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PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO


3a VARA DO TRABALHO DE CUIABÁ - MT
Aos quatorze dias do mês de março, do ano 2.005, às 17:58 horas, na 3 a VARA
FEDERAL DO TRABALHO DE CUIABÁ - MT, por determinação do Juiz JOÃO
HUMBERTO CESÁRIO, foi aberta a sessão de julgamento relativa ao processo No
01325.2004.003.23.00-5, onde contendem CLEVERSON CÉSAR RODRIGUES
PEREIRA (RECLAMANTE) e ESTADO DE MATO GROSSO (RECLAMADO).
Observada a praxe, o processo foi submetido a julgamento, sendo prolatada a seguinte
sentença.

I – RELATÓRIO

CLEVERSON CÉSAR RODRIGUES PEREIRA (RECLAMANTE), ajuizou a


presente reclamatória em face de ESTADO DE MATO GROSSO (RECLAMADO), em
21.07.04.

Formulou, face aos fatos e fundamentos expendidos, os pedidos elencados no


libelo. Não colacionou documentos além daqueles necessários à regularização da sua
representação processual. Deu à causa o valor de R$38.128,73.

Regularmente citado, o reclamado compareceu à sessão inaugural da audiência,


apresentando resposta na forma de contestação aos itens postulados, com
documentos.

Réplica do reclamante às fls. 175/183.

Realizada a sessão instrutória da audiência, conforme ata de fls. 185, sem a


produção de prova oral.

Este, no que importa, o relatório. Cuidadosamente vistos e examinados, decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

EM PRELIMINAR

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – TRABALHO ESTATAL


TEMPORÁRIO – EMENDA CONSTITUCIONAL 45 – NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO
114 DA CRFB

Denoto que o reclamado eriça preliminar de incompetência absoluta da Justiça


do Trabalho para conhecimento da presente demanda, ao argumento de que o
reclamante lhe prestara trabalho estatal temporário calcado em excepcional interesse
público, lastreado na Lei Complementar Estadual 04/90.

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Ao meu ver, sem razão.

Ocorre que mesmo antes da EC 45, a SDI-1 do TST já havia cancelado a sua OJ
263 (vide DJ de 14.09.04), superando sua vetusta jurisprudência, a fim de reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho para o deslinde das causas relativas à relação
jurídica estabelecida entre o Estado e o servidor contratado para o exercício de funções
temporárias.

Demais disso, o fato é que a aludida constatação somente se reforça com a EC


45, que modificou a redação do artigo 114 da CRFB, para proclamar a competência do
Judiciário Trabalhista para todas as ações da relação de trabalho 1, abrangidos os entes
de direito público e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, sem ressalvas nem mesmo quanto aos servidores
ocupantes de cargo criado por lei de provimento efetivo ou em comissão.

E não se argumente que a liminar do digníssimo Presidente do Supremo Tribunal


Federal, Ministro Nelson Jobim, exarada em Ação Direta de Inconstitucionalidade
interposta pela AJUFE (Associação dos Juízes Federais), suspendendo toda e qualquer
interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC 45/2004, que inclua,
na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas que sejam instauradas
entre o Poder Público e seus servidores a ele vinculados por típica relação de ordem
estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, possuiria o condão de jogar por terra as
conclusões acima expostas.

Decididamente não.

Como é curial, as decisões liminares proferidas no âmbito das ADIs, imantadas


de natureza jurídica evidentemente provisória, não possuem efeito vinculante, que na
verdade somente se destina, nos termos do § 2 o do artigo 102 da CRFB, às “decisões
definitivas de mérito”, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de
inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade.

Outrossim, é ainda mais elementar a constatação de que na aferição da


legitimação das associações de âmbito nacional (caso da AJUFE) para a propositura de
ADI, há que existir, no caso concreto, o que a doutrina e a jurisprudência
convencionaram chamar de “pertinência temática”. Nesse sentido, a lição de
ALEXANDRE DE MORAES:

“Para alguns dos legitimados do art. 103 da CF, O STF exige a


presença da chamada pertinência temática, definida como requisito
objetivo da relação de pertinência entre a defesa do interesse específico do
legitimado e o objeto da própria ação. Assim, enquanto se presume de
forma absoluta a pertinência temática para o Presidente da República,

1
Como é palmar, relação de trabalho é uma expressão ampla e abrangente, da qual a relação de emprego é mera
espécie.

2
mesa do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (...), em face de
suas próprias atribuições institucionais, no que se denomina legitimação
ativa universal; exige-se a prova da pertinência por parte da Mesa da
Assembléia Legislativa (...) das confederações sindicais ou entidades de
âmbito nacional.”2 (sem destaques no original)
De tal arte, me parece inequívoco que a legitimidade da AJUFE no caso da ADI
que originou a liminar do Ministro Jobim, restringir-se-ia ao questionamento da
competência dos servidores federais, já que os Juízes Federais jamais tiveram, nem
jamais possuirão competência para o julgamento de ações cujo objeto resida nos
valores do trabalho-administrativo estadual ou municipal.

