orgulha-se de ter colaborado para levar
ao público este inspirado e oportuno trabalho do desembargador Carlos
Alberto Silveira Lenzi, um intelectual que dispensa apresentações e louvo-
res, e que trata o assunto com o conhecimento de quem não apenas convi-
veu com Celso Ramos mas também tem dedicado boa parte de seu tempo
à pesquisa política. Finalmente, um agradecimento à família do inesque-
cível ex-governador, que não negou apoio à produção deste livro, e ao patroci-
nador cultural, sem cujo auxílio esta publicação não teria sido possível.

Os Editores

16
Introdução

Como membro da diretoria do Instituto Histórico e Geográfico


de Santa Catarina, nas comemorações do centenário da instituição, fui
instado a apresentar comunicação para o congresso comemorativo que
se realizou de 4 a 7 de setembro de 1996.
Em 1961 integrei o governo Celso Ramos, trabalhando na Secre-
taria de Justiça como oficial de gabinete (instalado no Palácio Rosado,
mesmo local onde hpje funciona o Instituto Histórico e Geográfico)
do então secretário da Justiça, doutor Acácio Gari baldo S. Thiago, e,
posteriormente, dos secretários doutor Evilásio Caon e doutor Paulo
Macarini. Em 1962 fui nomeado pelo governador como diretor da
Imprensa Oficial do Estado, introduzindo novas máquinas e refor-
mas gráficas no Diário Oficial com a aprovação elogiosa do chefe
do governo catarinense.
Assim, a figura austera, bondosa e operosa do mandatário catari-
nense me cativou, naqueles anos de convivência. Era chamado freqüen-
temente no gabinete governamental para tratar de assuntos dos juízes
de paz, do Abrigo de Menores e da Penitenciária do Estado na ausência
dos titulares das pastas. O "seu" Celso me tratava como "magrinho"
ou "lageaninho". Meu pai fora muito ligado àfamília Ramos em Lages,
e principalmente ao comandante do PSD, Vidal Ramos Júnior ("tio
Vida"), irmão do governador, aquele, falecido prematuramente, em
1961, em acidente automobilístico, fato este que cortou sua brilhante
trajetória política, pois era considerado, depois do doutor Nereu, o
grande estrategista político do pessedismo catarinense, e estava mapeado
para ocupar a recém-criada Secretaria Sem Pasta do governo estadual.
O governador Celso Ramos foi patrono da nossa turma de
formandos em Direito em 1961. Em 1963, quando cumpria bolsa de
estudos, estive com sua comitiva em Nova Iorque, quando o governa-
dor, dona Edith, o deputado Joaquim Ramos e sua mulher e o profes-

17
sor Alcides Abreu realizavam viagem de intercâmbio e acerto de finan-
ciamentos internacionais para Santa Catarina.
Estes fatos todos me sugeriram a apresentação de um perfil polí-
tico do falecido ex-governador, no ano em que se completa o seu cente-
nário de vida.
Inicialmente, bosquejei poucas laudas; não me detendo, o traba-
lho foi se avolumando pelas pesquisas, entrevistas, contatos, incenti-
vos, e finalmente sugestões de publicação.
Encontrando-me em direção irreversível, conversei com nosso
editor, Mário Pereira, e com Glauco José Corte, os quais, entusiasma-
1
dos, definiram o plano da obra que está sendo entregue aos leitores
com inestimável apoio cultural da Portobello.
1

Advirto que este trabalho não se trata de uma biografia com-


pleta; é um simples perfil político, ou melhor, reflexões sobre a tra-
jetória política do grande lageano e catarinense que se revelou um
dos melhores governadores de Santa Catarina, em determinada época
de sua história .
•1

Carlos Alberto Silveira Lenzi

18
Do campo para a capital

.._...~om a reunificação das lideran-


ças do Partido Republicano Catarinense, em 1902 (após a cisão
provocada por Hercílio Luz em 1900), promovida por Lauro Müller,
foi decidido que este cumpriria novo quatriênio como governador,
enquanto que a vice-governança caberia a Vidal José de Oliveira Ra-
mos Júnior, comandante político do Planalto Catarinense.
Vidal já havia sido deputado na Assembléia Legislativa por vári-
as legislaturas, vereador em Lages, superintendente municipal, vice-
governador, deputado federal e governador do Estado.
Celso Ramos, o filho mais moço entre os irmãos Hugo, Nereu,
Acácio, Vidal Júnior, Joaquim, Nilo e Mauro, realizou seus estudos
primários em Lages, onde nasceu em 18 de dezembro de 1897, e os
secundários no Colégio Catarinense de Florianópolis, co~ passagem
por Ouro Preto e Minas Gerais, iniciando o curso de Engenharia de
Minas, abandonando-o por problemas de saúde. Contrariando o de-
sejo do pai, jogou futebol no América Futebol Clube de Belo Hori-

19
zonte e depois no Clube de Regatas Flamengo, quando residiu no Rio
de Janeiro, em 1919. Casou-se em Florianópolis, em 22 de abril de
1922, com a filha do desembargador Ayres de Albuquerque Gama,
dona Edith Gama Ramos, com quem teve seis filhos: Doris, Celso,
Newton (falecido), Thereza, Wilma e Maria Helena. Retornou à
terra natal para labutar na fazenda Santa Tereza, na Coxilha Rica,
reduto do patriarca Vidal, e depois na sua própria fazenda, deno-
minada Pinheiro Seco.
Celso Ramos começou a envolver-se em procedimentos políti-
cos em março de 1933, como vice-presidente da proclamada Seção
Lageana da Liga Eleitoral Católica (o doutor Acácio Ramos Arruda
era o presidente), fundada no Rio de Janeiro por Dom Sebastião Leme,
tendo como postulados: o ensino facultativo das religiões nas escolas;
assistência religiosa às forças militarizadas de terra e mar que a soli-
citassem; indissolubilidade do vínculo matrimonial, condenando o
divórcio; e reconhecimento dos efeitos civis ao casamento religio-
so (Licurgo Costa, FCC Editora, 1982, O Continente das Lagens,
vol. 3, pág. 1305).
Na eleição de 3 de outubro de 1938, Celso Ramos concor-
reu à prefeitura de Lages, pelo Partido Liberal, contra Henrique
Ramos Júnior, do Partido Republicano de Aristiliano Ramos,
perdendo o pleito por pouquíssimos votos. À época, seu irmão
Nereu era interventor do Estado, nomeado por Getúlio Vargas
após o golpe de 1937 .
A origem da família Ramos em Lages está centrada na figura de
Laureano José de Ramos, filho de Mateus José Coelho e de Maria
Antônia, colonos açorianos. Laureano, nascido em 19 de março de
1780 na freguesia de São Miguel, município de Biguaçu, adotou o so-
brenome Ramos por ter nascido em um Domingo de Ramos, tradici-
onal festividade católica que antecede a Semana Santa e a Páscoa. O
varão casou-se com Maria Gertrudes de Moura, natural da Vila do
Pilar, em São Paulo. Deste casamento nasceram nove filhos (sete ho-
mens e duas mulheres): David José de Ramos, Policarpo José de Ra-
mos, João José de Ramos, Luiz José de O liveira Ramos, Henrique
Ferreira Ramos, FidelisJosé Ramos e VidalJosé de Oliveira Ramos; a
filha Gertrudes Maria de Moura Ramos casou-se com José Thomaz de
Moura e Silva, e a outra filha, Maria Gertrudes de Moura Ramos, ca-

20
sou-se com José Antunes Lima.
David, Policarpo, Fidelis e João estabeleceram-se no Rio Gran-
de do Sul, tornando-se importantes fazendeiros e políticos.
Inicialmente, Laureano, tendo somente o filho David, estabele-
ceu-se em Santo Antônio da Patrulha, no Rio Grande do Sul, como
carpinteiro de ofício. Seu segundo filho, Policarpo, nasceu naquela
localidade, onde foi batizado.
Em 1817, Laureano, tomando rumo pela estrada geral de Passo
de Santa Vitória, pelo rio Pelotas, retornou para Santa Cat arina,
arranchando-se nos campos devolutos de Lages. Em 1819 a Câmara de
Lages lhe fez a concessão de tais campos, os quais havia requerido.
Nessa época os ocupados campos já tinham o nome de Guarda-Mor.
Trabalhador e inteligente, Laureano José de Ramos conseguiu
fundar no histórico município de Lages o mais importante estabeleci-
mento agropecuário:·existente na região naquela época. Além de gran-
de criação de gado e vastas plantações, possuía o estabelecimento aze-
nha (moinho de roda movido por água corrente), atafona (moinho
manual), pequena tecelagem de algodão e lã, carpintaria e grande ola-
ria. O velho sobrado da fazenda Guarda-Mor existiu até pouco tempo,
com vestígios das instalações acima apontadas. A sede da fazenda e sua
vasta área foram vendidas pelo neto de Laureano, Carlos Vidal Ra-
mos, a Antônio Camargo Branco, casado com Domicília Camargo,
sendo que estes doaram a sede e as terras para sua filha Esmênia, que,
casada com Nelson Batalha, transferiu os seus bens para o filho, Antô-
nio Branco Batalha.
Laureano José Ramos, tronco da numerosa família Ramos, fale-
ceu octogenário, legando aos seus descendentes o que se pode fazer
com perseverança e trabalho.
Três de seus netos e seis bisnetos administraram municípios
catarinenses e três chegaram ao governo do Estado, bem como ou-
tros seus descendentes chegaram ao parlamento nacional (Câmara
e Senado), e muitos fizeram parte das assembléias legislativas da
Província e do Estado.
No cartório do tabelião de Lages existem livros rubricados por
Laurean() José Ramos como suplente de juiz da Comarca (informa-
ções principais fornecidas ao Instituto Histórico e Geográfico Catari-
nense pelo sócio - ex-governador - Vidal José de Qliveira Ramos

21
Júnior, em 10/08/43, quando residia no Rio de Janeiro).
No dia 16 de dezembro de 1938, Celso transfere-se com a famí-
lia para Florianópolis, sendo nomeado agente da Companhia Nacio-
nal de Navegação Costeira, pertencente às Organizações Henrique
Lage. Trabalhando na iniciativa privada, foi também fundador da Com-
panhia Florestal de Santa Catarina e da C. Ramos SI A. Envolveu-se
em organizações industriais, como Sesi, Sesc e Senai, e, mais tarde, na
Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina, foi o fundador
do Sistema Fiesc, em 1950, entidade que passou a ser a grande
articuladora político-institucional do empresariado catarinense.
No cenário político-partidário, Celso Ramos somente começou
a aparecer na década de 50. O irmão Nereu Ramos (o político de maior
expressão do Estado de Santa Catarina) foi o ·organizador do Partido
Social Democrático, na redemocratização de 1945, composta esta
agremiação da máquina burocrática estadual, beneficiada pelo Estado
Novo, bem como de figuras de expressão na indústria, no comércio,
na lavoura e na pecuária. Ao encontro político de 12 de maio de 1945,
para a instalação da Convenção Estadual do PSD, vieram de Lages,
como representantes, Vidal Ramos Júnior (irmão de Nereu e Celso),
Valmor Ribeiro Branco e João Cruz Júnior, sendo que Vida! integrou
a primeira comissão diretora do partido, presidida por Nereu Ramos.
Em novembro de 1946 Celso Ramos foi eleito vice-presidente
do PSD (Nereu estava no Congresso Nacional como constituinte),
passando a dirigir a agremiação, nos impedimentos e faltas do irmão.
1 Na eleição do diretório estadual do PSD de dezembro de 1951 (no
pleito de 1950 o candidato pessedista, Udo Deeke, foi derrotado pelo
udenista, Irineu Bornhausen), Nereu Ramos foi eleito presidente, ten-
do como 1° vice-presidente o irmão Celso Ramos, o administrador do
partido, até então não se envolvendo com candidaturas.
Em 1955 o PSD perde mais uma eleição no Estado, com o candi-
dato Francisco Benjamin Gallotti em aliança com o PTB Gorge Lacerda
foi candidato vitorioso da coligação UDN, PRP, PDC e PL, denomi-
nada Frente Democrática), tendo Nereu Ramos assumido a Presidên-
cia da República, em razão da crise política (Novembrada) provocada
pelo marechal Henrique Teixeira Lott (11/11/54).

22
.. 1
Celso fala de Celso

Aos 94 anos, sempre avesso ao memorialismo, o ex-go-


vernador permitiu que Celso Ramos Filho gravasse alguma coi-
sa sobre a sua vida.
O depoimento, em fita cassete, foi-me passado pela gentileza do
filho, seu auxiliar n~ governo e grande companheiro na velhice, para
integrar o texto do presente trabalho.
"Nasci em Lages em 1897, onde cresci até os sete anos, passando
o verão na fazenda Santa Teresa em companhia de meus irmãos e cui-
dado por um casal amigo de meus pais ao qual chamávamos tio Chico
e tia Páscoa. Eles cuidavam também da fazenda para o papai ir à Câma-
ra Federal. Aprendi a ler na fazenda, tendo como professores, primei-
ro, Antônio Athaíde e, depois, Eugênio Neves. Na cidade, matriculei-
me no coleginho dos padres até 1904, quando descemos para Florianó-
polis, porque papai veio assumir o governo como vice-governador de
Lauro Müller. Morávamos no Palácio do Governo, onde nasceram
meu irmão N ilo e meu sobrinho Aderbal. Matriculei-me no Ginásio
Catarinense. Passamos, depois, a morar numa casa que o papai man-
dou construir no bairro da Pedra Grande. Continuei cursando o Gi-
násio até o último ano, depois papai me mandou para o Rio de Janei-
ro, matriculando-me no curso anexo à Escola Politécnica de Engenha-
ria. No fim do ano, não conseguindo passar para o primeiro ano, pa-
pai transferiu-me para a Escola de Minas de Ouro Preto. Durante a
minha estada lá, dois fatos me marcaram muito . O primeiro foi numa
das primeiras aulas práticas do professor Geraldo. Eu fui de terno de
linho branco, e ele mandou-me engraxar uma máquina; eu pedi des-
culpas e prometi ir às aulas de calça e blusa de zuarte azul, como os
outros alunos estavam vestidos. O segundo fato aconteceu numa noi-

23
te em que fui chamado, por intermédio da dona da pensão onde mora-
va, pelo catarinense Almiro Pedreira - pertencente a uma família ami-
ga da nossa-, o qual cursava lá o último ano de Engenharia e que, na
ocasião, fazia pouco, tinha deixado em Florianópolis a irmã Alice muito
doente. Quando lá cheguei, encontrei Almiro muito nervoso, com
um telegrama, ainda fechado, na mão. Pedi o telegrama para abrir, e
ele, depois de alguma resistência, entregou-mo. Abri-o. No telegrama
estava escrito: 'Peço avisar Celso que seu irmão Acácio acaba de fale-
cer.' Lá residi alguns anos. Voltei para o Rio de Janeiro.
Em 1919, no Rio de Janeiro, fui apanhado pela gripe espanhola e
tive complicação pulmonar. A epidemia matou muitas pessoas. Mora-
va numa pensão com mais algumas pessoas. Lembro-me de um caso
muito triste: um médico veio de Minas para tratar o irmão, salvou o
irmão e tratou de todos nós, mas adquiriu a doença e acabou morren-
do. Para que tenham idéia das dificuldades que passávamos naqueles
dias, tínhamos de ir de bonde até o quartel do Corpo de Bombeiros
comprar galinha, levando conosco um jornal e trazendo o frango vivo
no colo, para que a dona da pensão pudesse fazer uma canja para os
doentes. Quando já estava me sentindo um pouco melhor, fui dar
uma volta na Avenida e encontrei um médico mu ito amigo do papai,
doutor Henrique Duque. Ele se espantou com o meu estado e telegra-
fou para o papai. Poucos dias depois, recebi um telegrama mandando-
me procurar dinheiro na Casa Souto Maior e voltar imediatamente
para casa. Viajei para Florianópolis no primeiro vapor, o Itacoatiara.
Tenho hoje a convicção de que o futebol prejudicou muito os
meus estudos. Eu era muito viciado no futebol. Jogava muito aqui,
primeiro pelo Ginásio e depois pelo Florianópolis. Quando cheguei
ao Rio, fui procurado pelo doutor Aquiles Gallotti, que me levou
para o Flamengo, onde joguei, primeiro, pelos aspirantes e, depois,
muitas partidas pelo time principal.
Desembarquei em Florianópolis, onde me demorei alguns dias
para recuperar-me um pouco, e segui para Lages, que tinha o clima
indicado para o meu completo restabelecimento. Fiquei poucos dias
na cidade e fui para a fazenda Santa Teresa com meu irmão Mauro.
Cuidava da fazenda, nessa ocasião, um filho do tio Chico, que tam-
bém se chamava Francisco, com quem aprendemos a lida do campo.
Quando já estávamos em condições de cuidar da fazenda, Francisco

24
voltou a cuidar da sua fazenda, que ficava na costa do rio Pelotinhas.
Combinamos, eu e Mauro, que, durante 15 dias eu ficaria na
fazenda e os outros 15 dias ele é que ficaria. Deixei muitos amigos em
Florianópolis e vinha seguidamente vistá-los e passear um pouco.
Em 1920, vim passar o Carnaval e, num baile do Clube 12 de
Agosto, conheci aquela que iria ser a minha companheira durante toda
a vida, de nome Edith. Começamos a namorar. Edith era uma mulher
muito inteligente. Tinha feito muito bem o curso de Humanidades no
Colégio Coração de Jesus em Florianópolis. E porque havia morado
alguns anos em Blumenau com seus pais - o desembargador Ayres
Gama foi juiz naquela Comarca -, ela, nessa ocasião, aprendeu a falar
0 alemão e falava regularmente também o francês, o que nos valeu
muito em duas viagens que fizemos à Europa e aos Estados Unidos.
Ela era realmente uma mulher formidável. Com todas essas qualida-
des, abandonou tud,.o e foi morar comigo numa fazenda de nome Pi-
nheiro Seco, situad~ na Coxilha Rica, em Lages. Em pouco tempo,
adaptou-se à vida da fazenda. Quero contar aqui alguns fatos que di-
zem bem de suas qualidades. Tinha uma fé inabalável. Ela achou tem-
po para lecionar catecismo às crianças daquela zona e, quando os pa-
dres visitavam as fazendas, ela fazia as crianças tomarem a comunhão.
Quando estávamos na cidade, ela ensinava piano e tinha diversas alu-
nas, e ainda achava tempo de sobra, formando, nessa ocasião, com o
violinista Edmundo Menezes, uma orquestra, e faziam juntos bonitas
festas no Clube Primeiro de Junho. Com essas festas ela ficou muito
bem-relacionada e estimada pelas senhoras de Lages.
Analisei até aqui a forma como fui educado, escolarizado, en-
fim, como me formei socialmente. Cabe aqui, portanto, a análise de
como me formei politicamente até 1930, e como procedi politicamen-
te depois de 1930.
Tão logo completei maioridade, tratei de fazer-me eleitor. Filho
de político, ouvindo falar em política todo dia, estava aflito para ser
eleitor e votar. Antes de 1930 votei poucas vezes no regime de bico-de-
pena. As vezes em que votei, o fiz na qualidade de fiscal.
Em Lages éramos chefiados pelo coronel Belisário', e no Estado,
pelo papai. Quando Hercílio 2 brigou com o papai, nós, os Ramos,
passamos a fazer oposição e, então, ficamos a fiscalizar as eleições para
evitar, quanto possível, as fraudes. Assistíamos à eleição até o seu final

25
e, depois de lavrada a ata, pegávamos o boletim com o resultado da
apuração, pois naquela ocasião a própria mesa era quem apurava.
Trazíamos os boletins e os entregávamos para o tio Belisário, que os
guardava na sua casa para serem entregues à mesa apuradora de todo
o município. Explico aqui como funcionava o sistema chamado bice-
de-pena: o presidente da mesa recebia dois livros - um, para fazer a
eleição. Se não tinha fiscal, fazia-o no livro que não era rubricado pelo
juiz federal; se tinha fiscal, fazia-o diretamente no livro rubricado pelo
juiz federal. Lembro-me de um fato que se deu em Lages. Meu irmão
Jonas era a favor da candidatura Rui Barbosa e convidou-me para ir-
mos votar. Chegando à mesa, vimos que quem fazia a eleição era o
escrivão Fernando Athaíde, amigo e cliente do meu irmão Jonas, que
era médico. Ele pediu para que nós não votássemos, pois teria duplo
trabalho. O Jonas insistiu, e ele disse: "Eu lhe dou 50 votos, os senho-
res são dois." O Jonas insistiu e nós votamos. Fomos para casa e de-
pois fomos assistir à apuração geral dias mais tarde. Lá fomos surpre-
endidos: não tinha, para Rui Barbosa, nenhum voto.
Com a briga de papai com Hercílio Luz, formaram-se em Lages
duas correntes: uma chefiada pelos Ramos e outra, pelos Costa e Vieira.
Nós, chefiados pelo coronel Belisário, continuamos a luta. A política
era orientada pelo coronel Belisário e por Aristiliano, que se orienta-
vam pela polÍtica do Rio Grande. Era governador naquela época o
doutor Borges de Medeiros. Continuamos combatendo assim até que
Nereu se candidatou a uma cadeira na Câmara Federal. Então, papai
mandou a mim e ao Mauro, com mais oito amigos, fiscalizar o Vale do
Itajaí. Eu fiquei em Rio do Sul e o Mauro foi para Massaranduba.
Quando partimos para fiscalizar, o papai passou um telegrama ao juiz
de Blumenau, doutor Amadeu Luz, avisando que seus filhos Celso e
Mauro iam em companhia de mais oito amigos fiscalizar o Vale. Ele
respondeu descortesmente, dizendo que era muito bom que os irmãos
fossem assistir à derrota fragorosa que ia sofrer o seu irmão Nereu
Ramos. Apuradas as eleições, o Nereu venceu com grande margem.
Nós, inconformados com aquele malcriado telegrama, nos reunimos
com os fiscais que vieram de Florianópolis chefiados por João Batista
Pereira, e fizemos uma bruta festa em Blumenau, comemorando a vi-
tória do Nereu. Chefiava o partido em Blumenau um senhor de nome
Jacó Schmidt, que era casado com O lindina, filha de Lages. Termina-

26
da a apuração em todo o Estado, Nereu, de posse dos boletins, foi
para 0 Rio conseguir o seu reconhecimento, ou melhor, o reconheci-
mento da vitória. Naquele tempo, a apuração era feita por uma comis-
são do Senado. Ele conseguiu, com os boletins que levou e a sua pala-
vra, ser reconhecido como deputado federal. Aí, naturalmente, com a
cadeira de deputado federal, a nossa batalha em Santa Catarina tor-
nou-se mais fácil, pois tinha apoio no Rio de Janeiro.
Assim fomos combatendo até que veio a Revolução de 30.
Deflagrada a revolução no Rio Grande do Sul, eu e Mauro deixamos
nossos filhos na fazenda do Limoeiro com papai e partimos para nos
incorporar às forças do general Lima3 • Quando cheguei a Lages, fui
surpreendido. Entrei na prefeitura, onde estava funcionando o coman-
do das forças. Numa das salas havia uma plaqueta com os seguintes
dizeres: 'Major-Intendente Celso Ramos'. Naturalmente que não po-
dia gostar do presen;te de grego. Fui ao comando e disse que não acei-
tava. Aquilo era lugar para um oficial da Força Pública do Rio Gran-
de, que podia de futuro pagar as requisições que fossem feitas, pois
representava o Estado do Rio Grande. De imediato, verifiquei que
não havia ambiente para mim numa força em que o Aristiliano era um
dos comandantes. Combinei com o Mauro, e fomos ao papai pedir
um cartão para um coronel que era amigo dele, e conseguimos um
automóvel para descermos para a capital. De posse do automóvel, se-
guimos para Florianópolis. Fomos detidos em Teresópolis 4 pela Le-
gião Oswaldo Aranha. Pernoitamos lá, e pela manhã seguimos para
Palhoça, onde estava acampada a força. Juntamo-nos a Nereu, que ti-
nha vindo de Mafra com a tropa organizada pelo Pedro Kuss. As for-
ças continuavam aquarteladas em Palhoça. A vanguarda estava acam-
pada em São José, onde estava fundeada ao largo (.. .),que de vez em
quando atirava nas forças. Algumas balas não detonavam, e um cabo
da polícia, por ignorância, tentou descarregar uma e perdeu um braço.
O cabo chamava-se Pamplona e até há pouco tempo ainda andava pe-
las ruas de Florianópolis.
Quando veio a notícia de São Paulo de que a revolução estava
vitoriosa, o governador Fúlvio Aducci 5, com outros componentes do
governo, tomou o vapor que estava à disposição e foi para o Rio de
Janeiro. As tropas continuavam acampadas em Palhoça. Com a vitó-
ria da revolução, era necessário escolher um interventor. O Nereu

27
não concordou com a nomeação de um coronel indicado por
Aristiliano e telegrafou para Getúlio dizendo que havia um general
comandando as tropas revolucionárias e que este devia ser nomeado.
Era o general Ptolomeu de Assis Brasil6 . Criado o impasse, fui chama-
do pelo general Ptolomeu para ir a Lages buscar o papai. O Rupp 7,
para afastar o Nereu, indicou o papai, e, assim, eu tive que ir buscá-lo.
Estava claro que não havia nenhuma sinceridade nessa indicação do
Rupp. Embora o papai preenchesse todas as condições, ele não pode-
ria aceitar. O general perguntou do que eu precisava para ir buscá-lo.
Pedi um bom automóvel e a gasolina. Mandou entregar-me o automó-
vel e a gasolina, que estava guardada num prédio onde funcionavam a
prefeitura e a cadeia, e, lá chegando, encontrei o Sérgio Lyra, que,
como delegado em Lages, tinha espancado muitos correligionários
nossos. Fui e trouxe o papai. Quando chegamos, fomos para a sala do
comando e lá, depois de ouvir o que o general Ptolomeu queria,
papai respondeu que não podia aceitar, pois aquele lugar cabia a
ele que era militar, que tinha retaguarda garantida pela força. Ele
era um político e só podia contar com os eleitores. Foi dado ciên-
cia ao presidente Getúlio, e, então, foi nomeado como interventor
o general Ptolomeu de Assis Brasil.
Voltei para Lages para continuar na política municipal, obede-
cendo à orientação do Nereu. Tornou-se muito difícil a minha convi-
vência política com o Aristiliano. Só era possível porque o velho
Belisário tinha muita autoridade e amizade com ambos, Aristiliano
como filho e eu como amigo e compadre, porque batizou a minha
filha Dóris, que foi a primeira a nascer.
Quando Getúlio passou, subindo para São Paulo, o fez pela Es-
trada de Ferro São Paulo- Rio Grande. As forças fiéis ao governo esta-
vam em Joaçaba. Uma companhia comandada pelo coronel Lara Ribas
e os civis reunidos por Ivo D' Aquino 8 e pelo coronel Passos Maia
armaram, nessa ocasião, uma cilada para prender o Aristiliano. To-
maram a prefeitura de Campos Novos e comunicaram-se com o
coronel Belisário.
O prefeito de Joaçaba era muito amigo do Aristiliano. Chama-
va-se Augusto Carlos. Os dois combinaram um encontro às margens
do rio Marombas. Ele foi em companhia de seu irmão Alfeu Ramos.
O Lourenço Waltrich, que era governista, avisou que tivessem caute-

28
la com o irmão, um mo reninho pequeno, que atirava muito bem. Pren-
deram o Aristiliano. Q uando o velho Belisário soube da prisão, pren-
deu 15 ou 16 pessoas na prefeitura de Lages, inclusive os seus dois
genros, Álvaro e Aristides Vieira. O Mauro foi à minha casa e contou-
me que o velho Belisário estava desesperado. Corria na cidade que ele
dissera que se matassem o Aristiliano ele mataria os 15 ou 16 que esta-
vam presos, inclusive os dois genros. Disse ao Mauro que ia falar com
ele. Saí para procurá-lo. Não o encontrando em casa, avisaram-me que
ele estava no telégrafo. Lá chegando, botei a cabeça numa abertura por
onde se entregavam os telegramas, e disse ao velho Belisário que preci-
sava falar-lhe. Ele estava sentado ao lado do telegrafista, que passava o
recado . O telegrafista me avisou que ele estava sem acreditar que fosse
0 Aristiliano que estava falando com ele. E eu então disse: 'Pergun-
te ao Aristiliano quantos bois ele vendeu a Celso Ramos, de que
idade eram e de on9-e os entregou.' A resposta devia ser a seguinte:
'Vendi 50 bois, eram de dois anos e foram entregues da minha fa-
zenda em São Borja 9 .'
Quero relatar aqui um fato que diz bem da amizade que eu dedi-
cava ao tio Belisário, e que me dava direito a tratar com ele o assunto
referido. Quero relatar aqui mais uns fatos, enquanto me ocorrem,
que se passaram no período em que eu e o Mauro cuidávamos das
fazendas que ficavam na Coxilha Rica, na seguinte ordem: primeiro, a
fazenda de papai - Santa Teresa -, depois a da tia Cândida - São
João-, e, em terceiro lugar, a do tio Belisário -Morrinhos. Todos os
sábados, quando eu vinha da cidade, passava na casa do tio Belisário e
ele me pedia: 'Volte, no dia tal, para jogarmos solo 10, e, depois, no
outro dia, você seguirá para a cidade.' Passei uma vez, e ele me disse:
'Volte amanhã para irmos para a cidade, eu vou levar a dona Paulina11 .'
Havia chovido muito na véspera e era óbvio que íamos encontrar os
rios cheios. O primeiro que tÍnhamos que passar, já não pudemos pas-
sar no vau 12 da estrada, tivemos que fazer um desvio e passar no
Pelotinhas. Seguimos e, quando chegamos no último, que era o rio
Canoas, perto do Caveiras, fomos a um lugar onde se locava uma balsa
e, lá chegando, não encontramos o balseiro. Gritamos pelo nome e
ele não veio. Tinha ido para a cidade. Voltamos ao vau, e tio Belisário
me disse: 'Experimente para ver se dá para a gente passar.' Experimen-
tei e disse a ele: 'Para nós dois, dá; para a dona Paulina, não; está muito

29
fundo.' Ele insistiu e disse: 'Puxe o cavalo da dona Paulina e eu vou
segurando-a no selim.' Assim eu fiz; mas, como tinha muita corrente-
za no meio do rio, a dona Paulina começou a tontear, ficou muito
tonta e começou a deslizar no selim. Ele não teve força para segurar
sozinho, e eu voltei com o meu cavalo para ajudar a segurar. O cavalo
dela, vendo uma brecha do outro lado, atorou 13 direto e, atorando
direto, o rio ainda ficava mais fundo. Ela molhou-se toda. Lembro-me
que ele embraveceu e gritava: 'Segura, dona Paulina, você é uma ...! Se
segure!' E eu nada podia dizer. O cavalo atravessou certo. Tirei dona
Paulina do selim, coloquei-a no chão, numa grama que havia, ainda
tonta, enquanto ele continuava a brigar. Aí pedi que ele fosse embora,
que eu levava dona Paulina; ele atendeu e foi. Esperei dona Paulina
melhorar bem e, quando ela se sentiu melhor, vesti-a com minha capa-
poncho para que não entrasse em Lages naquele estado. Levei-a até sua
casa. Naquele tempo as casas todas tinham entradas pelos fundos para
que a gente entrasse a cavalo. Entramos por ali, e ela ofereceu-me um
café. Depois eu fui embora.
Vitoriosa a revolução e assentado entre os políticos revolucio-
nários de Santa Catarina, onde o general Ptolomeu de Assis Brasil con-
• • • I •
tmuana como mterventor, era necessano montar um governo e um
secretariado composto de catarinenses, pois o primeiro era composto
de membros da Legião Oswaldo Aranha, todos do Rio Grande. Fo-
ram escolhidos em Lages dois: Cândido Ramos 14 , médico, e Otávio
Silveira 15 , farmacêutico. O primeiro para a secretaria da Polícia e da
Fazenda e o segundo para a secretaria de Segurança. O senhor Otávio
Silveira era prefeito na ocasião. Estava na minha fazenda Pinheiro Seco
quando chegou um próprio 16 da parte do tio Belisário com uma carta
pedindo que eu fosse urgente à cidade porque eu tinha sido indicado
por todas as forças para ser nomeado prefeito, e era também candidato
do general Ptolomeu. Disse-lhe que não podia aceitar, mas, como ha-
via muitas pessoas na sala, disse-lhe que voltaria depois . Iria em casa e
logo voltaria a falar sobre o assunto. Chegando novamente à casa do
tio Belisário, pedi-lhe para falar a sós. Fomos para uma sala contígua e,
não podendo dizer da verdadeira posição em que me encontrava, dei-
lhe uma resposta que julgo infeliz. Disse que não tinha sido consulta-
do. Ele me respondeu imediatamente: 'Você foi indicado por mim. E
eu procedi com o mesmo direito que você tinha de proceder se as

30
posições fossem invertidas, dada a amizade que nos une.' Diante
dessa afirmação, fui obrigado a dizer a verdadeira razão: 'Tio
Belisário, eu não posso aceitar porque eu estou pensando diferen-
te dos senhores. Prepara-se um movimento revolucionário em São
Paulo e eu ficarei - com Nereu - a favor de São Paulo para que
volte a democracia ao nosso país. ' 17 "

Sede da Fazenda Guarda-Mor18 nos campos de Lages

31
Os fundadores da família Ramos em Santa Catarina, Laureano josé de
Ramos e dona Maria Gertrudes de Moura

O casal Vida! de Oliveira Ramos Sénior

32
Coronel Belisário Ramos

33 ,
Vidal Ramos Júnior
Vidal José de Oliveira Ramos
Coronel A ristiliano Ramos

34
Henrique Ramos júnior foi prefeito de Lages em 1938
joaquim Ramos 19

35
Catapulta

o entardecer do dia 16 de ju-


nho de 1958, um domingo, Nereu de Oliveira Ramos, o então gover-
nador do estado, Jorge Lacerda, e o deputado federal Leoberto Leal
dirigem-se ao Aeroporto Hercílio Luz, de Florianópolis, para embar-
car, com outros passageiros, no Convair 240 da Real, com destino ao
Rio de Janeiro e escalas programadas em Curitiba e São Paulo.
Por volta de 19 horas, estoura a notícia, pela Rádio Guarujá de
Florianópolis, de que a aeronave tivera um acidente quando procedia
para o pouso no aeroporto da capital paranaense. Em seguida, o anún-
cio da tragédia: a confirmação do falecimento dos três políticos catari-
nenses. O Palácio do Governo foi aberto para recepcionar as urnas
fúnebres. Parentes, amigos e correligionários dos políticos falecidos
dirigiam-se à casa do governo, todos irmanados na dor, numa aliança
política de sentimentos, que em vida não seria possível. Os corpos
chegaram pela manhã do dia 17, sendo velados em Palácio e sepulta-
dos à tarde, com honras oficiais, acompanhados os féretros por ex-

37
pressiva parcela da população da capital e lideranças políticas do Rio
de Janeiro, de São Paulo e do interior do Estado.
O acidente fez mudar o quadro político catarinense. No âmbito
do PSD, houve a necessidade de revisar as candidaturas existentes para
o pleito legislativo de 1958, com o preenchimento de vagas no Sena-
do, na Câmara Federal e na Assembléia Legislativa.
Celso Ramos, já presidindo a Federação da Indústria de Santa
Catarina, passa a dirigir o PSD, assumindo a presidência da agremiação.
O pleito de 3 de outubro de 1958 serviria de pano de boca para o
grande espetáculo do futuro pleito de 1960, quando seria escolhido o
novo governador do Estado, comandado, agora, pela assunção do vice,
Heriberto Hülse. Celso Ramos e Irineu Bornhausen disputaram a vaga
ao Senado, preliminar da pugna que iriam enfrentar em 1960. O PTB,
como sempre, era o fiel da balança política, sendo que, em julho de
1958, o PSD firmara protocolo-acordo com o PTB, através do qual a
primeira agremiação apoiaria a candidatura de um petebista ao Senado
em troca do suporte ao candidato pessedista que iria disputar a eleição
de governador em 1960.
O PTB catarinense já havia lançado o nome de Carlos Gomes de
Oliveira como candidato ao Senado pela Aliança Social Trabalhista,
sendo que, em decorrência das disputas internas entre os trabalhistas,
o protocolo foi rompido pelo presidente do PSD catarinense, Celso
Ramos, alegando este que o diretório nacional do PTB introduziu no
acordo cláusula que não estava prevista nas primeiras tratativas, ou
seja, desejava o PTB garantir no protocolo que somente apoiaria o
nome de um pessedista ao governo do Estado em 1960 caso o candida-
to do PTB à eleição ao Senado saísse vitorioso.
Celso Ramos, que ficara na obrigação moral (e familiar) de subs-
tituir o irmão falecido, e para manter viva a legenda pessedista, lançou-
se candidato ao Senado da República, concorrendo com o prestigioso
líder udenista e ex-governador Irineu Bornhausen.

