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Comentários à ADI nº 3684:

em defesa da competência criminal da Justiça do Trabalho

http://jus.com.br/revista/texto/8238
Publicado em 04/2006

Viviann Rodriguez Mattos | José Eduardo de Resende Chaves Júnior | João


Humberto Cesário | Marcelo José Ferlin D’Ambroso

A ADI nº 3.684 atendeu, meramente, ao pedido da ANPR, desconsiderando


completamente a lógica de mudanças e racionalização do Poder Judiciário
contida na Emenda Constitucional nº 45/04.

1. INTRODUÇÃO

Em 09 de março de 2006, ajuizou o Procurador-Geral da República,


atendendo a pedido da Associação Nacional dos Procuradores da República –
ANPR, sem a oitiva do Ministério Público do Trabalho e da Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, ação declaratória de
inconstitucionalidade (ADI 3684) dos incisos I, IV e IX do artigo 114 da
Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº
45/2004 (Reforma do Judiciário), apontando a violação aos artigos 60,
parágrafos 2º e 4º, inciso IV, e 5º, caput e inciso LIII, todas da Constituição.

Alega o Procurador-Geral da República, em apertada síntese, que não


foi observado o devido processo legislativo na aprovação da Emenda
Constituição nº 45/2004, uma vez que houve alteração substancial do texto do
projeto de emenda constitucional, na votação do Senado em primeiro turno,
que não foi observada na votação do segundo turno, e conseqüente,
aprovação, o que, por não atribuir um sentido muito nítido à extensão do
questionado inciso I, pela supressão da modificação proposta, tem gerado
confusões interpretativas de alcance normativo não pretendido pelo constituinte
derivado, posto que há casos em que o Ministério Público do Trabalho e a
Justiça do Trabalho estão praticando atos relativos à matéria criminal,
invocando as alterações constitucionais em decorrência da EC 45/2004. Afirma
ainda que a interpretação que estende competência criminal à Justiça do
Trabalho viola flagrantemente regras e princípios postos na Constituição
relativos ao juiz natural e à repartição de competências jurisdicionais, uma vez
que não é razoável depreender-se uma competência de forma implícita,
quando a própria Constituição, de forma explícita, já estabelece qual é o órgão
do Judiciário que detém jurisdição em matéria penal.

2. CONSIDERAÇÕES GERAIS

2.1. Do processo legislativo da Emenda constitucional 45/04 – Reforma


do Judiciário.

A proposta de emenda constitucional que tratava da reforma do


judiciário foi apresentada à Câmara dos Deputados pelo Deputado Hélio
Bicudo, em 26 de março de 1992, e recebeu o n. 96/92.
Após vários anos de tramitação, tendo como última relatora a Deputada
Zulaiê Cobra, a referida PEC 96/92 foi aprovada em dois turnos pela Câmara
dos Deputados, em 19.10.1999, dentre outras coisas, ampliando a
competência da Justiça do Trabalho, nos exatos termos do texto promulgado.

Posteriormente, a PEC foi encaminhada para o Senado Federal e


passou a ter o n. 29/2000, no qual o primeiro relator, o Senador Bernardo
Cabral, emitiu importantes pareceres, n. 538 e n. 1.035/2002, ambos
aprovados pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Naquele mesmo ano, contudo, a legislatura se encerrou sem a


apreciação da matéria em 2º turno, apesar do enorme esforço do Senador
Bernardo Cabral, não reeleito. Iniciada a nova legislatura, além do expressivo
número de emendas apresentadas no 1.º turno durante a legislatura anterior, a
grande renovação da Casa, mais de 50% de sua composição fizeram com que
o Presidente do Senado Federal, José Sarney, com o aval absoluto do
Plenário, determinasse o retorno da matéria à CCJ para um novo parecer,
tendo sido designado, então, em 26 de junho de 2003, o Senador José Jorge
como o novo relator da Reforma do Judiciário.

No Senado, a partir do ano de 2000, 17 PECs sobre o Judiciário


tramitaram em conjunto. Foram realizadas 14 audiências públicas com a
participação de Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Tribunais
Superiores, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ministério Público (MP),
institutos, como o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) etc. Diante
dessa multiplicidade de projetos, opinou o Relator, Senador José Jorge, nos
termos do Parecer n. 451/2004 (DSF de 8 de maio de 2004, p. 12728-12912) e
Emenda n. 240 da CCJ, transformar as 17 PECs em 4:

a)A de n. 29/2000, contendo o texto básico da PEC 96/92;

b)Uma segunda, desmembrando-se da anterior, levou o n. 29-A/2000,


na medida em que modificou a redação de artigos da originária PEC n. 96/92
da Câmara dos Deputados, precisando retornar àquela Casa em prestígio ao
princípio do bicameralismo. Na Câmara dos Deputados, foi reapresentada, em
10 de janeiro de 2005, com o n. 358/2005, para ser discutida e votada em dois
turnos, buscando alterar os seguintes dispositivos da Constituição Federal (CF)
de 88: arts. 21, 22, 29, 48, 93, 95, 96, 98, 102, 103-B, 104, 105, 107, 111-A,
114, 115, 120, 123, 124, 125, 128, 129, 130-A e 134. Acrescenta, ainda, os arts.
97-A, 105-A, 111-B e 116-A e dá outras providências. Dentre tantas novidades,
a referida PEC n. 29-A/2000 do Senado Federal (n. 358/2005 da Câmara dos
Deputados): modifica, novamente, a competência da Justiça Trabalhista,
referida no inciso I, do art. 114 da CF.

c)Uma terceira PEC, nova, foi apresentada ao próprio Senado Federal,


levando o n. 26/2004, que altera o art. 100 da CF/88, permitindo o
parcelamento de precatórios (chamados de títulos sentenciais) em até 60
parcelas. Como se trata de matéria nova, ainda deverá ser apreciada pelo
Senado Federal (em dois turnos) para, se aprovada, ir para a Câmara dos
Deputados;

d)Nessa mesma situação está uma quarta PEC n. 27/2004 do Senado


Federal, que autoriza a lei a instituir juizados de instrução criminal para as
infrações penais nela definidas.

Na ocasião da apreciação pelo Plenário da conclusão do Parecer nº


451, de 2004-CCJ, a Presidência do Senado comunicou ao Plenário que
dividiria em duas votações a conclusão do Parecer nº 451: a votação,
inicialmente, da primeira parte da referida emenda, cujo texto era o destinado à
promulgação; e, em seguida, a votação da segunda parte da Emenda nº 240,
de 2004-CCJ, cujo texto destinava-se à Câmara dos Deputados. O resultado
das votações foi o seguinte:

"VOTAÇÃO DA PRIMEIRA PARTE: São lidos e aprovados, em globo, os


Requerimentos nºs 928 a 1.012, de 2004, de destaques para votação em
separado de dispositivos do texto básico da proposta. Aprovado, em primeiro
turno, o texto básico constante da Emenda nº 240-CCJ, destinado à
promulgação, ressalvados os destaques, com o seguinte resultado: Sim 62,
Não 02, Total 64, tendo usado da palavra o Relator, Senador José Jorge, e os
Senadores Renan Calheiros, José Agripino, Aloizio Mercadante, Alvaro Dias,
Edison Lobão e Eduardo Azeredo.

VOTAÇÃO DA SEGUNDA PARTE: São lidos e aprovados, em globo, os


Requerimentos nºs 1.013 a 1.088, de 2004, de destaques para votação em
separado de dispositivos do texto destinado à Câmara dos Deputados.
Aprovado, em primeiro turno, o texto da Emenda nº 240-CCJ destinado à
Câmara dos Deputados, ressalvados os destaques, com o seguinte resultado:
Sim 62, Não 01, Total 63, tendo usado da palavra os Senadores José Jorge,
Luiz Otávio, José Agripino e Flávio Arns. As partes destacadas serão votadas
oportunamente. À SSCLSF". (Publicação em 08/07/2004 no DSF Página(s):
21394 – 21444)

Prevalecendo o acordo de lideranças partidárias, posteriormente,


procedeu-se à votação dos textos em segundo turno, tendo sido aprovado o
texto destinado à promulgação e o texto que retornaria à Câmara dos
Deputados (Extrato da Ata de votação – pub. DSF de 18/11/2004 no DSF
Página(s): 36686, 36791 36793-36794, 36796–36803 e retificado em
02/12/2004 no DSF Página(s): 39954), sem nem mesmo ter a redação da
matéria, o que só veio ocorrer posteriormente, com a apresentação dos
pareceres nº 1.747 e 1748/2004 – CCJ (Relator José Jorge).