Com efeito, ad argumentandum, ainda que a aludida liminar, ao arrepio da


literalidade do § 2o do artigo 102 da CRFB, fosse dotada de efeito vinculante, tenho
para comigo que estaria a merecer interpretação restritiva, a fim de se entender que
seu alcance estaria cingido ao âmbito federal, sem força suficiente, portanto, para
impedir o reconhecimento da competência do Judiciário Trabalhista no caso à balha.

Assim, calcado no princípio do livre convencimento do magistrado, pilastra


mestra do Estado Democrático de Direito e garantia fundamental da sociedade, ouso
respeitosamente, sem qualquer desdouro ao Supremo Tribunal Federal ou ao seu culto
e ilibado Ministro Presidente, reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para o
conhecimento da demanda vertida, independentemente da natureza jurídica do liame
laboral lato sensu que prendeu o reclamante ao Estado de Mato Grosso, matéria que
será apreciada logo adiante, porém já em seara prejudicial.

EM PREJUDIICIAL DE MÉRITO

NATUREZA JURÍDICA TEMPORÁRIO-ADMINISTRATIVA DO LIAME QUE


LIGOU O TRABALHADOR/RECLAMANTE AO ESTADO/RECLAMADO

Como já visto, o vindicado assevera que o vindicante lhe prestara trabalho


estatal temporário calcado em excepcional interesse público, lastreado na Lei
Complementar Estadual 04/90.

Buscando cumprir o desiderato de demonstrar a licitude da contratação, aduziu


que o obreiro foi contratado para exercer a função de agente prisional (carreou o
contrato 027/2001 e demais aditivos visando à confirmação do afirmado), em função do
já propalado excepcional interesse social, visando reprimir as constantes fugas dos
presídios e delegacias do Estado, tudo em garantia da ordem pública e a segurança da
sociedade.

Pois bem.

Estudando os elementos constantes dos autos, concluo ser incontroverso que o


reclamante exerceu a função de agente prisional. Por outro lado, não merece dúvida a

2
Direito Constitucional, 7a ed., São Paulo: Atlas, 2000, pág. 586.

3
assertiva de que são constantes as fugas no aparato prisional estatal, fato público e
notório, que assim independe de provas (artigo 334, I, do CPC). Ademais, ninguém
duvida de que o preenchimento do quadro de agentes prisionais do Estado de Mato
Grosso se encontra problematizado, já que não são muitos aqueles que se interessam
em participar de certame público visando exercer tão perigosa profissão.

Dessarte, não posso concluir de modo diverso, senão para entender que
presente à espécie o excepcional interesse na preservação da ordem pública, capaz de
respaldar e impregnar de licitude a contratação temporária em tela, estribada no artigo
264, VI, da Lei Complementar 04/90, direito estatal com teor e vigência comprovados
pelo reclamado (artigo 337 do CPC).

EM MÉRITO DE SENTIDO ESTRITO

REJEIÇÃO DOS PEDIDOS

Pretende o reclamante o reconhecimento da nulidade do liame que o ligou ao


reclamado, calcada no maltrato do artigo 37, II e § 2 o da CRFB (ausência de concurso
público), pugnando, em decorrência, pelo deferimento de indenização correlata aos
direitos trabalhistas stricto sensu que elenca, tudo com fundamento nos artigos 186 e
389 do vigente Código Civil.

Como já visto, a ligação administrativa que conectou os litigantes era


absolutamente lícita, não havendo que se falar, pois, em ofensa ao princípio
constitucional do devido concurso público.

Por corolário de lógica jurídica, o intento indenizatório do reclamante (substrato


de toda a sua pretensão) não merece guarida, razão pela qual rejeito todos os pedidos
veiculados na primígena.

Volte querendo, por via da pretensão adequada.

III – DISPOSITIVO

Assim sendo, resolvo, nos autos da Reclamação Trabalhista No


01325.2004.003.23.00-5, onde contendem CLEVERSON CÉSAR RODRIGUES
PEREIRA (RECLAMANTE) e ESTADO DE MATO GROSSO (RECLAMADA):

1 – Rejeitar a preliminar de incompetência absoluta eriçada pelo reclamado;

2 – Rejeitar todos os pedidos veiculados na petição inicial, para deles absolver o


vindicado.

Tudo nos termos da fundamentação, que passa a fazer parte do presente


dispositivo, para todos os fins que se fizerem necessários.

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Ao reclamante, os benefícios da Justiça Gratuita, uma vez presentes os
requisitos previstos no §3o do artigo 790 da CLT.

Custas pelo reclamante, no importe de R$762,57, calculadas sobre R$38.128,73,


valor por ele atribuído à reclamatória, ficando isento do recolhimento, ante os benefícios
da Justiça Gratuita que lhe foram concedidos.

Cientes (E. 197/TST).

Juiz JOÃO HUMBERTO CESÁRIO

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