38
Inovação política

altando pouco tempo para a rea-


lização do pleito, Celso Ramos fez o que o bom senso lhe ensina-
va: tratou de assessorar-se de pessoal técnico e competente para
fortificar o apoio político.
Dos quadros do Sistema Fiesc, foi buscar nomes de jovens e pro-
missores técnicos, salientando-se o do professor Alcides Abreu.
Através da Rádio Guarujá (de propriedade do sobrinho e ex-
governador Aderbal Ramos da Silva, grande líder do pessedismo), foi
formado um pool de 26 emissoras, agindo em cadeia, para a transmis-
são de programa político do candidato, às 12 horas e às 18h30min. Os
programas eram elaborados por uma equipe de 15 colaboradores, co-
ordenados por Agripa de Castro Faria. O sucesso da iniciativa se com-
provava sempre que o candidato e sua comitiva chegavam aos municí-
pios para os comícios. A população já estava identificada com as suas
propostas inovadoras.
Estreante em pugnas eleitorais como candidato, Celso sabia que

39
não era detentor de dotes oratórios como seu irmão Nereu. Por isso,
sua equipe criava estratégias de comunicação.
A grande esperança de Celso Ramos para o pleito de 3 de
outubro de 1958 ao Senado era a desistência da candidatura de
Carlos Gomes de Oliveira, do PTB, cuja diferença de votos de-
finiria o vencedor.
Abertas as urnas, lrineu Bornhausen recebeu 216.775 sufrágios
(seu suplente, Brasílio Celestino de Oliveira, 193.786); CelsoRamos
obteve 190. 993 votos (seu suplente do PRP, coligado, Jade Magalhães,
recebeu 191.819 votos), e Carlos Gomes de Oliveira, 55.556 sufrági-
os, tendo o seu suplente, Telmo Vieira Ribeiro, obtido 48.146 votos.
A derrota de Celso Ramos para Irineu Bornhausen por peque-
na margem de votos não o desanimou, nem ao partido, e, muito me-
nos à sua excelente equipe. Como afirmou o seu principal asses-
sor, Alcides Abreu, "o resultado mostrou que ele era bom de voto
e bom de cabeça, e como tal seria um bom candidato para as elei-
ções gerais de 1960".

Irineu Bornhausen

40
Edna Lott, filha do marechal Teixeira Lott, e os deputados
Dib Cherem, Ademar Garcia, Oscar Rodrigues da Nova,
Antônio Almeida, Augusto Brezola, Ivo Reis Montenegro,
Jota Gonçalves, Orlando Bertoli e José Bahia Bittencourt

Senhora Edith Gama Ramos, na sede do PSD


em Florianópolis, recebe Edna Lott

41
Celso Ramos, lrineu Bornhausen, João José de Souza Cabral e
Aderbal Ramos da Silva ouvem Eurico da Costa Carvalho,
do CNI do Rio de Janeiro, durante visita de estagiários da
Escola Superior de Guerra a Santa Catarina em 1959

42
Rumo ao Palácio

Palácio do Governo na Pra-


ça XV de Novembro, que já fora ocupado por seu pai, Vidal, por
seu irmão Nereu e pelo sobrinho Aderbal, era a meta futura de
Celso Ramos.
Recorde-se que em 1958 a moldura segurava um quadro políti-
co-partidário de interpretação imaginosa. Como uma tela surrealista,
as forças políticas tradicionais (PSD e UDN) encontravam-se dissipa-
das. O pessedismo, esmaecido pela atuação do governo Kubitschek,
que imprimiu um estilo de cunho pessoal, relegando o partido políti-
co que o elegera a uma posição secundária. JK agia ultrapartida-
riamente, pois a sua meta era a reeleição, para ocupar, mais uma vez, o
palácio que construíra em Brasília. A UDN não apoiou o seu candida-
to natural, J uracy Magalhães. O líder Carlos Lacerda, importante peão
no jogo sucessório, afirmou que não suportava a candidatura de
Juracy, pois, "se não sou candidato é porque acho que a UDN sozi-
nha não faz um presidente da República". Lacerda e~tava rompido

43
com Jânio, mas por iniciativa de Abreu Sodré, encontrou-se com aquele
a quem, mais tarde, declararia o seu apoio.
Juracy Magalhães, entretanto, informa (no seu O Último Tenen-
te - depoimento a J. A. Gueiros -, RJ, Record, 1996, p. 296): "... O
presidente da República em fim de mandato Juscelino Kubitschek,
estrela do PSD, articulava secretamente uma composição com a UDN
em torno do meu nome para sucedê-lo. Como já contei,(...) Juscelino
dissera que desejava ver-me como seu sucessor(... ), ele achava que
se fosse sucedido por um líder da UDN certamente voltaria ao
poder n a eleição seguinte, em 1965, para continuar o seu ambicio-
so plano de metas."
Jânio, afinal, com a sua vassoura mágica, com seu carisma dema-
gógico e desprezo pelos partidos políticos, encantou a cúpula udenista,
sendo indicado como seu candidato à Presidência da República, na
Convenção Nacional de 8 de novembro de 1951, obtendo 205 votos,
contra 85 dados a Juracy Magalhães.
A disputa eleitoral entre Celso Ramos e Irineu Bornhausen pela
vaga ao Senado em 1958 mostrou, à primeira vista, que o falecimento
de Nereu Ramos tinha afetado, profundamente, a máquina político-
eleitoral do PSD. Celso, na verdade, enfrentou o pleito consciente de
que não seria o vencedor, prejudicado que foi, inclusive, pela candida-
tura petebista de Carlos Gomes de Oliveira.
O lançamento do nome do então presidente do PSD catarinense
à sucessão estadual foi, antes de tudo, uma demonstração de que o
partido fundado por Nereu Ramos, apesar de ser oposição (o vice-
governador Heriberto Hülse, da UDN, havia assumido o governo com
o falecimento de Jorge Lacerda), a nível estadual, não havia sido
carburado pelo fogo que retorceu as ferragens do Convair da Real.
Afinal, em política, as situações, por mais trágicas que possam ser,
quase nunca são definitivas. Golpear, receber golpes, repeli-los e
até assimilá-los são atitudes estratégicas e às vezes sábias, que fazem
parte do jogo eleitoral.
O amargo da derrota de 1958 implicou em repensamen to e
redefinição das estratégias do PSD catarinense. Mudanças teriam de
ser introduzidas na articulação, na mecânica e nos procedimentos par-
tidários com vistas à importante eleição de outubro de 1960, quando
novamente PSD e UDN disputariam a posse do Palácio Rosado da

44
Praça XV e o comando dos negócios públicos do Estado catarinense.
Celso Ramos compreendeu que havia uma distância cultural
entre ele e seu falecido irmão, advogado brilhante, tribuno do Se-
nado e líder político com estriamentos nacionais, tido como uma
das mais destacadas raposas do pessedismo . Sabia também, que o PTB
foi, era e continuava sendo o fiel da balança eleitoral em Santa Ca-
tarina, principalmente pela assunção efetiva de Doutel de Andrade
(já deputado federal pelo Estado), dono de uma oratória fluente e
que na época empolgava multidões no comando do partido presi-
dido por João Goulart.
A eleição para a governança - a penúltima direta da fase de-
mocrática - significava as conseqüências dicotômicas da vitória ou
da derrota futuras .

Celso Ramos em campanha no município de Doutor- Pedrinho

45
A Declaração de Blumenau

or iniciativa do suplente de depu-


tado federal Wilmar Orlando Dias, foi montada em Blumenau reu-
nião de lideranças pessedistas. Afirma o parlamentar, em entrevista ao
jornal O Estado de 08/03/59, que, "encontrando acidentalmente, na
manhã de sexta-feira, em Blumenau, vários pessedistas influentes, al-
guns com mandato partidário, lembrei-me de coordenar, com os
companheiros, ª<? ensejo de minha permanência por dois dias ali, uma
reunião informal para debater o assunto que a todos preocupa, em 6
de março de 1959, no Hotel Rex, com o escopo principal de indicar o
candidato do PSD à sucessão governamental que se daria em 3 de ou-
tubro de 1960". A evidência de montagem do conclave resultou no
comparecimento das mais expressivas lideranças do PSD do Vale e
Alto Vale do Itajaí, do Litoral, do Planalto e do Oeste.
Procurou-se, na ocasião, provocar a manifestação dos diretórios
municipais do partido, órgãos mais próximos ao eleitorado, sobre a
definição sucessória. Discursaram, na ocasião, veementemente, Wilmar

47
Dias, Aarão Rebelo, Ingo Renaux, Luiz Stolz, Mário Mafra, Jota Gon-
çalves, Ivo Montenegro e Epitácio Bittencourt, todos no sentido do
lançamento da candidatura do então presidente da Federação das In-
dústrias do Estado de Santa Catarina, que, concomitantemente, já ha-
via preparado um outro instrumento político, que teria larga reper-
cussão, o Seminário Sócio-econômico.
A reunião de Blumenau - ficou evidente - não se constituiu
um acontecimento acidental do pessedismo catarinense. Entre as lide-
ranças já citadas estavam presentes: o deputado estadual Orlando
Bertoli; Erwin Prade; os vereadores Abel Ávila dos Santos, Afonso de
Oliveira, Mário Manzke, este último então presidente da Câmara de
Vereadores de Blumenau e candidato à prefeitura de Pomerode; Luiz
Garcia, de J oinville; Gelindo Buzzi, prefeito de Timbó; João Custó-
dio da Luz, presidente da Câmara de Vereadores de Pouso Redondo;
João de Borba e Vitorino Ávila Filho, de Blumenau; Ingo Renaux e
Jaime Mendes, de Brusque; Raymundo May Sobrinho, Vitório
Fornerolli (vereadores), Mário Mafra e Nelson Abreu, de Rio do Sul;
Zeferino de Carvalho Neto, de Tijucas; Gui Angelino Vieira, Ervino
Fronze, vereador em Rodeio, e João Santos, de Gaspar; além de outros
nomes expressivos do PSD.
A Carta de Blumenau foi o detonador oficial da candidatura de
Celso Ramos pela disputa ao governo do Estado que se avizinhava.
Eis o texto: "Os signatários desta declaração, considerando a ne-
cessidade de se lançar desde já e plenamente o problema da suces-
são estadual, para o fim de permitir com a antecedência desejada a
arregimentação partidária.
Conclamam os diretórios municipais do Partido Social De-
mocrático a promoverem, junto aos órgãos superiores do partido,
as medidas que culminem com a escolha do nosso candidato ao
pleito eleitoral de 1960.
Considerando que o último governo e o em curso não sou-
beram dar nem criar as bases e os estÍmulos para o progresso e o
desenvolvimento do Estado em qualquer dos setores da atividade
reservada ao Poder Público.
Proclamam - enfatiza a carta - a urgência de uma mudança no
tratamento e solução dos problemas catarinenses, a se conseguir me-
diante a vigência, a ação dinâmica, o planejamento e a austeridade.

48
Considerando que a personalidade do candidato pessedista deve
incluir, entre outras, as qualidades de ação, experiência política e pene-
tração eleitoral, capacidade de comando e de trabalho em equipe, além
de uma extrema fidelidade aos altos interesses de Santa Catarina e uma
legÍtima presença nos quadros pessedistas.
Sugerem ao partido - finaliza - que escolha como seu candida-
to ao governo do Estado, nas eleições de 1960, o nome do eminente
catarinense senhor Celso Ramos, presidente da comissão executiva da
nossa agremiação partidária. Blumenau, 6 de março de 1959."
O lançamento do candidato do PSD formalizou a montagem do
esquema estratégico (a Carta de Blumenau foi a agilização no plano
político), que teria seguimento, em julho do mesmo ano, na cidade de
Chapecó, com a rampagem do Seminário Sócio-econômico (a
complementação do plano técnico, sem esquecermos de que a técnica
envolve política e vice-versa).
Entrementes, a situação recebia a antecipação de campanha do
pessedismo sem muitas apreensões, pois contava com o apoio do go-
vernador udenista Heriberto Hülse e com o prestígio crescente do
vitorioso senador lrineu Bornhausen, candidato declarado ao pleito
de 1960. O jornal A Gazeta de 8 de março noticiava, em breve nota, o
lançamento de Celso Ramos, em Blumenau, para reagir, na edição do
dia 10, estampando em manchete, à reeleição do senador Bornhausen
para a presidência da UDN catarinense. Na mesma edição, o tradicio-
nal jornal da Rua Conselheiro Mafra inseria, na primeira página, arti-
go de Zé da Ilha (pseudônimo do jornalista Adão Miranda), intitulado
Candidato Planificado. Salientava que a candidatura de Celso Ramos
teria sido articulada por uns poucos pessedistas, minimizando as di-
mensões que o PSD deu ao conclave de Blumenau, e alimentava a in-
compatibilidade política que alegava existir entre o candidato e presi-
dente da Federação das Indústrias de Santa Catarina e o ex-prefeito
Osmar Cunha, que, veladamente, teria pretensões ao governo do Es-
tado. O jornal O Estado, por seu turno, em editorial da lavra de Rubens
de Arruda Ramos, intitulado Candidato Natural, alardeava as qualida-
des de Celso Ramos, que "na verdade vinha se impondo, dia a dia, à
soma das vontades correligionárias e ao aplauso de ponderáveis forças
eleitorais descompromissadas partidariamente, com tão extraordiná-
rio poder de catálise, que a sua candidatura se tornou i_mperativa". "A

49
Declaração de Blumenau - aduz - , todavia, antecipou essa decisão.
A ratificá-la, faltam apenas solenidades formais." Depois de tecer cáus-
ticas críticas à situação, finaliza: "Candidato natural de seu partido,
Celso Ramos é o candidato de que Santa Catarina e o seu povo
precisam. Enfileirando-se, hoje, entre os que lhe propugnam a can-
didatura e a vitória, este jornal entra na luta fiel ao programa de
. sua terra e seu povo. "
servir
Segundo depoimento de um ex-assessor do futuro governador, o
lançamento do nome de Celso Ramos ao governo do Estado foi preci-
pitado, pois o sobrinho, Aderbal Ramos da Silva, tinha pretensões de
concorrer no pleito de 1960.

50
O Seminário Sócio-econômico

s primeiras manifestações em
torno da instrumentação divulgatória do Seminário Sócio-econômico
de Santa Catarina surgiram no mês de julho de 1959, na cidade de
Chapecó, um rastreamento à idéia criadora de Eurico da Costa Carva-
lho (segundo o depoimento do ex-assessor Alcides Abreu), técnico do
Conselho Nacional da Indústria do Rio de Janeiro e membro da Esco-
la Superior da Guerra.
A intenção - ainda segundo Alcides Abreu ---:- era a de realizar
um diagnóstico global da realidade catarinense, envolvendo entidades
públicas e privadas. Para isto, foi inicialmente criado um grupo de
trabalho pelo Conselho Nacional da Indústria, que, inclusive, dispu-
nha de dotação financeira para o empreendimento, grupo este com-
posto de técnicos e especialistas nos diversos setores a serem enfocados.
O diagnóstico inicial previa a mobilização de líderes comunitári-
os (cerca de 3 mil especialistas) que detinham funções públicas e signi-
ficativa posição social, no sentido técnico, atendendo resposta de ques-

51
tionários e elaborando entrevistas.
Estes subgrupos reuniram-se na cidade de Chapecó para o deba-
te e avaliação, tendo sido elaborada ata conclusiva dos trabalhos de
cada equipe sobre os temas, que abrangiam 17 comunas (microrregiões),
partindo-se depois para as macrorregiões, constituídas de sete impor-
tantes cidades, dispostas geopolíticamente no Estado.
A coordenação do seminário coube à equipe formada pela Fede-
ração das Indústrias do Estado, comandada pelo professor Alcides
Abreu, tendo como principais colaboradores Glauco Olinger, Fernan-
do Marcondes de Mattos, Wilmar Dallanhol, Antônio Lara Ribas, Cló-
vis e Célio Goulart, e outros especialistas.
O documento conclusivo do seminário foi finalmente debatido
pelas comissões, redigidas as atas na reunião ocorrida em Florianópo-
lis de 3 a 5 de dezembro de 1960, tendo como local a tradicional Facul-
dade de Direito da Rua Esteves Júnior. O comparecimento de congres-
sistas (esta a expressão que está no calendário-programa) foi muito ex-
pressivo, já que àquela altura dos acontecimentos os resultados do se-
minário tinham maiores inflexões políticas do que técnicas, em decor-
rência da vitória eleitoral de Celso Ramos no pleito de outubro.
A peça introdutória do documento, refletindo o pensamento do
governador-eleito, assinala que "a Federação das Indústrias de Santa
Catarina, no exercício de seu indeclinável dever de zelar pelos interes-
ses da classe industrial, vem de longa data tomando conhecimento ati-
vo e crítico do processo cultural brasileiro em seus aspectos globais".
Notava que a visão peculiarista dos problemas da)ndústria não traria
conseqüências satisfatórias, acentuando que a tendência política de
transformação da estrutura brasileira (evidencia o gênio inspirado do
presidente Kubitschek no lançamento de bases sólidas da "grande ar-
rancada econômico-cultural dos anos 60") previa futuro com um mo-
delo novo, fértil e inédito. .
O trabalho, na verdade, marcou experiência inédita e original
para a época, referendada pela improvisação dos programas adminis-
trativos, pretendendo que "contivesse num só tempo o levantamento
das condições do Estado e a tentativa de esboçar a formulação e difu-
são da ideologia do desenvolvimento econômico e cultural que carac-
teriza o processo brasileiro", visando "reformulações sucessivas por
parte da população de sua própria decisão". Preconizava o documento

52
a posse de uma consciência autêntica, para um projeto autônomo de vida,
abstraído o legado da formação e situação colonial, que abrigou os
radicais, por longos anos, a uma atitude alienada e de empréstimo.
Lançou desafios para a produtividade e para o trabalho, ação con-
junta dos governados.
As duas grandes comissões (de desenvolvimento econômico e de
problemas especiais) abriram-se em duas subcomissões, sendo que a
primeira tratou dos seguintes temas: educação, energia elétrica, crédi-
to, agricultura, transporte, mão-de-obra e saúde pública. A outra,
sobre carvão mate, madeira, pesca, integração do Oeste, turismo e
planejamento regional.
Ao finalizar, a apresentação assinada por Celso Ramos salienta:
"O documento que segue e os trabalhos anexados que deram suporte e
origem são o fruto de cuidadoso exame por parte dos técnicos da CNI-
Fiesc, da população que compareceu às reuniões do seminário, dos
principais problemas estruturais do Estado, com objetivo de subme-
ter à consideração dos convencionais presentes uma tentativa de for-
mulação de uma política global que situe Santa Catarina no seu esfor-
ço regional dentro do projeto desenvolvimentista do Brasil, e na ex-
pectativa de que o governo federal se associe e estimule o esforço,
a boa-vontade e o anseio de unidade nacional que ora se extravasa,
nesta reunião, do coração mas principalmente da consciência cívi-
ca do povo catarinense."
Em janeiro de 1961, o texto do documento foi corporificado em
projeto de lei, submetido, inicialmente, às liderança dos partidos polí-
ticos que apoiaram o candidato vitorioso, bem como às direções e
lideranças de diversas entidades econômicas. Depois de convalidado,
foi remetido à Assembléia Legislativa para a revisão política, transfor-
mando-se no Plano de Metas do Governo (Lei nº 2.772/61), o primei-
ro orçamento plurianual até então produzido no país.

53
Plano para lrineu

candidato da UDN ao plei-


to governamental de 1960, lrineu Bornhausen, procurava repetir o
sucesso de 19 50. Senador e presidente do partido em Santa Catari-
na, contava com o apoio do situacionismo comandado pelo gover-
nador Heriberto Hülse.
Pessoalmente, Bornhausen não acreditava muito em estratégias
planificadoras. Político pragmático, usava do verbo, da conversa con-
chavada na manutenção de sua liderança. Homem de trato agradável,
muito sociável, tinha disposição incomum para atravessar horas de
conversa cativando o interlocutor. Mesmo assim, aceitou um roteiro
de programa de governo, para contrapor-se à proposição econômico-
social do seminário organizado por Celso Ramos (segundo depoi-
mento de José Corrêa Hülse). Este e o então secretário do POE
(Plano de Obras do Estado), Victor Peluso Júnior, elaboraram o
chamado Esquema do Plano de Trabalho do Governo do Estado
de Santa Catarina.

55
Por definição, o plano tinha a finalidade de "expor os diversos
tipos de planejamento existentes no mundo", para "ressaltar que o
tipo de planejamento está diretamente ligado nos preceitos constituci-
onais. É a discriminação dos poderes do Estado que lhe permite adotar
um outro plano". "Mas, além dos poderes do Estado - continua-,
tem-se a considerar a economia. Mesmo que o Estado não possa dispor
diretamente sobre a matéria que lhe escapa da competência, quando de
natureza econômica, sempre é possível, dada a situação da economia,
agir indiretamente sobre ela." A necessidade do plano explicitava que
era necessário "expor a impossibilidade de o orçamento, como plano
de trabalho do governo, ser suficiente para dirigir o Estado. Os pro-
blemas exigem - ressalta-, comumente, diversos anos para sua solu-
ção. Além disso, as novas gerações exercem pressão que o governo
deve atender, prevendo, com antecedência, as exigências a satisfazer".
Os recursos para o planejamento da plataforma do candidato no
qüinqüênio 1960/ 1965 estavam focados para a arrecadação das verbas
de investimento, no orçamento proposto, da taxa do POE e da taxa de
investimentos. Detinha-se, depois, o plano, sobre a economia catari-
nense, observando a economia brasileira, a renda regional e a evolu-
ção econômica. Tratava, em seguida, dos planos de trabalho, da
necessidade de seleção , agricultura, educação, saúde pública e as-
sistência social, segurança pública, justiça, viação e energia, subdi-
vidindo os temas nas suas especificidades.
Não se pode afirmar que a disputa entre PSD e UDN pelo con-
trole do poder político estadual estava envolta em preocupações ideo-
lógicas ou programáticas. Como também, que as inflexões da sucessão
nacional (campanhas do marechal Teixeira Lott, Jânio da Silva Qua-
dros e de Adhemar de Barros à Presidência da República) tivessem
determinado atitudes e comportamentos homogêneos: como, por
exemplo, o PDC, aliado à UDN com a candidatura de Jânio Quadros,
que apoiava, com uma pequena dissensão, o candidato do PSD,
Celso Ramos. Assim também ocorria com o PRP e o PL, já que as
vinculações político-partidárias locais sempre foram mais fortes e
expressivas no que concerne aos interesses das lideranças, na re-
partição do bolo do poder.
Mas, novamente, em termos de coligação, o grande trunfo
definidor era o PTB, sob a liderança de Doutel de Andrade, que conse-

56
guiu arregimentar a maioria partidária, vencendo o quisto da resistên-
oa do chamado velho comando.
Celso Ramos escolheu Doutel de Andrade para seu candidato a
vice-governador; Irineu Bornhausen optou pelo dissidente petebista
Carlos Gomes de Oliveira; Martinho Callado Júnior, do PDC, foi
candidato isolado a governador, para justamente favorecer o es-
quema da Aliança Social Trabalhista, diante de uma pequena divi-
são entre os pedecistas.
Segundo as estatÍsticas, desde a fundação, em 1945, os partidos
políticos nacionais do tipo clássico, como o PSD e a UDN, demons-
travam tendência inequívoca de declínio , ou, quando menos, para a
estagnação de sua força eleitoral. Em contrapai;tida, cresciam as
agremiações de cunho populista, sendo o PTB a que maiores índices
conquistou: cerca de 14% acima dos demais, como força eleitoral.
Abstraia-se, entretanto, o pleito de 1960 em nível nacional, quando a
votação fugiu à orientação partidária para ser compreendida como pre-
ferencial, dadas as estratégias montadas, principalmente, pelo esque-
ma do renunciante presidente-eleito.
A campanha da chapa Celso-Doutel foi muito esquematizada e
organizada. A determinação espartana e otimista do candidato a go-
vernador aliava-se à figura moça e elegante do vice, um orador (para
aqueles tempos) que extasiava as multidões que compareciam aos co-
mícios da Aliança. O setor de comunicação Gornais, emissoras de rá-
dio, serviços de alto-falantes e preparação de comícios) comanda-
do por Aderbal Ramos da Silva, coadjuvado por Renato Ramos da
Silva, Paulo Bauer Filho e Fúlvio Vieira, foi perfeito e tido como
decisivo para a vitória.
Como já vimos, Celso derrotou Irineu por 20.028 votos.
Doutel foi vice-governador com 238.664 votos, contra 213.593
dados a Carlos Gomes de Oliveira e 16.105, a Martinho Callado
Júnior, além de 13.364 votos em branco e 7.208 nulos, num eleito-
rado global de 524.048 votantes.
Em Santa Catarina Jânio Quadros conseguiu 226.370 votos.
Teixeira Lott, 221.813 e Adhemar de Barros, 41.706.

57
Celso e Doutel, a grande dupla vitoriosa no pleito de 1960, encaminhando-se
para a posse no Palácio Rosado
Povo aguarda Celso Ramos

58
Heriberto Hülse transmite o governo a Celso Ramos
Celso Ramos lê a mensagem do Executivo à Assembléia
Legislativa em 15 de abril de 1961

59
\
]ânio governa daqui

lilliiiiim...lr m 23 de março de 1961, o en-


tão presidente da República, Jânio da Silva Quadros, instala em Flo-
rianópolis a primeira reunião de governadores. A capital de Santa Ca-
tarina transformava-se no centro político do país, já que o governador
Celso Ramos hospedava, além do presidente, seu ministério e mem-
bros dos mais elevados escalões da burocracia, como Ney Braga, do
Paraná, e Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul.
Para preparar o encontro de Florianópolis foi criado um grupo
de trabalho, sugerido antecipadamente pelo presidente da República,
que elaborou temário que foi entregue, em Brasília, no início de mar-
ço, no gabinete presidencial, pelo deputado federal por Santa Catari-
na Joaquim Ramos.
O governador Celso Ramos e sua equipe apresentaram ao presi-
dente Jânio Quadros e seu ministério 22 trabalhos que tratavam de
problemas que afetavam o Estado catarinense, bem como as conclu-
sões do Seminário Sócio-econômico que havia sido realizado.