Às vésperas da promulgação da EC 45/2004, a Mesa da Câmara dos


Deputados noticiou ao Presidente do Congresso Nacional que não poderia
autografá-la ante a divergência entre o texto votado e aprovado nas duas
Casas e aquele que se apresentava, pois constava no texto enviado, no inciso I
do art. 114 (NR), uma exceção que não constava do texto básico da PEC 96/92
e da PEC 29/00.
Em virtude de entendimentos entre as Casas, foram procedidos ajustes
nos dois pareceres, remanejando-se dispositivos do de n. 1.747 para o de n.
1.748, que voltou para a Câmara dos Deputados. Assim, em razão da referida
republicação (DSF de 09.12.2004, p. 41569-41583), foram transferidos para a
Câmara dos Deputados (na PEC n. 358/2005) os seguintes dispositivos
constitucionais: 93, III; 102, I, "a"; 102, § 2.º; 104, par. ún., I; 107, caput; 114, I;
115, caput; 125, § 8.º; 103-B, VI e VIII; 111-A, I, e § 1.º, e 130-A, § 2.º, IV,
promulgando-se o texto da emenda constitucional na redação dada pelo
Parecer 1.747/2004-CCJ (Relator Senador José Jorge).

2.2. Da inexistência de vício no processo legislativo

Para que o processo legislativo seja formalmente inconstitucional,


necessário se faz que nele tenha ocorrido um vício de tamanha gravidade que
comprometa o regime democrático, por não espelhar a real vontade dos
representantes do povo nas duas Casas Legislativas, e seja impossível se
manter o texto na parte em que o vício não se apresente, o que não ocorre no
caso analisado.

O processo legislativo no Senado Federal, no caso da reforma do


judiciário, foi totalmente atípico, pois, conforme se verifica nos extratos das atas
de votação em Plenário, aquela Casa, a exemplo do que aconteceu com a
votação dos 165 destaques, que foram votados de maneira açodada, e com
critérios pouco usuais, inclusive em certos momentos sem amparo regimental
(prevalecendo acordo de lideranças partidárias), o presidente da Casa, senador
José Sarney, com o aval dos líderes partidários, extinguiu todos os interstícios
previstos no Regimento Interno do Senado, entre o primeiro e o segundo turno,
e em poucos minutos realizou as três sessões de discussão e votação em
segundo turno da proposta.

Apesar de sua atipicidade, nenhuma inconstitucionalidade formal


ocorreu, na medida em que, desde o começo, a intenção do Senado Federal
era aprovar, em dois turnos, dois projetos de emenda constitucional: a primeira
(PEC 29/2000) se destinava a apreciar o texto proposto originariamente no
Relatório da Câmara dos Deputados, com as ressalvas que não lhe alterassem
o núcleo essencial; e a segunda (PEC 29-A/2000), para constar itens novos ou
mudanças realizadas no Senado Federal a serem apreciados pela Câmara.
Nesse sentido, vale trazer a colação, a manifestação do Senador José Jorge:

"O SR. JOSÉ JORGE (PFL–PE. Pela ordem se revisão do orador) -. ..


Ela foi dividida em duas partes: a que será promulgada, porque já veio no
relatório da Câmara; e esta segunda parte, que contém itens novos ou
mudanças realizadas pelo Senado e que voltará a Câmara para ser aprovada
novamente e, então, ser promulgada". (Publicação em 18/11/2004 no DSF
Página(s): 36796 – 36803) (g.n.)

A celeuma se deu por erro de julgamento de cunho interpretativo do


texto remetido pela outra Casa, por acreditar o Senador José Jorge que era a
intenção da Câmara dos Deputados excepcionar os servidores públicos
estatutários, por isto, no texto destinado à promulgação, a fim aclarar o
dispositivo constante do inciso I do art. 114 (NR), acrescentou uma ressalva
antes inexistente ao texto a ser levado à promulgação.

Não era a intenção finalística do Relator do texto não aprová-lo como


remetido pela Câmara dos Deputados, mas apenas adequá-lo ao entendimento
do C. STF (que, como se sabe, não é vinculativo no caso de emendas
constitucionais, notadamente quando por se tratar de análise de lei em função
da constituição e não de emenda) e torná-lo mais claro ao entendimento, a fim
de evitar futuras controvérsias acerca da competência da Justiça do Trabalho e
da Justiça Federal, que, inevitavelmente, acarretariam sérios prejuízos aos
jurisdicionados, como, de fato, está acontecendo. Neste sentido, vale conferir a
manifestação do Relator:

"Parecer sobre os textos:

Acolhemos o texto original da PEC 29/2000, nos termos do substitutivo,


e, igualmente, os inciso VIII, IX e X, como definidos por esta Comissão. Por
correlação, o § 3º do texto original é suprimido, e o § 4º daquela versão passa
a ser § 3º do substitutivo.

Nos incisos I e II fazermos alterações para adequar a prescrição à


jurisprudência do STF (CC 7134, de 12.6.2003, entre outras). Pela mesma
razão, elaboramos alteração ao § 4º, que passa a § 3º no substitutivo.

Procedemos, também, alterações de técnica legislativa na enumeração


dos incisos e transformação de parágrafos naqueles dispositivos" (g.n.) –
(disponível no site: http://www.apmp.com.br/rjudiciario/docs/refjudsf-
integra.doc).

Somente pouco antes da sessão de promulgação do texto aprovado no


Senado Federal e que se verificou, por ter a Câmara dos Deputados se
recusado a promulgar a emenda pelo acréscimo da exceção ao inciso I do art.
114, que o julgamento do Senador estava em dissonância com a posição da
Câmara dos Deputados, pois, durante os debates havidos naquela Casa, a
maioria qualificada dos Deputados votou pela ampliação da competência da
Justiça do Trabalho para abranger todas as ações decorrentes da relação de
trabalho, não sendo ventilada nenhuma exceção.

Nesse diapasão, aquilo que antes pensava tratar-se de uma mera


adequação da disposição à técnica legislativa (aclarar a deliberação), diante da
posição da Câmara dos Deputados, demonstrou-se uma alteração do texto
original por ela aprovado, constatada apenas posteriormente à votação, o que,
no entanto, não comprometia a essência, uma vez que a redação principal era
exatamente igual, apenas a ressalva era excedente, o que a impedia de
continuar no texto a ser levado à promulgação. Daí ter concordado o Senador
José Jorge com o remanejamento da ressalva para que ele passasse a constar
do texto destinado à apreciação da Câmara dos Deputados (PEC 29-A/2000 –
Parecer nº 1.748-CCJ) para aprovação e, posterior promulgação.
Consigne-se que, o remanejamento do excedente para o texto a ser
enviado à Câmara dos Deputados, além de autorizado pelos Senadores que
deliberaram sobre a possibilidade de serem feitos ajustes nos textos, obteve a
concordância tácita dos mesmos, uma vez que quando comunicados pelo
Presidente daquela Casa sobre o assunto, e tiveram conhecimento do inteiro
teor dos textos com as adequações ao devido lugar da matéria, não
manifestaram qualquer oposição.

O remanejamento feito encontra-se ainda em perfeita consonância com


o que decidido na ADI n° 3.472-MC/DF, uma vez que a expressão
acrescentada pelo Senado possuía autonomia em relação à primeira parte do
dispositivo, motivo pelo qual a supressão implementada pelo Senado Federal,
por não ter sido promulgada e por ter dado azo ao retorno da proposta à
Câmara dos Deputados, para nova apreciação, visando ao cumprimento do
disposto no § 2º do art. 60 da Carta Política, atendeu plenamente o princípio do
bicameralismo. O que não ocorreria se fosse promulgada contendo a redação
excepcionada da competência.

Deste modo, verifica-se que o texto base que foi levado à promulgação
tinha a concordância de ambas as Casas, preenchendo, assim, a formalidade
exigida pelo art. 60 da CF, o que, no entanto, não ocorreu com a ressalva
aprovada pelo Senado Federal.

Assim, além de não haver a ofensa ao art. 60, da CF, não houve
qualquer prejuízo aos princípios democráticos, na medida em que a ressalva foi
considerada aprovada em dois turnos, e inserida no texto remetido à Câmara
dos Deputados para apreciação, como meio de ajustar-se a seu único destino
possível dentro do processo legislativo, em prestígio ao princípio do
bicameralismo, pois, caso contrário, o texto estaria fadado à
inconstitucionalidade formal, posto que não houve aprovação, como exige a
Constituição Federal, da ressalva feita pelo Senado Federal, pela Câmara dos
Deputados.