61
A reunião teve como local o então amplo auditório do Edifício
das Diretorias, recém-inaugurado, na Rua Felipe Schmidt.
O resultado prático para Santa Catarina da reunião consubstan-
ciou-se na aprovação presidencial dos seguintes temas: a) no campo
da agricultura, o presidente Jânio Quadros determinou providências
imediatas para a conclusão da Escola de Pesca do Ribeirão da Ilha, na
capital catarinense, bem como a facilitação de créditos agrícolas pelo
Banco do Brasil, através de suas agências intermediárias. Determinou,
também, a fixação de preços mínimos para produtos agrícolas, inclu-
sive o trigo, providência que beneficiou os três estados sulinos.
Na área da educação, declarou o presidente, na ocasião, que iria
instalar em breve a recém-criada Universidade Federal de Santa Cata-
rina. A instituição foi legalizada no governo J uscelino Kubitschek, em
18 de dezembro de 1960, pela lei federal nº 3.849, tendo sido nomeado
seu p rimeiro reitor o professor João David Ferreira Lima pelo então
presidente João Goulart, em 12 de outubro de 1961. A universidade
foi instalada oficialmente, em sessão solene realizada no Teatro Álva-
ro de Carvalho, desta capital, na noite de 12 de março de 1962. Ainda
na área da educação, o presidente autorizou a liberação de recursos
para a merenda escolar, atendendo a 200 mil crianças; a construção de
dois ginásios industriais, em Criciúma e J oaçaba; o fornecimento de
livros didáticos para as populações escolares, pela Companhia Nacio-
nal de Ensino e a construção de mais de 280 salas de aula~
Estabeleceu, o presidente, prioridades para a construção de ro-
dovias e ferrovias, determinando a ampliação da pista do Aeroporto
de J oinville, bem como a const rução de novos aeroportos, em Itajaí,
em São Miguel Miguel do Oeste e em São Joaquim.
Autorizou verba para a construção da rede de esgoto para F lo-
rianópolis, bem como para construção do Hospital Infantil, deter mi-
nando a concessão de bolsas de estudos para médicos e enfermeiras
catarinenses na Escola Brasileira de Saúde Pública.
Autorizou, também, a criação do Banco e Conselho de Desen-
volvimento da Região Sul , determinando urgência para a conclusão da
Companhia Siderúrgica de Santa Catarina (Sidesc).
A sede do governo da República assim foi instalada em F loria-
nópolis, que engalanara-se para receber tantas expressivas autoridades,
não somente da capital federal, bem como das altas administr ações

62
dos dois estados vizinhos. Não houve hotel para tanta gente. A políti-
ca local havia entrado em férias. O assunto polÍtica, entretanto, que
perpassava nos grupos de reuniões informais, ventilava as demarchas
promovidas por membros do Partido Democrático Cristão (com
Carmelo Faraco, à frente) e do Partido Libertador (com David Fontes
e 0 general Vieira da Rosa, entre outros), no sentido de indicar o ad-
vogado e bancário Augusto Wolf para ser nomeado subchefe da
Casa Civil da Presidência da República em Santa Catarina (as
subchefias estavam sendo criadas em todos os estados da Federa-
ção). As demarchas foram acertadas com o então ministro do Tra-
balho do governo federal, Francisco de Castro Neves, e, posterior-
mente, com o chefe da Casa Civil da Presidência da República, Fran-
cisco Quintanilha Ribeiro.
O advogado Augusto Wolf, funcionário da agência central do
Banco do Brasil nesta capital, havia sido líder estudantil na União Ca-
tarinense de Estudantes e no diretório acadêmico da Faculdade de Di-
reito, e muito amigo do oficial de gabinete do governador Celso Ra-
mos, Manoel Campos. Por ocasião da reunião que se realizava em Flo-
rianópolis, Wolf fora chamado pelo governador para ajudar no gabi-
nete. Estes fatos também colaboraram para a futura nomeação de
Augusto Wolf na inusitada função criada pelo governo federal, com a
finalidade de que as postulações na área da Casa Civil em Brasília pas-
sassem pela triagem das subchefias nos estados, podendo algumas se-
rem resolvidas na região, encaminhando-se ao governo central os ca-
sos mais complicados. Seria uma forma de descentralização do poder,
elevando-se a Federação, por seus representantes, com funções admi-
nistrativas e, evidentemente, com poderes políticos. Criou-se, igual-
mente, uma subchefia da Casa Militar da Presidência da República
também em Santa Catarina, sendo indicado para a função oficial da
Polícia Militar Armando Souza Rizzo.
O advogado Augusto Wolf foi nomeado por ato do presiden-
te Jânio Quadros, n o dia 10 de abril de 1961, tomando posse em
Brasília, tendo sido instalada a subchefia no prédio do Instituto Bra-
sileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), n a Rua João Pinto na ca-
pital catarinense.
O novo e efêmero órgão gerou, a princípio, reações dos grupos
políticos tradicionais majoritários no Estado, argumentando-se, entre

63
outras coisas, que a subchefia era uma forma de esvaziar o governo
estadual, colocando-se instituição paralela do governo federal, o que
retirava a força política de deputados federais e senadores.
As funções da subchefia foram desativadas após a renúncia
de Jânio Quadros, que, na reunião de governadores, instalou-se no
Palácio da Agronômica, proporcionando reuniões com seus asses-
sores mais íntimos. Jânio sofria de insônia. À noite, recolhia-se só,
bebendo cerveja, e assistia a dois ou três filmes, até chegar à
exaustão, sua e a do operador. Ninguém advinhava os aconteci-
mentos de agosto próximo.

64
f ânio renuncia

llllm...lrm 25 de agosto de 1961 o


estarrecimento nacional com a renúncia de Jânio Quadros. Cumpri-
ra-se o vaticínio de J uracy Magalhães e Carlos Lacerda após o desfe-
cho da convenção udenista que escolheu o homem da vassoura: "Vocês
vão se arrepender com a decisão que tomaram."
A renúncia é sempre lembrada como um ato impensado, aliás,
loucamente pensado, desastroso, responsável pela crise político-
institucional que veio a se instalar em março de 1964.
Em Santa Catarina não foi menor a apreensão dos políticos e
suas reaglutinações, mesmo porque, o governo de Jânio, de início,
estabeleceu uma espécie de desequilíbrio das práticas políticas locais,
em decorrência do invulgar comportamento do mandatário em rela-
ção às forças que compunham o Congresso Nacional e às suas natu-
rais seqüelas nas órbitas estaduais. Jânio sempre foi um rebelde parti-
dário, homem suprapartidário, e'umesmista, visionário, que não se en-
quadrava em disciplina de partido político, sempre provocando

65
dissenso, como ocorreu quando de suas filiações meteóricas no PDC,
na UDN e no PTB. Para Maria Victoria Benevides (A UDN e o
Udenismo , RJ, Paz e Terra, 1981, p.113), as versões da personalidade
de Jânio Quadros eram as de "demagogo, farsante, economista disfar-
çado, psicopata incurável, ditador ou salvador incompreendido".
Os bilhetinhos de Jânio, usados para oficializar o processo de
decisões presidenciais, de maneira autoritária, maculavam a tradição
política parlamentar e o respeito hierárquico às escalas do poder. Jânio
explorava a tática das velhas raposas nas montagens de costumes polí-
ticos pseudamente renovados, exibindo-se como führer caboclo.
Sobre a renúncia de Jânio Quadros, foram lançados, ultimamen-
te, três livros: A Renúncia de]ânio, um Depoimento (Editora Ryan, RJ,
1996), do jornalista Carlos Castello Branco, que exerceu a função de
secretário de imprensa;]ânio Quadros (Editora Riddel Ltda., SP, 1996),
do sobrinho Jânio Quadros Neto e do procurador-diplomata Eduar-
do Lobo Botelho Gualazzi; e Viagem com o Presidente-Eleito (Editora
Mauad, RJ, 1996), de Joel Silveira.
Em nenhuma destas obras fica estabelecida a versão definitiva
sobre a renúncia de Jânio Quadros.
No livro do falecido jornalista e assessor, quando relata o episó-
dio da estada do então governador Carlos Lacerda - ele tinha preten-
sões à sucessão de Jânio, sem o apoio deste -, em Brasília, por algum
dias antes da renúncia de Jânio, ameaçando, ele, Lacerda, renunciar e
governo da Guanabara e lançar manifesto à Nação denÚnciando qm
Jânio daria o golpe, fica evidenciado que a política externa do prn
sidente e alguns de seus atos internos desagradavam aos militare:
do primem escalcão (a oficialidade do governo era ligada à facçãc
udenista de Lacerda), confirmando que, após o agradecimento d1
Guevara, um grupo de militantes treinava a devolução de sua con
decoração em protesto.
Jânio, eleito pela direita, acenava e se rendia para algumas preg<
ções da esquerda, desagradando aos conservadores e assustando a ela~
se média, comportanto-se acima e além dos partidos polÍticos, pelo
quais desfilava oportunisticamente.
No livro do neto, Jânio, ao ser novamente hospitalizado er
São Paulo, em agosto de 1991, confessa-lhe, à indagação da renúr
eia (op. cit. pág. 45):

66
- São todos uns loucos; na realidade, eu nunca renunciei.
E explica-lhe: "Até você, meu querido neto Jânio? Quando assu-
mi a Presidência, eu não sabia da verdadeira situação político-econô-
mica, eu não sabia da minha renúncia, era para ter sido uma articula-
ção: nunca imaginei que ela teria sido de fato aceita e executada. Voltei
com mais fôlego e força. Meu ato de 25 de agosto de 1961 foi uma
estratégia política que não deu certo, uma tentativa de governabilidade.
Também foi o maior fracasso político da história republicana do país.
O maior erro que já cometi."
- Como a renúncia não era para ser aceita? Foi tudo planejado?
- pergunta o neto.
- Sim - responde Jânio - , tudo foi muito bem planejado e
organizado. Mandei o J ango Goulart em missão oficial à China, no
lugar mais longe possível, assim ele não estaria no Brasil para assumir
ou fazer articulações políticas. Escrevi a carta de renúncia no dia 19 de
agosto e a entreguei para o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta,
no dia 22. Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a Pre-
sidência. Pensei que os militares, os governadores e principalmente o
povo nunca aceitariam a minha renúncia e exigiriam que eu ficasse no
poder. O Jango era, na época, semelhante ao Lula. Ele era completa-
mente inaceitável para a elite. Achei que era impossível ele assumir,
que todos iriam implorar que eu ficasse.
Ao ser indagado pelo neto se o avô "queria ser um ditador",
respondeu:
- Absolutamente não! Eu poderia ter sido, mas não o quis. Se
eu tivesse mandado os militares fecharem o Congresso, eles teriam me
obedecido. Charles de Gaulle renunciou na França e o povo foi às
e ruas, exigir sua volta. A mesma coisa ocorreu com Fidel Castro, em
Cuba. Era isso que eu esperava: 'Não farei nada por voltar, mas con-
sidero minha volta inevitável'.
L- Jânio confessa ao neto (pág. 46) que renunciou no Dia do Solda-
;- do para sensibilizar os militares e conseguir o apoio deles. Imaginava
1s que, após a renúncia, o povo iria às ruas, seguido, depois, pelos milita-
res, clamando por sua volta. Afirma que ficou com a.faixa presidencial
n até o dia 26 de agosto, pouco antes de embarcar no Uruguai Star, mas
1- deu tudo errado. Errado, porque os governadores não o apoiaram, e
porque o ministro Pedroso Horta nunca deveria ter c~:mtado ao go-

67
vernador Carlos Lacerda da sua intenção de renunciar. Lacerda foi à
televisão e denunciou tudo. Para Jânio, as forças terríveis estavam, prin-
cipalmente, no Congresso Nacional.
Jânio foi uma figura misteriosa, imprevisível, temperamental,
autoritário, intratável às vezes, exaltado ou deprimido. Para Antônio
Callado (Folha de S. Paulo, 07/09/96), "um néscio e irresponsável",
pois "quando o Brasil criar juízo, o mistério Jânio Quadros não será
mais o saber p or que ele repudiou a Presidência da República dia 25 de
agosto de 1961, e sim, como escapou de ser punido e expulso para
sempre da vida pública e do respeito do povo brasileiro, depois de
insultá-lo dessa forma" .
No dia 12 de setembro de 1961, o governador Celso Ramos faz
divulgar nota oficial "ao povo catarinense e aos senhores prefeitos
municipais (em O Estado) justificando a sua posição na crise: "Vencida,
para felicidade de todos - dizia a nota -, a grave crise, que por longos
dias angustiou a Nação e o Estado, ameaçando-os dos horrores de uma
luta fratricida, cumpro o dever de levar ao povo catarinense em geral e
aos senhores prefeitos municipais o caloroso agradecimento do gover-
no pela patriótica e exemplar colaboração com que corresponderam
aos apelos oficiais em prol da ordem e da tranqüilidade públicas. Con-
testando, ao início dos acontecimentos - prossegue -, a comunica-
ção do senhor presidente da Câmara dos Deputados, que se houve
assumindo a Presidência da República por força da ~núncia do se-
nhor Jânio Quadros e da ausência do senhor vice-presidente João
G oulart, defini meu comportamento ao lado da legalidade e da Cons-
tituição . Em nota oficial reiterei esta posição pessoalmente, sustenta-
da nos entendimentos e contatos com vários senhores governadores e
com altas autoridades da República, cíveis e militares. Dentro da atitu-
de que me tracei - aduz - , preocupações, que as circunstâncias e o
momento faziam secundárias, foram afastadas do meu espírito, para
que nele apenas se encontrassem, na vigília permanente dos dias sem
noite, a defesa e o bem-estar da família catarinense. Diz-me a consciên-
cia - revela o governante - , rat ificando todas as medidas e providências
tomadas nas horas incertas e difíceis, que não faltei a nenhum dos deveres
que o cargo me impunha, nas suas responsabilidades e na sua dignidade."
Depois de agradecer o comportamento da população em geral,
calma e ordeira, como também o espírito de compreensão dos prefei-

68
tos, finaliza: "Ao retornarmos, agora, ao trabalho pacífico com o pen-
samento outra vez voltado para os problemas que nos comprometem
a enfrentar, tenhamos por necessários o desarmamento dos espíritos,
a confiança nos novos dirigentes da Nação e a fé nos gloriosos desti-
nos do Brasil Cristão." A redação da nota atribuiu-se ao então deputa-
do Armando Calil Bulos.
Setores do PTB brizolista salientavam que o governador Celso
Ramos, no episório da legalidade, liderado pelo governador gaúcho,
ficou em cima do muro, tratando do procedimento político com as
autoridades militares (instituído especialmente pelo irmão e deputado
federal de grande prestÍgio Joaquim Ramos) e com os governadores
do Paraná e de São Paulo, deixando de dar apoio explícito às posições
guerreiras do cunhado do futuro presidente João Goulart.
As dificuldades da posse de João Goulart, a resistência de Brizola
entrincheirado no Palácio Piratini, a campanha da legalidade, a chega-
da do vice-presidente por Buenos Aires e Porto Alegre, o cambalacho
da experiência parlamentarista, o engodo do plebiscito e a revogação
do Ato Adicional nº 4 (que instituiu o parlamentarismo), com o re-
torno do sistema presidencialista, praticamente não afetaram a vida
política catarinense. Celso Ramos governava com as enormes e longas
velas brancas do poder enfunadas. A aliança partidária que o levava ao
governo funcionava razoavelmente. O PTB, com a vice-governança e
três secretarias do Estado, engordava o seu eleitorado na prática da
velha política clientelista e crescia.
Nas eleições proporcionais de 1962, as duas vagas do Senado
foram divididas entre o PSD (elegendo Attílio Fontana, com 259.923
votos) e a UDN (elegendo Antônio Carlos Konder Reis, com 275.226
sufrágios). Na Câmara Federal o PSD colocou seis deputados Goa-
quim Ramos - o mais votado de todos -, Antônio Gomes de Almeida,
Lenoir Vargas Ferreira, Orlando Bertoli, Pedro Zimmermann e Osni
de Medeiros Régis), o mesmo número de parlamentares da UDN
(Diomício Freitas, Albino Zeni, Aroldo de Carvalho, Álvaro Catão,
Lauro Carneiro de Loyola e Laerte Ramos Vieira). O PTB elegeu dois
deputados federais (Doutel de Andrade e Paulo Macarini).
Na Assembléia Legislativa o PSD elegeu 20 parlamentares
(Henrique de Arruda Ramos, Áureo Vidal Ramos, Abel Ávila dos
Santos, Fioravante Massolini, Waldemar Salles, Lecian Slowinski, Paulo

69
Preiss, Nilo Bianchini, Ivo Reis Montenegro, Ivo Silveira, Epitácio
Bittencourt, Nelson Pedrini, Nilton Kucker, Edmond Saliva, Paulo
Rocha Faria, João Bertoli, Dib Cherem, Augusto Bressola, Lauro Locks
e Walter Vicente Gomes). A UDN compôs uma bancada de 14 parla-
mentares (Aldo Pereira Andrade, Affonso Ghizzo, Pedro Harto
Hermes, Mário Olinger, Walter Ziguelli, Adernar Ghizi, Fernando
Viegas, Pedro Colin, Gentil Belani, Ladir Cherubini, Celso Ivan da
Costa, Ruy Hülse, Udo Altenburg e Renaux Cubas). O PTB repetiu
as seis vagas que havia conquistado no pleito anterior (Rodrigo
Lobo, Evilásio Caon, Francisco Dall'Igna, Genir Destri, Valmor
Oliveira e Haroldo Ferreira). O PRP elegeu dois deputados (Antô-
nio Pichetti e Livadário Nobrega). O PDC também elegeu dois (Luiz
Bianchini e Mário Tavares da Cunha Melo), e o PSP elegeu o discu-
tido Paulo Stuart Wright.
O governador Celso Ramos só não contava com o apoio da ban-
cada udenista. Formou um rolo compressor no Legislativo Catarinense,
conseguindo, assim, implementar os seus planos de governo.

Visita do então governador de São Paulo, ]ânio Quadros, a Florianópolis em


1958. Na foto, Paulo Fontes, Áureo de Moura Andrade, jorge Lacerda,
Jânio, o governador lrineu Bomhausen, lngo Renaux e Heriberto Hülse

70
Grandes realizações

governador Celso Ramos di-


zia que, após a realização do Seminário Sócio-econômico, ele ficara
com uma ampla visão sobre o território catarinense, sua economia,
sua gente, seus problemas: "É como se abraçasse todo o mapa e sou-
besse o que se passava em cada município" - que à época eram 102.
A experiência administrativa de Celso Ramos veio, inclusive,
em decorrência de sua liderança nas áreas do patronato do comércio e
da indústria catarinense. Foi o fundador da Federação das Indústrias
do Estado de Santa Catarina (1950) e seu primeiro presidente, reeleito
por três períodos consecutivos. Sendo o dirigente máximo da Fiesc,
foi, por igual período, presidente do conselho regional e diretor do
Sesi (Serviço Social da Indústria), e presidente do conselho regio-
nal do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) em
Santa Catarina. Atuou também como representante catarinense na
Federação Nacional da Indústria.
A idealização do 1° Seminário Sócio-econômico partiu do en-

71
tão candidato ao governo e sua equipe ligada ao Sistema Fiesc, que
ajudou a patrocinar o evento, e com o apoio da Confederação Nacio-
nal da Indústria, através do amigo pessoal de Celso Ramos, o capitão
da indústria e influente político Euvaldo Lodi. O seminário, como já
foi explicitado neste trabalho, foi o primeiro evento do gênero realiza-
do no país e se constituiu uma autêntica radiografia econômica dos
problemas catarinenses nos seus campos de investigação. As conclu-
sões do seminário consubstanciaram-se no Plameg, o programa de go-
verno do candidato Celso Ramos, que, eleito, se jogou às suas grandes
realizações, dentro do princípio do pensar alto e grande.
O plano de metas do governo Celso Ramos teve três vertentes
fundamentais, segundo o seu assessor principal, professor Alcides
Abreu: formação de recursos humanos, ajuste do meio ao processo de
desenvolvimento e situação econômica. Dispunha o governador de
US$ 65 milhões para implantar o seu plano, ou seja, 35% do seu orça-
mento. Para a elaboração do plano, foram definidos 14 campos de
investigação, entre os quais estavam os da agricultura, dos recursos
minerais e do carvão, dos investimentos e da energia.
Celso Ramos criou o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc),
com a finalidade de financiar a produção, a Caixa Econômica Estadual
e o Fundo de Desenvolvimento do Estado (Fundesc), voltado para a
ampliação do parque industrial. Criou a Universidade para o Desen-
volvimento de Santa Catarina (Udesc), incentivandq. o treinamento e
aperfeiçoamento de professores rurais. Estabeleceu 47 escritórios da
Acaresc, instalando em Chapecó, inusitadamente, a secretaria do Oes-
te, proporcionando a integração estadual, com a efetiva incorporação
daquela região ao mapa sóciopolÍtico catarin ense.
À área da educação, Celso Ramos deu absoluta prioridade, se-
guindo o exemplo do seu irmão Nereu, quando interventor do Esta-
do (maio de 1935 a julho de 1945). As matrículas no ensino primário
chegaram a 150/mil habitantes, e no seu nível médio, a relação foi de
20/ mil, significando, que no seu período de governo, praticamente
n ão havia nenhuma criança fora das escolas.
Para o professor Alcides Abreu, os cinco anos de gestão de Cel-
so Ramos funcionaram, no âmbito da administração estadual, como
um divisor de águas entre uma economia baseada na terra e na
prevalência da agricultura e da pecuária e a modernidade, representa-

72
da pelo crescimento das cidades e pelo desenvolvimento do parque
industrial catarinense. Os grandes investimentos realizados pelo go-
verno a partir de 1961, na geração e transmissão de energia, foram
fundamentais para consolidar indústrias que hoje em dia se alinham
com as mais importantes do país.
Salienta ainda o professor Abreu que "quase tudo o que vemos
de significativo hoje em Santa Catarina foi feito ou iniciado naquela
época, e isso tem relação com a absoluta ênfase dada à educação, de-
monstrando que o governador, há 35 anos, antecipou-se a todas as
tendências e sentiu que aquele era o momento de mudar". A capa-
cidade de vislumbrar o futuro fez com que Celso Ramos
implementasse o primeiro Plano de Orçamento Plurianual de que
se tinha nodcia no país até 1962.
A partir da posse de Celso Ramos no governo catarinense, o
Estado tranformou-se em um grande canteiro de obras. As máquinas
agitavam e revolviam facilmente a terra, abrindo novas estradas. Tor-
res de transmissão de energia elétrica foram espetadas em vários pon-
tos do território. Para interiorizar e socializar os ganhos, foi criada a
Empresa de Eletrificação Rural de Santa Catarina (Erusc), distribuido-
ra de energia para os longínquos rincões de Santa Catarina.
Em julho de 1961, o governador Celso Ramos reuniu-se em
Curitiba com os seus colegas Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, e
Ney Braga, do Paraná, para debater a criação do Conselho de Desen-
volvimento do Extremo Sul (Codesul), e, integrando o sistema, o Ban-
co Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (Brde). Pelo proje-
to, buscavam um modo eficiente de financiar o desenvolvimento regi-
onal. O governador catarinense afirmava na ocasião que, "se Santa
Catarina não se unir aos estados vizinhos para combater as desigualda-
des, poderá haver um atraso sem precedentes em todas as áreas produ-
tivas". Para Celso Ramos, a criação do Brde cumpriria o objetivo prin-
cipal de ser o agente de captação de recursos externos para a região.
Em dezembro de 1962, o então presidente da República, João Goulart,
assinou ato autorizando o funcionamento do Brde, que se tornou uma
das molas propulsoras do desenvolvimento regional, fazendo a políti-
ca de empréstimo de dinheiro barato, fornecendo crédito às pequenas
empresas detentoras de projetos viáveis, a juros baixos e de longo pra-
zo. O Brde foi o órgão responsável pela modernização da indústria

73
regional e pela fundação de novas empresas.
Nas suas memórias o ex-governador salientou: "Para fazer a crí-
tica do meu governo, ou melhor, o balanço do meu governo em 1961,
tenho que me reportar ao passado, verificar de onde partiram as ori-
gens de minha eleição, para, depois de feito o programa e executado
pelo governo, realizar uma ...
Em 1959 e começo de 1960, eu fiz o levantamento sócio-econô-
mico. De posse desse levantamento, parti para o programa de gover-
no, programa que foi feito depois de ter ouvido toda a Santa Catarina,
programa que foi feito de acordo com o depoimento dos catarinenses.
Foi esse programa que eu procurei executar por meio de um go-
verno, levando os que tinham me auxiliado no levantamento só-
cio-econômico, que foi realizado sob a chefia de Alcides Abreu e
seus colaboradores.
Organizei de imediato o Plameg e nomeei para dirigi-lo o doutor
Anes Gualberto, que era, na ocasião, dos engenheiros que me acom-
panhavam, o que tinha acompanhado a organização e a pesquisa para
o sócio-econômico. O Plameg tratava exatamente da execução do pro-
grama. Lá foram feitas as obras que deixei em Santa Catarina, todas de
acordo com o levantamento sócio-econômico. Foi na ocasião o único
governo, ou melhor, o primeiro governo que realizou uma adminis-
tração planejada. Primeiro Estado, portanto, que governava condu-
zindo tecnicamente a administração."

74
O governador Celso Ramos instala o Plameg, tendo ao lado Aderbal Ramos
da Silva. Na foto também aparecem Renato Ramos da Silva, Emanuel
Campos e os deputados Osni Regis e Estivalet Pires

Inauguração de escola em 1963

75
Cerimônia no Palácio do Governo em 1962: deputados Mário Tavares da
Cunha Melo (PDC}, Zany Gonzaga, Ivo Silveira e Armando Calil Bulos,
da bancada do PSD, e, atrás, Roberto Mattar, então vice-presidente da
Companhia Habitacional de Santa Catarina
Governador Celso Ramos dá posse ao coronel
Danilo Klaes na Secretaria de Segurança Pública em 1964

76
A rmando Calil Bulos toma posse no cargo de secretário Sem Pasta do
governo, observado por Aderbal Ramos da Silva

77
Ferve a situação nacional

período do governo parla-


mentarista do presidente João Goulart teve pouca repercussão
funcional-administrativa nos estados da Federação, como tam-
bém em Santa Catarina.
As estruturas do poder local não foram afetadas pelos gabinetes
do sistema parlamentar que se sucederam. Os primeiros ministros nada
mais foram do que chefes de gabinetes civis do sistema presidencialista.
A figura principal do governo era o presidente, e Goulart, com o be-
neplácito do PSD (o PTB e outros segmentos populistas eram do
domínio presidencial), desde a sua posse, costurava o retorno pre-
sidencial, já que o parlamentarismo também não interessava ao
comando pessedista.
Celso Ramos, governador catarinense, já havia demonstrado a
sua habilidade política na campanha da resistência, quando isolou-se
de Leonel Brizola no seu exacerbamento levantino para conter as for-
ças militares sediadas em Santa Catarina. Como já vimos, o mandatá-

79
rio catarinense portou-se como algodão entre cristais, parlamentando
no eixo Rio-São Paulo-Brasília, mesmo porque, se tivesse aderido
às forças do esquema Brizola e Machado Lopes, talvez a história seria
contada em outros contornos e retratos .
Brochado da Rocha foi o único primeiro-ministro do governo
parlamentarista que esteve em Santa Catarina. Em 4 de agosto de 1962,
chegou a Lages para integrar a caravana de Celso Ramos que iria inau-
gurar o monumento em memória a Nereu Ramos. Na cerimônia, dis-
se o político gaúcho: "... Não poderia sobrevoar Santa Catarina sem
aqui interromper minha viagem para render o meu pleito de admira-
ção, afeto e saudade àquele que foi um dos maiores brasileiros de to-
dos os tempos." Brochado da Rocha renunciou ao cargo de primeiro-
ministro, em razão do desacordo quanto à estratégia do plebiscito, im-
posta por Jango para acabar com o sistema parlamentar de governo.
A campanha do plebiscito em Santa Catarina foi entregue ao
vice-governador, Doutel de Andrade, que acionou os Órgãos do poder
(federal e estadual) para a distribuição das cédulas únicas que iriam ser
colocadas nas urnas de 6 de janeiro de 1963. O boletim do Tribunal
Regional Eleitoral de 16 de janeiro mostrou o resultado final da vota-
ção, pelo qual 272.153 catarinenses disseram não ao sistema parlamen-
tar de governo; 176.998 optaram pelo sim. Cerca de 80 mil eleitores
deixaram de comparecer às urnas. O resultado era o esperado, como
o final da história de Chapeuzinho Vermelho.

80
João Goulart apeado do poder

---~ s acontecimentos de março de


1964 eram previsíveis, pelo menos para quem tivesse sensibilidade
política e noção do encadeamento dos fatos que aconteciam em
Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo (Minas Gerais, como sempre,
trabalhava em silêncio).
Em fins de fevereiro, no Palácio Alvorada, era reduzido o núme-
ro de garçons e serviçais, inclusive para servir cafezinho. O chefe do
gabinete militar, general Assis Brasil, freqüentava mais a cozinha do
Palácio, onde havia um excelente estoque de uísque President. O che-
fe da N ação reunia-se constantemente com as lideranças do PTB do
Congresso, tentando bloquear as ameaças de Leonel Brizola (hospe-
dado no Hotel Othon de São Paulo) de radicalizar o comício progra-
mado para o dia 13 de março. Os líderes sindicais e estudantis agita-
vam no clima de tensão, bem ao gosto dos que tramavam o golpe.
A tomada do poder pelos militares à tecnoburocracia e ao capi-
tal multinacional já vinha sendo montada há algum t~mpo . Não fo-

81
ram o comício de 13 de março, a indisciplina nos quadros militares
(diminuta, aliás, p ois nem o almirante Aragão, o cabo Anselmo e ou-
tros de pouca expressão tinham alguma liderança na Marinha, n o Exér-
cito e na Aeronáutica, e os janguistas ou esquerdistas eram poucos,
como se viu posteriormente, através dos inquéritos e punições) e a
grande influência dos comunistas o que proporcionou a deflagração
do movimento. Fatores importantes, internos e externos - como a
intervenção econômica do capital multinacional associada a interesses
de alguns nacionais; a crise do populismo; a organização de Órgãos
como o Ipes, Ibad, ADP, incitadores da burguesia nacional para os
perigos leviatânicos do comunismo emergente, pacificamente aceitos
pelo presidente da República; o envolvimento dos militares neste com-
plexo; a ocupação dos postos estratégicos pela elite orgânica; e, acres-
cido a tudo, o fermento do despreparo de J ango e sua equipe-, deram
no bolo de 31 de março .
Ressalte-se que as décadas de 60 e 70 - como afirma Roberto
Campos (Folha de S. Paulo, 04/08/96, p . 4) - , no auge da Guerra Fria,
foram épocas de imensa brutalidade, com impressionante exacerbação
de movimentos esquerdistas em várias partes do mundo.
No Brasil, o perigo para os militares estava em Leonel Brizola,
"no paradigma varguista de pressionar J ango para o bter o seu Estado
Novo", com sinais trocados de uma república sindicalista.
Enquanto isso , as maquinações dos setores militares-civis
afunilavam as ações para desencadear a tomada do poder, e diante da
balbúrdia político-administrativa do governo, o PSD realizava, calma-
mente, a sua X Convenção Nacional, no Rio de Janeiro, onde seria
escolhido o futuro candidato à Presidência da República, no sonhado
pleit o de outubro de 1965 (Magalhães Pinto, então governador de Mi-
nas, disputava com o governador Carlos Lacerda, da Guanabara, as
preferências dos udenistas). O conclave iniciou-se em 19 de março de
1964, sendo lançada, na ocasião, a candidatur a de J uscelino Kubitschek
de Oliveira. No dia 21, encerrando a convenção, o nome do ex-presi-
dente era aclamado à unanimidade.
Em Florianópolis, o jornal O Estado, antes mesmo da conven-
ção pessedista, já inseria em suas páginas o clichê JK-65. O governador
Celso Ramos aparecia em quase todas as edições do diário, dirigido
por Rubens de Arruda Ramos. As notícias do Rio, sobre a greve dos

82
trabalhadores na indústria do fumo, por aumento salarial, e dos cam-
poneses e trabalhadores em usinas de açúcar de Pernambuco, sobre as
greves de protesto em Minas e São Paulo, e a intervenção cirúrgica a
que seria submetido o ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribei-
ro, o único oficial de alta graduação capaz de dar cobertura militar ao
presidente, que se via cada vez mais empurrado para o córner da der-
rota, eram publicadas pela imprensa local, que não filtrava a tecitura
da trama desestabilizada das instituições nacionais.
A marcha do general Olímpio Mourão Filho, que partiu de Mi-
nas no dia 31 de março, fez desencadear o movimento geral. A escapa-
da de J ango na tarde do dia 1° de abril para Brasília Qá que havia perdi-
do, no Palácio das Laranjeiras, todo o controle das comunicações, e,
se permanecesse, seria preso) era o sucumbimento. As forças mili-
tares aliadas ao esquema do então governador Carlos Lacerda to-
maram conta da Guanabara.
A eclosão do movimento a partir de Juiz de Fora havia surpreen-
dido a todos, inclusive aos catarinenses. E a surpresa, segundo Hélio
Silva, ocorreu "porque os partidários do governo consideravam ainda
forte a sua posição. Enquanto aqueles melhor informados sobre o an-
damento da conspiração aguardavam notícias para os primeiros dias
de abril. Por isso, os boatos tinham curso forçado e os receptores de
rádio traziam, até a torre de marfim do Planalto, as notícias mais
desencontradas, aumentando a confusão. Uma dessas fontes - conti-
nua - eram as proclamações do ministro da Justiça, em flagrante con-
tradição com os informes filtrados, primeiro, de Minas, e, depois, de
São Paulo. O PTB tomou posição de combate em um Congresso
transformando em palco de diálogos ríspidos, veementes, mas, ain-
da, enquadrados nas normas parlamentares. Enquanto nos cami-
nhos de São Paulo, Minas e do Rio de Janeiro tanques, canhões e
metralhadoras desfilavam em confronto, os políticos tentavam
equacionar o problema em termos de descompasso entre o Con-
gresso e as aspirações populares".
Na capital catarinense, à tardinha do dia 1°, automóveis
embandeirados e de buzina aberta comemoravam a queda de João
Goulart. O câmbio do poder, evidente, provocou a euforia dos
que dele estavam alijados, e os derrotados encolheram-se (alguns
esperavam uma reação que viria do Rio Grande do Sul, para onde

83
Jango havia partido no dia 1°), sofrendo o escárnio e a mossa dos
vencedores.
No dia 2 de abril, O Estado publica, com destaque, o pronuncia-
mento Ao Povo Catarinense, do governador Celso Ramos, que diz:
"O Estado que me confiou, em processo democrático, as respon-
sabilidades de seu governador, não ignora a posição ideológica em
que sempre me mantive, relativamente ao comunismo; repulsa in-
transigente e formal.
Tenho para comigo - prossegue -, desde que assumi os en-
cargos de primeiro m:rndatário, que essa posição, antes reflexo de
inabalável convicção, passou a integrar os compromissos de honra
assumidos no juramento constitucional, proferido perante a egré-
gia Assembléia Legislativa.
Entendo que as legítimas aspirações populares, reclamadas
como imperativo de justiça social, têm condições de se efetivarem,
como ocorreu com outros povos, dentro da dinâmica de nosso sis-
tema democrático.
Conhecidos e recentes acontecimentos verificados no país evi-
denciam, entretanto, sem deixarem margem à dúvida, que a infiltração
vermelha em determinados e altos círculos de influência nacional, cada
hora e cada vez mais intensa e mais extensa, alcançou nos últimos dias,
de forma direta e agressiva, a disciplina das forças armadas, tingindo
organicamente os princípios de hierarquia.
Na organização militar, essa disciplina e esses princípios são
expressas exigências constitucionais. Encarna a própria existência
do regime e, assim, a definição da legalidade situar-se-á, necessaria-
mente, nas áreas contrárias à subversão, postas em defesa da demo-
cracia, do respeito às leis e da segurança de um futuro cristão para
a família brasileira.
Com a certeza e a tranqüilidade de, neste momento histórico,
poder interpretar o pensamento e a vontade da esmagadora maioria
dos catarinenses radicalmente contrária à sovietização da grande Pá-
tria, solidarizo-me, sem reticências no coração, com as gloriosas forças
militares que defendem a verdade democrática, confiante em que to-
dos desejamos seja ainda uma exaltação da lei.
Que Deus, nesta hora dramática - finaliza - , a todos nos inspi-
re, para que cada um saiba dar a soma do seu patriotismo, do seu sacri-

84
fício e da sua renúncia ao Brasil, que queremos como Pátria única,
livre, soberana, cristã e eterna. Palácio do Governo, em Florianópolis,
1o de abril de 1964."
No mesmo passo do governo estadual, o presidente da As-
sembléia Legislativa do Estado, deputado Ivo Silveira (reeleito em
10 de abril do mesmo ano), divulga nota oficial dizendo: "A As-
sembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, em face dos acon-
tecimentos que comoveram a Nação, declara-se pelo respeito ao
princípio da hierarquia nas gloriosas Forças Armadas e pela sus-
tentação da ordem constitucional.
Com esta declaração, está o Poder Legislativo na segurança de
interpretar o sentimento cristão que preside a evolução catarinense e
enobrece a comunidade que representa.
A Pátria necessita de reforma na sua estrutura sócio-econômica,
mas as reformas devem ser obtidas pelos meios pacíficos e legais que
são exigência de nossa natureza liberal.
Fidelidade à Constituição da República e respeito ao Con-
gresso Nacional.
Repulsa ao comunismo e mais decidido apelo às constitui-
ções vigentes, pois somente democratas poderosos merecem o re-
gime democrático, sem o qual o Brasil estaria desviando o curso de
sua história. Palácio da Assembléia Legislativa do Estado de Santa
Catarina, em Florianópolis, 1° de abril de 1964. Ass. deputado Ivo
Silveira - presidente."
Os discursos do governador e do presidente da Assembléia Le-
gislativa tiveram um mesmo diapasão, já que os escribas pertenciam à
entourage do sistema de poder dominante, e, de modo algum, poderi-
am, diante das óbvias circunstâncias, destoar do procedimento.
A linha discursiva do PSD e da UDN (verifique-se pelos Anais
da Assembléia Legislativa do Estado e pelas publicações na imprensa
diária da capital) sempre foi semelhante, sem molestar as estruturas
políticas que apoiavam o poder, disputado dentro de uma possível
alternância entre os próprios donos.
As manifestações efetivas dos revolucionários (e aderentes) em
Santa Catarina, logo nos primeiros dias de abril, foram, inclusive, de
agressão, culminando com a queima, na via pública, do acervo da Li-
v;aria Anita Garibaldi, situada na esquina da Praça XV de Novembro

85
com a Rua Conselheiro Mafra. Algumas pessoas tidas como esquer-
distas chegaram a sofrer violência física, quando não eram motivo de
chistes e vitupérios.
Após a consolidação do movimento de 64, foram formadas co-
missões de inquérito nas repartições federais, estaduais e municipais.
O 5° Distrito Naval, sediado em Florianópolis, por ser comandado
pela mais alta patente militar, era o centro da força. Diante das cres-
centes denúncias de agitação e revide feitas à corporação (e aí houve
desconto de velhas e antigas rixas políticas, problemas de inimizade
pessoal, etc ...), O Estado de 8 de abril publica nota oficial do comando
nos seguintes termos: "O comandante do 5° Distrito Naval, na atual
emergência, com a responsabilidade de assegurar rápida normalização
da vida democrática, recomenda uma patriótica cooperação de to·
dos os cidadãos, independentemente de opiniões político-partidá-
rias e credos religiosos, com o objetivo de evitar que as autoridades
sejam compelidas a usar da força no cumprimento de seus devere~
para com a Segurança Nacional, que a qualquer custo e de qual-
quer forma será assegurada.
Faço um apelo todo especial aos que exercem funções de alto
nível, tanto na administração pública como no magistério, na magis-
tratura ou nas profissões liberais, no sentido de que dêem exemplo,
deixando de estimular e incitar a mocidade, cuja natural e compreensí-
vel impulsividade leva à prática de -atos incompatíveis com a atual
conjuntura, sujeitando-se aos vexames de uma ação coercitiva, en·
quanto os instigadores, no recesso seguro de seus lares, indigna·
mente, acobertam-se com privilégios e imunidades democráticas de
que não se fazem merecedores." (A nota vem sem assinatura, mas:
à época, comandava o 5° Distrito Naval o contra-almirante Murilc
Vasco do Valle Silva) .
No dia seguinte, 9 de abril, nova nota do 5° Distrito Naval é
publicada no jornal O Estado.
"Ninguém foi, ou será, preso à ordem minha por ter idéias quais·
quer que elas sejam, mas, sim, quando, em decorrência dessas idéias:
pratique ou, no momento, se possa, licitamente admitir que vinha 3
praticar atos atentatórios à ordem pública.
Incitar à revolta é crime capitulado no Código Penal Militar e fo:
cometido em público nesta cidade por pessoas bastante conhecidas:

86
não só em discursos como também pelo aplauso e ostensiva concor-
dância com esses oradores.
Ao Comando Militar não interessam as posições sociais, posses
ou dtulos que possuam estes agitadores; a Lei de Segurança Nacional
será aplicada inflexível e justa. Acobertam-se aqueles que, julgando-se
escudados em posições supostamente seguras, pensam poder agir im-
punemente. Exército, Aeronáutica, Polícia Militar e Civil e a Marinha,
cônscios de suas responsabilidades, tudo farão para consolidar e man-
ter o ambiente de liberdade obtido.
Respiramos mais aliviados, esperando num futuro próximo maior
compreensão entre empregados e patrões, livres de greves políticas e
impatrióticas. Que o esforço despendido - finaliza - seja recompen-
sado por um porvir de trabalho ordeiro e próspero." (Novamente a
nota vem sem assinatura).
O governo do Estado, cumprindo disposição do Ato Institucional
nº 1, constitui a sua comissão de inquérito. No preâmbulo da reda-
ção, lê-se (O Estado, 15/06/64): "Na obrigação de dar cumprimento
ao que dispõe o Ato Institucional editado pelos chefes militares, nas
atribuições competentes aos governadores do Estado, o senhor Celso
Ramos constitui comissão destinada à aplicação das medidas previstas
no artigo 7° do parágrafo 1° que diz o seguinte: 'Mediante investiga-
ção sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias
(constitucionais ou legais de vitaliciedade ou estabilidade) poderão ser
demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimento e vantagens pro-
porcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposenta-
dos, transferidos para a reserva ou reformados por decreto do presi-
dente da República, ou, em se tratando de servidores estaduais, por
decreto do governador do Estado, desde que tenham tentado contra a
segurança do país, o regime democrático e a probidade da administra-
ção pública, em prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos.' O
decreto constitui comissão composta do secretário dos Negócios do
Interior e da Justiça e outras autoridades que tenham funções ins-
trutiva e opinativa, podendo baixar normas necessárias ao
processamento das investigações que lhe foram atribuídas, sendo
colocados à disposição desta comissão quaisquer funcionários ou
elementos de que ela necessitar."
Idênticas comissões foram montadas em repartições federais,

87
autarquias, inclusive na Universidade Federal de Santa Catarina. A
comissão estadual foi a mais liberal e justa das que foram instaladas.
Na Assembléia Legislativa do Estado também foi constituída
comissão de inquérito que indicou e exonerou dois funcionários (que
teriam tido ligações políticas com o deputado estadual Paulo Stuart
Wright) em agosto de 1979. Maria Carolina Gallotti Kehrig, professo-
ra da UFSC, participou ativamente do movimento de 1964 como fun-
dadora e coordenadora da Camde (Campanha da Mulher pela Demo-
cracia) em Santa Catarina. Ela revela que instalou a Ala Feminina da
UDN e tinha como colaboradoras na Camde as esposas do coronel
Sílvio Pinto da Luz e dos deputados Celso Ivan da Costa e Fernando
Viegas, entre outras.
Diz ainda Maria Carolina, em entrevista concedida ao Jornal da
Semana, de Florianópolis, edição de 11 a 18 de agosto de 1979, que
"coube à Camde preparar a revolução no Estado, fazendo reuniões
sucessivas que atravessaram a madrugada (.. .) A campanha - prosse-
gue - organizou e realizou além da Marcha da Família com Deus pela
Liberdade, que mobilizou milhares de mulheres em várias cidades bra-
sileiras, a Campanha do Ouro pela Reconstrução do Brasil, logo de-
pois do movimento, e a Campanha do Muro de Be rli m, em
posicionamento nitidamente anticomunista".
Adverte ainda a entrevista que a Camde não era uma institui-
ção de direita e muito menos voltada para o dedurismo de seus ad-
versários políticos, "nós queríamos democracia e sempre combate-
mos a corrupção no governo".
A Camde desapareceu em 1968 no governo Costa e Silva, e, se-
gundo ainda a entrevista, "quando a revolução tomou rumos ditatori-
ais, desviando-se de seus objetivos originais, não houve uma assem-
bléia de extinção. A Camde morreu de inanição, por desencanto de
seus dirigentes que se declararam decepcionados com a revolução e
com a política. Outra causa do encerramento das atividades da Camde
- marca a reportagem - está ligada ao não-entendimento, por parte
do governo, de suas reivindicações". A presidente salienta que a Camde
não trabalhou só pela revolução, mas apresentava memórias pedindo
o combate à corrupção administrativa no governo federal em Santa
Catarina, apelava em favor dos pescadores e, em várias ocasiões, levan-
•tou a bandeira pela conclusão das rodovias BR-101 e BR-282.

88

J
li
1.

A uma pergunta relativa à participação da mulher na política,


respondeu: "Como fundadora e presidente da Ala Feminina da UDN,
eu posso afirmar que as mulheres trabalhavam para eleger os homens.
Não se cogitava de eleger mulheres. Era muito difícil. Aqui nós tive-
mos o exemplo da deputada Antonieta de Barros. Em geral sempre foi
vedado à mulher entrar na vida política, participar como candidata."
Salientou também que a sua organização participou ativamente
contra a Campanha da Legalidade, dizendo: "Naquele tempo não ha-
via televisão e nós íamos ao rádio. Fazíamos toda a campanha pelo
rádio. Antes da revolução - prossegue-, quando o governador Brizola
tornou Porto Alegre, os deputados gaúchos vieram para cá e me tele-
fonaram. Teríamos que ir à Rádio Diário da Manhã, no programa com
o Ziguelli (refere-se ao falecido jornalista Adolfo Ziguelli), para em-
polgar o povo contra a revolução do Brizola."
Sobre os valores e objetos da Campanha do Ouro, depositados
na agência local do Banco do Brasil, em conta da Camde, mostra a
reportagem a reprodução do depósito, sendo que é a própria ex-presi-
dente quem afirma: "O dinheiro foi para o Banco do Brasil; o que
aconteceu depois eu não sei."
Declara-se, finalmente, desencantada com a política e com are-
volução desde o governo Costa e Silva, quando foram desviados os
rumos do movimento.

89
1

O então primeiro-ministro do governo parlamentarista de João Goulart,


Brochado da Rocha, chega a Lages para visitar o governador Celso Ramos e
é recebido no aeroporto pelo autor deste livro, Silveira Lenzi. Na foto, o
deputado federal Joaquim Ramos, o secretário de Obras Annes Gualberto e
· o chefe da Casa Civil Nelson Abreu

90
A sucessão de Celso Ramos

calendário eleitoral brasilei-


ro marcava para outubro de 1965 eleições governamentais para 11
estados da Federação: Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Alagoas, Guanabara, Minas Gerais, Paraná, Goiás, Mato
Grosso e Santa Catarina.
A situação política não era das melhores para os novos detento-
res do poder. A eleição aprazada para outubro era a primeira depois
do movimento de 1964. O presidente Castelo Branco tinha projeto de
manter a normalidade democrática (vigiada), ao contrário dos chama-
dos duros do regime, que não admitiam a permanência de certas lide-
ranças civis, tidas como radicais e outras incômodas ao sistema. Sabi-
am, inclusive, os militares, que a questão político-social brasileira ain-
da era tensa, pois como observa Hélio Silva: "Os salários perdiam
rapidamente seu poder aquisitivo; a inflação estava longe de estar sob
controle; as cassações e as suspensões de direitos políticos tinham atin-
gido muitos nomes de prestÍgio eleitoral; o pleito presidencial fora

91
adiado, com a prorrogação por um ano do comando do presidente
Castelo Branco; a Lei das Inelegibilidades sofria críticas severas desde
sua edição no início do ano; a participação de tropas brasileiras na
ocupação da República Dominicana motivou protesto contra a polí-
tica externa do governo. Havia, portanto - concluiu -, motivos de
sobra para a instalação em grande parte do eleitorado."
As tradicionais forças políticas criadas em 1945 iriam novamen-
te à luta para a eleição de seus candidatos. Como sempre, o PSD e a
UDN eram as agremiações majoritárias, sobrando os pequenos parti-
dos (PSP, PDC, PRP, PL), entre os quais, apesar dos duros golpes
sofridos, o Partido Trabalhista era a maior força.

92
J
A divisão no PSD catarinense

A expressiva vitória do pessedista Celso Ramos, no pleito de


1960, fez aparecer no seu governo um novo estilo político-administra-
tivo. Poucos acreditavam que o antes desprojetado irmão de Nereu
Ramos pudesse assimilar e pôr em prática um novo quadro de admi-
nistração liderado por Alcides Abreu, na realização de um dos gover-
nos mais profícuos que Santa Catarina já experimentou. Entretanto, a
tecnoburocracia que movimentava as estruturas do Estado entrava em
atritos constantes com os políticos tradicionais do PSD, habituados
ao pragmatismo utilitário e à política cartorial e de clientela. Ocorri-
am, assim, choques entre tecnoburocratas (também denominados grupo
da sorbonne) e os paraguaios, liderados por Aderbal Ramos da Silva,
Renato Ramos Silva e outros.
Esta divisão, evidentemente, teria de ser aviventada nas
demarches partidárias para a escolha do sucessor do governador
Celso Ramos. Este mostrava-se desligado do problema Íntimo da
disputa partidária, dando evidência ao seu plano governamental, e,
mesmo porque, não poderia deixar de prestigiar o seu mais impor-
tante assessor e planificador, Alcides Abreu, que pretendia sucedê-
lo no governo do Estado.

93
Racha na UDN

A União Democrática Nacional de Santa Catarina, por seu tur-


no, curtindo o isolamento da oposição, além disso sofria dissensões
internas. Como nos tempos de João Colin, Joinville semeava a discór-
dia partidária no trabalho de Nilson Bender, então prefeito daquela
importante comuna do Norte catarínense.
Já em abril de 1965, quando da eleição do diretório regional da
UDN, sendo presidente Oswaldo Bulcão Vianna, representante da ala
liderada pelo senador Irineu Bornhausen, Bender se opunha à ala orto-
doxa, já que desejava ser o candidato do partido ao governo do Estado.
A convenção udenista foi re<i;lizada em junho na sede da
agremiação (no velho prédio localizado nas escadarias, final da Rua
Trajano), sendo um dos conclaves mais disputados, vendo-se indicado
como candidato o deputado Antônio Carlos Konder Reis (Laerte Ra-
mos Vieira foi o vice). Bender perdeu a disputa por um voto.

94
A solução pessedista

O comando político do PSD sabia que de forma alguma poderia


ser prolongada ou alimentada a dissenção dentro do partido. Como
afirmou, posteriormente, o ex-governador Celso Ramos (O Estado 15/
11/81): "O PSD sempre partia unido para as eleições, mas isto não
significava ausência ou falta de contraditórios. Em certas ocasiões di-
vergimos bastante em nossos pontos de vista. Quando isto acontecia,
sentávamos e conversávamos. Levávamos várias horas nessas conver-
sas. No final, sempre saíamos com uma solução de consenso. Isto nos
mantinha unidos e tornava o partido forte. Briga dentro do partido
nunca foi para ganhar eleição."
A escolha do nome do sucessor do governador Celso Ramos
para o pleito de 1965 foi um jogo de xadrez que iria depender da habi-
lidade dos jogadores. De um lado, a sorbonne, composta pela equipe
tecnoburocrática do governo, que alavancou as medidas reformis-
tas e desenvolvimentistas, e do outro, os paraguaios, o conjunto
político do pessedismo liderado pelo ex-governador Aderbal Ra-
mos da Silva, como já colocamos.
No primeiro grupo despontava o nome do professor Alcides
Abreu, tido como o candidato do governador em fim de mandato,
mas com grande autoridade e respeito. O sucesso da gestão era dispu-
tado entre auxiliares diretos e políticos, já que cada um havia cumpri-
do com a sua missão, esponenciado a gestão, projetando a figura do
governador e reforçando as bases partidárias; o pessedismo, na verda-
de, à época, dominava o panorama político.
No início do mês de maio de 1965, o deputado federal Joa-
quim Ramos esteve em Florianópolis mantendo contatos com vis-
tas à convenção do PSD nos dias 15 e 16 de junho, para a escolha

95
do nome, quando a solução sena, posteriormente, homologada
pelas palmas partidárias.
Reportando-se aos fatos, o líder político conta (na mesma edi-
ção citada de O Estado): "Fizemos muitas reuniões e muitos conchavos.
Uma delas, talvez, a primeira, realizada na minha casa. Ali comparece-
ram todos os integrantes das bancadas do partido na Assembléia Legis-
lativa e na Câmara Federal e outras lideranças da sigla. Alguns foram
até de smoking - confessa -, pois era um 11 de junho, data em que a
Marinha promovia um baile de gala no 5° Distrito Naval para come-
morar sua data maior. Conversa vai, conversa vem - continua -, e
não se chegava ao procurado acordo. Propus, então, uma votação se-
creta. Feitas as cédulas, o companheiro Attílio Fontana (eleito, de-
pois, em 1963, senador da República pelo PSD) passou a recolhê-las
em seu chapéu. Procedida a apuração, deu Ivo Silveira na cabeça. Mas
o consenso continuava inexistindo - conta. Entre os outros nomes
lembrados, além do de Alcides Abreu, estavam o de Fontana, Osni
Régis e Serafim Bertaso. No dia da convenção, lançou-se, na sede do
partido, uma lista de adesões à candidatura de Ivo Silveira, e Ibrahim
Simão encarregou-se de colher assinaturas, desempenhando com pres-
teza a eficiência dessa missão. Ao final - continua -, a lista assumiu
um porte tamanho que o nome do candidato não poderia ser outro
senão o do então deputado de Palhoça, sufragado na mensurável con-
venção efetuada no auditório da Rádio Guarujá. O mais importante
de toda a história - finaliza - é que, oficializada a candidatura de Ivo
Silveira, todo o PSD uniu-se, formando uma corrente que se lançou a
campo, percorrendo o Estado de ponta a ponta, à procura da vitória
que acabou acontecendo. Assim, os possíveis perdedores (se é que os
houve) souberam, democraticamente, curvar-se ao desejo da maioria
e cerraram fileiras em torno do nosso candidato."
Na verdade, a disputa intestina partidária foi acirradíssima. Os
paraguaios, do doutor Aderbal e de Renato Ramos da Silva, não admi-
tiam perder para a sorbonne, embora esta, praticamente, detivesse os
mecanismos administrativos do poder; a máquina partidária estava com
os paraguaios, grupo composto dos pessedistas históricos que tinham
expressão partidária.
Ivo Silveira sempre fora o fiel herdeiro do PSD, e era pessoa
de extrema confiança do doutor Aderbal. Ivo era líder do governo

96
Celso Ramos, h ábil, negociador, partidário, respeitado pelos ad-
versários, deputado estadual por cinco legislaturas, e chegou à che-
fia do Poder Legislativo em 1963/ 1964 pelos méritos da fidelidade
e da competência.
A candidatura de Osni Régis, deputado federal que havia sido
prefeito de Lages (embora florianopolitano, na serra tinha o apelido
de canarinho, porque, oriundo da capital, falava cantando, na linha
açoriana), intelectual e professor universitário, era, entretanto, vetado
pelas forças militares de 1964 que o tinham como esquerdista.
O nome de Serafim Bertaso, pessedista de grande liderança
no Oeste do Estado, fez uma campanha estratégica de negociação,
como balão de ensai o. -
O temor dos paraguaios era o nome de Alcides Abreu. Homem
forte do governo Celso Ramos, presidente do Banco do Estado, cria-
dor do Plano de Metas do Governo e irmão de Nelson Abreu, chefe
da Casa Civil do governo, Alcides, era moço, competente, formulador
e condutor de idéias novas, e liderava os meios acadêmicos e intelectu-
ais. Embora fosse Alcides dono de um vasto currículo e de invejável
1 bagagem cultural, o doutor Aderbal não abria mão de que um pessedista
li
com tradição política sucedesse o seu tio. O deputado Joaquim Ramos
teria dito ao irmão governador:" ... Celso, se o Alcides concorrer, você
ganha a eleição, mas racha o partido e a família."
O professor Alcides Abreu, em entrevista (Diário Catarinense,
13/04/96, p. 11), afirmou que "só a dona Edith (primeira-dama) dizia
aos mais chegados que eu era candidato do peito de Celso Ramos",
não crendo ter sido vetado por Aderbal.
Ele garante que "nunca recebi do então governador" - de quem
era o assessor mais importante, o articulador das estratégias técnico-
administrativas do governo, e por que não dizer políticas - "a infor-
mação clara de que era seu candidato preferido". Diz o professor que
uma reunião da executiva do PSD e dos deputados estaduais é que
decidiu o candidato do partido àsucessão de Celso Ramos. No encon-
tro, numa espécie de prévia, os deputados votaram secretamente no .
candidato de sua preferência. Informa ele que emergiram do encontro
as candidaturas de Ivo Silveira, Alcides Abreu e Attílio Fontana, nessa
1
ordem de preferência. Silveira, o mais votado, foi aclamado candidato 1
do PSD, elegendo-se em 3 de outubro de 1965, depois de percorrer o

97
Estado inteiro ao lado do governador.
Na eleição de 1965, o PSD, mais uma vez, aliou-se ao PTB, que
apontou o nome do deputado estadual por Brusque Francisco Dall'Igna
para companheiro de chapa de Ivo Silveira, tendo a Aliança Social
Democrática o apoio, ainda, do PRP, de Jade Magalhães, do PSP
(Adhemar de Barros havia estado em Florianópolis em junho de 1965,
tendo indicado o genro do doutor Aderbal Ramos da Silva, Francisco
Grillo, presidente da agremiação adhemarista) e de uma grande ala do
PDC, liderada por J airo Callado.
Os resultados do Tribunal Regional Eleitoral mostraram a vitó-
ria do pessedista Ivo Silveira, com 328.480 votos, contra 305.090 sufrá-
gios dados a Antônio Carlos Konder Reis, candidato da UDN, sendo
7.803 votos em branco e 9.957 nulos, no último pleito direto e pelo
voto direto e universal para governador ocorrido em terras catarinen-
ses até as eleições de 1982.
Como no final do governo Celso Ramos, Ivo Silveira estava com
os militares do movimento de 1964 no cangote. Celso teve que, em
1964, reformular o seu secretariado, por imposição do 5° Distrito Na-
val e sua temida subcomissão de investigações. Ivo Silveira, como o
vice do PTB, Francisco Dall'Igna (que viria a ser cassado com base
do Ato Institucional nº 5, em 16/07/66), teve de compor um se-
cretariado monitorado pelo sistema militar, "pensando nos inte-
resses do Estado e do país", como afirmou na edição de O Estado
de 30 de janeiro de 1966.
A posse do novo governador deu-se no dia 31 daquele mês. Após
a solenidade na Assembléia Legislativa, Ivo Silveira e Francisco
Dall'Igna foram recepcionados, àentrada do Palácio Rosado (hoje Cruz
e Souza), pelo ex-governador Celso Ramos e seu vice, Doutel de
Andrade, dirigindo-se ao salão de despachos, onde foi iniciada a ceri-
mônia de transmissão de cargo.
Na Assembléia Legislativa, ao transmitir o cargo, o governador
Celso Ramos pronunciou o seguinte discurso:
"Senhor governador Ivo Silveira,
É da essência do regime democrático a transitoriedade dos man-
datos populares. Esta solenidade reúne o povo, titular do poder, aos
que lhe mereceram a confiança. V. Exa., que tem de assumir perante a
egrégia Assembléia Legislativa o cargo de governador, investe-se agora

98
na plenitude das funções da magistratura suprema do Estado. Sabe V.
Ex:a. da minha satisfação em lhe transferir os encargos do posto que
desempenhei por cinco anos. De longa data vem o nosso convívio.
Durante todo este tempo Vossa Excelência se preparou para o desem-
penho das tarefas que agora lhe chegam pela vontade dos catarinenses.
Recebendo-o e lhe entregando esta casa, guardo a convicção e tenho a
certeza de que zelará por ela com o mesmo decidido empenho com
que se desincumbiu dos sucessivos chamamentos a servir que lhe fez o
povo de Santa Catarina.
A comunicação sumarizada da minha ação à frente dos destinos
do Estado, eu a fiz em outra hora deste dia. Reservo este momento,
pois, para lhe apresentar a minha saudação pessoal e lhe augurar êxito
pleno na missão que deliberadamente se impôs e soube conquistar.

I. Introdução

Catarinenses,
Logo mais à tarde termina o mandato do governador que vos
fala. Colho a ocasião da hora para transferir a todos, com a despedida,
a palavra de confiança nos destinos deste Estado. Faz cinco anos e
tinha começo o período governamental que a vontade popular me
transferiu pelas urnas de 1960. Lembro-me ainda do dia inaugural e
dos compromissos que dele decorreram. Fiel a mim mesmo e à minha
formação, procurei desincumbir-me da delegação do povo com o mes-
mo empenho e desenvoltura que ao cargo emprestaria qualquer catari-
nense. Analisando, nos dias que precedem a este 31 de janeiro, as mi-
nhas atitudes e os meus atos, não encontrei nada que eu não repetisse,
se o tempo pudesse retornar e a oportunidade de agir de novo se fizes-
se presente. Há, na ascensão ao poder, encanto profundo e responsa-
bilidade tremenda. Quando, porém, se distingue no poder não o que
possa dar em vantagens pessoais mas em contribuição ao aperfeiçoa-
mento moral, coloca-se Deus como a fonte de que promana toda a
autoridade. Pensei e agi assim.
Pretendi encarnar o sentimento instrumental e fiz do governo
um meio para a promoção do homem. Se defendi os direitos do Esta-
do com veemência e às vezes até mesmo arrastanto a incompreensão,
o fiz ainda dentro do pressuposto mais legítimo de qu~ ao interesse

99
individual se sobrepõe o coletivo. Não concedi jamais ao forte em
detrimento ao débil. Procurei, ao contrário, transferir a todos iguais
oportunidades de acesso aos mecanismos de formação, que antecedem
o uso pleno da capacidade decisória. Não construí para auferir imedi-
atamente os benefícios da consagração. Assentei a aplicação dos recur-
sos políticos em obras que repercutirão para sempre na consciência
dos catarinenses. Não cortejei a popularidade fácil. Enfrentei mesmo
os problemas e as pedras que se põem nos caminhos dos homens que
traçam linhas comportamentais francas, claras .e abertas. Venci as difi-
culdades e venci, talvez, a mim mesmo, e os meus atavismos. Procurei
ser sinceramente cordato, sereno e útil. Acredito que o juízo que de
mim fazem os catarinenses é também este. Por isso, posso falar, cora-
ção aberto e alma limpa, e enfrentar amanhã, despido da dignidade do
cargo, o julgamento da minha terra. Não me afasto do convívio dos
catarinenses, nem da companhia dos homens de empresa, de quem
recebi estímulos e contribuição valiosa, para o desdobramento da obra
realizada. No processo de reconstrução do país a nossa luta começou
no dia 29 de outubro de 1959, quando, em Chapecó, se realizou o
primeiro encontro do Seminário Sócio-econômico. E depois houve
borrascas. E elas não nos atingiram. A nossa trajetória coincidia com
os objetivos dos homens que fizeram a Revolução de Março, que a
viram já posta em execução em nosso Estado.

II. Planejamento

Catarinenses,
Consintam que ao ensejo desta oportunidade de prestação de
contas reafirme a minha crença no planejamento. No decurso do meu
mandato, em pronunciamentos sucessivos, fora e dentro do território
catarinense, fiz por significar que o êxito que colhíamos era devido
não apenas à idéia da administração programada, mas à fiel e decidida
execução do plano que tínhamos adotado. Nunca usamos linguagem
dúbia nem tivemos atitudes conflitantes: a tônica, do primeiro ao últi-
mo dia do qüinqüênio, foi a do interesse superior do povo. O povo
que participara do Seminário Sócio-econômico e que, por via de con-
seqüência, estabelecera as metas de que fui o depositário, encontrou-
se, por este efeito, com o poder. Tendo inaugurado no país o planeja-

100
rnento global, vimos copiadas as nossas iniciativas. Até as siglas que
havíamos designado para caracterizar os Órgãos promocionais do nos-
so desenvolvimento foram adotadas pelos que colheram, em nossas
agências pioneiras, os frutos da dedicação da equipe que reuníramos.
Estivemos em todos os fóruns que discutiram os problemas da ascen-
são social dos contingentes humanos. As assembléias que se reuni-
rarn, no país e no exterior, para enfrentar o drama da pobreza e
equacionar as soluções tiveram o concurso de documentos nossos e da
nossa voz. Centenas de pessoas se qualificaram nos diferentes domíni-
os da ação pública. Tenho, por isso, orgulho de assinalar que no perí-
odo de meu governo o Estado se pôs ao dia com as técnicas de admi-
nistração mais ava~çadas. O gabinete de planejamento do Plano de
Metas do Governo, com um custo operacional de dois por cento do
total das inversões que se aproximaram dos 40 bilhões, realizou milha-
res de obras. Cumprindo prazos e cronogramas, o Plameg está em
todas as localidades, vilas e cidades. Levo, com prazer, como ponto
maio r da minha passagem pelo governo, a obra consagrada e
consagradora do Plano de Metas.

III. Ação setorial

O pressuposto da ação administrativa foi o de servir e valorizar


o homem. Para tanto, o poder público elegeu as prioridades ditadas
pelos depoimentos que colhemos em todo o território catarinense. E
tendo preparado a infra-estrutura, tornamos, agora, possível a realiza-
ção de uma agressiva política de industrialização. Os instrumentos cri-
ados e postos em atividades demonstram eficiência e adequação. Re-
sistiram a quatro anos difíceis, credenciando-se a serem permanentes,
no conteúdo e nos objetivos. A harmonia com que as diferentes agên-
cias se houveram, agindo dentro de um só enfoque, a do desenvolvi-
mento econômico para o progresso social coloca inquestionável a
posição que sempre assumi e defendi: a do trabalho em equipe. Os
diferentes setores em que repartiu a atividade do Estado testemunham,
nos números e êxitos, a validade da experiência catarinense.