3. DA COMPETÊNCIA CRIMINAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

3.1. Considerações iniciais: da "interpretação conforme".

No julgamento da ADIN n° 581 - DF, a 20.8.1992, o Ministro Moreira


Alves propôs, com o assentimento da Corte, a possibilidade de ser dada
"interpretação conforme", qual seja: admitida "como constitucional uma das
interpretações possíveis da lei impugnada", o Tribunal está, na realidade,
"declarando a inconstitucionalidade das demais", o que "tem a vantagem de
chamar a atenção para a circunstância de que apenas se admite constitucional
a interpretação que impede a procedência total da ação direta de
inconstitucionalidade", acrescentando: "Nesse sentido, aliás, conduz-se a Corte
Constitucional alemã quando se utiliza da técnica da interpretação conforme a
Constituição, declarando a parcial inconstitucionalidade da lei sem redução de
seu texto" (RTJ, 144/154).
Nesse mesmo julgamento, o Ministro Celso de Mello anotou (RTJ,
144/153-154): "O princípio da interpretação conforme a Constituição, que
enseja a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, pressupõe,
como requisito essencial de sua aplicação, a existência de ‘normas
polissêmicas ou plurissignificativas’ (J.J. Gomes Canotilho, "Direito
Constitucional", pág. 235, 5ª. ed., 1991, Almedina, Coimbra). A incidência desse
postulado permite, desse modo, que, reconhecendo-se legitimidade
constitucional a uma determinada proposta interpretativa, excluam-se as
demais construções exegéticas propiciadas pelo conteúdo normativo do ato
questionado. Em suma, o princípio da interpretação conforme a Constituição,
ao reduzir a expressão semiológica do ato impugnado a um único sentido
interpretativo, garante, a partir de uma concreta incidência, a integridade do ato
do Poder Público no sistema de direito positivo. Essa função conservadora da
norma permite que se realize, sem redução de texto, o controle de sua
constitucionalidade (...)".

Também, ao pronunciar-se no RE n° 121.336 - CE, acerca do mesmo


instituto, ainda registrou o Ministro Moreira Alves (RTJ, 139/635) que a
interpretação conforme a Constituição "só se admite quando não altera a mens
legis, certo como é que o Poder Judiciário, no exercício do controle da
constitucionalidade da lei, só atua como legislador negativo, e não como
legislador positivo, o que ocorreria se sua interpretação alterasse o sentido da
lei. Como observa Schlaich (Das Bundesverfassungsgericht, pág. 188,
München, 1985), com base nas decisões da Corte Constitucional alemã, não
se pode, a título de se interpretar uma lei conforme a Constituição, dar-lhe
sentido que falseie ou viole o objetivo legislativo em ponto essencial".

Não é, destarte, segundo o entendimento do Ministro Moreira Alves,


seguido por seus pares, a interpretação conforme a Constituição, enquanto
mecanismo de controle de constitucionalidade, instrumento de criação de
norma nova, não comportável no texto interpretado. Decerto, também, o juiz
não poderá, por esse meio, alterar o caráter, o conteúdo ou a finalidade da lei,
como resulta expresso, na decisão do STF, na Representação n° 1417, de
1988, onde se consignou que, pela interpretação conforme a Constituição, há
impossibilidade de se contrariar a vontade inequívoca da lei.

A interpretação fixada pela Corte Constitucional não pode, assim,


desprezar o sentido da norma, inclusive decorrente de sua gênese legislativa
inequívoca, porque não compete ao Tribunal atuar como legislador positivo, ou
seja, constituir, por via da decisão, regra legislativa nova, seja ampliativa, seja
restritiva.

Depreende-se da inicial na ADI que, o que efetivamente pretende o


Procurador Geral da República, é vir o Supremo Tribunal Federal, adotando
mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade, a proclamar, erga
omnes e com efeito vinculante, que, no conteúdo e alcance do art. 114 e
incisos, da CF (NR-EC 45/04), não se compreenderia a competência criminal
da Justiça do Trabalho.
Uma vez que o dispositivo em foco cuida do caráter geral da
competência da Justiça do Trabalho, disciplinando de forma expressa e
inequívoca a competência desta para apreciação de todas as ações oriundas
da relação de trabalho – pelo critério objetivo adotado -, conforme reconhecido
pelo Ministro Cezar Peluso, no CC nº 7.204-1, não há como deixar de
vislumbrar na pretensão do Procurador Geral da República o impróprio intuito
de ver instituído, por meio de decisão judicial, em controle concentrado de
constitucionalidade, exceção que o legislador não previu quando delineou os
contornos da competência da Justiça do Trabalho, com o objetivo de excluir as
ações penais oriundas da relação de trabalho.

Não é de admitir-se que, por meio de interpretação conforme a


Constituição, consoante pretende o Procurador Geral da República, no bojo de
procedimento de controle concentrado de constitucionalidade de normas, as
quais explicitamente regulam a competência da Justiça do Trabalho de forma
ampla e abrangente, com contornos específicos vinculados apenas e tão-
somente à existência da relação de trabalho (critério objetivo – competência em
razão da matéria), se venha a instituir hipótese excludente da competência da
Justiça do Trabalho, quando o legislador, de forma inequívoca e estrita,
especificamente sobre isto (se considerada a celeuma em torno da exceção
trazida no dispositivo que passou a ser integrante do texto de retorno à Câmara
dos Deputados), não o fez. Isto porque o Poder Judiciário não pode fixar juízo,
de natureza normativa, pela via da "interpretação conforme", que venha a
alterar o conteúdo, a natureza e a finalidade das regras interpretadas, inclusive,
com introdução de hipótese normativa nova (excludente), máxime em se
cogitando de disposições constitucionais.

A "interpretação conforme" não se presta ainda para fazer interpretação


de lei, com eficácia normativa, instituto do regime da Constituição anterior,
introduzido pela Emenda Constitucional n° 7, de 13.04.1977 (Emenda
Constitucional n° 1/1969, art. 119, I, "i"), pois, enquanto técnica de decisão em
controle concentrado de constitucionalidade, implica no julgamento de
procedência parcial da ação, com declaração parcial de inconstitucionalidade,
sem redução de texto, das normas questionadas, nos termos expostos alhures,
à vista da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

De todo o exposto, não é admissível o pedido de "interpretação


conforme", nos termos em que proposta a ação.

Mesmo que pudesse ser divisada a possibilidade de "interpretação


conforme" para este fim, ad argumentandum, a única interpretação
constitucional possível se direciona em sentido oposto à pretensão do
Procurador Geral da República, já que a mens legis, a partir da substancial e
qualitativa alteração do artigo 114, operada pela Emenda Constitucional n.
45/2004, é no sentido de que possui a Justiça do Trabalho competência penal-
trabalhista, conforme passamos a demonstrar.

3.2. Breve Intróito Histórico da Justiça do Trabalho


Incumbe destar, ab initio, que, de uma década para cá, a Justiça do
Trabalho sofreu profundas modificações, a começar pela extinção da
representação classista nas antigas Juntas de Conciliação e Julgamento, que
passaram para a correta denominação de Varas do Trabalho, presididas por
um Juiz togado que, de forma singular, como sói acontecer nos demais ramos
do Judiciário, passou a decidir as causas submetidas à sua apreciação.

Desta forma, é possível, hodiernamente, libertar a Justiça do Trabalho


de qualquer receio porventura existente em relação à sua atuação jurisdicional,
e enfrentar clara e abertamente a questão da competência criminal trabalhista,
verdadeiramente seqüestrada ao longo dos anos do Judiciário especializado
em face do preconceito historicamente criado pela sistemática da extinta
representação classista e ontologicamente ligado ao seu nascimento como
braço do Poder Executivo.

Mas, voltando aos primórdios da saga da Justiça laboral e do Ministério


Público do Trabalho, importantíssimo se faz trazer à colação o resgate histórico
brilhantemente apresentado pelo Ministro IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FILHO [01]:

"3 – A JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL – FASE EMBRIONÁRIA

Da mesma forma que o Direito do Trabalho surgiu do desmembramento


de uma parte do Direito Civil relativa aos contratos de locação de serviços, a
Justiça do Trabalho surgiu como corolário da independência da nova disciplina
jurídica. No entanto, antes de seu surgimento, cabia à Justiça Comum a
apreciação das controvérsias relativas a esses contratos, regidos pelas leis
civis e comerciais.

No tempo do Império, as leis de 13 de setembro de 1830, 11 de outubro


de 1837 e 15 de março de 1842 foram as primeiras a dar tratamento especial
às demandas relativas à prestação de serviços, que deveriam ser apreciadas
segundo o rito sumaríssimo pelos juízes comuns. O Decreto n. 2.827, de 15 de
março de 1879, no entanto, veio a restringir tal procedimento às demandas de
prestação de serviços no âmbito rural, atribuindo sua solução aos juízes de
paz. As demais demandas relativas a contratos de trabalho, de acordo com o
Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, seriam apreciadas pelos
juízes comuns, mas segundo o rito sumário. Via-se, assim, o reconhecimento
de que as questões trabalhistas demandavam um processo mais célere e
simplificado. No entanto, os primeiros ensaios de se criar organismos
independentes para a solução dessas demandas apenas se verificaram nos
começos da República.

Sendo o Brasil, nos seus primórdios, um país agrícola, o protecionismo


estatal dirigiu-se basicamente ao trabalhador manual do campo, especialmente
o imigrante. O Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903 facultou aos
trabalhadores do campo a organização de sindicatos para defesa de seus
interesses, mas com objetivos mais amplos: intermediação de crédito agrícola,
aquisição de equipamento e venda da produção do pequeno agricultor. Sua
feição era mais econômica do que política ou jurídica.
Seguindo nessa direção, a mais antiga tentativa de constituição de
órgãos jurisdicionais trabalhistas no Brasil data de 1907, quando foram
instituídos, no início do governo de Afonso Pena, os Conselhos Permanentes
de Conciliação e Arbitragem, pelo Decreto n. 1.637. Deveriam ser constituídos
no âmbito dos sindicatos, mormente rurais, para ‘dirimir as divergências e
contestações entre o capital e o trabalho’ (art. 8º). A experiência acabou não
saindo do papel, na medida em que nenhum sindicato foi organizado de acordo
com essa previsão legal." (pp. 177-8)

A história contada pelo Ministro IVES GANDRA nos remete, pois, à fase
administrativa da Justiça do Trabalho, da primeira metade do Século XX, em
que ela figurava de forma agregada ao Poder Executivo, vindo a ter
reconhecido seu caráter jurisdicional pelo STF somente em 1943.

E continua o insigne autor, lembrando a primeira feição de Ministério


Público da antiga "Procuradoria do Trabalho":

"Na nova estrutura figurava a Procuradoria do Trabalho como oriunda


do Departamento Nacional do Trabalho. Com a divisão do CNT em duas
Câmaras, o Dr. Deodato Maia passava a ser o Procurador-Geral do Trabalho,
oficiando perante a Câmara de Justiça do Trabalho, enquanto o Dr. Joaquim
Leonel passava a Procurador-Geral da Previdência Social, funcionando perante
a Câmara de Previdência. O Decreto-lei n. 1.237/39 estabelecia as funções
básicas da Procuradoria do Trabalho, que eram: encaminhar reclamação
trabalhista às JCJs (art. 40, §1º), ajuizar dissídio coletivo em caso de greve (art.
56), emitir parecer (art. 60, §1º), deflagrar o processo de execução das
decisões da Justiça do Trabalho (art. 68), recorrer das decisões proferidas em
dissídios coletivos que afetassem empresas de serviço público (art. 77),
promover a revisão das sentenças proferidas em dissídios coletivos após um
ano de vigência (art. 78, §1º) e pedir a aplicação das penalidades previstas no
referido decreto-lei (art. 86). O Decreto-lei n. 1.346/39, definia a Procuradoria
do Trabalho como órgão de coordenação entre a Justiça do Trabalho e o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, além de prever a existência de
uma Procuradoria-Geral e de Procuradorias Regionais atuando junto aos CRTs
(art. 14).

Verifica-se do rol de funções que lhe eram atribuídas que a


Procuradoria do Trabalho tinha, desde as suas origens, feição de Ministério
Público, na medida em que seu objetivo era a defesa do interesse público,
podendo, para tanto, ‘quebrar a inércia’ do Poder Judiciário, mormente nos
casos de greve, além de emitir parecer nos conflitos coletivos de trabalho.

Nos seus alvores, o Ministério Público junto à Justiça do Trabalho


contou com figuras ímpares para o elevado mister que lhe era conferido, ao
ponto de terem sido Procuradores do Trabalho os feitores da CLT. A atividade
ministerial, na visão de Vasco de Andrade, seria ainda mais valiosa para a
sociedade do que a dos julgadores, uma vez que a atividade do juiz seria
passiva, aguardando provocação para julgar, enquanto a do procurador é
sumamente ativa, ao tomar a iniciativa do processo, deflagrando, em nome do
interesse público, ações ou recorrendo de decisões que considere atentatórias
da legalidade. Chamava, no entanto, a atenção, o ilustre fundador da Revista
LTr, para o perigo que poderia ocorrer em relação ao Ministério Público, no
sentido de, com o passar do tempo, perder seu vigor originário: transformar-se
em mero órgão burocrático, restrito à elaboração de ligeiros pareceres, sem
iniciativa e zelo fiscalizador pelo respeito à ordem jurídico-laboral, o que, em
alguns momentos da História do Parquet Laboral veio, efetivamente a ocorrer."
(pp. 193-4)

As peripécias de firmação institucional pelas quais passaram a Justiça


do Trabalho e o MPT até o ápice da EC 45/04 lembram, repise-se, da extinta
representação classista no Judiciário laboral, que persistiu até menos de cinco
anos, e da falta de concurso público para ingresso na carreira.

Na verdade, somente com o advento da Constituição de 1988, é que se


delineia o efetivo paralelismo entre o Judiciário e o Parquet laborais e os
demais ramos:

"Com a previsão expressa, na Constituição de 1988, da atuação do


Ministério Público do Trabalho na defesa dos interesses difusos e coletivos de
caráter trabalhista, através da ação civil pública e do inquérito civil público,
iniciou-se nova fase de atuação do Parquet Laboral. Em 1993, com a edição da
Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93), essa atuação ganhou
maior impulso, criando-se as Coordenadorias da Defesa dos Interesses Difusos
e Coletivos (CODIN), responsáveis pelos inquéritos e ações civis públicas.
Passou o MPT a não ter de dar parecer em todos os processos que eram
julgados pelos Tribunais trabalhistas, mas apenas naqueles em que ficasse
refletido o interesse público. Mas passava a atuar com maior ênfase como
órgão agente e promotor da Justiça Social, nas demandas de caráter coletivo.

De início, o Judiciário Laboral, como era de se esperar, mostrou-se um


pouco refratário à nova atuação. O TST, como também os Tribunais da 1ª, 2ª,
10ª e 12ª Regiões, foram os que menos entusiasmo mostraram pelo novo
instrumento processual." (p. 214)

Sobretudo, impressiona a semelhança entre a proposta de revisão


constitucional ocorrida em 1993, contemporânea da LOMPU, com a
agasalhada na EC 45/04, cujo relator era o então Deputado, hoje Presidente do
STF, Ministro NELSON JOBIM:

"A Constituição de 1988 previa, no art. 3º do ADCT, a sua revisão após


transcorridos 5 anos de sua vigência, com a realização prévia de um plebiscito
para a definição da forma (república ou monarquia) e do sistema
(presidencialismo ou parlamentarismo) de governo. Em 1993, instalou-se o
Congresso Revisor, onde não se avançou quase nada na reformulação do
modelo que, reconhecidamente, não estava mostrando sua eficácia. A ausência
de acordo entre as tendências conflitantes no Congresso levou à aprovação de
pouquíssimas emendas à Constituição.
No que tange à Justiça do Trabalho, o parecer do Relator da Revisão
Constitucional, o então Deputado Nelson Jobim, apresentava as seguintes
inovações:

a)competência originária dos Tribunais, para apreciação das ações civis


públicas (arts. 105, I, i, II, d; 108, I, f; 114, §2º);

b)supressão da representação classista na Justiça do Trabalho,


passando os Tribunais do Trabaho a serem compostos de 2/3 de juízes
provenientes da magistratura trabalhista e 1/3 de membros do Ministério
Público e advogados (art. 111, parágrafo único, I e II; 115);

c)primeira instância composta apenas pelos juízes do trabalho, sem a


atuação em colegiados (art. 111, III);

d)abrangência da competência da Justiça do Trabalho para apreciar os


litígios sobre representação sindical, bem como os habeas corpus contra
autoridades judiciárias trabalhistas (art. 114, II e VII); e

e)supressão do poder normativo da Justiça do Trabalho, que atuaria


apenas nos dissídios coletivos de natureza jurídica e na conciliação dos de
natureza econômica." (sublinhou-se e grifou-se - p. 215)

Vê-se, pois, que o processo de mudança da jurisdição laboral, na forma


como se delineia pós EC 45/04, deveria ter ocorrido ainda há doze anos atrás.

Portanto, das históricas lições supra colhidas, fica a lembrança de que a


Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm travado, ao longo do
tempo, uma séria luta em busca de sua institucionalização e espaço no cenário
judiciário nacional.

Na histórica recente de ambos (1988 e 1993 em diante), revive-se a


fase da resistência às ações civis públicas, da restrição à defesa de interesses
coletivos e interesses individuais homogêneos, da questão competencial
quanto à imposição de concurso público na Administração, e tantas outras
matérias hoje consolidadas a duras penas e a passos lentos.

As primeiras ações civis de improbidade administrativa propostas pelo


MPT na Justiça do Trabalho vêm de 2000 para cá, sendo certo que a primeira
sentença condenatória por improbidade administrativa data de 2004, existindo
ainda resistência quanto à matéria, mesmo no caso clássico de desrespeito a
concurso público.

Neste diapasão, não se tenha dúvidas de que a atual oposição que


alguns fazem de forma veemente à competência criminal da Justiça do
Trabalho outra coisa não é do que mero conservadorismo reacionário.