101
III.I. Educação

O maior índice de escolarização do país é o de Santa Catarina


2.500 salas de aula e o treinamento de 5.100 professores primários reú-
nem a quantidade à qualidade. Seiscentos professores de ensino médio
e a gratuidade das matrículas no sistema de formação pós-primário
elevam de 26 mil para 60 mil as presenças dos jovens catarinenses nas
escolas que preparam para a vida e a universidade. A compreensão de
que o crescimento dos quantitativos em escola iria acelerar a demanda
de oportunismo no grau superior de ensino levou-nos à criação da
Universidade para o Desenvolvimento. Caber-lhe-á desenvolver a po-
lítica de preparação dos quadros que farão dinâmicos os fatores de
produção cuja presença no mercado aceleramos pelo revigoramento
da livre iniciativa. Investimos maciçamente na educação para dar ao
homem que nasce ou vive em Santa Catarina o grau de conhecimento
necessário ao uso da liberdade e à conseqüente escolha do bem.

III.II. Crédito

Aos que puseram em dúvida o meu compromisso de consti-


tuir o Banco de Desenvolvimento, apresento os resultados desta
casa de crédito. Em 31 de dezembro último o BDE tinha aplicações
no montante de Cr$ 10 bilhões, e depósitos na importância de Cr$
9,5 bilhões. Cr$ 500 milhões eram os recursos próprios. E os re-
cursos de terceiros, sobretudo dos fundos de financiamento, Finame
e Fundece, somavam Cr$ 2,2 bilhões. Mais de 20 agências em ope-
ração, e dez a instalar, fazem do Banco do Estado um dos veículos
da prosperidade de nossa terra. A assembléia dos acionistas poderá
este ano decidir que a cada portador de três ações caibam duas de
bonificação. Dez mil contratos, com um saldo de Cr$ 1,5 bilhões
em poder dos agricultores, fizeram do nosso programa de crédito
orientado o melhor e talvez o maior do país. As inversões que o
banco tornou possível, mediante prestação de garantias, apresen-
tam o saldo de Cr$ 8 bilhões. Estas operações significam máquinas
para prefeituras, equipamentos para indústrias, linhas de transmis-
são e cooperativas de distribuição de energia.

102
III.III. Eletricidade

E, porque falo em eletricidade, cabe assinalar que a Celesc, que


dispunha de um capital de Cr$ 700 milhões em 1961, o tem hoje em
Cr$ 27 milhões. As inversões realizadas no qüinqüênio ascendem a
Cr$ 20,5 bilhões. O faturamento da Centrais Elétricas, de Cr$ 8 bi-
lhões em 1965, alcançará 20 no ano em curso. E mais, a empresa nego-
ciou e vai aplicar este ano Cr$ 8 bilhões obtidos por financiamento do
Banco Interamericano de Desenvolvimento. As praias e os campos
estão eletrificados. As torres de aço, privilégio das grandes metrópo-
les, percorrem o terrirório catarinense, em todas as direções, e somam
a extensão de 2 mil quilômetros. Elevamos de 40 para 100 watts a
disponibilidade per capita de energia. Tínhamos uma das mais baixas
médias do país. Hoje as temos em tal nível que superamos a média
nacional. Santa Catarina pode, agora, crescer sem que a ronde o fantas-
ma do racionamento.

III.IV. Transportes

Por intermédio do Plameg foram aplicados Cr$ 36 bilhões. Mais


do que o dobro da previsão de julho de 1961. Recursos públicos foram
investidos na construção, melhoria e pavimentação de rodovias de pe-
netração, pondo o interior ao alcance dos portos ou sobre os grandes
eixos rodoviários federais. Milhares de metros lineares de pontes fo-
ram lançados sobre os rios. Cento e vinte máquinas rodoviárias foram
importadas e servem nas diferentes regiões do Estado. Coube a mim
ainda autorizar a contratação com o Banco Mundial dos estudos do
Plano de Transportes de Santa Catarina. Deste planejamento resulta-
rá o acesso às fontes internacionais de financiamento, de que estáva-
mos afastados há 40 anos.

III.V. Agricultura

Não é difícil, para quem teve como centro de ação, na mocidade,


a paisagem serrana, identificar-se com a terra e seus problemas. Os
compromissos com os agricultores, saldei-os todos. Ensino e exten-
são rural, com o suporte do crédito sem burocracia alguma, eram a

103
proclamação do candidato que o governador cumpriu. De 26 eleva-
mos para 57 o número de escritórios da Acaresc, a par da
descentralização dos serviços da secretaria da Agricultura, com profis-
sionais disseminados por todo o interior, servindo-se de casas rurais
modernas e adequadamente aparelhadas.

III. VI. Saúde pública

O Hospital dos Servidores, construído .na capital, têm dito os


administradores e especialistas que o visitam, é o mais moderno e o
mais bem-equipado da América Latina. Revela ele, junto com as ma-
ternidades, os hospitais infantis, as clínicas especializadas e o banco de
sangue, a permanente preocupação que tivemos com a saúde do povo.
Em saneamento básico fomos o primeiro Estado a programar os servi-
ços de abastecimento de água para a cidade com mais de 3 mil habitan-
tes. Os resultados deste planejamento começam a surgir. Joinville foi
o primeiro dos centros populacionais do país a firmar contrato
que lhe assegura recursos para desenvolver o projeto deste impor-
tante serviço público.

III. VII. Justiça e segurança pública

Santa Catarina estará logo mais ligada aos grandes centros do


país pelos modernos meios de comunicação. A linha transportadora
de ondas, executada pelo Estado, em convênio com o Departamento
de Correios e Telégrafos, vai de Blumenau a J oinville, onde se ligará à
que vem de Curitiba. O Conselho e a Companhia Catarinense de Te-
lecomunicações eram os organismos imprescindíveis à operação dos
sistemas. Estão criados e podem funcionar.

III. VIII. Segurança pública

A tranqüilidade do homem catarinense não foi perturbada um


só instante pela ação ou omissão do governo. Apesar de momentos
difíceis que vivemos, este Estado foi um oásis de paz. Não se pratica-
ram violências nem ódios foram acendidos.
A justiça foi assegurada na sua plenitude. O governo prestigiou

104
0Poder Judiciário tanto no trato harmônico como no atendimento
de melhores condições materiais de seu funcionamento, caracterizado
pela construção de novos prédios para fóruns nas sedes de comarcas e
reparos nas instalações existentes.
As tropas sediadas em nosso território ajudaram-nos a preservar
0 clima de segurança que sempre reinou. Os nossos instrumentos pre-
ventivos de asseguramento da ordem puderam desenvolver os seus
programas, ampliar as suas tarefas, multiplicar-se no seu afanoso
mister de bem-servir. Equipamento renovado dentro do qual pude-
··· ··/\.
mos vencer o qumquemo.

III.IX. Trabalho

Vindo da atividade privada e tendo mesmo a experiência pessoal


do trabalho do campo, sou capaz de dimensionar as energias de que
depende o operário para garantir o sustento da família. Aos 100 mil
trabalhadores industriais, às 750 mil pessoas que trabalham a terra e às
200 mil que se ligam ao setor terciário da economia, desejo afirmar que
as condições foram postas para uma vida melhor e mais farta. A cria-
ção de novas oportunidades de trabalho se impõe. Mas, há hoje no
chão catarinense, jeito e maneira de dar a todos os que atingem a idade
produtiva um posto na comunidade.

III.X. Descentralização administrativa

Entendo que governar é decidir e também delegar. Se nunca tran-


sigi no exercício pleno das minhas prerrogativas, e as mantive Ínte-
gras, não deixei porém de deferir cargos e cobrar os resultados. Criei,
para testemunho desta posição, a secretaria dos Negócios do Oeste.
Os que habitam aquela região sabem da plenitude com que deleguei
tarefas e recursos. E é também do conhecimento das populações do
grande Chapecó os excelentes frutos coletados.

III.XI. Concurso federal e cooperação regional

O sistema federal pela sua própria contextura impõe a existên-


cia de mecanismos de comunicação e cooperação entre as diferentes

105
unidades que compõem o pacto. Mantivemos com o governo central
relações excelentes. E do presidente Castelo Branco não nos faltou 0
apoio e até mesmo o aplauso. A reunião dos recursos federais aos
captados localmente conduziram ao êxito, sobretudo, a nossa política
de eletrificação. Obras e serviços a cargo da União, nos setores de
saneamento, portos, agricultura e rodoviação contribuíram para a
aceleração do nosso desenvolvimento. No âmbito da região,
constituímos, com o Paraná e o Rio Grande do Sul, o Conselho e
o Banco Regional, responsáveis por inversõc:;s volumosas em pro-
veito da industrialização.

IV. Finanças

Foram canalizados ao Tesouro, no qüinqüênio, ao redor de Cr$


150 bilhões, que se repartiram em obras e no custeio da máquina admi-
nistrativa. De outro lado, a execução e o critério no dispêndio são
atestados pela lisuta das contas, sempre aceitas pelo egrégio Poder
Legislativo, com a revisão que sempre lhe fez o Tribunal de Contas. A
inflação nos conduziu ao uso do crédito, e a reapropriação do custo
dos milhares de empreendimentos e inversões ·Jísicas duplicaria e até
triplicaria o respectivo valor.

V. Funcionários e Florianópolis

Quero deixar uma palavra de agradecimento ao servidor públi-


co. A compreensão e a cooperação dos funcionários, e mesmo o sacri-
fício de sua comodidade, ensejaram o volume de inversões que conse-
guimos, sempre supeior a 40% de todos os ingressos no Tesouro. Ao
florianopolitano e à sua cidade, sede do governo, com quem mais tive
convívio, anoto a minha gratidão. E vejo para esta região, com as obras
que nela plantamos, um presente que é melhor, e um futuro que não
terá limites para a prosperidade.

VI. Relações com os outros poderes do Estado

·O poder é um só. Mas se desdobra e se reparte em Órgãos. A

106
regra democrática da independência e da autonomia dos poderes
do Estado teve plena aplicação. Sem quebra destas qualidades, rei-
nou a harmonia. Por ela obtivemos a legislação adequada ao
alcançamento dos objetivos que havíamos traçado. O Poder Judi-
ciário exerceu amplamente as funções constitucionais. Aos agen-
tes do Legislativo e do Judiciário devo e deve o Estado parcela
ponderável dos sucessos colhidos.

VII. Conclusão

Catarinenses,
Amanhã o governador é o cidadão. O convívio convosco, que
nunca cessou, assumirá apenas uma forma nova. Recebei de volta,
catarinenses, aquele a quem destacastes, conferindo-lhe a suprema ma-
gistratura do Estado. Recebei-o que ele vos é imensamente grato."
A edição de O Estado de 02/02/66 estampa: "O senhor Celso
Ramos, em rápida alocução, entregou o cargo ao seu sucessor, fazendo
votos de que o mesmo possa realizar um governo à altura da confiança
que o povo lhe emprestou na eleição de outubro último, dizendo ain-
da que, 'recebendo-o e lhe entregando esta casa, guardo a convicção e
tenho a certeza de que zelará por ela com o mesmo decidido empenho
com que se desincumbia dos sucessivos chamamentos a servir que lhe
fez o povo de Santa Catarina'."
Mais adiante, concluiu: "A comunicação sumarizada da minha
ação frente aos destinos do Estado, eu a fiz em outra hora deste dia (na
Assembléia Legislativa). Reservo este momento para apresentar a mi-
nha saudação pessoal e lhe augurar êxito pleno na missão que delibera-
damente se impôs e soube conquistar."
Na cerimônia, postado à frente em uniforme branco de gala,
estava o contra-almirante Áureo Dantas Torres, comandante do 5°
Distrito Naval, representando o presidente da República, marechal
Humberto Alencar Castelo Branco, bem como militantes graduados
do Exército e da Aeronáutica.
Celso Ramos fora o grande cabo eleitoral para a eleição de
Ivo Silveira e deixava no Estado um canteiro de obras realizadas e
por se realizar.
Após a cerimônia, Celso desceu as escadas palacianas acompa-

107
nhado dos seus assessores mais chegados e familiares, visivelmente car-
rancudo, mas freneticamente aplaudido por populares que se posta-
vam à frente da casa do governo.
O secretariado do novo governador ficou assim composto: Casa
Civil, deputado Dib Cherem; Casa Militar, coronel Edmundo Bastos;
secretário sem pasta, doutor Armando Calil Bulos (o Órgão havia sido
criado para o líder pessedista lageano Vidal Ramos Júnior, que, entre-
tanto, falecera antes da posse); secretário da Fazenda, João José
Cupertino Medeiros; da Saúde, doutor Antônio Moniz de Aragão; da
Viação e de Obras Públicas, doutor Haroldo Pederneiras; do Traba-
lho, general Hortêncio Pereira de Castro; do Interior e da Justiça, dou-
tor José de Miranda Ramos (PTB); da Educação e da Cultura, deputa-
do Lauro Locks; da Segurança Pública, general·Paulo Gonçalves Vieira
da Rosa; da Agricultura, deputado Antônio Pichetti (PRP); da secreta-
ria do Oeste, Serafim Bertaso; e secretário executivo do Planejamen-
to, doutor Annes Gualberto.

108
Ivo Silveira assina o termo de posse

Ivo Silveira e Celso Ramos logo após a transmissão do cargo

109
Celso Ramos transmite o governo para Ivo Silveira em 31 de janeiro de
1966. Na foto, Celso Ramos Filho e o vice-governador, Doutel de Andrade.
O chefe do Cerimonial, Nelson Luiz Teixeira Nunes, lê o termo de posse

110
Último discurso

derradeiro pronunciamento
do governador Celso Ramos (segundo o jornal O Estado de 31/01/66)
deu-se no dia 29 de janeiro daquele ano, ao entregar ao povo da capital
as obras iniciadas da Avenida Rubens de Arruda Ramos, a grande arté-
ria que veio deslocar o trânsito do centro da cidade, na demanda para
o continente projetada pelo seu secretário de Obras, Celso Ramos
Filho, e que foi asfaltada posteriormente no governo Ivo Silveira.
Na ocasião, afirmou: "Florianópolis merecia esta avenida. Plan-
tada numa ilha, a que a natureza doou encantos imensos, a histórica
cidade de Dias Velho andava como que a desafiar, pela exuberância de
suas pinturescas maravilhas, o senso estético e urbanístico de quem
lhe correspondesse as dádivas naturais.
Já agora não se dirá que o governo do Estado, absorvido nas
preocupações de outra ordem, sob a premência dos problemas que
afligiam as populações e retardavam o desenvolvimento do Estado,
deixou esquecida a capital, entregue ao lento ritmo de progresso que

111
lhe imprimiam as iniciativas praticadas. Dentro do mesmo planeja-
mento em que se traçaram as soluções para aqueles problemas houve
lugar para o trato das necessidades urbanas de Florianópolis, aliás, ao
encontro da operosidade dos poderes municipais. Essa avenida o ates-
ta, como o atestam outras obras de finalidade idêntica, sob financia-
mento e concretização do governo estadual.
Entregue ao patrimônio municipal, esta avenida ajardinada com
as características mais modernas, constituirá mais um testemunho de
que a capital catarinense não se deixou atrasar, mercê das atividades do
governo do Estado. .
Há, porém, uma circunstância que, sobretudo, me emociona,
neste instante em que me cumpre dar por inaugurada esta obra: é a
sensibilizadora iniciativa da Câmara Municipal convertida em lei que
mereceu logo a sanção do prefeito Vieira da Rosa, dando a esta nova e
modelar avenida o nome do saudoso doutor Rubens de Arruda Ra-
mos. A homenagem assim prestada à memória do velho e inesque-
cível amigo e companheiro de cruzadas políticas, jornalista vibran-
te e culto, parece que sublima o esforço de quantos se aplicaram à
execução desta obra.
De mim, posso asseverar que, de certo modo, a lembrança dos
senhores vereadores, acatada unanimemente, afigura-se compensação
moral inapreciável, acariciando-me profundos sentimentos de uma
amizade de longos anos permutada entre mim e o doutor Rubens de
Arruda Ramos, cuja vida, já tão assinaladamente benemérita, foi sus-
tada quando ainda tantas e grandes esperanças eu punha no futuro
daquela existência que tão grata me fora sempre.
A Avenida Doutor Rubens de Arruda Ramos falará através dos
tempos e a curiosidade dos pósteros, sobre um homem de bem, de
espírito culto e caráter Íntegro, pródigo em sacrifícios pelas causas do
povo, cioso do seu lar, desprendido de ambições, que sempre compre-
endeu nos outros, mas nunca pôde experimentar em si mesmo,
comprazendo-se no convívio dos simples e humildes e na intimidade
dos livros, mas tendo altivez brava e incurável quando preciso lhe era
restaurar a verdade onde a mentira se entrosara, ou repelir a afronta,
para não trair a dignidade e a consciência próprias.
Do deleite oferecido aos olhos pela beleza deste recanto citadi-
no, o espírito se elevará, pois, pela sugestão consagradora do nome, à

112 ·
saudade daquele que viveu a serviço dos seus coestaduanos.
Meus senhores:
Entrego-vos, pois, a Avenida Doutor Rubens de Arruda Ramos."

Celso Ramos e o jornalista Rubens de Arruda Ramos

1 13
Manifestações castrenses

s resultados das eleições de 3


de outubro de 1965 não agradaram ao sistema de poder militar que se
instalou no país em março de 1964. Estes pleitos não foram realizados
em todos os estados brasileiros, em razão do que dispunha a Carta
Magna de 1946, pela qual foi estabelecida a soberania estadual, inclusi-
ve, para fixar mandatos de governador, de quatro e cinco anos. De
cinco anos e que ocorreram foram as eleições nos estados de Santa
Catarina, Guanabara, Minas Gerais, Mato Grosso, Maranhão, Goiás,
Alagoas, Paraná, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pará.
Após as eleições avolumou-se a crise no governo Castelo
Branco, passando este a ser adversário ferrenho de Carlos Lacerda
e Magalhães Pinto, udenistas que desejavam ser donos civis do
movimento militar de 1964.
A linha dura militar não admitia a eleição de Israel Pinheiro, em
Minas Gerais, e de Negrão de Lima, na Guanabara, vitórias interpreta-
das pelo sistema militar como contestação anti-revolucionária. Acei-

115
tou as vitórias de José Sarney, no Maranhão, do coronel Alacial Nunes )

no Pará, de Paulo Pimentel, no Paraná, de João Agripino, na Paraíba


e de Otávio Lage, em Goiás, todos da UDN. Os pessedistas Ivo Silveira'
de Santa Catarina, monsenhor Walfrido Gurgel, do Rio Grande do'
N arte, e Pedro Pedrossian, de Mato Grosso, foram tolerados. Muniz
Falcão, de Alagoas, era tido sob suspeição, segundo Carlos Chagas, no
seu A Guerra nas Estrelas (RJ, LPM, Porto Alegre, 1985, p. 87).
Em outubro de 1965 demitiu-se o ministro da Justiça, o bravo
Milton Campos, assumindo Juracy Magalhã~s, que tenta exortar 0
Congresso a votar as reformas pretendidas pelo governo autoritário
que ficava em minoria no parlamento. Em represália é editado o Ato
Institucional n ° 2, na alegação de que era para garantir a posse dos
adversários eleitos, tendo como peça principal o dispositivo que trans-
formava as eleições presidenciais de diretas em indiretas e também ex-
tinguia os partidos políticos.
Seguem-se, de outubro a dezembro daquele ano, a edição dos
Atos Complementares de 1 a 5. Em janeiro de 1966 é editado o Ato
Institucional nº 3, determinando eleições indiretas para os futuros go-
vernadores dos estados. Costa e Silva, ministro da Guerra, lança-se
candidato à Presidência da República depois das festas natalinas de
1965, viajando para a Europa em janeiro.
De reboque ao AI-2 vieram 17 outros Atos Complementares (23
ao todo), sendo de destacar o de n ° 6, que prorroga o prazo para a criação
e registro das organizações que teriam a atribuição de partidos políticas,
e o de nº 9, de maio daquele ano, que regulamentava o procedimento
das eleições indiretas para presidente da República e governadores
estaduais, bem como a nomeação de prefeitos das capitais, imposta
pelo AI-3. As cassações e suspensão de direitos políticos atingiram
muitos nomes de prestígio político e eleitoral.
Em Santa Catarina, o governador Ivo Silveira demonstra toda a
sua habilidade de pessedista histórico, equilibrando-se diante da arro-
gância e das imposições do sistema castrense autoritário, auxiliado por
membros do primeiro escalão do governo que desfrutaram de intimi-
dade com o estamento militar.

1 i-6
O bipartidarismo

1111.llllllJxtintos os 13 partidos políti-


cos criados em 1945, na esteira das crises desencadeadas pelos resulta-
dos das eleições de outubro de 1965 (principalmente da Guanabara e
de Minas Gerais), o Ato Complementar nº 4 de 20 de novembro daque-
le ano estabeleceu que as agremiações partidárias que viessem a se or-
ganizar deveriam possuir, pelo menos, 120 deputados federais e 20 se-
nadores, criando, de forma indireta, o bipartidarismo.
Pela evidência, dificilmente se conseguiria compor mais de
duas correntes partidárias entre cerca de 400 deputados fede-
rais e 65 senadores.
Desta celebração casuísta nasceram a Arena (Aliança Renovado-
ra Nacional), partido do governo e dos que apoiavam o sistema, e o MDB
(Movimento Democrático Brasileiro), dos integrantes das oposições.
A Arena anegimentou mais de 220 deputados federais (83
da UDN, 67 do PSD, 38 do PTB, 22 do PSP, 16 do PRP) e ou-
tros avulsos, bem como 35 senadores (16 da UDN, 15 do PSD

117
e quatro do PTB) .
O MDB, no início, conseguiu 83 deputados federais (33 do PTB,
40 do PSD, seis da UDN e quatro do PDC) e 19 senadores (13 do
PTB, cinco do PSD e um da UDN), tendo dificuldades para atingir o
mínimo exigido.
O fechamento das sedes dos partidos políticos em Santa Catari-
na deu-se em 27 de outubro de 1966, através da secretaria de Seguran-
ça e Informação. No dia 14 de novembro, o então secretário, coronel
Danilo Klaes, emitia nota oficial (publicada em O Estado) dizendo que
havia enviado cabograma ao ministério da Justiça informando da
lacração das sedes dos partidos políticos e o trancamento dos fundos
financeiros partidários. O ministro mandou sustar as medidas toma-
das pelo secretário. O então deputado Aroldo de Carvalho impetrou
mandado de segurança contra o ato de império, sustentando que o fim
do patrimônio pertencia aos partidos políticos extintos e não ao Esta-
do, o que foi mais tarde regulamentado em ato complementar.
Recorde-se que houve recurso junto à Justiça Eleitoral firmado
por quatro deputados pertencentes à ex-UDN contra a diplomação do
governador-eleito, Ivo Silveira, e seu vice, Francisco Dall'Igna. O TRE
não recebeu o apelo, entendendo que os parlamentares não eram partes
legÍtimas para recorrer. O incidente causou polêmica grave, culminando
com a publicação de nota oficial pela Corte Eleitoral (A Gazeta, 01/
12/ 65). Um dos parlamentares signatários do recurso contra a
diplomação, Afonso Ghizzo, eximiu-se da responsabilidade, indo a
matéria para o Tribunal Superior Eleitoral, por recurso de agravo,
que também foi rejeitado.
Em fevereiro de 1966, O Estado (09/02/ 66) publica editorial dan-
do conta dos primeiros passos tomados pelas lideranças do ex-PSD e da
ex-UDN, para a formação da Arena em Santa Catarina, "agremiação
do governo federal e da esmagadora maioria de governos estaduais",
enquanto Doutel de Andrade organizava o MDB.
No dia 9 de março daquele ano era confirmada a escolha de Ar-
mando Valério de Assis (fora secretário da Saúde no governo Celso
Ramos) para a presidência da Arena catarinense, cuja diretoria ficou as-
sim constituída: vice-presidentes, Attílio Fontana, Álvaro Catão e Diomício
Freitas; secretário, Pedro Harto Hermes; tesoureiro, Abel Ávila dos San-
tos; vogais: Eduardo Santos Lins, Nilton Cherem, Adernar Garcia, Áu-

118
reo Vidal Ramos e Ivo Montenegro. Celso Ramos e Irineu Bornhausen
foram escolhidos representantes estaduais junto à Comissão Diretora
Nacional. Oitenta e cinco outros políticos catarinenses egressos do
pessedismo e do udenismo, integraram o diretório regional numa centrada
divisão do bolo do poder.
O Movimento Democrático Brasileiro teve seu gabinete executi-
vo aprovado por acórdão do TRE (02/06/66), ficando assim constituído:
presidente, Armindo Marcílio Doutel de Andrade; vice-presidentes,
Laerte Ramos Vieira, Genir José Destri e Henrique de Arruda Ramos;
secretário, Walter Ziguelli; tesoureiro, Haroldo Ferreira; e vogais, Paulo
Macarini, Rodrigo Lôbo, Evilásio Nery Caon e Walmor de Oliveira.
A formação da Arena catarinense foi uma verdadeira junção de
díspares, de políticos que haviam criado profundas divergências em tor-
no da luta pelo poder. Estas divergências, entretanto, não eram de cunho
ideológico, pois que tanto o ex-PSD como a ex-UDN tinham nas suas
estruturas basilares um comportamento de centro e conservador, não
havendo disputas nesta área, mas tão e somente nos embates eleito-
rais, quando buscavam a hegemonia da dominação para satisfazer os
quadros partidários. O depoimento, talvez, mais importante destapas-
sagem está contido na carta que o então senador Antônio Carlos
Konder Reis remeteu ao presidente da UDN de Santa Catarina, à épo-
ca, o doutor Oswaldo Bulcão Vianna (com cópias para o ex-presiden-
te do PDC e do PL).
Diz a missiva (foi escrita no Rio de Janeiro no dia 4 de março de
1966): "Hoje, tenho a grata oportunidade de responder suas cartas e os
telegramas da bancada estadual, assim como os apelos que me foram
feitos por inúmeros amigos sobre a minha posição face à nova estrutura
política do país. Os fatos da extinção dos partidos políticos e da imposi-
ção de duas organizações, com as atribuições que lhes cabiam, soma-
dos àquele outro da obrigatoriedade de os congressistas a uma delas se
filiarem, sob pena de não poderem participar de comissões legislativas
nem exercer qualquer missão parlamentar, criaram para inúmeros re-
presentantes - entre os quais me incluo - uma difícil conjuntura.
Sem ter tomado ainda decisão - salienta Antônio Carlos-, nascido
e criado no nosso extinto partido, em Santa Catarina, sob cuja legenda
parti de uma cadeira de deputado estadual, em 1947, para chegar, em
1962, ao Senado da República, não creio que aquilo, de bom e até de

119
ruim, que se pode denominar de pensamento udenista possa ser, abrup-
tamente, suprimido. O mesmo raciocínio parece-me correto em rela-
ção aos demais partidos de expressão - que foram proscritos pelo
Ato Institucional n ° 2. Creio sim que tais pensamentos estão redivivos
na política nacional.
Fatos recentes comprovam essa observação.
Por outro lado - prossegue -, saído de uma batalha política
que culminou nas eleições de 3 de outubro, onde desempenhei a hon-
rosa função de candidato ao governo (refere-se aq pleito de outubro de
1965, quando disputou o governo com Ivo Silveira), sob as legendas
da UDN, do PDC e do PL, posso - com autoridade de quem jamais
se furtou a aceitar a idéia de alianças nascidas de movimentos espontâ-
neos e legÍtimos - constatar a dificuldade que .representa a contin-
gência de forças tradicionais e radicalmente opostas, num dado
momento, unirem-se instantaneamente sob a mesma bandeira."
Depois de expender considerações sobre os reflexos partidários
no âmbito nacional, manifestando que a posição que mais lhe agrada-
ria seria de "não me filiar a qualquer das duas organizações", ressalta
que, "no âmbito do Senado, pude verificar que seria bem-recebido na
Arena ou no MDB", mas "a posição de integrante da extinta UDN e o
fato de todos os meus companheiros de represent,ação estadual e par-
tidária que exercem mandato eletivo no Senado, na Câmara e na As-
sembléia Legislativa já se terem manifestado pelo ingresso na Aliança
Renovadora Nacional levaram-me a nela inscrever-me".
No plano estadual - finaliza - , a elementar obrigação que te-
nho de, face ao resultado do pleito de outubro de 1965, situar-me na
oposição, conduz-me a manter uma posição de alheamento em relação
a essa organização em Santa Catarina. Essa atitude coerente com a
decisão do eleitorado é ditada pelas circunstâncias que envolveram a
campanha eleitoral. As grandes causas de Santa Catarina e a defesa
dos direit os dos meus correligionários, encontrar-me-ão presente
quando necessário."
Em razão da formação do nosso partido governista, a Arena, o
governador Ivo Silveira teve de reformar o seu secretariado. A secreta-
ria da Justiça foi ocupada pelo culto e talentoso advogado doutor
Norberto Ungaretti, que havia sido vereador pela UDN, tendo presi-
dido o Legislativo Municipal de Florianópolis. Ungaretti foi indicado

120
pela bancada estadual do partido. A secretaria do Trabalho foi ocupa-
da pelo ex-udenista, também advogado, em Biguaçu (reduto do ex-
deputado Fernando Viegas), João Paulo Rodrigues. A secretaria de
Viação e Obras Públicas foi desmembrada (a picardia pessedista de
Ivo Silveira entendia que entregar uma pasta tão importante para
um ex-adversário, mesmo composto no novo partido, era demais):
a Viação ficou com o ex-udenista do Oeste do Estado, Adair
Marcola, sendo entregues também outros cargos nos segundo e
terceiro escalões do governo.