Se, após os sérios questionamentos sobre a necessidade de existência


de Justiça especializada no labor humano, o Congresso Nacional promulgou a
Emenda Constitucional n. 45, em dezembro de 2004, resgatando as propostas
de revisão e alcance da jurisdição trabalhista, e confirmando a necessidade de
especialização do Judiciário para o trato de tal relevante matéria, é lícito
concluir que a multicitada Emenda 45/04 rompeu, definitivamente, com o
anterior paradigma da Justiça do Trabalho e impôs o nascimento de uma
Justiça verdadeiramente social.

A surpresa causada pelo impacto da mudança constitucional do


legislador de 2004 (que, na verdade, não deveria ser tão surpresa assim, se
nos detivéssemos mais no estudo da história das instituições brasileiras) traz
duas certezas: 1) a contundente reação conservadora traduzida no bojo da ADI
em apreço; 2) a conseqüente e inevitável ampliação da competência da Justiça
do Trabalho, para a matéria criminal.

3.3. A construção técnico-científica da competência criminal da Justiça


do Trabalho e o permissivo constitucional-legal pós Emenda 45/04

Antes de um enfrentamento dogmático, é interessante buscar um rápido


escorço da história do Direito Penal do Trabalho. Antonio Baylos e Juan
Terradillos, catedráticos, respectivamente, de Direito do Trabalho e Direito
Penal no Reino da Espanha, em sua obra, Derecho Penal del Trabajo [02],
assinalam que o Estado Democrático de Direito procedeu a uma mudança
radical do foco originário do Direito Penal-trabalhista.

A origem desse ramo do Direito remonta ao sistema sindical-


corporativista. Nessa perspectiva, o Direito Penal do Trabalho tinha um viés
disciplinário, numa perspectiva weimariana de proteção penal da ‘força-
trabalho’ e não, propriamente, da pessoa do trabalhador.

Nessa perspectiva de proteção da força-trabalho, no regime


corporativista a greve era inclusive criminalizada.

Já no contexto do Estado Democrático de Direito, o escopo é bem


outro, e se liga à preocupação de garantia dos direitos sociais. Nesse sentido,
os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal-trabalhista são a liberdade de
associação sindical, a saúde do trabalhador e o meio-ambiente de trabalho. Ao
contrário de criminalizar a greve, esse ramo do Direito, renovado na
democracia, visa à repressão ao empeço ao pleno exercício do direito
constitucional de greve, bem assim de todas as demais condutas anti-sindicais.

Captando a Emenda Constitucional n. 45/2004 em consonância à


teleologia do desenvolvimento democrático do Direito Penal do Trabalho,
passamos à análise da alteração de critério para definição da competência da
justiça do Trabalho.

Com a descrição de um amplo rol para delinear a competência da


Justiça do Trabalho, procurou o legislador de 2004 abarcar todas as hipóteses
decorrentes da relação de trabalho na órbita da Justiça do Trabalho, pela
pertinência temática, de modo que, não se vê, na nova redação do art. 114 da
Constituição da República, justificativa que autorize o fracionamento da
jurisdição para a exclusão das ações penas oriundas da relação de trabalho.
A ordem constitucional anterior firmava a competência trabalhista, em
função da pessoa - trabalhador e empregador - não em razão da natureza da
matéria. Em outras palavras, a competência da Justiça do Trabalho decorria de
litígios que tivessem origem na relação de trabalho subordinado, qualificado
pela condição jurídica das pessoas envolvidas: empregador e trabalhador.

Após a Emenda Constitucional n. 45/04 a situação ganhou contornos


bem distintos, deixando a competência da Justiça do Trabalho de se guiar pelo
aspecto subjetivo (sujeitos ou pessoas envolvidas na relação de emprego),
para se orientar pelo aspecto meramente objetivo, qual seja, ações oriundas da
relação de trabalho, sem qualquer referência à condição jurídica das pessoas
envolvidas no litígio.

Como corolário lógico e natural da expressão da jurisdição atribuída à


Justiça do Trabalho pela EC 45/04, no citado art. 114, sustentado no princípio
da unidade de convicção, esta será competente tanto para a ação de natureza
cível quanto para a de natureza criminal que nascem da relação de trabalho,
em reverência à especialização e funcionalidade da Justiça do Trabalho.

Segundo o princípio fundamental da unidade de convicção, como


anotou o Ministro Cezar Peluzo no CC nº 7.204-1, "não convém que causas,
com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato
histórico, sejam decididas por juízos diferentes". Assim, se o mesmo fato tiver
de ser analisado mais de uma vez, deve sê-lo pelo mesmo Juízo, por não
favorecer a aplicação de justiça, "por conta dos graves riscos de decisões
contraditórias, sempre inteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para
a justiça", a repartição ou partilhamento de competências.

A competência não pode mais ser vista como a tradicional "medida da


jurisdição, devendo ser concebida, como bem coloca Celso Neves, como a
relação de "adequação legítima" entre o processo e o órgão judiciário, ou seja,
uma noção concreta, pragmática, porém, racional de competência
(Comentários ao Código de Processo Civil – vol. VII – 4ª ed – Rio de Janeiro:
Forense, 1992, prolegômenos, p. XII)

A "adequação legítima" como critério de conceituação da competência,


segundo Celso Neves, tem um aspecto subjetivo e outro objetivo. Do ponto de
vista subjetivo, a competência é definida como atributo para o exercício da
jurisdição, decorrente da investidura legítima. Do ponto de vista objetivo, como
a relação necessária, de adequação legítima, entre o processo e o órgão
jurisdicional. E são, justamente, estes dois aspectos que compõem o princípio
do juiz natural.

Como fundamento da República, nos termos do inciso IV do artigo 1º da


Carta Magna, o valor social do trabalho desafia tutela judiciária abrangente e
concreta. Para tanto, a proteção judiciária do valor social do trabalho, para se
tornar eficaz e concreta, há de se fazer de forma a evitar a fragmentação, que
só enseja procedimentos que conspiram contra a integridade do cumprimento
das normas de tutela do trabalho humano. Daí a adequação legítima da
competência criminal oriunda da tutela do trabalho, com a Justiça do Trabalho.

Em outras palavras, a Justiça que lida com a proteção do trabalho é a


que, sem nenhuma dúvida, tem maior grau de adequação e legitimidade para a
avaliar o teor ofensivo das condutas reprimidas pela ordem penal e que
dependem, na qüididade de sua configuração formal, da noção jurídica da
relação de trabalho, ou da condução de suas competências (crimes contra a
Justiça do Trabalho), sem a qual, tais crimes nem sequer se configurariam em
tese.

A distribuição de competência, embora não seja dotada de uma


essencialidade técnica, deve observar, em exigência da unidade de convicção
e da especialização de conhecimentos, um critério mais racional de atribuição.
A teoria processual desafia, naturalmente, um mínimo de racionalidade e
adequação à realidade, sob pena de transformar-se em puro e desordenado
arbítrio.

Nessa ordem de idéias, a jurisdição trabalhista, tal como concebida pelo


legislador constituinte de 2º grau, não pode ser exercida pela metade, sob pena
de amesquinhamento da sua condição de detentora do poder estatal, ainda
mais se considerando o critério sob o qual foi fixada – competência em razão
da matéria, que é de natureza absoluta, o que faz com que todas as
controvérsias que dependam da noção jurídica da relação de trabalho estejam
a ela condicionadas.

A competência pela matéria não se define pelo ramo do direito em que


se aventura o magistrado. Estabelecida a competência pelo fato de origem, sua
ação deverá ser levada a efeito ainda que, para tanto, se faça louvar da
aplicação de outras normas de direito, uma vez que o direito é orgânico e como
tal não está separado por limites estanques [03].

É nessa direção, inclusive, que aponta a própria dogmática do Direito


Processual Penal, que consagra o critério objetivo da ‘natureza da infração’,
como uma das formas de fixação da competência penal, como se constata da
literalidade do artigo 69, III, do Código de Processo Penal, dispositivo esse que
possibilita, inclusive, o enlace direto e imediato desse preceito processual com
a locução objetiva "relação de trabalho" contida no caput do inciso I do art. 114
da Constituição da República, que fixa a competência da Justiça do Trabalho
pela natureza da demanda – e não pelos sujeitos envolvidos, como já
ressaltado.

Por outro lado, além dessa conexão direta com o inciso I do art. 114, o
precitado art. 69, III, do CPP, é inserido no ordenamento processual trabalhista,
a partir da EC 45/04, por meio da "cláusula de recepção ampla" contida no
inciso IX do mesmo artigo 114 da Constituição.

Isso explica e justifica o motivo, estratégico, pelo qual a ADI não se


insurge apenas contra o inciso IV do art. 114 – que expressamente confere
competência penal à Justiça do Trabalho. Mas é justamente aí, no excesso
estratégico de se voltar também contra os incisos I e IX do art. 114, que reside
o seu calcanhar de Aquiles, já que a concatenação desses três incisos é o que
revela que, mais do que a inserção de simples preceitos isolados, a teleologia
da EC 45/04 foi proceder a uma defragmentação judiciária do fenômeno
jurídico ‘trabalho’.

Em outras palavras, a articulação desses três incisos é o argumento


capital que consagra a interpretação da competência penal-trabalhista da
Justiça do Trabalho, como a melhor "interpretação conforme a Constituição" –
rectius: conforme a Constituição a partir da EC 45/04. Não se trata de uma
exegese pinçada e descontextualizada, senão de uma articulação sistemática
da reforma constitucional, a partir do princípio da "unidade de convicção" e da
concepção qualitativa da competência, enquanto "adequação legítima" entre o
processo e órgão judiciário.

Embora a tradição tenha consagrado a visão de que a competência


para a categoria jurídica «crime» deva vir explicitada na Constituição, para fins
de atribuição de competência penal, não existe qualquer fundamento científico
ou dogmático a amparar tal entendimento.

De fato, ao analisar-se o disposto nos arts. 118 a 121 da Constituição,


neles não se lê qualquer alusão à competência criminal da Justiça Eleitoral,
que, todavia, segue julgando crimes eleitorais.

Confunde-se, na verdade, desde longa data, em decorrência da


existência de qualquer essencialidade técnica nos critérios de definição de
competência, o princípio da legalidade, que vigora no direito penal material,
para efeitos da condenação criminal, com a definição, própria do direito
processual penal, do ramo judiciário encarregado de proceder ao julgamento
da lide.

Outro exemplo da inexistência do critério da atribuição específica é a


própria competência penal da Justiça Estadual, que não se encontra inserida
de forma explícita ou latente na Carta Constitucional. Não há como objetar nem
mesmo o caráter residual da competência da Justiça Comum, pois se a
competência penal dependesse de atribuição expressa obviamente que seria
um contra-senso afirmar que uma competência específica (penal) resultaria do
mesmo critério de definição da competência genérica.

Como dito, frise-se, a competência penal da Justiça Eleitoral – que é


também um ramo especializado do Judiciário tal qual a Justiça do Trabalho –
não se encontra atribuída especificamente na Constituição, salvo quando
menciona o habeas corpus de natureza hierárquica e funcional, previsto no art.
121, § 4º, inciso V. Todavia, não se questiona a competência desse ramo do
Judiciário para julgar os crimes eleitorais, de acordo com o Código Eleitoral.

Novamente, vale lembrar, de forma muito similar à disciplina da


competência da Justiça Eleitoral, o legislador da EC 45/04 acrescentou no
inciso IV do art. 114, o habeas corpus no rol das atribuições judiciárias
trabalhistas.
Vale lembrar que, segundo firmes e iterativos precedentes do STF, um
dos quais citamos à guisa de exemplo, o HC 85.096-1/MG, o habeas corpus se
trata de ação de natureza penal. [04] Não por acaso, colhe-se da manifestação
do Min. MARCO AURÉLIO, no referido julgado, a seguinte menção: "... por
faltar à Justiça do Trabalho, àquela altura, a jurisdição penal" -, deixando aberto
o entendimento, na Excelsa Corte, de que o art. 114, IV, efetivamente trouxe a
competência criminal à Justiça laboral.

Acrescente-se, quanto à competência puramente hierárquica e


funcional, a profunda diferença entre o disposto no inciso IV do art. 114 e o
inciso I, "d", do art. 108 da Constituição. Enquanto este último dispõe
expressamente sobre a competência funcional e hierárquica para julgar o
habeas corpus contra ato de juiz federal, aquele se insere na competência
originária e ordinária de primeiro grau, para julgamento de mandado de
segurança, habeas data e habeas corpus, isto é, não se trata de competência
para julgar habeas corpus contra ato de juiz do trabalho, senão de competência
para julgar "matéria sujeita à sua (do juiz do trabalho) jurisdição",
inequivocamente em primeira instância.

Portanto, como se vê, a jurisdição criminal é primordialmente residual,


não necessitando vir expressa. Porém, mesmo assim, saliente-se que, na
seara trabalhista, a abertura da jurisdição laboral para todas as causas
oriundas e decorrentes da relação de trabalho, pela EC 45/04, pela substituição
do critério subjetivo pelo critério objetivo (competência em razão da matéria),
tem o efetivo condão de atrair o disposto no art. 129, I, c/c arts. 83, I, 84, caput,
e art. 6º, V, da LOMPU quanto à promoção da ação penal na Justiça laboral
pelo MPT, tal como ocorreu anteriormente com a ação civil pública, conforme
precedentes do próprio E. STF.

Some-se a isto, o estabelecido no artigo 114, II, da CRFB, que diz:


"compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvem o
exercício do direito de greve".

Sublinhe-se, assim, que a previsão de competência remete o operador


justrabalhista para as ações, sem distinção de natureza (mais uma vez), que
envolvam exercício do direito de greve.

Portanto, não sem antes ressaltar o preceito comezinho de


hermenêutica constitucional, a ditar que a Constituição deva ser interpretada
sob o enfoque da máxima efetividade, com os olhos tão-somente voltados aos
limites da concordância prática, será paradoxalmente necessária a remessa do
leitor, num primeiro momento, à legislação infraconstitucional, a fim de se
estabelecer a grandiosa abrangência do preceito à balha.

Cumprindo tal desiderato, é necessário se destacar que o artigo 15 da


Lei 7.783-89 (Lei de Greve), apregoa que "a responsabilidade pelos atos
praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada,
conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal".
Ora, se a Constituição dirige a competência da Justiça do Trabalho,
sem distinções, para a cognição e julgamento das ações oriundas do direito de
greve, e se o direito de greve nos termos de sua lei própria será analisado
pelos primas trabalhista, civil e penal, não se pode concluir de modo diverso,
senão para se entender que a atribuição especializada será ampla.

Diante da lógica abrangente e objetiva do sistema constitucional


emergido da EC 45, não chega a ser difícil de se enxergar a competência penal
da Justiça do Trabalho também no art. 114, inciso III, desde que os nossos
olhos estejam voltados ao tipo lógico-sistemático de hermenêutica.

Tanto é verdade, que até mesmo a Justiça Federal já se pronunciou


dentro desta diretriz, fazendo-o, diga-se de passagem, a requerimento do
Ministério Público Federal, conforme decisão colacionada adiante, no tópico 4.

Com efeito, embora a redação do preceptivo invocado (artigo 114, III,


da CRFB) possa gerar alguma discussão, diante do vetusto viés subjetivo que
aparentemente a inspira, não chega a ser impossível, também a partir dela, se
reconhecer a competência criminal da Justiça do Trabalho.

Assim, inegável a jurisdição penal atribuída à Justiça do Trabalho pela


EC 45/04.

Não é diferente, apesar de não tratar especificamente da competência


criminal da Justiça do Trabalho para apreciar as ações penais oriundas da
relação de trabalho, a conclusão adotada pelo Ministro César Peluso, no
julgamento do multicitado CC nº 7.204-1, em razão do disposto no inciso I do
art. 114: "...são, agora, da competência exclusiva da Justiça do trabalho todas
as ações oriundas da relação de trabalho, sem exceção alguma..." (g.n.)

Essa interpretação se acomoda perfeitamente bem com o disposto no


art. 109, incisos IV e VI, da Constituição Federal, que atribui à Justiça Federal
competência para processar e julgar crimes em detrimento de bens, serviços e
interesses da União, suas empresas públicas e autarquias, bem como crimes
contra a organização do trabalho, não oferecendo qualquer ofensa ao princípio
do Juiz Natural, que deve ser conjugado, sempre, com o princípio da unidade
de convicção, por ser ele que lhe dá efetividade e concreção.

Da inteligência do art. 109 da Constituição, percebe-se a vontade da


norma em trazer para a jurisdição federal apenas as questões federais, sendo
que em matéria trabalhista, somente as que ofendem o sistema de órgãos
destinado a preservar coletivamente ao trabalho em interesse de ordem geral,
como reiteradamente se tem interpretado nos Tribunais, inclusive nessa
colenda Corte (STF, Pleno, RE 90.042, RTJ 94/1227; RHC 62.896, RTJ
115/1126; CC 6.168, RTJ 90/24; TFR Súmula 115).