Celso Ramos e Ivo Silveira inauguram busto do governador na praça que


leva seu nome

121
A eleição de 1966

data de 15 de novembro de
1966 estava reservada em todo o país para a eleição de senadores (um
terço), deputados federais e estaduais.
Em 3 outubro houve a eleição indireta pelo Congresso do
novo presidente da República, general Artur da Costa e Silva e do
seu vice, Pedro Aleixo.
Poucos dias depois desta eleição, rompe grave crise no Con-
gresso N acional, em razão da cassação dos mandatos de seis depu-
tados federais, que foram mantidos sob a proteção do presidente
da Câmara Federal, deputado Adauto Lúcio Cardoso, sob a alega-
ção da ilegitimidade da ação governamental. O impasse durou oito
dias. Em seguida, o presidente Castelo Branco determinou a edição
do Ato Complementar nº 23, colocando o Congresso em recesso
até uma semana depois das eleições parlamentares de 15 de novem-
bro. O Congresso foi cercado e invadido por tropas comandadas
pelo coronel Meira Matos, que garantiu o fechamento . Adauto

123
Lúcio Cardoso, que havia apoiado o movimento de 1964, renun-
ciou à presidência da Câmara em protesto.
Em razão de tensa situação política nacional, a campanha eleito-
ral transcorreu em calmaria letárgica. O MDB somente conseguiu for-
mar diretórios em 82 municípios. A Arena, rapidamente constituída,
dispondo de fáceis mecanismos oficiais, teve diretórios em 194 municí-
pios do Estado catarinense.
O candidato natural da Arena era o ex-governador Irineu
Bornhausen, para ser reeleito. .
Em 15 de setembro de 1966, o governador Ivo Silveira rece-
beu radiograma assinado pelo chefe do gabinete civil da Presidên-
cia da República, Luiz Navarro de Britto, vasado nos seguintes ter-
mos: "Prazer comunicar vossência doutor Asdrúbal Ulysséia em-
barcará, Florianópolis como enviado, senhor presidente et seu as-
sessor confiança conhecendo pensamento sua excelência relativo
senatória et credenciado apresentar et gestões pt Cordiais Saudações."
O governo central monitorava as eleições estaduais através do
seu partido, para manter maioria congressual e a hegemonia do movi-
mento revolucionário.
A costura política para alavancar o nome do ex-presidente
Celso Ramos como candidato arenista partiu_do governador Ivo
Silveira, em contato, inclusive, com o assessor presidencial,
Asdrúbal Ulysséia, funcionário de carreira do ministério das Rela-
ções Exteriores, filho da Laguna, primo-irmão do hoje desem-
bargador Norberto Ungaretti (atualmente o diplomata Asdrubal, em-
bora aposentado, comanda a Embaixada do Brasil na Ucrânia).
Acertados os pontos com o senador Irineu Bornhausen -
que tinha a preferência assegurada para disputar novamente a vaga
do terço ao Senado - o nome do ex-governador Celso Ramos foi
ungido pelo partido. O MDB concorreu com dois candidatos em
sublegenda: Brasílio Celestino de Oliveira e Cid Pedroso, além de
outros candidatos de ambos os partidos à Câmara Federal e à As-
sembléia Legislativa.
A campanha política, pelo clima de monitoramento do
estamento militar, não foi das mais empolgantes, como anotou o
professor Telmo Ribeiro (As Eleições Catarinenses de 1966, Rev.
Bras. de Estudos Políticos, 23/24): "Observadores políticos atri-

124
buíram essa aparente apatia do eleitorado ao receio de sofrer san-
ções, e, também, à falt a de motivação, porquanto a propaganda
dos candidatos foi bastante moderada. Tinha-se a impressão - pros-
segue o falecido político - de que se estava em ambiente de inti-
midação . Não houve a vibração cívida de outros pleitos. Os
comícios foram poucos, desanimados, sem afluência de públi-
co. Não apareceram os grandes tribunos , os arautos da opinião
pública, os condutores de outras jornadas cívicas. Foi tudo sim-
ples, discreto, silencioso .
O povo catarinense - finaliza o ex-presidente da OAB/
se -, habituado ao burburinho de outras campanhas eleito-
rais, não teve nesta maior participação, dando a impressão, tal-
vez falsa, de indiferença."
Como anotei no meu Partidos e Políticos de Santa Catarina
(Ed. UFSC/Lunardelli, Florianópolis, 1983, p. 347), houve modi-
ficação, à época, da legislação eleitoral, no sentido de restringir prá-
ticas anteriormente consolidadas, introduzindo-se na lei a obriga-
toriedade de pagamento das despesas efetuadas (nos meios de co-
municação), através das emissoras de rádio, o que, com evidên-
cia, desigualizava os candidatos, beneficiando os que detinham
poder econômico, ou tinham as suas campanhas financiadas por
grupos ou empresas.
O governador Ivo Silveira empenhou-se pessoalmente na
campanha, não somente para demonstrar ao governo federal o
seu prestígio, mas principalmente, para consolidar o seu
comando na Arena.
Na eleição majoritária para o Senado da República, dos
667.176 votantes, 113.072 fizeram-no em branco e nulos. Celso
Ramos, da Arena, obteve 380.245 sufrágios. O MDB, com seus
dois candidatos obteve 105.572 para Brasílio Celestino de Oliveira
e 81.228 votos para o Cid Cesar Pedroso, que mais tarde foi secre-
tário da Justiça do governo Pedro Ivo Campos e desembargador
no Tribunal de Justiça do Estado.
Para a Assembléia Legislativa, verificou-se a obviedade da vi-
tória da Arena que elegeu 34 deputados estaduais: Aldo Pereira de
Andrade, Fernando Viegas, Fioravante Massolini, Nelson Pedrini,
Gentil Bellani, Ivo Reis Montenegro, Aureo Vidal Ramos, Anto-

125
nio Pichetti, Afonso Ghizzo, Waldemar Salles, Abel Ávila dos San-
tos, Pedro Colin, Mário Olinger, João Custódio da Luz, Lecian
Slowinski, João Garcia Filho, Hermelino Largura, Celso Ivan da
Costa, Adhemar Garcia Filho, Laulo Locks, Paulo Rocha Faria,
Epitácio Bittencourt, Hélio Carneiro, Guglielmi Sobrinho,
Celso Ramos Filho, Elgydio Lunardi, Sebastião Netto Campos,
Evaldo Amaral, Zany Gonzaga, Walter Vicente Gomes, Fernan-
do José Caldeira Bastos, Pedro Harto Hermes, Angelino Rosa
e Nilton Kucker.
O MDB elegeu 11 parlamentares: Genir Íosé Destri, Pedro Ivo
Campos, Evilásio Nery Caon, Fausto Lobo da Silva Brasil, Nilo Bello,
Manoel Dias, Evelásio Vieira, Ivo Luiz Knoll, Waldir Luiz Buzato,
Carlos Buchele e Lourenço Antonio Brancher.
Para a Câmara Federal a Arena elegeu 11: Genésio de Miranda
Lins, Adernar Ghizzo, Aroldo C. de Carvalho, Osmar Cunha, J o-
aquim Fiuzza Ramos, Albino Zeny, Lauro Carneiro de Loyola,
Romano Massignan, Osni de Medeiros Régis, Lenoir Vargas Ferreira
e Osmar Dutra. O MDB fez três deputados: Ligia Doutel de
Andrade (seu marido, Doutel já havia sido cassado), Paulo Macarini
e Eugênio Doin Vieira. ·,
A votação no interior, onde ambos os partidos tinham diretórios
municipais foi no percentual de 60,3% para a Arena e 25% para o
MDB, onde havia comissões interventoras, 71,9%, contra 17,9%. Sem
diretórios, a Arena extrapolou com 76,9% contra 13,0%. Isto na vota-
ção para a Câmara Federal. Para a Assembléia Legislativa foram os
seguintes e respectivos percentuais: 62,0% - 25,8%; 73,5% - 17,5%;
e 77,5% - 13,3%. (Cf. Ribeiro, p. 228).
Registre-se, todavia, que, para a eleição do Senado, o nome de
Celso Ramos era imbatÍvel. Seu governo foi - e até hoje é lembrado -
como o melhor, o mais eficiente e competente entre os que já foram
praticados em Santa Catarina.
A respeito da escolha do candidato que representaria Santa
Catarina naquela eleição do Senado da República, sabe-se que, do
mencionado encontro entre o governador Ivo Silveira com o en-
tão assessor do presidente Castelo Branco, Asdrúbal Ulysséia, fo.
ram travadas correspondências, posteriormente, em 31 de março
de 1987, quando o governador-eleito em 1965 registrou: "Revendo

126
minha história política, insiro nela, como de alcance histórico, o
encontro que tivemos em Florianópolis, no mês de setembro de
1966. O lúcido coestaduano veio intérprete do presidente da Re-
pública, general Humberto Castelo Branco, e sua missão foi trans-
mitir a mim, governador do Estado de Santa Catarina, o empenho
do chefe da Nação no sentido de que se reconduzisse ao Senado o
senhor Irineu Bornhausen. Antes de ouvi-lo, porém, eu já havia
assumido compromisso com o senhor Celso Ramos, o que não
impediu que conversássemos em termos condizentes com a res-
ponsabilidade aos dois atribuída .. ."
A resposta do embaixador Ulysséia veio em 13 de abril da-
quele ano, firmando : " ... Recordo-me como um dos momentos de
especial satisfação, durante o tempo que assessorei o saudoso pre-
sidente Castelo Branco, a missão que ele me incumbiu de ser o seu
intérprete nos acertos políticos de Santa Catarina, em setembro de
1966, para o preenchimento da cadeira do Senado Federal, então a
expirar e ocupada pelo senhor Irineu Bornhausen.
Havia, como salientado em sua carta, o desejo do governo de
reconduzir à Câmara Alta o seu então ocupante, desde que assegu-
rada a indispensàvel unidade da Arena catarinense, objetivo maior
de minha missão.
O saudoso senador Bornhausen, levado por algum sentimen-
to de lealdade ao seu partido político, em gesto de marcada altivez,
renunciou à pretensão dos seus amigos que desejavam vê-lo candi-
dato à reeleição para o Senado. Essa atitude do senhor Bornhausen
permitiu manter-se a unidade do partido em Santa Catarina, con-
tribuiu decisivamente para que o compromisso do então governa-
dor Ivo Silveira com o senhor Celso Ramos resultasse na eleição
do candidato da Arena para o Senado Feàeral.
Registro, ainda, que desses entendimentos resultou a Refor-
ma da Constituição de Santa Catarina para a criação do cargo de
vice-governador, logo após preenchido pelo jovem e talentoso po-
lítico Jorge Bornhausen, iniciativa que se deveu à liderança com
que o caro amigo dirigia o Estado de Santa Catarina.
Seria injusto - finaliza - se não acrescentasse que, daquele
episódio, ficou-me a impressão, compartilhada pelo presidente
Castelo Branco, de que a Arena e, em particular, o Estado de Santa

127
Catarina ficaram devedores de relevante serviço prestado por seu
governador Ivo Silveira."

128
Em Brasília

leito senador aos 69 anos,


o ex-governador Celso Ramos transferiu-se para Brasília com sua
esposa, Dona Edith Gama Ramos. A cidade lhe parecia inóspita e
conforme confessou a Celso Ramos Filho, aqueles eixos e longas
avenidas feitas para a máquina (o automóvel), as superquadras
com seus blocos de apartamentos, isolavam muito o cidadão,
faltando-lhe a visão do mar, embora lageano acostumado à vas-
tidão das coxilhas . ..
Tomou posse no Senado em fevereiro de 1967, dedicando-se ao
trabalho como terapia ocupacional, mas estando em constante conta-
to telefônico com os familiares e com os amigos mais próximos, polí-
ticos e técnicos que lhe serviram no governo.
Quando vinha para Florianópolis dedicava-se à sua fazenda em
Canasvieiras, N arte da Ilha, denominada Pinheiro Seco, nome que
trouxera .da que fora proprietário em Lages.
No Senado, Celso Ramos foi eleito presidente da Comissão de

129
Transportes, Comunicações e Obras Públicas, tendo sido autor de
vários projetos, tendo pronunciado, na sessão de 21 de agosto de 1967,
discurso no Senado de larga repercussão nacional sobre a "importân-
cia do carvão no desenvolvimento nacional", no qual tratou da bacia
carbonífera catarinense, da lavra, do beneficiamento e do transporte
do carvão nacional nas siderúrgicas, tendo sido apontado e elogiado
pelos senadores Josaphat Marinho e Renato Ramos da Silva, cata-
ri ne nse e sobrinho, que havia ocupado vaga naquela casa
congressual em razão do licenciamento do se~ador Attílio Fontana,
de quem era suplente.
Em razão da importância do tema e de sua sempre atualidade,
segue o texto do discurso proferido pelo então senador Celso Ramos:
"Senhor presidente e senhores senadores, a determinação gover-
namental, contida no Decreto nº 60.642, de 27 de abril de 1967, que
constituiu um grupo consultivo para, dentro de um programa de ex-
pansão da siderurgia nacional, definir, em prazo curto, uma políti-
ca global que assegure a revitalização da economia do carvão do
Estado de Santa Catarina, deve ser entendida como preocupado
desejo do governo federal em racionalizar este importante setor da
economia nacional.
Quero aplaudir a decisão do senhor presidente da República e
servir-me desta oportunidade para levar aos meus nobres pares alguns
pontos que encareço fundamentais na análise do problema e que gos-
taria chegassem como subsídios aos eminentes técnicos que compõem
o grupo consultivo.
A minha vivência com este problema, quando governei meu Es-
tado, ensinou-me a sentir a importância do carvão catarinense no de-
senvolvimento brasileiro e a perceber os erros que impedem a sua tran-
qüila utilização nas siderúrgicas do país.
Embora o carvão nacional tenha por tantas vezes merecido o
debate de esclarecidos estudiosos no assunto, creio que este é um mo-
mento oportuno para uma análise serena por esta elevada casa legislativa,
na hora mesma em que tramita um projeto referente ao assunto.

I. A bacia carbonífera catarinense


São mais conhecidos no Brasil, até hoje, os campos

130
carboníferos do Sul.
Embora estes campos, no território nacional, estendam-se de São
Paulo ao Rio Grande do Sul e agora se anunciam também na Região
Amazônica, somente os carvões de Santa Catarina podem ser usados
como redutor de minério de ferro, sob a forma de coque metalúrgico.
Dentre as matérias-primas nacionais, portanto, o carvão ca-
tarinense se constitui no mais importante reativo na técnica atual
da metalurgia do ferro .
A faixa carbonífera de Santa Catarina, sentido Norte-Sul, apre-
senta-se numa extensão de 70 quilômetros por uns 100 quilômetros
de largura, situando-se entre a Serra Geral, a Oeste! e o maciço granÍtico
da Serra do Mar, a Leste.
Nessa faixa são encontradas cinco camadas de carvão, na seguinte
ordem: Treviso, Barro Branco, Irapuá, Ponte Alta e Bonito.
Destas, a camada Barro Branco é a que apresenta o maior interes-
se industrial, devido àsua extensão, praticamente contÍnua, o volume e
características coqueficantes.
Segundo estudos geológicos, as reservas de carvão da camada Bar-
ro Branco, aproximam-se de 1 milhão de toneladas, enquanto as de-
mais somam a 300 mil toneladas.
De cada metro desta camada, pesando cerca de três toneladas, é
extraída em média uma tonelada de carvão.

II. A lavra do carvão


São empregados dois tipos de mineração de carvão. A mineração
a céu aberto e a mineração em subsolo.
A primeira caract~riza-se pela remoção, por grandes máquinas,
de toda a cobertura que jaz sobre a camada de carvão. A mineração em
subsolo, ao contrário, é feita em extensa rede de túneis interligados,
através dos quais é extraído o carvão.
As empresas de mineração que adotam o processo de ex-
ploração a céu aberto são fortemente mecanizadas, enquanto
que as empresas de exploração em subsolo possuem fraco índi-
ce de mecanização, com exceção de uma ou outra que opera
com equipamentos europeus e americanos, obtendo resultados
bastante satisfatórios .

131
Cerca de 30% da produção de carvão em Santa Catarina pro-
vém das minas de céu aberto e o restante, das minas de subsolo.
Sabendo-se que o custo da exploração a céu aberto é substanci-
almente menor do que aquele da exploração em subsolo, dever-se-ia,
com vistas à racionalização e ao aumento de produtividade da eco-
nomia carbonífera, intensificar a produção nas áreas que se pres-
tassem à lavra a céu aberto.
Sabendo-se, também, que em algumas áreas da camada Barro
Branco a produtividade teórica em carvão metalúrgico chega a atin-
gir cerca de 60% do carvão minerado, contrâ 40% de outras áreas,
seria do mesmo modo conveniente, pelo menos enquanto perdu-
rar a escassez de mercado para o carvão vapor, que se incentivasse
a lavra das áreas de maior rendimento em c~rvão metalúrgico.
Em qualquer programa de racionalização das nossas minas deve
ser implícita, também, a idéia da sua progressiva mecanização.
Estas medidas, se conjugadas harmonicamente, resultarão numa
expressiva redução nos custos de produção do carvão.
A produtividade de algumas minas catarinenses, que não atin-
gem 300 quilos/homem/ dia, está muito aquém dos pa~rões de outros
países, que alcançam em média entre 1.500 e 2.500 quilos na Europa e
cerca de cinco vezes mais nos Estados Unidos da América.

III. O beneficiamento do carvão

O carvão tal como é extraído das minas, para que possa ser uti-
lizado nas siderúrgicas ou na geração de energia, necessita passar por
um processo de eliminação das impurezas nele disseminadas, proces-
so que se convencionou chamar de beneficiamento.
Pela própria natureza dos métodos de lavra utilizados presen-
temente, a quantidade de impurezas contida no carvão varia subs-
tancialmente, sendo maiores as quantidades no caso das minera-
ções mecanizadas.
Na atual conjuntura, apenas cerca de 60% do material extraído
das minas constitui-se efetivamente de carvão, sendo o restante com-
posto de xistos, folhetos e pirita.
A tendência, já seguida por algumas minerações, é a de submeter
o material min erado a um pré-beneficiamento à boca das minas, me-

132
diante o qual é eliminado o grosso das impurezas contidas no material.
Metade das minas, contudo, encontram-se ainda desprovida de qual-
quer processo mecanizado de pré-beneficiamento. Nestes casos, ele é
feito manualmente, consistindo numa grosseira retirada das impure-
zas mais evidentes.
O pré-beneficiamento tem a grande vantagem de eliminar o trans-
porte dos rejeitas do local das minerações até o Lavrador de Capivari.
Quando este sistema estiver implantado definitivamente, ter-se-á, em
virtude da eliminação dos fretes dos rejeitas, uma redução no custo
final do produto.
Se o carvão fosse todo pré-lavado, o esquema de recuperação pas-
saria a ser o seguinte:
Rejeites e perdas - 3%
Carvão metalúrgico - 55%
Carvão vapor- 42%
Todo carvão assim produzido é transportado por estrada de
ferro até a usina central de beneficiamento de carvão, localizada
em Tubarão, e conhecida como Lavrador de Capivari. Nesta usi-
na, através de técnicas já bastante avançadas, processa-se o
beneficiamento final do carvão, eliminando-se de vez as impurezas
ainda existentes, e que hoje se situam de 30 a 35% para as minas
que fazem o pré-beneficiamento manual e de 5 a 10% para as que
fazem o pré-beneficiamento mecanizado:
O carvão livre das impurezas é classificado em duas gamas
decimétricas, sendo uma correspondente ao carvão metalúrgico e
outra, ao carvão vapor. Presentemente, a média dos carvões be-
neficiados em Tubarão tem apresentado os seguintes índices de
recuperação. '
Rejeitos e perda - 20%
Carvão metalúrgico - 48%
Carvão vapor - 32%
Estes índices correspondem a um carvão metalúrgico com um
teor de cinzas equivalente a 18,5% que é o máximo aceitável pelas
usinas siderúrgicas, o que implica necessariamente na obtenção de um
carvão vapor com cerca de 37% de cinza, em média.
O surgimento de um mercado amplo para o carvão vapor
tornaria possível a valorização do carvão metalúrgico, pela redu-

133
ção do seu teor de cinzas, o que equivale dizer, pelo aumento do
seu poder calórico.
Se houvesse mercado para qualquer quantidade de carvão va-
por, técnica e economicamente seria possível a produção de um car-
vão metalúrgico com teor de cinzas inferior a 15%, o que representa
substancial melhoria em sua qualidade.
Neste caso , evidentemente o índice de recuperação do car-
vão metalúrgico passaria de 55% para 35%, o que faria aumentar
bastanta a fração de carvão vapor em cada tonelada de carvão be-
neficiado. O carvão vapor, por sua vez, também melhoraria
apreciavelmente a sua qualidade, p ela redução do seu teor de
cinzas de 37% para 32% .
Caberia mencionar, a título comparativo, que o carvão
metalúrgico importado titula de 8 a 10% de cinza, de onde advém um
dos motivos de sua preferência, embora o maior motivo seja efetiva-
mente o seu preço mais reduzido.

IV. O transporte do carvão

Em Santa Catarina, todo o transporte do carvão é feito pela Es-


trada de Ferro Dona Tereza Cristina, integrada na Redé Ferroviária
Federal.
Oitenta e cinco por cento da receita desta estrada advém do
transporte do carvão, e é mister que se diga que, das estradas da
Re de Ferroviária Federal, talvez seja esta a única que apresenta su-
perávit operacional.
O transporte é feito das várias minas ao Lavrador de Capivari,
numa distância média de 80 quilômetros, e do Lavrador ao porto de
Imbituba, numa distância de 40 quilômetros.
Das ferrovias do país, de expressiva densidade de tráfego, é esta
ainda a única a utilizar a antieconômica tração a vapor, do que decorre
fretes excessivamente elevados.
Impõe-se a modernização se sua tração, adotando-se prefe-
rencialmente a eletrificação como solução definitiva para o barate-
amento dos fretes .
A redução no preço do carvão vapor, em virtude desta medida, e
o consumo adicional de carvão, para gerar a eletricidade necessária a

134
esta eletrificação, proporcionariam um saldo bastante favorável à eco-
nomia global do carvão.
O senhor Josaphat Marinho - Permite V. Exa. um aparte?
O senhor Celso Ramos - C om todo o prazer.
O senhor Josaphat Marinho - Fixando o problema da ex-
ploração do carvão, particularmente no seu Estado, V. Exa. traz,
entretanto, à ponderação do Senado, subsídios valiosos do ponto
de vista da própria economia nacional. Quero referir-me apenas a
uma particularidade que V. Exa. acaba de fixar. Anuncia, no seu
discurso , que a estrada que transporta o carvão no seu Estado, fer-
rovia da rede federal, é provavelmente a única que está em regime
não-deficitário. Embora V. Exa. sugira a eletrificação, providência
perfeitamente aconselhável, o fato assinalado por V. Exa. mostra
que a revisão administrativa, antes mesmo da eletrificação, poderia
conduzir o governo a manter o funcionamento de diferentes ra-
mais ferroviários no país, ao invés de trancá-los sob o fundamento
de antieconômicos. Para fazer um paralelo, lembraria - não a V.
Exa. mas aos Órgãos da administração federal - o fato argüido no
seu discurso e o que se verificou em vários pontos do país, inclusi-
ve na Bahia, numa região rica como a do cacau. O governo, ao
invés de dar o funcionamento adequado ao ramal ferroviário que
servia àquela região e de fazer dele o meio de transporte mais bara-
to do cacau, que é, como todos sabem, uma das fontes principais
da economia do país, extinguiu-o, por antieconômico.
O senhor Celso Ramos - Grato pelo aparte do eminente cole-
ga, que, por certo, ilustrará em muito o meu discurso.
O carvão, no porto d~ Imbituba, é embarcado em navios da
Companhia Siderúrgica Nacional para os portos de Santos, Rio e Vi-
tória, de onde seguem, via ferroviária, para as usinas siderúrgicas.
Por falta de instalações adequadas, o carregamento de carvão em
Imbituba é processado a custos muito elevados.
Basta dizer que o descarregamento do mesmo carvão no porto
do Rio, que é uma operação mais difícil, custa menos do que o carre-
gamento no porto de Imbituba.
Atualmente, o carregamento de um navio de 8.000 toneladas
leva 24 horas, quando se sabe que esta operação poderia ser realizada
no máximo em 8 horas.

135
As precárias instalações deste porto não permitem também a
atracação de navios de grande porte, o que faz com que o transporte
marÍtimo seja bastante elevado.
Torna-se necessário que todos estes aspectos do problema se-
jam reformulados, se é que a meta é racionalizar a economia e reduzir
os seus custos.

V. A utilização do carvão
Analisando-se os dados estatÍsticos, verifica-se que o consumo
do carvão metalúrgico tem aumentado razoavelmente. Em 1953 o con-
sumo era da ordem de 270 toneladas, elevando-se para 587 mil tonela-
das em 1962. Em nove anos, portanto, mais que dobrou o consumo.
Prevê-se que em 1967 se situe em torno de 770 mil toneladas.
Este crescimento se deveu parte ao aumento da produção de
aço da Companhia Siderúrgica Nacional e em parte devido à entrada
em funcionamento das instalações siderúrgicas da Usiminas, em 1964,
e da Cosipa, em 1966.
Os estoques de carvão vapor, por conseqüência, passaram de 96
toneladas em 1953 para 474 mil toneladas em 1962, e 1.470 mil tonela-
das em 1967. ··
Deve-se a redução do consumo do carvão v apor à progressi-
va e intensa utilização de equipamentos a óleo diesel nas estradas
de ferro do país, só não caindo o mesmo a níveis insign ificantes
nos dois últimos anos devido à estrada em operação da usina
termoelétrica da Sotelca.
Verificando-se as estatÍsticas que estiveram à nossa disposição,
concluímos que a produção das minas de carvão foi crescente no perío-
do de 19 50 a 1966. Todavia, os índices compulsados nos demonstra-
ram que a produção, para atender ao aumento de consumo do carvão
metalúrgico, foi o btida quase que praticamente pela melhoria dos ní-
veis de recuperação do Lavrador de Capivari.
Assim, enquanto que a produção de carvão metalúrgico, en-
tre os anos de 1958 a 1965, aumentava de 215 mil toneladas, no
mesmo período o carvão minerado crescia apenas em pouco mais
de 20 mil toneladas.
O crescimento violento dos estoques de carvão vapor pressio-

136
nou os técnicos responsáveis pelos problemas de beneficiamento a
buscarem novos métodos que conduzissem à gradativa elevação dos
índices de deficiência do Lavrador de Capivari, o que foi conseguido
com a elevação dos índices de recuperação do carvão metalúrgico.
Como quem comanda a produção de carvão bruto é o carvão
metalúrgico, este esforço resultou na estagnação da produção das
nossas mmas.
O governo do meu Estado, já em 1967, se apercebia deste pro-
blema. Foi quando então obteve do governo federal a constituição da
Sociedade Termoelétrica de Capivari - Sotelca -, para operar, em
primeira etapa, com uma usina de 100.000 quilowatt, objetivando, com
isso, dar mercado para o carvão vapor, que, já naqueles anos, se res-
sentia da redução de consumo nas ferrovias .
Com a Sotelca buscava-se novamente o equilíbrio para a econo-
. .
mia carvoeira.
Malgrado, porém, todos os esforços, esta obra sofreu um retardo
de cinco anos na sua execução, resultando daí um intolerável cresci-
mento nos estoques de carvão vapor e a conseqüente estagnação da
indústria carbonífera de Santa Catarina.
Se o excelentíssimo senhor presidente da República, marechal
Arthur da Costa e Silva, realizar, como se espera, a expansão da Sotelca
e o aproveitamento dos piritosos, implantando definitivamente a Si-
derúrgica de Santa Catarina - Sidesc -, terá conseguido racionalizar e
valorizar importante setor da economia nacional e cumprir uma das
metas mais expressivas do seu governo.

VI. O uso obrigatório ck> carvão nacional nas siderúrgicas


Após perseguido esforço do meu Estado, estabeleceu o governo
federal incentivos para as siderurgias a coque que usassem um mínimo
de 40% de carvão nacional na formação da carga de seus fornos.
Todos sabemos que o carvão importado tem qualidades superi-
ores ao carvão nativo, e também um preço expressamente inferior.
Ambos os fatos têm servido de ostensivas campanhas contra a
' . .
nossa matena-pnma.
Somos também dos que se rebelam contra o elevado preço do
carvão brasileiro. E para isso estamos procurando servir à solução

137
deste problema com a apresentação do presente documento, certos
de que é possível, e sem grandes dificuldades, modificar inteiramente a
estrutura de preços dessa economia.
Não poderíamos, todavia, aceitar as ponderações daqueles que,
a pretexto de uma qualidade inferior, querem preterir o nosso carvão
como se fosse a razão única dos altos custos e de todos os problemas
das usinas siderúrgicas.
Fossem válidos os argumentos dos que assim pensam, não tería-
mos indústria nenhuma neste país, pois dificilmente uma indústria
nascente e circunscrita a um mercado limitado poderá competir com
organizações internacionais alicerçadas em grandes mercados consu-
midores, estruturadas para produção em larga escala e donas das
tecnologias mais avançadas.
Como disse o eminente técnico engenheiro Oswaldo Pinto da
Veiga, "já dependemos demais do subsolo e solo estrangeiros. Nossas
divisas são poucas para petróleo, trigo, cobre, etc. Os setores da side-
rurgia e termoeletricidade são campos de emprego do'carvão, como o
são em todo o mundo. Se não criamos nestes setores a consciência da
necessidade de seu emprego em larga escala, não haverá perspectivas
favoráveis ao carvão".
Deste modo, com a maior ênfase, defendemos a tese da obriga-
toriedade de todas as siderurgias a coque usarem um mínimo de 40%
de carvão nacional.
Quero ressaltar, finalmente, que a percentagem fixada não foi
por mero acaso. A grande Usina Presidente Vargas, da Companhia Si-
derúrgica Nacional, vem há mais de 15 anos, continuamente, utilizan-
do esta percentagem de carvão nacional na formação da carga de
seus fornos de coque, com resultados técnicos e econômicos intei-
ramente satisfatórios.

VII. A ·consolidação dos empreendimentosfederais voltados ao carvão

Três organizações do governo federal se dedicam ao carvão de


Santa Catarina, quais sejam, a Comissão do Plano do Carvão Nacio-
nal, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Estrada de Ferro Dona
T ereza Cristina.
A Comissão do Plano do Carvão Nacional fixa e executa a polí-

138
rica a ser seguida pela companhia carbonífera e atualmente se respon-
sabiliza por toda a comercialização do carvão.
A Companhia Siderúrgica Nacional explora a produção, o
beneficiamento e o transporte marítimo do carvão.
A Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina explora o trans-
porte do carvão das minas ao Lavrador de Capivari e deste ao
porto de Imbituba.
Com vistas à redução dos custos administrativos dessas empre-
sas, e objetivando também imprimir uma orientação única às atitudes
do governo federal no setor do carvão, acreditamos ser conveniente a
realização de um estudo que analise a hipótese da consolidação de to-
dos estes empreendimentos federais numa Única organização.
Em qualquer caso deveria ser pacífica a manutenção da iniciati-
va privada como elemento dinamizador e de equilíbrio da economia,
embora se pudesse exigir data, e para isso criado as facilidades e os
estÍmulos necessários à criação de consórcios que se concentrassem
na exploração de minas de maior produção e rentabilidade.