O Ministro Moreira Alves, ao julgar o RE 90.042-0/SP, já decidia que: "A


expressão crimes contra a organização do trabalho, utilizada no referido texto
constitucional, não abarca o delito praticado pelo empregador que,
fraudulentamente, viola direito trabalhista de determinado empregado.
Competência da Justiça Estadual. Em face do art. 135, VI, da Constituição
Federal, são da competência da Justiça Federal apenas os crimes que
ofendem o sistema de órgãos e instituições que preservem, coletivamente, os
direitos e deveres dos trabalhadores". No voto condutor do acórdão, esclareceu
o eminente relator: "O que, em realidade, justifica a atribuição de competência,
nessa matéria, à Justiça Federal Comum é um interesse de ordem geral – e,
por isso mesmo, se atribui à União sua tutela –, na manutenção dos princípios
básicos sobre os quais se estrutura o trabalho em todo o país, ou na defesa da
ordem pública ou do trabalho coletivo".

Com a Constituição de 1988 nada mudou. Em 3 de dezembro de 1993,


apreciando o RE 156.527-6/PA, o relator Ministro Ilmar Galvão, na 1ª Turma do
Supremo Tribunal Federal, igualmente decidiu que: "Em face do mencionado
texto [art. 109, VI, 1ª parte, da CF/88], são da competência da Justiça Federal
tão-somente os crimes que ofendem o sistema de órgãos e institutos
destinados a preservar, coletivamente, os direitos e deveres dos
trabalhadores".

É o que dispõe a Súmula 115 do extinto Tribunal Federal de Recursos,


verbis: "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a
organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do
trabalho, ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente".

Logo, não há conflito entre a permanência dos incisos IV e VI no art.


109 da Constituição Federal, e o processamento de crimes oriundos da relação
de trabalho ou contra a organização do trabalho, fora das hipóteses da citada
Súmula 115, pela Justiça do Trabalho. Tal se dá à similitude do que ocorria
anteriormente entre a Justiça Federal e a Justiça Comum Estadual:
simplesmente passou-se à Justiça do Trabalho a competência residual da
Justiça Estadual, no particular, no bojo da alteração procedida pelo legislador
da EC 45/04, ao transmudar o critério que norteava a competência
especializada em razão dos sujeitos da relação de trabalho na competência
plena em razão das matérias afetas à relação de trabalho.

Não se compreende, nestes termos, a resistência externada pelo


Procurador Geral da República na ADI em questão, quando, sabe-se, o
exercício da jurisdição penal trabalhista pós-Emenda 45/04 vem ocorrendo tão-
somente nas hipóteses da Súmula 115 do extinto TFR, ou seja, nas causas
criminais nascidas das relações de trabalho que a própria Justiça Federal
sempre declinou à Justiça Estadual.

Não há, pois, usurpação de competência, muito menos ofensa ao


princípio do juiz e do promotor naturais, nem se traduz o exercício da jurisdição
penal trabalhista em insegurança para o jurisdicionado: se antes permanecia a
eterna discussão entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual sobre a
competência quanto aos crimes contra a organização do trabalho, agora as
ações penais pertinentes têm endereço certo – a Justiça do Trabalho.

Somente as exceções, que são as questões abarcadas na Súmula 115


do extinto TFR (potencialidade ofensiva que atinge interesse da União), ou, de
forma mais explícita ainda, aquelas abrangidas pelo teor do art. 109, V-A, c/c
§5º, cuja redação veio da própria EC 45/04, é que restarão na alçada da
Justiça Federal, pois nos termos do dispositivo constitucional suso
mencionado, competirá à Justiça Federal processar e julgar as causas com
grave violação de direitos humanos, em que o Procurador-Geral da República,
com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de
tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, haja
suscitado, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do
inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal.

É falacioso, pois, o argumento do Procurador-Geral da República,


fundamentando a necessidade de liminar no receio de que haja "prescrição da
pretensão punitiva em relação a delitos graves, como, por exemplo, aqueles
relacionados com a prática de ‘trabalho escravo’, já que tais delitos estão, por
ora, no alcance da Justiça Federal, consoante todo o exposto. Frise-se: não
está existindo exercício da jurisdição penal trabalhista nas hipóteses previstas
na multicitada Súmula 115 do TFR – NÃO EXISTE NENHUM INQUÉRITO
POLICIAL OU AÇÃO PENAL EM TRÂMITE NA JUSTIÇA DO TRABALHO
ACERCA DO TIPO DO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL.

Concluindo, vê-se que a ADI, de forma açodada, pretende comprometer


grande parte da reforma da EC 45/04, ao atacar o que foi objeto da
preocupação central do legislador, a racionalização do Judiciário, que
concentrou nos ramos especializados as questões a eles atinentes, ou seja, na
Justiça Federal, as questões federais (art. 109, V-A e §5º), e na Justiça do
Trabalho, todas as causas oriundas e decorrentes das relações de trabalho.

Destarte, a EC 45/04 explicita e distribui competências de forma


criteriosa e racionalizada, terminando conflitos insolvíveis de jurisdição e
prestigiando os ramos do Judiciário nas questões que lhe são afetas
propriamente, ou seja, nas suas especializações, especialmente desafogando
a Justiça Estadual, que absorvia residualmente todos os rejeitos dos demais
ramos do Judiciário.

3.4. Da integridade da Justiça, do Direito Comparado e da ineficiência


da Justiça sem jurisdição penal: a competência criminal trabalhista na prática

A verdade é que não há efetividade da justiça se esta não pode solver


os ataques à sua própria integridade ou à integridade do bem ao qual ela se
propõe tutelar.

Imaginemos a Justiça Federal sem competência criminal, a Justiça


Eleitoral sem competência criminal, e a Justiça Militar sem competência
criminal, qual seria o resultado? Uma situação caótica e a completa
desfuncionalidade do órgão, o que ocorria anteriormente com a Justiça do
Trabalho (tanto que sua extinção foi considerada como alternativa nos debates
do Congresso Nacional), que já não conseguia mais dar vazão à progressão
geométrica da litigiosidade trabalhista e das múltiplas fraudes à legislação
social. A título de exemplo, cada novo Ministro do TST, empossado nesta
semana, receberá 11.000 processos !

Motivo? A falta de jurisdição criminal capaz de refrear os abusos


praticados nas relações de trabalho e delas decorrentes.

Sobreleva notar que a Justiça do Trabalho, em Portugal e Espanha,


países colonizadores da América Latina, detêm jurisdição criminal. O Brasil, no
entanto, embora herdeiro do modelo judiciário português, permaneceu por
setenta anos em direção oposta, situação esta que a EC 45/04 solveu.

Pergunta-se, pois, qual a racionalidade em manter a Justiça do


Trabalho sem jurisdição penal?

A quem interessa a ineficácia da legislação social e que o seu conteúdo


normativo continue sendo violado?

Quantas condenações foram proferidas pela prática de crime contra a


organização do trabalho? Quantos processos existem em andamento?

Infelizmente, não há uma estatística precisa, mas nós, que labutamos


no cotidiano forense da Justiça do Trabalho, na tentativa de manter a
integridade do ordenamento jurídico-social, o respeito ao regime democrático
de direito e os interesses indisponíveis, sabemos que a doutrina sobre a
matéria é escassa, e quando existente, peca pela falta de conhecimento
técnico-especializado, já que a situação de fundo caracterizadora do delito
sempre será a relação de trabalho e o Direito do Trabalho, matéria para a qual
quem está capacitado no sistema judiciário pátrio atual é o Ministério Público
do Trabalho e a Justiça laboral.

E a jurisprudência? Essa é ainda mais escassa, e, quando existente,


tende a ser negativa, ou seja, pela não caracterização do delito ou pela
prescrição da pretensão punitiva estatal.

Inobstante, mesmo com essa grave problemática atinente à falta de


jurisdição criminal, a Justiça do Trabalho ainda é o ramo menos congestionado
do Poder Judiciário. Tal assertiva se baseia em dados estatísticos constantes
do Relatório "a Justiça em Números"
(http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/JusticaEmNumeros.pdf), que demonstram
que a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho tem todas as
condições de responder a mais essa demanda.

Na verdade, a recepção das demais matérias elencadas no art. 114


pela EC 45/04 poderão tornar a Justiça do Trabalho lenta se ela não estiver
dotada, em contrapartida, de jurisdição penal capaz de afrontar ataques à sua
integridade e aos bens por ela tutelados – essa é a inteligência da referida
emenda ao transmudar a competência em razão do sujeito para em razão da
matéria relativa à relação de trabalho, concentrando as causas oriundas e
decorrentes da relação de trabalho, e incluindo, ainda, expressamente o
habeas corpus, explicitando, assim, o entendimento da mens legis no
particular.