VIII. O preço do carvão


Não poderíamos dizer nada do que dissemos até aqui se não acre-
ditássemos na possibilidade de redução do preço do carvão.
Estudos recentes elaborados por técnicos do meu Estado de-
monstram de modo insofismável que é perfeitamente obtenível uma
redução de 50% no preço do carvão metalúrgico atualmente vendido
às usinas siderúrgicas.
Quando a Sotelca estiver consumindo todo o carvão v\por pro-
duzido, já se terá aí uma redução de NCr$ 20,00 por tonelada de carvão
metalúrgico posto no pátio das usinas siderúrgicas.
A par disso, o aumento de escala de produção das minas de
Santa Cat arina, com a respectiva mecanização, segundo a opinião
dos mesmos técnicos, poderia redu zir o custo do carvão tipo La-
vrador de Capivari de 48% para 55%, e acarretaria paralelamente
nova e substancial redução .
Os fretes ferroviários, as despesas portuárias e o transporte marí-
timo poderiam, por sua vez, ser reduzidos em cerca de 30%.
Estas medidas conjugadas fariam com que o metalúrgico, hoje

139
vendido às usinas siderúrgicas por pouco mais de NCr$ 100,00 por
tonelada, passasse a custar aproximadamente NCr$ 55,00. A partir
daí o nosso carvão teria condições econômicas de concorrência em
preço com o carvão importado. Conseguir-se-ia, como é óbvio,
proporcional redução nos preços do carvão vapor e, conseqüente-
mente, no preço de energia gerada pela Sotelca, cuja composição
tarifária recebe a incidência do carvão em mais de 50%.
O senhor Renato Silva - Permite, V. Exa., um aparte? (As-
sentimento do orador). Nobre senador Celso Ramos, não só como
catarinense, mas também com o companhei~o de bancada de V.
Exa., congratulo-me como nobre orador pelo magnífico pronunci-
amento que está fazendo nesta casa, a respeito do problema do car-
vão. Ao assinalar os problemas da usina carbçmífera de Santa Cata-
rina, ao apresentar em seu substancioso trabalho as características
da lavra do carvão, das condições em que se processa o benefi-
'
ciamente deste mineral, ao assinalar os proBlemas do transporte
do carvão, da sua utilização e da necessidade do uso do carvão, e
ainda ao assinalar o preço deste minério, V. Exa. está trazendo,
numa hora muito oportuna, grande colaboração não só à econo-
mia catarinense, mas, também, como muito bem acentuou o no-
bre senador Josaphat Marinho, uma contribuição à economia na-
cional. Contribuição valiosa, principalmente neste momento em
que a Comissão de Economia desta casa analisa projeto de lei da
Câmara dos Deputados, no qual determina percentagem do carvão
catarinense. Por esta razão, como catarinense, como representante
eventual do Estado que V. Exa. tão brilhantemente representa, na
qualidade de senador, quero congratular-me com o seu pronuncia-
mento, que se encontra em tramitação nesta casa. Assim, tem V.
Exa. minha integral solidariedade e meus efusivos cumprimentos
pelas expressões com que defende um dos mais importantes seto-
res da economia do nosso Estado e da economia brasileira.
O senhor Celso Ramos - Muito grato a V. Exa.
À guisa de conclusão, permito-me alinhar os seguintes pontos,
que gostaria fossem sugeridos por esta nobre casa ao Grupo Consul-
tivo da Siderurgia, constituído pelo Decreto n º 60.642, já referido.
Na execução de uma política global para o carvão vapor
produzido:

140
1. promover a duplicação da capacidade da usina termoelétrica
da Sotelca, atualmente com 100.000 quilowatt.
Com vistas ao consumo de todo o carvão produzido:
2. incentivar, enquanto perdure a escassez de mercado para o
carvão vapor, a lavra das áreas de maior rendimento em carvão
metalúrgico.
3. intensificar a produção de carvão nas áreas que se prestem à
lavra a céu aberto, presente o fato de que os custos de exploração por
este tipo de lavra são substancialmente menores do que aqueles da
exploração em subsolo;
4. reduzir o número de bocas de mina, de tal modo a se ter em
todos os casos explorações recomendadas economicamente;
5. promover a progressiva mecanização das minas, criando os
estímulos e facilidades necessárias, sem despreocupar-se, evidentemente,
com o possível aspecto social decorrente do aumento de mão-de-obra
ociosa na região carbonífera.
Com vistas à redução do preço:
6. obrigar todas · as minerações a procederem ao pré-bene-
ficiamento à boca das minas;
7. modificar a tração da Estrada de Ferro Dona T ereza Cristina,
para se ter custos mais reduzidos no transporte do carvão;
8. melhorar as instalações do porto de Imbituba, de modo a ter
este porto condições de atracar navios de maior porte e realizar as ope-
rações de carregamento com maior rapidez;
9. consolidar, para se ter redução nos custos administri.tivos, to-
dos os empreendimentos federais voltados ao carvão;

Com vistas à valorização e proteção da economia:

10. implantar definitivamente a Siderúrgica de Santa Catarina -


Sidesc -, destinada a produzir, em primeira etapa, o enxofre com base
nos reJeitos p1ntosos;
11. reduzir, a partir do instante em que se tiver consumo amplo
para o carvão vapor, o teor de cinzas do carvão metalúrgico, melhoran-
do a sua qualidade;
12. manter o uso obrigatório de 40% de carvão nacional na for-

141
mação de carga dos fornos das siderurgias a coque;
13. manter a iniciativa privada na economia carbonífera, por ser
imprescindível como elemento dinamizador e de equilíbrio.
Senhor presidente, senhores senadores, agradecendo a atenção
. . .
que esta casa proporc10nou ao meu pronunciamento, reitero a con-
vicção de que, adotadas as providências que aqui mencionamos, alcan-
çaremos condições de convencer os que combatem o uso de percenta-
gem obrigatória de carvão nacional em nossas siderúrgicas, que à nos-
sa opinião é que é a certa e a que consulta aos interesses nacionais.
(Muito bem! Muito bem! Palmas)." ,
Outro pronunciamento importante do senador catarinense
foi proferido no plenário daquela Câmara Alta no dia 5 de julho de
1971, no qual o político catarinense defendia a instalação de uma
refinaria da Petrobrás no litoral de São Francisco do Sul, cujo texto
f •
e o segumte:
"Senhor presidente, senhores senadores, a Petrobrás possui atual-
mente cinco refinarias em operação.
A refinaria Duque de Caxias (Rio de Janeiro), com uma capaci-
dade de 125.000 barris, atende basicamente os estados da Guanabara,
do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
A refinaria Gabriel Passos (Betim, Minas Gerais), com 120.000
barris diários, supre o estado de Minas Gerais e o Distrito Federal.
A refinaria Presidente Bernardes (Cubatão, São Paulo), com
125.000 barris, atende o grande São Paulo.
A refinaria Alberto Pasqualini (Rio Grande do Sul), com 60.000
barris, abastece especialmente o estado onde se acha localizada.
Em fase de construção, possui a Petrobrás a refinaria do Planal-
to (Paulina, São Paulo), sua sexta refinaria, que atenderá com seus
125.000 barris diários ao interior de São Paulo, o Norte do Paraná, o
Mato Grosso e o Sul de Goiás.
O abastecimento de Santa Catarina e Paraná se faz atualmente
através da refinaria Alberto Pasqualini (Rio Grande do Sul) e pela refi-
naria Presidente Bernardes (São Paulo).
Dado o crescimento da demanda de petróleo, planeja a Petrobrás,
até 1975, de acordo com seu Plano Nacional de Derivados, ampliar
algumas das refinarias existentes e construir uma nova na área de
Paraná- Santa Catarina, a fim de que a capacidade instalada de refino

142
possa atender à expectativa de desenvolvimento econômico do país.
Pois bem, agora que a Petrobrás está em busca de um local, na
costa meridional do país, para a instalação de sua sétima refinaria, com
capacidade para 125.000 barris, parece-nos chegado o momento de
Santa Catarina.
Já em 1962 este Estado reivindicava uma refinaria e nesse senti-
do dirigia-se ao presidente da empresa estatal, em memorial que eu tive
a honra de assinar na condição de governador do Estado, no qual pu-
nha tecnicamente os motivos de tal solicitação.
Santa Catarina pedeu a reivindicação em favor de São Paulo e já
agora, em 1972, entrará esta refinaria - denominada refinaria do Pla-
nalto - em operação.
No instante em que a Petrobrás indaga sobre a melhor localiza-
ção para a sua sétima refinaria, que deverá atender a área Paraná-
Santa Catarina, justamente a que estará mais carente em 1975, é justo
que nós os catarinenses reivindiquemos a sua localização no território
catarinense, eis que temos efetivamente as melhores condições técni-
cas de construção e distribuição.
O litoral de São Francisco, pela soma de fatores favoráveis
que apresenta, é o local indicado para a instalação da sétima refina-
ria da Petrobrás.
Os recursos naturais e humanos, e a ambiência técnica e econô-
mica da região, conhecida por litoral de São Francisco, permitem a
instalação de uma refinaria com elevados padrões de eficiência e produ-
tividade, e, bem assim, que sejam restringidos ao máximo os investi-
mentos marginais do empreendimento. ,
Do ponto de vista dos mercados consumidores, é inquestionável
a privilegiada posição de São Francisco.
Do ponto de vista portuário, possui a região o porto de São
Francisco, que reúne as melhores características entre os portos do
Brasil meridional e atende às especificações para a moderna navegação
- até de petroleiros de grande tonelagem.
Conta a região com moderno sistema de comunicações e abun-
dante energia elétrica.
A mão-de-obra será ali arregimentada .facilmente. A região tem
Faculdade de Engenharia Operacional (J oinville) e conta com um dos
melhores contingentes de mão-de-obra semiespecialista.

143
O operariado não-qualificado será obtido a baixo custo, eis que
já existe em abundância na própria região , o que representa aspecto
importante, tendo em vista principalmente os serviços auxiliares da
refinaria.
A captação de água para grandes projetos industriais é fácil nos
.. -
mananc1a1s existentes nas cercamas.
.
O senhor Antônio Carlos - Permite-me, V. Exa., um aparte,
nobre Senador Celso Ramos?
O senhor Celso Ramos - Com todo o prazer.
O senhor Antônio Carlos - Desejo solid~rizar-me com V. Exa.
no momento em que transmite, da tribuna do Senado, uma das mais
legÍtimas aspirações de nosso Estado, qual seja, a localização de nova
refinaria de petróleo da Petrobrás em terras C<l:tarinenses. E V. Exa.,
nobre senador Celso Ramos, o faz com a autoridade de quem subscre-
veu memorial primeiro, solicitando essa medida. V. Exa. alinhou em
seu discurso uma série de fatores que estão a indicar o acerto da medi-
da, a localização dessa refinaria no litoral-Norte do nosso Estado. Ain-
da agora dois navios hidrográficos do ministério da Marinha encon-
tram-se em São Francisco, realizando trabalhos de melhoramento e de
modernização da barra e no canal de acesso. Dentro de poucos dias, a
draga Rio de Janeiro, que está concluindo os trabalhos no porto de
Itajaí, deverá ser transferida para São Francisco, e, assim melhorar ain-·
da mais as excepcionais condições naturais desse porto. Quero, pois,
apresentar a V. Exa. a minha solidariedade e os meus aplausos pelo
pronunciamento oportuno que faz da tribuna do Senado.
É a mais favorável situação de transporte rodoviário e ferroviá-
rio da região de São Francisco do Sul, e a nova BR-101 (Curitiba-
Florianópolis- Porto Alegre) e a SC-21 (São Francisco do Sul-
Joinville-Porto União) constituem-se um importante eixo rodoviá-
rio de irradiação.
Todas essas condições, que a oportunidade não me permite ana-
lisar com maior profundidade, dão-nos a convicção de que as razões
técnicas e econômicas não oferecem outra alternativa.
Do ponto de vista político e social, estaremos revitalizando ex-
pressiva área de Santa Catarina.
São Francisco do Sul e adjacências não têm muitas opções, se-
não a de seguir a sua vocação natural para empreendimentos que ab-

144
sorvam a sua potencialidade natural, tal como a refinaria que ora se
apresenta. Faltou a esta área do Brasil, até hoje, o estímulo da presen-
ça de um grande empreendimento federal.
A oportunidade que se apresenta agora não pode ser perdida
pelo litoral de São Francisco, sob pena de se ver condenado irre-
mediavelmente à marginalização do desenvolvimento nacional. Não
pode ser perdida também pelo Brasil, pois se encontram ali reuni-
das todas as condições necessárias a permitir a construção e a ope-
ração de empreendimento tão importante para o crescimento e a
segurança deste país.
Isso tudo nos leva a crer que a alta administração da
Petrobrás haverá por reconhecer o litoral de São Francisco como
o local indicado para a instalação de sua sétima refinaria. Era o
que tinha a dizer."

'

145
Falecimento de dona Edith

No final do mandato do senador Celso Ramos, em 13 de setem-


bro de 1974, faleceu sua esposa, Dona Edith Gama Ramos, após enfer-
midade que a manteve hospitalizada por quase 60 dias.
A infausta notícia foi publicada na primeira página do jornal O
Estado desta capital, edição do dia 14 daquele mês, onde a família co-
municou o falecimento e o sepultamento, realizado no cemitério São
Francisco de Assis. No mesmo jornal, edição de 15 de setembro, na
coluna Informação Geral, está registrado: "O desaparecimento da se-
nhora Edith Gama Ramos emocionou a cidade, embora o desenlace
fosse aguardado a qualquer momento em virtude do agravamento do
seu estado de saúde. O seu sepultamento foi um dos maiores que a
história de Florianópolis registra."
Salienta ainda o texto: "Exercendo a cada dia e a cada instante as
raras virtudes de caridade e da solidariedade humana, Edith Gama Ra-
mos deixa fixada, perante a atual e futuras gerações de catarinenses,
uma imagem perene e um vigoroso exemplo a ser imitado." Finaliza
dizendo: "Dotada de um espírito profundamente religioso, dona Edith
há de estar, neste instante, em alto e bom lugar."
Na edição do dia 19 de setembro daquele ano, o advogado Acácio
Santiago fez publicar no mesmo diário O Estado artigo em página de
editoriais intitulado Obrigado, Dona Edith, de cujo texto recolho o
seguinte trecho: "Dona Edith plasmou toda a sua personalidade na
mais serena e legítima fé religiosa; não aceitava que se fizesse do culto
a Deus o vínculo de ambições e ostentações, tão do agrado da hora
presente; praticou com raro discernimento a compostura, fazendo do
postulado a razão de sua apreciável existência, porque dele não se ser-
viu com avidez e egoísmo, antes o sublimou como norma de solidari-

146
edade humana; tudo quanto prezou no lar praticou na sociedade, e os
desregramentos desta sempre foram abominados por ela.
No silêncio dos seus atos - prossegue-, que nunca foram ex-
pressos em letra de forma ou alardeados em microfone - porque ja-
mais se deixou dominar pela indústria da vaidade - espalhou as
benesses do seu amor, dando de si aos humildes e desafortunados,
levando-lhes não somente pão e agasalho, mas muito mais, pois lhes
transmitiu, em autêntica doação, os admiráveis exemplos de fé desnu-
dada de aparatos e preconceitos."
Dona Edith não precisa de monumentos - finaliza o falecido
ex-prefeito de Florianópolis - que lhe perpetuem a memória; ela vive-
rá, sempre, na nossa gratidão, pelos enaltecedores exemplos que nos
legou, feliz de quem, como ela, pode ingressar na eternidade, levar a
certeza de que construiu entre os homens, algo muito superior à vai-
dade deles, algo que possa resistir à própria ação dos séculos, algo que
se conduza no alforge da jornada bem-cumprida, algo que possa ser
oferecido ao supremo julgador como patrimônio imperecível (... ) Por
tudo isso, obrigado, dona Edith."
A ligação do ex-governador Celso Ramos e sua mulher era pro-
funda. Ele sempre teve a maior paciência e compreensão para com ela.
A perda da companheira, mãe, sogra, avó e bisavó abalou toda a famí-
lia e, principalmente, o senador, que não via hora para retornar
para a sua Florianópolis, mais precisamente para a solidão da fa-
zenda Pinheiro Seco.

147
Celso Ramos e senhora Edith Gama Ramos

148
Volta à origem

._..... ecepcionado com o regime de


exceção, Celso Ramos cumpriu o seu mandato no Senado da Re-
pública, retornando para Florianópolis, e, aos poucos foi retiran-
do-se da vida pública.
Embora não se encontre nenhuma declaração do falecidctsena-
dor contra o regime político-militar do movimento de 1964, sabe-se,
por informações de políticos que participaram do seu governo, que o
5° Distrito Naval manteve pressão contra o então governador, consi-
derando os militares que, na época da eclosão do movimento de 1964,
ele teria ficado em cima do muro, aguardando orientação do seu irmão
Joaquim Ramos, então prestigioso deputado federal, sobre os aconte-
cimentos, e de outras lideranças ligadas ao extinto PSD.
Com Celso Ramos, praticamente terminou o domínio que a fa-
mília detinha na política catarinense com repercussões nacionais.
Recolhido à sua fazenda de Canasvieiras, criando as quase duas
centenas de cabeças de gado e alguns cavalos (Celso Ramos montou

151
até os 80 anos), o Velho Jequitibá veio a falecer aos 98 anos de idade,
no dia 1° de abril de 1996, no Hospital de Caridade de Florianópolis,
sendo velado na sua residência, na Avenida Trompowsky, 17, e se-
pultado com as honras devidas e grande acompanhamento no Ce-
mitério São Francisco de Assis, na tumba onde repousa os restos
mortais de dona Edith.
A história confirmou o que o ex-governador Celso Ramos decla-
rou quando deixou o governo do Estado: "Com uma administração
pública planejada em moldes científicos, atacou-se os problemas bási-
cos do Estado. O meu sucessor encontrará uma Santa Catarina em
franco desenvolvimento, acelerando o progresso de todas as regiões."
Confirmou a história, que Celso Ramos foi um dos melhores gover-
nadores de Santa Catarina. Sua administração - repetem os políticos
e cientistas sociais - foi a maio1/'responsável pelo desenvolvimento
do Estado, marcando época: antes e depois do governo Celso Ramos.
A política, muitas vezes, não trabalha com os determinismos e
seus limites intransponíveis: a política é sustentada pelo virtuosismo
das utopias e dos sonhos, ampliados ou diminuídos pela ousadia e
competência dos eleitos.

152
Anexo

153
----
Celso e o senso de autoridade

Paula da Costa Ramos - Jornalista


(O Estado - 03/04/96)

A popularidade de Celso Ramos torna difícil eleger uma única


faceta para destacar no momento em que se imortaliza. Poderia escre-
ver dia após dia sem jamais esgotar o tema, tais as doações singulares
que fez em redor de si e do seu trabalho. Considero-me um privilegia-
do em ter convivido com ele no que foi certamente o período mais
rico e criativo de sua profícu a existência.
Mas subsiste o dilema: destacar qual de suas inúmeras e singula-
res qualidades? O apreço que tinha pelos moços e pelas inovações foi
certamente seu traço mais poderoso - mas a simples menção a esse
atributo envolveria dezenas, talvez centenas, de citações que, acredito,
futuras publicações haverão de classificar e consolidar.
Hoje, neste exíguo espaço, vou referir outras de suas excepcio-
nais qualidades, conhecidas por todos do seu tempo: o senso d~ autori-
dade. Ninguém lhe batia na barriga ou nas costas - nem tanto p~
temor, mas por respeito.
Sem ser autoritário, infundia em torno de si um distanciamento,
uma reverência, não obstante a generosidade de coração e o espírito
aberto a manifestações de humor e carinho.
Conheci poucas pessoas com sua gargalhada franca e sonora.
Mas só a liberava no currículo mais Íntimo. Para efeitos externo,
pendurava - como dizia o irmão Nereu - a cara que Deus lhe deu .
Grave e carrancuda.
E não abria mão de um milímetro do espaço ocupado pela sua
autoridade. Na empresa, na Fiesc ou no Palácio, nunca se exibiu de
forma ostensiva. Não mandava bilhetinhos como Jânio, nem fazia de-
saforos. Não. Sua autoridade era imanente, o acompanhava como se

155
fosse a sua mão esquerda. Entrava com ele em todos os recintos -
não o precedia, mas jamais o deixava só.
Exercia-a com naturalidade, como quem anda para a frente.
Sempre.
Certa vez, Celso determinou a um ajudante de ordens, capitão
Gonzaga, da PM, que fosse visitar no hospital, em seu nome, um jo-
vem amigo da família - já falecido - Paulo Ferreira. Tinha se aciden-
tado no trânsito, mergulhando seu carro no mar da Pedra Grande,
exatamente no espaço da futura praça que hoje l~va o seu nome.
Na volta para o Palácio da Agronômica, ao final do expediente,
acompanhado no carro pelo~_fapitão- e por este colunista, seu oficial
de gabinete, lembrou-se: "Capitão, como estava o acidentado no hos-
pital?" O capitão deu um tapa na testa: "Governa.dor, o senhor vai me
perdoar, mas não fiz a visita; esqueci-me completamente." E Celso:
"No seu posto, o senhor não pode esquecer de nada. Eu devia mandá-
lo recolher-se preso no quartel." E fechou a cara.
Prosseguimos até a residência em pesado silêncio. Lá, como fa-
zia algumas vezes, convidou-me para entrar. Enquanto bebia seu leite,
ficou esticando a conversa comigo - sem liberar o capitão, que aguar-
dava novas ordens, de pé, no lobb-y do Palácio. Uma hora depois, não
resisti: "E o Gonzaga?" Riu: "Vamos deixá-lo sofrer mais um pouco."
Dispensou-o depois da meia-noite, certamente com a memória
afiadíssima. O capitão tinha experimentado, em sua mais simples
exteriorização, o sentido da autoridade.

156
r
Celso, o soldado do partido

'
1

Paulo da Costa Ramos


(O Estado - 04/04/96)

O grande eleito da década de 60 em Santa Catarina foi Celso


Ramos. Ganhou a eleição para governador, ganhou as eleições inter-
mediárias de 62, fez seu sucessor em 65 e elegeu-se senador em 66.
Barba, cabelo e bigode.
Tinha-se aberto, durante o seu governo, o perene contencioso
que desune a área técnica da área política. Alcides Abreu, brilhante
formulador, desenhara o Seminário Sócio-econômico, moderno ins-
trumento de aferição dos anseios da sociedade. Renato Ramos da Sil-
va, não menos brilhante operador, concretizou pela via pública a sua
realização de molde a que ecoasse em todo o Estado. A soma disso deu
Celso na cabeça.
O seminário lançou a um só temp o a candidatura vencedora ao
governo e a semente da hostilidade que acompanharia os dois grueos
durante todo o governo. Alcides, cujo cu rrículo acadêmico era
indisputável, tornou-se o líder da sorbonne, agrupamento que reunia
os tecnocratas e seus simpatizantes. Por an tÍtese, o espírito irônico de
Renato batizou seu contingente de paraguaio. Acima das duas cor-
rentes antÍpodas, reinavam a autoridade de Celso e o respeitado
papel moderador de Aderbal Ramos da Silva, ex-governador e caci-
que maior do partido.
Mas essa é uma história de alta indagação política, que n ão cabe
no exíguo espaço desta coluna. Fica esperando um livro. O que eu
queria assinalar era a missão que o governador se atribuiu , no instant e
em que a demanda dos cinco anos de governador desaguou na mar-
gem oposta das preferências.

157
Alcides aborreceu-se, e foi para casa junto com irmão Nelson,
chefe da Casa Civil. Mas Celso foi para a estrada com Ivo Silveira,
candidato consagrado na convenção partidária. Nunca a expressão
soldado do partido foi mais verdadeira. Celso disse aos condutores da
campanha: "Vejam aí onde minha presença é mais necessária para eu
me programar. Também tenho de governar o Estado." O problema
estava em que sua presença não era apenas necessária - era absoluta-
mente imprescindível em todos os lugares. E Celso ia.
Acompanhei-o pratiêamente a todas as reuniões. De carro, ain-
da não era a época de aviões. Numa viagem ao Sul, o pernoite deu-se
tarde da noite, em Tubarão. Na manhã seguinte, o dia ia começar em
Braço do Norte, com um café da manhã na casa de um dissidente da
UDN, Fredolino Kuerten, se não me engano.
Não era um café, era um banquete para sibaritas. De cuca de
coco a bife acebolado, tinha de tudo. Celso era de estômago frágil.
Disfarçou como pôde - mas não pôde: a anfitriã o cumulava de
chimias, de amanteigados, de madeleines, não o deixava descansar. Saiu
suando, uma hora depois. Na calçada, o deputado Valdemar Salles,
sangüíneo como uma beterraba, o intimou: "Agora tem o café na casa
do Westphall. Se o senhor vem a Braço do Norte e toma o café na
casa desse udenista desgraçado, não pode de jeito nenhum deixar de ir
na casa do Westphall, que é o chefe do PSD aqui há 15 anos.

158
Celso, o soldado do partido (2)

Paula da Costa Ramos


(O Estado - 05/04/96)

Como foi visto ontem, o governador Celso Ramos tinha se en-


tregado de corpo e alma à candidatura do seu ex-líder e presidente da
Assembléia, Ivo Silveira. E foi obrigado, durante a campanha, a tomar
um suntuoso café da manhã na casa de um ex-adversário da UDN, no
município de Braço do Norte. Homem frugal, de digestão delicada,
engoliu, sabe Deus como, uma profusão de gorduras e guloseimas
batendo rapidamente em retirada - para cair em outra lauta mesa de
café, desta vez na casa de um correligionário, o pessedista Westphall.
Lá o esperavam rabanadas, fatias-do-céu, quindins, ovos fritos, bolos
nevados, pés-de-moleque, tortas frias e, para culminar, um ensopadinho
de bucho. Às nove da manhã, alvo de todas as atenções, Celso sorria
amarelo e suava frio. Movimentava a cabeça de forma automática para
impedir que o servissem de qualquer coisa que não fosse água.t
- Mas esse doce de banana foi feito pela dona Candinha especi-
almente para o governador, o senhor não pode deixar de provar!
- Muito obrigado, pode deixar com o capitão porque vou levar
para casa. Minha mulher Edith aprecia muito ...
Nenhum assunto andava. Subitamente, levantou-se: "Vamos por-
que ainda temos compromisso em Tubarão. Foi nesse instante que se
levantou o padre, melífluo e cheio de gestos: 'O governador não vai
recusar o cafezinho feito pelas irmãzinhas ali no nosso convento.
Estamos esperando sua presença como a revelação' ..."
E empolgou Sua Excelência pelo braço, levando-a para os
amanteigados do convento. As irmãzinhas, como um bando de passa-
rinhos vestidos de branco, corriam em todas as direções, sussurrando.

159
A mais velha de todas, com pesado sotaque italiano, tomou a palavra:
"É uma grande honra ter entre nossas modestas paredes um homem
como Vossa Excelência. Ainda mais quando vai compartilhar conosco
da nossa humilde refeição matinal, que hoje, em caráter excepcional,
foi feita de propósito para que o senhor governador pudesse apreciá-
la. A torta de nozes, por exemplo, é obra da irmã Carmela.
Celso olhou para a mesa, com mais de 10 tipos de torta, e para
as irmãzinhas, mais de 30, e se amaldiçoou. Mas agüentou até o final,
com cara de dor de dent~. Quando se levantou do regabofe, às
11h15min da manhã, mal controlava a irritaçã~. Pegou o primeiro
deputado que passava ao largo: "Vocês querem me matar! Três cafés
da manhã no mesmo dia! Desse jeito o candidato ganha a eleição e eu
vou para o cemitério. Planejem um pouco essa coisa. Essa é boa! As-
sim: só chego aos municípios almoçado e jantado."
Três dias depois, era a figura central de uma churrascada de três
mil pessoas em Ponte Alta do Norte, em que o vigário caiu no braseiro
e quase se transformou numa picanha ao ponto.

160
O cirurgião que operou Santa Catarina

Sérgio da Costa Ramos - Jornalista


(Diário Catarinense - 02/04/66)

A morte de Celso Ramos, que ontem, serenamente, saiu da vida


aos 98 anos para entrar na história, encerra o capítulo mais importan-
te da saga catarinense deste século XX . Será ele, o irmão menos co-
nhecido e menos aquinhoado de Nereu Ramos, quem assumirá na
posteridade o lugar de verdadeiro herói da graduação catarinense como
Estado federativo industrializado e viável.
Aquele que planejou e executou os fundamentos do atual mo-
delo, hoje nacionalmente reconhecido .
Celso Ramos foi Roosevelt e foi JK. Foi Churchill nas crises, foi
Nereu quando precisou reerguer o PSD, que, em sua vida, morreu
duas vezes: em 58, quando aquele Convair caiu em São José dos Pi-
nhais - e ele o ressuscitou, derrotando Irineu Bornhausen em 1960 -
, e em 1964 qu~ndo os militares tomaram o poder. Aí, gradualmente,
voltou a ser o plácido fazendeiro lageano, até ontem, quando s~ imor-
talizou na memória do catarinense.
No início do século, na Lages agropastoril da Coxilha Rica, as
fazendas preparavam proles inteiras para as lidas do campo e da cria-
ção. Os jovenzinhos aprendiam a dar nós complicados na cordualha e
gineteavam algum bagual valente, enquanto chupavam a erva-mate
aquecida no fogo de chão. A sabença, as ciências do mundo
so ciopolítico reservavam-se geralmente aos primogênitos ou aos
mais cotados.
Seguindo esta tradição, Nereu Ramos iniciou em São Leopoldo
(RS) a aquisição da sólida arca intelectual que o colocou, aos 18 anos,
nas Arcadas do Largo São Francisco, a mais respeitada Faculdade de

161
Direirn do Brasil, e que o lançaria ao firmamento político do país, na
condição do seu primeiro magistrado, presidente da transição demo-
crática após o dramático 11 de novembro de 1955.
Vidal de Oliveira Ramos, o patriarca, encerrou em 1914 seu se-
gundo mandato de governador da Província com o herdeiro político
bem-definido: Nereu Ramos.
Rapazote de 16 anos, Celso deixaria a querência lageana com o
vago pretexto de estudar Engenharia em Ouro Preto (MG). Não estu-
dou. Acabou no Rio de Janeiro, fascinado pelo Flamengo, em cujo
esquadrão de 1918 figurava numa estratégica ponta esquerda, sob a
providencial alcunha de Curió - pois não queria que o velho Vidal
desconfiasse de seus trinados futebolísticos e soubesse da sua vida pa-
ralela de engenheiro de bola. .
Empresário bem-sucedido na madureza, lançou e consolidou a
Federação das Indústrias de Santa Catarina, desenhando na palma da
mão as deficiências e as virtudes de um Estado com a vocação indus-
trial. Política, só como coadjuvante do irmão Nereu, como presidente
regional do PSD.
O desaparecimento do irmão no desastre de Curitiba obrigou-o
à orfandade pessedista - e a superar suas próprias deficiências, que ele
reconhecia, com aguda autocrítica. Inaugurou sua vida pública ofere-
cendo-se em holocausto ao partido: enfrentou logo uma eleição majo-
ritária para o Senado, "só para contar os votos", e ali começou a assu-
mir o governo do Estado, que arrebataria dois anos depois, numa
revanche contra Irineu.
Governador, transformou o Estado.
Primeiro como um clínico-geral, que radiografou todo o seu pre-
cário organismo no Seminário Sócio-econômico - uma ampla
tomografia das necessidades reclamadas pelo desenvolvimento. Rom-
peu com os métodos empíricos de administração, introduzindo a idéia
do planejamento por metas. Fundou o BRDE - com Brizola e Ney
Braga -, o Besc, e revolucionou a educação, transformando Santa
Catarina num dos estados mais escolarizados do país.
Instalando 170 megawatts de potência na Sotelca, Celso Ra-
mos duplicou o parque industrial. E permitiu, ao eletrificar o cam-
po, o feliz casamento dos criadores com a indústria de frigoríficos,
do Peperiguaçu ao Vale do Rio do Peixe, fundando a nossa

162
Califórnia industrial.
Este lageano quase centenário, de nariz cyraniano e decidida car-
ranca, foi um catalisador de inteligências, um colecionador de lealda-
des, sabendo, em vida, aglutinar o que os catarinenses tinham de me-
lhor, através da virtude que, nele, era superior a todas: o carisma.
Se o futebol do ponta-esquerda Curió não o levou às manche-
tes, acabou projetando na política a excelência dos craques, segundo a
I • •
max1ma nogue1reana:
"O bom jogador vê; o craque antevê."
Celso Ramos anteviu a Canãa que havia em Santa Catarina.

163
/
Melhor administrador dos últimos tempos

Cláudio Prísco Paraíso - Jornalista


(Diário Catarinense - 02/04/96)

Exatamente uma semana após as homenagens ao centenário de


Irineu Bornhausen, Santa Catarina perde seu melhor administrador pú-
blico das últimas cinco décadas. Celso Ramos revolucionou a técnica ad-
ministrativa da máquina estatal.
As mudanças que fez possibilitaram a adoção e execução de uma
política que preparou o Estado para a industrialização. Os investimentos
incentivados por Celso Ramos em infra-estrutura do setor elétrico à mo-
• dernização dos métodos de produção agrícola - constituíram-se, na ver-
dade, na sua grande obra.
Foi também obra de Celso Ramos a criação do Besc e da Udesc.
Para diagnosticar os principais problemas catarinenses e suas ne-
cessidades estruturais, ele incentivou a realização de um seminário
sócio-econômico. As sugestões acabaram sendo incorporadas ao
seu plano de governo.
Visionário, percebeu que, com o governo de seu correligio-
nário Juscelino Kubitschek, havia chegado o momento da virada
econômica e industrial do século. Santa Catarina foi um dos pri-
meiros estados a deflagrar esse processo.
Uma das virtudes de Celso Ramos foi ter se preparado para gover-
nar o Estado. Enquanto Nereu Ramos, seu irmão mais velho, reinou
soberano no PSD e cumpria mandatos na capital (na época, Rio de Janei-
ro), cabia a Celso, 10 anos mais moço, estruturar o partido e cuidar do
cotidiano da política no Estado.
O desaparecimento de Nereu num acidente aéreo na década de 50,
que também vitimou o governador Jorge Lacerca, obrigou Celso Ramos
a assumir o comando político da fanúlia. Ele abandonou os bastidores da

165
política e também o contato direto com os cabos eleitorais para assumir uma
i
posição de destaque em Santa Catarina.
Em menos de 10 anos Celso Ramos foi eleito governador - um dos
mais idosos da história do Estado, com 63 anos. Aproveitou para se cercar de
auxiliares competentes. Entre eles, Alcides Abreu - mentor de seu governo
e, para observadores, o ideólogo da administração-, e Annes Gualberto,
homem da confiança do irmão mais moço de Celso, Joaquim Ramos (ainda
vivo). O então deputado Eugênio Doin Vieira, pai de Paulo Afonso Vieira,
assumiu a secretaria da Fazenda por dois anos no governo Celso Ramos.
Antes de chegar ao governo, porém, sofreu derrota no primeiro teste
eleitoral. Em 1958, perdeu a eleição para o Senado, numa disputa com seu
principal rival, Irineu Bomhausen (UDN), dois anos depois deu o troco:
derrotou Bomhausen na eleição para o governo.
Ao chegar ao Executivo, Celso Ramos acabou se dedicando mais à
administração que à política. Como conseqüência e por falta de um articulador
político, como ele foi para o irmão, não fez seu sucessor dentro do PSD. Seu
candidato, Alcides Abreu, foi superado pela articulação de Aderbal Ramos da
Silva, que, apesar do parentesco com o governador, impôs o nome do então
presidente da Assembléia, Ivo Silveira. Como a marca registrada de Celso
Ramos foi a administração pública, ele soube absorver este revés, e, com a
popularidade conquistada, viabilizou sua candidatura ao Senado.
Pela fama como administrador e já abrigado na Arena, Celso Ramos
conquistou o apoio de Irineu Bornhausen à sua candidatura. Bornhausen,
no exercício do mandato, era candidato nato e nem por isso deixou de identi-
ficar em Celso Ramos sua capacidade de aglutinação partidária.
Dinastia - Decepcionado com o regime de exceção, Celso Ramos
completou o mandato no Senado e se retirou da vida política. Com ele, aca-
bou a dinastia dos Ramos na política. E, com o fim das eleições diretas, a
oligarquia Konder-Bornhausen passou a administrar o Estado duran-
te oito anos. Isso depois da administração de Colombo Salles, que
combateu as oligarquias.
Amável e simpático, Celso Ramos sempre foi austero no trato
com pessoas, que o res~eitavam por esse perfil assemelhado ao de
Nereu Ramos. Com sua morte, vai junto um bom pedaço da história
política de Santa Catarina, digna de ser resgatada daqui a dois anos, no
seu centenário de nascimento.

166
O Velho Jequitibá

Marcílio Medeiros Filho - Advogado


(O Estado - 02/04/96)

Tombou o Velho Jequitibá. Só o peso dos anos foi mais forte do


que ele. Às vésperas de completar um século, tombou sem nunca ter
vergado. Durante muitas décadas sua figura altaneira impôs-se com
nobreza sobre a floresta nativa. Na imensidão, ele sobressaía por ser
forte entre os fortes, digno entre os mais dignos. Resistiu à chuva e ao
sol, às tempestades e aos trovões, aos ventos e às calmarias. De suas
frondes espalharam-se sementes que germinaram pródigas no seu chão.
':Muitas e variadas sementes que se multiplicaram em frutos das espéci-
es mais diferentes e que até hoje continuam a se reproduzir no solo
fértil do território que tanto amou . UmJequetibá de seu tamanho não
desaparece nunca. Continua existindo para sempre nas formas de vida
e outras formas que fez crescer no imenso derredor. E essas ninguém
é capaz de derrubar. Jamais. Celso Ramos continua conosco.
Seu Celso foi uma das pessoas que mais admirei em minha vida.
Honra-me a biografia e o fato de ter sido seu oficial de gabinete, quan-
do governador - tinha eu pouco mais de 20 anos -, e a sincera e dura-
doura amizade que mantivemos ao longo de todo esse tempo. Fiquei
amigo de seus filhos e hoje sou amigo de seus netos. Meus cabelos já
ficaram brancos. Vivíamos em 1965 os duros tempos do regime mili-
tar. Os conspiradores de 1964 não eram exatamente os políticos da
grei de Celso Ramos. Quiseram, alguns, apeá-lo do poder. O padrão
de retidão, de sinceridade e de honradez do então governador não deu
margem aos conjuradores para retirá-lo do lugar onde foi posto pela
vontade do povo. Contou-me uma vez o saudoso Irineu Bornhausen
que por essa época foi procurado por um grupo de pessoas que queri-
am derrubar Celso Ramos do governo através de um golpe de ditadu-

167
ra. Irineu repeliu-os: "Não contem comigo para isso!" Estávamos em
outubro de 1965 - se bem me lembro -, eu era oficial de gabinete.
Numa tarde, agentes da repressão me deram voz de prisão e fui levado
para uns quartéis em Curitiba. Junto comigo foi meu amigo e ex-cole-
ga de Faculdade de Direito Delfim de Pádua Peixoto Filho, atual presi-
dente da Federação Catarinense de Futebol. Nosso crime: ter partici-
pado, três ou quatro anos antes, de uma reunião na União Nacional
de Estudantes, no Rio de Janeiro. Ficamos uns dias lá e depois fomos
soltos, sem que nada fosse apurado contra nós.
Além da reunião, é claro. Na volta, dirigi-me'ao Palácio da Agro-
nômica e apresentei ao governador meu pedido de demissão. Ele pon-
derou que não, mas insisti que não havia como continuar pois minha
presença no gabinete iria de alguma forma provocar prejuízo político
ao governador e ao governo, sendo eu considerado desafeto do regi-
me. Cumprimentei-o, dei as costas e fui descansar uns dias em Caldas
da Imperatriz. Retornando, seu Celso mandou me buscar em casa.
Havia cheias no Estado e preocupação no Palácio. Ao chegar,
foi logo me dando ordens, como se nada tivesse acontecido: "Chega
de descanso! Vamos trabalhar! Fica aqui comigo que preciso dar al-
guns telefonemas!" Fiquei, as águas baixaram e ele não me deixou sair
mais. Sem qualquer dano político. Pelo menos que eu saiba.
· Celso Ramos era assim. Enérgico, sisudo, mas capaz de gestos
de ternura e de afabilidade inimagináveis. Ainda outro dia, pouco an-
tes de sua morte, andei remexendo velhos papéis e encontrei a carta
em que ele me agradecia pelos serviços prestados. A data era 15 de
março de 1966. Neste dia ele passava o governo a seu correligionário
Ivo Silveira. Eu é que devia lhe agradecer, penso agora.
Passarinheiro de fé, seu Celso Ramos tinha a varanda da sua casa rodeada
de gaiolas. Muitos e bons passarinhos cantadores: sabiás, curiós, bicudos,
cardeais, tias-chica e o que mais. Passarinheiro também, de terceira geração,
encantei-me um dia com um bicudo sensacional que cantava
esplendorosamente na varanda de seu Celso. Nesse tempo ele era senador.
Um mês depois, vinha ele de Brasília e trouxe na bagagem um lindo e
espetacular bicudo que mandara buscar no interior de Goiás especial-
mente para mim.
Hoje, o Jequitibá está tombado e os passarinhos espreitam em silêncio.

168
Com Celso, as transformações de Santa Catarina

Moacir Pereira - Jornalista


(O Estado - 02/04/96)

Durante os quatro anos de seu governo, Celso Ramos produziu


transformações não apenas na área econômica. A arte e a cultura, por
exemplo, foram muito bem contempladas. Criou a Universidade do
Estado, o embrião que deu suporte à expansão e fortalecimento do
sistema de ensino superior.
O empresário lageano não tinha curso universitário, mas há muito
tempo destaca-se como o governador que mais transformações pro-
1 <luziu na história de Santa Catarina.
A realização dos seminários sócio-econômicos em diversas re-
giões do Estado foi iniciativa pioneira que determinou os critérios téc-
nicos mais inovadores para a introdução da idéia de planejamento na
administração pública. Criou o Plameg - Plano de Metas do Gover-
no - , organismo estatal ágil e eficiente que realizou as mais notáveis
obras de interesse público de que se tem notícia.
Foi em seu governo que nasceu a Udesc - Universidade do Es-
tado de Santa Catarina - , embrião do sistema fundacional comunitá-
rio, público e particular que hoje serve de exemplo ao ensino brasilei-
ro. A criação do BRDE, organismo responsável pela modernização da
indústria estabelecida, e a fundação de empresas que hoje lideram o
ranking nacional aconteceram na administração Celso Ramos. O Banco
do Estado de Santa Catarina (Besc) surgiu durante seu período gover-
namental. A Celesc, nos termos em que se estruturou tecnicamente,
data do primeiro quadriênio da década de 50.
Foi Celso Ramos o pioneiro na busca de recursos externos. Pela
primeira vez na história catarinense liderou missão para promover
Santa Catarina e canalizar recursos para investimentos de infra-estru-

169
tura essenciais ao desenvolvimento estadual.
Está, também, marcado nos anais do Estado. Celso Ramos co-
mandou o governo mais renovador. Convocou para sua equipe de
trabalho jovens que hoje despontam na política, no mundo acadêmi-
co e na iniciativa privada do Estado. Trabalharam em seu gabinete,
por ele pessoalmente recrutados, o professor Alcides Abreu, o econo-
mista Fernando Marcondes de Mattos, o engenheiro agrônomo Glauco
Olinger e o professor Wilmar Dallanhol.
Durante seu período administrativo registrou-se u m intenso
movimento artÍstico-cultural. Novas técnicas de comunicação foram
adotadas nesta mesma época. Celso Ramos criou o gabinete de Rela-
ções Públicas para fazer prestação de contas ao povo catarinense, va-
lendo-se do meio de comunicação existente naquela época.
Eram semanais os documentários cinematográficos levados aos
cinemas dos principais municípios do Estado, quando este era o me-
lhor veículo de difusão cultural. Liderado pelo publicitário Fúlvio
Vieira, projetou na imprensa Marcílio Medeiros, Hélio Karsten, José
Hamilton Martinelli, Salim Miguel.
Aprovou projetos idealizados pelos que atuavam nos meios
culturais de Florian6polis, dando-lhes uma nova oportunidade de
criação.
A experiência acolhida no Sistema Fiesc, notadamente no Sesi e
no Senai, representou estímulo para lançamento de programas revolu-
cionários na área social, para atendimento dos trabalhadores e na for-
mação profissional.
As ações de governo foram fortes igualmente na melhoria da pai-
sagem urbana de Florian6polis. Deu início à implantação da Avenida
Beira-Mar Norte, principal via de escoamento do Centro para o Norte
da Ilha e hoje a região residencial mais valorizada da cidade.
A interiorização da energia elétrica na capital também ganha nova
dimensão em seu período administrativo.

Os Ramos divididos
Os méritos do ex-governador Celso Ramos são destacados na
política, no esquema partidário e na administração do Estado. Inovou
em todos os setores e sob todos os aspectos, renovou no governo e
tentou dar seqüência até em sua sucessão.

170
Dividiu a ação do Partido Social Democrático em dois planos.
Atuava no plano estadual, enquanto Nereu Ramos brilhava no plano
nacional. Com a tragédia de 1958, em Curitiba, teve novos desafi-
os a enfrentar.
O sucesso de seu período de governo o credenciou a indicar
nomes para a sucessão estadual de 1965. Seu preferido era o professor
Alcides Abreu, que se projetou pela modernidade político-administra-
tiva e liderava o chamado grupo da sorbonne, nome dado à jovem equi-
pe palaciana que assessorava Celso Ramos por uma circunstância:
Alcides Abreu tinha realizado, com sucesso, curso de pós-graduação
na famosa Universidade de Sorbonne, em Paris.
Acabou falando mais alto o espírito partidário. O ex-governa-
dor Aderbal Ramos da Silva defendia a indicação do deputado Ivo
Silveira, nome respaldado pela bancada estadual. Nos bastidores, Re-
nato Ramos da Silva também trabalhava pela solução partidária. Pre-
valeceu a força da representação parlamentar e do partido. Ivo Silveira
acabou eleito governador, embora na época tivesse projeção apenas
regionalizada. Celso Ramos foi um de seus principais cabos eleitorais .

Em todos os setores
Sempre que falam de seus principais líderes políticos, os lageanos
costumam prestar homenagens especiais a Celso Ramos. As empresas
não tinham como crescer porque faltava energia elétrica. A luz era
suprimida no início da noite por falta de produção. A maior contri-
buição que um governante deu ao processo de desenvolvimento in-
dustrial foi no início da década de 60, com Celso Ramos. Estimulou a
produção, distribuiu a energia pelas regiões economicamente mais im-
portantes. O sistema estrangulado ganhou outra dimensão. A luz não
era mais cortada às 10 horas da noite no Planalto Serrano.
Na área educacional foi outra revolução. Valorizou o magisté-
rio e garantiu a execução de um programa arrojado de implantação de
estabelecimento de ensino.
É dessa época a famosa campanha Uma das Mil, marcada pela
inauguração diária de uma nova escola em Santa Catarina. O jornal O
Estado, que apoiava a administração estadual, dedicava todos os dias
um espaço precioso na capa para publicar a foto da nova escola inau-
gurada pela administração do Estado. Mais importante do que as reali-

171
zações administrativas e inovações do governo, há um fato a subli-
nhar: durante toda a gestão nunca se ouviu registro de que houvesse
atos de corrupção governamental.
Celso Ramos deixou o governo com a mesma imagem de serie-
dade e honestidade com que assumiu o poder no Estado.

172
Construindo o futuro

Fernando Ferreira de Mello - Presidente do Banco do Estado de


Santa Catarina
(Diário Catarinense - 13/04/96)

A história política de Santa Catarina dá conta de que ao final dos


anos 50, com o programa desenvolvimentista em curso no plano fede-
ral, criava-se também aqui no Estado um ambiente propenso a trans-
formações sócio-econômicas. O nome escolhido para conduzir os des-
tinos catarinenses nesse ciclo que se iniciaria precisava, portanto, es-
tar preparado para constuir o futuro. E Celso Ramos foi este homem.
Teve a noção correta das circunstâncias da época, e com visão
prospectiva concebeu o Estado sob formas diferenciadas e aprimora-
das de planejamento.
Penso que o grande passo dado pelo seu governo foi ter rompi-
do com padrões perecidos pelo tempo e descoberto uma dinâmica
sociopolítica capaz de endereçar o sistema econômico estadual a um
salto de desenvolvimento até então jamais imaginado. Graças ao co-
nhecimento sistemático dos dados e variáveis que interferiam e tolhi-
am a economia de então, foi possível identificar ações que rompessem
com o secular emperramento econômico, fazendo com que o Estado
experimentasse notável crescimento, aumentando dessa forma a sua
representatividade nacional.
Desse modelo desenvolvimentista emergiu a necessidade de cré-
dito, de onde surgira a idéia de se criar o Banco do Estado. Este, inicial-
mente idealizado para ser um banco sem loja, para atendimento às ne-
cessidades de financiamento de investimento em máquinas e técnicas
agrícolas e industriais. O aproveitamento dos recursos do banco, nos
anos seguintes, fez-se sentir em setores como transportes, energia, ar-
mazéns, frigoríficos, indústrias básicas, projetos de agricultura e colo-

173
nização, destacando-se ainda o crédito rural orientado.
Hoje, 34 anos depois, com os ajustes adotados na sua constitui-
ção jurídica e operacional, o Besc, um banco comercial estatal, man-
tém-se fiel às suas origens. Como empresa que atua num mercado com-
petitivo, gerida de forma estritamente profissional, preocupa-se, ao
lado dos ganhos financeiros, da liquidez e do equilíbrio patrimonial,
também com o desenvolvimento regional equilibrado, através da ofer-
ta de crédito e de serviços bancários a toda a população do Estado.
Seguindo, aliás, a orientação de seu fundador, o Besc está pre-
sente em todos os municípios do Estado, sendo que em 69 deles, de
forma pioneira. Por isso, e considerando ainda o fato de ser a única
instituição de porte com poder estratégico e decisório sediada em San-
ta Catarina, investindo integralmente aqui os recursos que arrecada, o
governador Paulo Afonso optou por assegurar a sua permanência na
estrutura do governo.
Quis o destino viesse eu hoje a presidir o banco, cuja fundação
ainda jovem estudante acompanhei, através do doutor Raul Schaefer,
meu sogro e assessor direto do governador Celso Ramos .
Nas longas conversas que mantÍnhamos, muito aprendi sobre as
ações de governo então empreendidas. O pioneirismo daqueles tem-
pos tem sido exemplo e inspiração para os governantes que, acima de
projetos pessoais, têm construído uma Santa Catarina melhor.

174
O estadista Celso Ramos

Glauco José Côrte - Advogado e economista


(O Estado - 06 e 07/04/96)

Recém-eleito, John Kennedy recebeu o seguinte conselho de


Har ry Truman: "Uma vez eleito, você pára de fazer campanha."
Aqui em Santa Catarina, logo que o senhor Celso Ramos assu-
miu o governo do Estado, os inspetores regionais de educação foram
convocados a Florianópolis para receberem a seguinte mensagem do
fovernador: "Nada de política na educação." Curiosamente, o recado
não foi transmitido pelo secretário da Educação. A incumbência
de ser o seu porta-voz, o governador deu a um de seus companhei-
ros de maior confiança, justamente o titular de sua pasta política, o
senhor Renato Ramos da Silva.
Segundo o relato de meu pai, um dos inspetores que testemu-
nharam essa histórica reunião, e que até hoje se orgulha das ações
educacionais empreendidas no governo do senhor Celso Ramos, foi
uma surpresa que parte dos professores presentes, alguns deles que se
consideravam perseguidos politicamente por governos anteriores,
ouviram do secretário da pasta política que o governador não queria
saber de política na educação. Era uma ordem. E de ordem de seu
Celso não se duvidava.
Em quatro anos a educação catarinense mudou. Como lembra
o professor Alcides Abreu, um dos mais inteligentes integrantes de
sua equipe, essa mudança se deu através (1) de milhares de novos pro-
fessores qualificados em serviço, em milhares de novas salas de aulas;
(2) da praticamente universalização do ensino do segundo grau; (3) da
criação da Universidade para o Desenvolvimento e (4) da interiorização
conseqüente do ensino superior. O zelo com a educação explica, pos-
sivelmente, o apreço que o senhor Celso Ramos tinha para com os

175
mais jovens. Adiantado em relação ao seu próprio tempo, como defi-
niu o governador Paulo Afonso, à beira de seu jazigo, o governador
Celso Ramos trouxe para perto de si um grupo de jovens insuperável
na arte de pensar o futuro, realizando no presente, como o tempo se
encarregaria de provar. Não para protegê-los, mas para ensinar-lhes que
é possível governar com intransigência, sem rejeitar responsabilidades,
quando se o faz por princípios e por uma grande causa. No caso, o
desenvolvimento de Santa Catarina.
Consagrado por uma administração até hoje considerada inova-
dora, não cedeu aos apelos - quase uma nomeação - para
desincompatibilizar-se e disputar outros cargos políticos. Mante-
ve-se no governo até o fim . E fez mais. Percorreu o Estado, para
avalizar, com a sua palavra honrada, a candidél:tura do senhor Ivo
Silveira, seu sucessor.
Estudante, ainda, participei de sua caravana por alguns municí-
pios: Indaial, Timbó, Benedito Novo, Gaspar, Leoberto Leal, Tijucas,
Brusque. Por força de sua crença nos jovens, pude discursar em alguns
comícios, juntamente com outros companheiros, da mesma idade. Tes-
temunhei, então, que o governador competente, acostumado a decidir,
na sede do governo, sobre questões estratégicas, complexas, revelava-
se, em campanha, no contato direto com os eleitores, um político de
comportamento irrepreensível. ·
Numa época em que o poder político encontra-se com a sua
credibilidade ameaçada, o governador Celso Ramos parte deixando uma
herança invejável: nunca perdeu a sua condição de homem de palavra!

176
Paradigma que o tempo não desgasta

Osvaldo Moreira Douat - Presidente da Federação das Indústrias


do Estado de Santa Catarina
(Diário Catarinense - 13/04/96)

Qualquer abordagem sobre a história do desenvolvimento eco-


nômico do Estado de Santa Catarina tem como referência obrigatória
a biografia do ex-governador Celso Ramos. Primeiro, por ter sido ele
o fundador do Sistema Fiesc, entidade que passou a ser a grande
articuladora político-institucional do empresariado catarinense e, em
~egundo lugar, pela sua acurada visão empresarial política. Este últi-
mo aspecto de seu perfil denota um paradoxo, já que Celso Ramos,
oriundo de Lages e descendente de uma família que acompanhou a
tendência agropastoril, acabou por levar a cabo, enquanto gover-
nador do Estado, uma reforma ampla e profunda que permitiu
alavancar definitivamente o processo de modernização do Estado
de Santa Catarina.
Líder nato e de uma impecável austeridade que caracterizou
sempre todos os seus atos, Celso Ramos soube melhor do que nin-
guém imprimir nos negócios públicos a imprescindível visão admi-
nistrativa e empresarial em contraponto com uma competente ha-
bilidade política.
Isto lhe permitiu idealizar e implementar um projeto cuja exe-
cução ficou marcada para sempre: o Plano de Metas do Governo ,
mais conhecido por Plameg, o qual deu a linha mestra para todas as
ações de governo.
Pode-se também afirmar que na raiz do Plameg estava a Fiesc,
pois, alguns anos após havê-la criado, Celso Ramos tratou de radio-
grafar o Estado de Santa Catarina minuciosamente, quer do ponto de
vista econômico como do geopolítico. Pôde, também através da fun-

177
dação do Sistema Fiesc, inserir definitivamente o Estado de Santa Ca-
tarina no mapa do Brasil. Na histórica reunião de 25 de maio de 1950,
na Avenida Hercílio Luz, em Florianópolis, Celso Ramos já comuni-
cava a seus pares da primeira diretoria - Guilherme Renaux (1° vice-
presidente), Adhemar Garcia (2° vice-presidente), Alberto Gonçalves
dos Santos (secretário) e José Elias (tesoureiro) - que a Fiesc havia
sido reconhecida pelo ministério do Trabalho, podendo então filiar-se
à Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Estava lançado um dos mais sólidos alicerces para o desenvolvi-
mento industrial catarinense, sob os quais pôde ílórescer um dos mais
modernos e mais produtivos parques fabris do Brasil: o tÍmido e pe-
queno Estado, uma economia industrial moderna e competitiva, ocu-
pando, nesse final de século, a quinta posição no ranking dos maiores
estados exportadores do Brasil.
Tudo isso não poderia ser possível sem a ação de um homem de
extraordinária garra e competência como Celso Ramos. Mais do que
realizar, perceber com devida antecedência o futuro é capital para todo
homem de ação política e administrativa.
Esta qualidade Celso Ramos possuía em larga medida e soube
usá-la no momento adequado . Ele percebeu a vocação progressista da
gente catarinense, as condições geoeconômicas e tratou de abrir as opor-
tunidades para que esta.vocação se consagrasse.
Homem de perfil vertical e avesso ao brilhantismo fácil, após
desincumbir-se dos cargos públicos, como presidente e fundador
da Fiesc, governador do Estado e senador da República, Celso Ra-
mos retomou suas atividades na iniciativa privada, passando a vi-
ver na quietude de sua fazenda no norte da Ilha (capital), numa
atitude que convém aos sábios e àqueles que têm consciência plena
do dever cumprido.
Por tudo isso Celso Ramos é mais do que um exemplo, é um
paradigma que o tempo não desgasta.

178
Lembranças de um grande homem

Alcides Abreu - Professor, membro da Academia Catarinense de


Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina)
(Diário Catarinense - 02/04/96)

"Grave. Assim os compromissos serão lembrados. Por mim, que


os assino, e pelo povo, a quem eles dizem respeito." Você com Celso
ao Governo foi o programa que a Rádio Guarujá de Florianópolis
comandou ao longo da campanha para as eleições governamentais de
1960 em Santa Catarina. Os programas, cerca de 30, semanais, eram
' gravados na residência do candidato por Acy Cabral Teive, como
entrevistador. Sobre as radioentrevistas, o futuro governador medis-
se: "Passe os programas da fita para discos. Assim, os compromissos
serão lembrados ... " Não se precisou recorrer aos discos . O governa-
dor foi além dos compromissos. Os discos existem. Na voz do dono .
Tudo quanto há ou possa haver resulta da combinação das le-
tras I, de informação; E, de energia; e M, de materiais. I, E e M se
arranjam segundo estratégias e, em conseqüência, de decisões . A pros-
peridade catarinense deve ao governador Celso Ramos nesta equação
três coisas fundamentais: I, de informação, foi suprida através de mi-
lhares de novos professores qualificados em milhares de novas salas
de aula; da universalização (quase) do segundo grau da criação da Uni-
versidade para o Desenvolvimento; e da interiorização conseqüente
do ensino superior. Em E, de energia, a economia saiu do raciona-
mento de eletricidade para o suprimento, da escassez para a abundân-
cia, da intermitência para o abastecimento contínuo. Linhas de trans-
missão de primeiro mundo juntaram as fontes geradoras com as cida-
des industriais do Vale do Itajaí e do Nordeste catarinense e com
outras regiões. Celso Ramos foi extremamente competente em apli-
car vontade política na implantação das estratégias que transforma-

179
ram Santa Catarina no primeiro Estado em produto industrial
por habitante.
O último da terra; o primeiro da cidade. Cinco, seis meses atrás,
em visita ao governador, o diálogo andou para refazer memória e
avaliar política. Fácil foi chegar a uma conclusão. Entre o passado,
em que a informação (conhecimento) e a eletricidade (energia) cria-
ram a cidade e deram lastro à política e ao poder político, Celso Ra-
mos foi e fez a transição. Coube-lhe ser o último governante válido
da terra e, por escolha, o primeiro dos novos tempos.
Pormenor. Em 1963, o governo do presidente Kennedy levou
aos Estados Unidos o governador de Santa Catarina. Era o tempo da
Aliança para o Progresso. E o Plameg - plano de metas do governo
Celso Ramos - já era sucesso nacional. Ceará e Alagoas seguiram-
lhe métodos e enfoques. Virgílio Távora, até a resignação, repetiu-o.
A América foi feita em três semanas. Nova York, no retorno; Wa-
shington e a Casa Branca; agricultura no Meio-Oeste; estações expe-
rimentais; indústrias rurais; bancos de extensão. O governador via-
jou com ajuda de custo que lhe foi arbitrada segundo os critérios do
ministério das Relações Exteriores. Retornou com saldo, que o Te-
souro do Estado recolheu.
"Goela abaixo, µão!" Muito se tem ido ao juiz aqui em San-
ta Catarina para haver direitos. Muita greve no serviço público.
Desconforto generalizado. O governador Celso Ramos tinha uma
regra de relacionamento com a cidadania e os servidores do Esta-
do. Uma regra de aplicação compulsória pelos que respondiam
operacionalmente por este relacionamento. Que norma era? "Dê-
se ao cidadão e ao servidor público todo e qualquer direito que
lhes caiba. Não quero, governador, engolir goela abaixo direito
postergado."

180
Notas

181
1
Refere-se ao coronel Belisário Ramos, irmão de Vidal de Oli- .
veira Ramos, pai do ex-governador. Belisário teve vários filhos, entre
eles Aristiliano Ramos.
2
Hercílio Luz, opositor da família Ramos, governou o estado
de 1894 a 1895, foi vice-governador de 1919 a 1920 e novamente go-
vernador de 28-09-1922 a 09-05-1924, quando se licenciou para trata-
mento de saúde, vindo a falecer, em Florianópolis, em 20-10-1924.
3
1 General Carlos Lima Cavalcanti, gaúcho, um dos líderes da
Revolução de 1930.
4
T eresópolis - localidade próxima à cidade de Santo Amaro,
Santa Catarina.
5
Fúlvio Coriolano Aducci foi, o décimo segundo governador
catarinense. Tomou posse em 28-09-1930 e foi apeado do poder pela
Junta Governativa Provisória do Estado (composta por Acastro José
de Campos, O távio Valgas Neves e Henrique Melquíades Cavalcanti)
em 24-10-1930.
6
Designado interventor, tomou posse em 25-10-1930.
7
Henrique Rupp Júnior, líder político natural de Joinville, ha-
via sido correligionário dos Ramos no tempo da Aliança Liberal (1929).
Divergindo dos revolucionários de 1930, fundou, depois, a Legião Re-
publicana.
8
Ivo D'Aquino Fonseca, brilhante advogado e político, sempre
acompanhou Nereu Ramos, que o fez deputado estadual e federal,
sendo designado interventor interino no Estado quando do afastamento
temporário de Nereu, de 29-03-1939 a 25-04-1939.
9
A frase constituía-se na senha de comunicação entre Celso Ra-
mos e o primo Aristiliano.
10
Solo - jogo de cartas.
11
Paulina Schmidt, mulher do segundo casamen~o .de Belisário

183
Ramos. A primeira foi Theodora Ribeiro, com quem teve dez filhos.
12
Vau - lugar pouco profundo do rio que dá passagem a pé ou
a cavalo; baixio.
13
Atorou - cortou, seguiu direto .
14
Cândido de Oliveira Ramos formou-se em Medicina no Rio de
Janeiro. Fez curso de especialização em Paris, tendo lecionado na
Sorbonne. Participou da Revolução de 1930. Foi deputado estadual e
senador pelo PLC. Foi designado interventor interino no Estado (1932)
nas vacâncias temporárias deixadas por Ptolomeu de Assis Brasil. Fa-
leceu em 1949, em Cannes, na França, não deixando descendentes.
Foi casado com Julieta de Oliveira Ramos.
15
Octávio Silveira, farmacêutico em Lages, revelou-se político
competente, atuando ao lado de Nereu Ramos. Foi prefeito de Lages
(1930).
16
Próprio - mensageiro; portador.
17
Em julho de 1932 era interventor em São Paulo Pedro de
Toledo. Precisamente no dia 9 daquele mês explodiu a revolução
paulista, reagindo como um só corpo contra a ditadura de Getúlio
Vargas, com a participação popular, tendo como motivo principal a
derrota sofrida em 1930, quando a revolução getulista desbancou o
candidato eleito à Presidência da República, Júlio Prestes, do PRP (Par-
tido Republicano Paulista), perdendo aquele Estado a hegemonia po-
lítica e econômica do país.
Instado e pressionado por seus correligionários e auxiliares,
Pedro de Toledo envia telegrama ao governo federal, no Rio de J anei-
ro, demitindo-se da lnterventoria para ser o governador aclamado pe-
las forças insurretas.
O movimento revolucionário constitucionalista (separatista) de
São Paulo recebe adesões de outros estados, principalmente de políti-
cos do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e de Santa Catarina.
Nereu Ramos, que não havia engolido a designação do primo
Aristiliano para a lnterventoria do Estado de Santa Catarina por Ge-
túlio Vargas, sendo amigo pessoal do líder paulista Armando Salles de
Oliveira, apóia a revolução deflagrada em São Paulo.
As disputas pessoais e partidárias pelo controle político de San-
ta Catarina, naquela época, envolviam o Partido Liberal Catarinense
(em 1932, Nereu, que fora o seu fundador, deixou o comando da

184
agremiação, que foi assumido por Aristiliano), uma dissidência do Par-
tido Republicano Catarinense, sendo este transformado na Coligação
Republicana, liderada por Adolfo Konder e formada pelo próprio Par-
tido Republicano, pela Reação Republicana e pelo Partido
Evolucionista Catarinense.
Em 1935, na eleição indireta para o governo do Estado, em ra-
zão da Assembléia Constituinte, Nereu Ramos dava o troco para
Aristiliano e para seus inimigos, elegendo-se mandatário catarinense e
continuando, depois, em 1937, no comando do governo, como
interventor, até julho de 1945.
18
A fazenda Guarda-Mor pertenceu inicialmente ao fundador da
cidade Antônio Correa Pinto de Macedo por volta de 1730. A propri-
edade foi passada depois para Amaral Gurgel, sendo posteriormente
vendida para Laureano José de Ramos e sua mulher, Maria Gertrudes
de Moura em 1817. Depois a fazenda passou à propriedade do coro-
n'el Vidal de Oliveira Ramos Sênior (filho de Laureano) e sua mulher.
Parte da fazenda foi desmembrada em outras, ficando o casarão
da sede, que pertenceu a Carlos Vidal Ramos e sua mulher (foto) que
a venderam em 1944, com Antônio Camargo Branco, tendo, este, pos-
teriormente passado aos seus filhos as terras, que atualmente são de
propriedade de Antônio Branco Batalha.

19
A foto mostra o ex-deputado federal Joaquim Ramos, o grande
articulador político da família nos centros do poder federal.
Joaquim Fiúza Ramos também nasceu na terra do clã, a cidade
de Lages, em 1910. Bacharel em Direito, formado pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, foi eleito deputado federal por Santa Cata-
rina, pela primeira vez, em 1951 pelo Partido Social Democrático,
ocupando a área política do sul do Estado. Foi reeleito sucessivamen-
te, com grande votação, até 1970, nesta última, pela Arena, agremiação
oportunista junto com o MDB, criadas pelo sistema militar para des-
montar os partidos políticos tradicionais ( PSD, UDN, PTB, PDC,
PL, PRP, PSP e PCB).
Radicado no Rio de Janeiro, seu apartamento na Rua Constante
Ramos sempre foi local de encontros e reuniões das maiores expres-
sões da política nacional. Joaquim Ramos fez, e ainda faz, da política o
seu hobby, transitando por todas as agremiações polítiqs, relacionan-

185
do-se com suas lideranças. Na área militar foi agraciado com a Comenda
da Ordem do Mérito Naval.
Depois de 1964 Joaquim Ramos foi um dos políticos civis mais
importantes do país, costurando parlamentações com o estamento
castrense, aparando arestas, resolvendo situações. Como o velho PSD,
foi a força estabilizadora na preservação das garantias democráticas.

186
O ex-governador Celso Ramos, aos 94 anos, com filhos, noras, genros e netos
em sua residência em Florianópolis

187
I

Celso Ramos e os bisnetos

189
"Nenhum outro percorreu um caminho tão longo,
ou teve um sonho que voasse tão alto,
ou enxergou tão longe
e ficou tão perto da sua gente. "

190
,
~

Este livro foi composto na fonte


Garamond, impresso pela Gráfica
Pallotti para a Editora Terceiro Milê-
nio no mês de março de 1997 com uma
tiragem de 1000 exemplares.

192
Próximos lançamentos

Defesas Perante o Tribunal


do Júri (2ª edição) -
Paschoa/ Apóstolo Pítsíca
O Contestado - Sangue
no Verde do Sertão -
Ângela Bastos, ilustrações
de Pití
Magia Negra (contos) -
Raul Caldas Filho
,
Nas livrarias

O Advogado e a
Advocacia (2ª edição) -
Cesar Luiz Poso/d
Código Brasileiro
Disciplinar do Futebol
Anotado e Legislação
Complementar - Marcl1io
Kríeger
O Poder das Luzes e das
Cores - Zueli Leal Santos
Certas Certezas (ensaios)
- Mário Pereira
Nova História de Santa
Catarina (3ª edição) -
Sílvio Coelho dos Santos
Pequena História de
Florianópolis (2ª edição) -
Mário Pereira, ilustrações
de Zé Dassilva
Anita Garibaldi, Heroína
da Liberdade - Celso e
Dagoberto Martins,
ilustrações de Clovis
Geyer
Chacina em Anhatomirim
- Maurício Olíveíra,
ilustrações de Clóvís
Medeiros

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