3.5. Da resistência infundada contra a competência criminal da Justiça


do Trabalho

Na verdade, a celeuma decorrente da competência da Justiça se


justifica mais por força da grande resistência endógena e exógena, do que na
disposição constitucional em si. Esta resistência é baseada, sinteticamente,
nas seguintes alegações:

- a Justiça do Trabalho não está preparada para recepcionar esta


atribuição, por não oferecer facilidade de acesso aos locais de ocorrência do
delito;

- corre-se o risco de descaracterizar a jurisdição trabalhista ampliando


demasiadamente o rol de suas competências;

- os Juízes do Trabalho não detêm conhecimento penal;

- o legislador de 2004 retirou da PEC convertida na EC 45, o inciso que


previa a competência para os crimes contra a organização do trabalho;

- o STF está julgando em favor da competência da Justiça Federal nos


casos de crime de redução à condição análoga à escravidão – art. 149 do CP;

- a nova disposição do artigo 109, que possibilita a federalização de


crimes contra direitos humanos, advinda da EC 45/04, constituiria forte
argumento contrário à tese de que a competência para julgar o crime do artigo
149 do CP agora pertence à Justiça do Trabalho;

- o processo penal é incapaz de solver, de forma satisfatória os conflitos


penais, logo, despiciendo trazê-lo à jurisdição trabalhista;

- etc.

Porém, ao analisar particularmente cada dessas alegações, forçoso é


concluir pela sua insubsistência, como demonstramos a seguir:

A Justiça do Trabalho hoje está espalhada pelos quatro cantos do país,


com um total de mais de 1.400 (mil e quatrocentos) varas do trabalho, além das
varas itinerantes, cuja criação foi determinada constitucionalmente,
independentemente de lei, pelo art. 115, § 2º, CF, o que possibilita que o órgão
jurisdicional trabalhista esteja em qualquer lugar da federação (de acordo com
a abrangência de cada um dos 24 respectivos Tribunais Regionais do
Trabalho).
Recordando, ainda, o que foi dito alhures, sobre as profundas
modificações sofridas pela Justiça do Trabalho na última década, com a
extinção da representação classista nas antigas Juntas de Conciliação e
Julgamento, que passaram para a correta denominação de Varas do Trabalho,
presididas por um Juiz Bacharel em Direito que passou a decidir de forma
singular as causas submetidas à sua apreciação.

O número maior de Varas do Trabalho, e a perspectiva iminente de sua


ampliação, também justifica a mudança da competência. Como dizia Hugo
Mello, quando presidente da ANAMATRA, ao se referir à questão do trabalho
escravo: "As Varas do Trabalho têm maior capacidade para alcançar o interior
do Brasil e chegar às cidades onde se utiliza o trabalho escravo. O conjunto de
todas essas medidas vai beneficiar e provavelmente eliminar essa prática no
Brasil".

Desta forma, é infundado o receio de congestionamento da Justiça do


Trabalho pelo exercício da competência criminal: muito pelo contrário, sem
essa jurisdição, existe o sério risco de agigantamento da litigiosidade e múltiplo
desrespeito à legislação social, notadamente nas matérias advindas da EC
45/04, se a justiça especializada não estiver dotada do instrumento capaz de
solver os ataques à sua integridade e aos bens por si tutelados, a ação penal.

Causa espécie a leitura do item 32 da ADI, ao sustentar "profunda


insegurança aos jurisdicionados que poderão ficar a mercê" (sic), "de medidas
processuais adotadas por quem não possui atribuição criminal (Ministério
Público do Trabalho) perante órgãos que não exercem jurisdição em matéria
penal (Justiça do Trabalho)".

Tal alegação revela, na verdade, a permanência do odioso preconceito


existente em relação à Justiça do Trabalho e traduz, de parte do Chefe do
Ministério Público da União, uma discriminação em relação ao Ministério
Público do Trabalho inexistente na Lei Complementar n. 75/93.

II

Não há risco de descaracterização da Justiça do Trabalho porque o


legislador a ela agregou as questões decorrentes direta e indiretamente das
relações de trabalho, às quais ela sempre esteve afeta. Basta dizer que a
Justiça do Trabalho está mais "capilarizada" no território nacional do que a
Justiça Federal, e ainda é o ramo mais "descongestionado" do Judiciário, o que
lhe autoriza de forma mais dinâmica e eficaz a lidar com as questões penais
que decorrem das suas próprias decisões.

Outro argumento que rebate a questão da "possível" descaracterização


e "congestionamento" da Justiça do Trabalho é que, a partir do exercício da
jurisdição criminal trabalhista, será viável, a curto prazo, senão debelar, pelo
menos diminuir sensivelmente as práticas de trabalho e salário sem registro,
truck-system, cooperativismo irregular, dentre outras, o que acarretará
diminuição de ações trabalhistas.
III

Por outro lado, a alegada falta de conhecimento penal dos Juízes do


Trabalho, por sua vez, não pode servir de desculpa para retirar a competência
criminal trabalhista, já que, habilitados por rígido concurso de provas e títulos,
em que demonstram o seu conhecimento, tal qual os juízes federais e os juízes
de direito, incluindo Direito Penal, que integra o programa do certame, será
suficiente uma reciclagem dos Magistrados trabalhistas (e, porque não,
também dos Procuradores do Trabalho), para que isto se resolva fácil e
rapidamente.

Sabe-se que o grau de dificuldade de aprovação nos concursos de Juiz


do trabalho é o mesmo para aprovação como Juiz de Direito, Juiz Federal ou
Juiz Militar.

O concurso de Procurador do Trabalho, por sua vez, já foi eleito como


um dos mais difíceis do País.

No entanto, qual o fundamento (sério) de resistência à atuação criminal


de Juízes e Procuradores do Trabalho? Será que Juízes e Procuradores do
Trabalho nunca terão capacidade para atuação criminal, tendo, pois, menos
competência do que um advogado recém-formado que venha a atuar
criminalmente?

Convenhamos...

Há, na verdade, um sofisma nesta alegação porque traz, em seu bojo,


uma injustificada capitis deminutio e discriminação do operador de direito
trabalhista: se um bacharel em direito pode prestar concurso e demonstrar sua
capacidade para se tornar detentor de atribuição penal, seja como juiz de
direito, juiz federal, militar, etc., no entanto, um juiz do trabalho, que já
demonstrou sua capacidade em concurso público, não teria condições de se
preparar para a jurisdição criminal?

Tal qual discursou o presidente do TST, Hugo Mello, ex-presidente da


ANAMATRA diz que: "O juiz do Trabalho já está vocacionado e está
ambientado, conhece de perto esses problemas. O crime se dá no
desenvolvimento de uma relação de trabalho. Existe também o Ministério
Público do Trabalho, a quem seria atribuída a competência para a persecução
criminal da matéria, o que desafogaria o Ministério Público Federal".

Prossegue o Presidente desta Associação: "Os juízes do trabalho já


tomam conhecimento, no seu dia-a-dia, não na área criminal, mas na
trabalhista, deste tipo de relação. Muitos trabalhadores que atuavam na
condição de escravos procuram a Justiça do Trabalho para a reparação de
seus direitos sonegados, no âmbito trabalhista. A questão aí não é de fazer
qualquer restrição aos juízes federais. Nós achamos que a Justiça do Trabalho
pode ser mais eficaz pela proximidade com o fato e a intimidade com a
matéria".
Grijalbo Coutinho, ex-presidente da ANAMATRA se pronunciou em
termos muito próximos, acerca da competência (mental) dos juizes trabalhistas,
para julgar crimes contra a ordem do Trabalho. "Não somos juízes só da CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho). O perfil da Justiça do Trabalho foi
alterado". Esclareceu que, talvez, os juízes classistas tenham repassado a
idéia de uma Justiça pouco técnica. Porém, depois da Emenda à Constituição
nº 24, que extinguiu a figura do juiz classista, "todos os juízes do Trabalho são
de carreira, concursados, como todos juízes federais".

IV

O argumento concernente à retirada do inciso que transferia à Justiça


do Trabalho a competência para os crimes contra a organização do trabalho,
não procede – das lições básicas de hermenêutica jurídica se colhe que a lei se
desvincula da mens legislatoris para adquirir vida própria (teoria objetivista da
interpretação). Bem demonstra esse contexto a apreciação da ADI n. 3395,
proposta pela AJUFE, em que o Min. NELSON JOBIM concedeu liminar
limitando toda e qualquer interpretação tendente a incluir no rol de atribuições
da Justiça do Trabalho a competência para o julgamento das causas
envolvendo servidores estatutários, ainda que o texto limitador da PEC
convertida na EC 45/04 não tenha sido incluído pelo Congresso Nacional no
texto final desta, quando da republicação dos textos constantes dos pareceres
nº 1.747 e 1.748.

Mesmo para os adeptos da teoria subjetivista (que busca a vontade do


legislador e não da lei em si) o argumento não procede, pois, quando da
elaboração do parecer nº 451-CCJ, o Relator José Jorge, analisando a
sugestão feita pelo Senador M. Cavalcanti: art. 114-"VI-A: as infrações penais
praticadas contra a organização do trabalho ou contra a administração da
própria Justiça do Trabalho", aprovou a sugestão, na forma do substitutivo, "por
aceitar a identidade temática entre a previsão a linha das competências da
Justiça Laboral" (disponível no site:
http://www.apmp.com.br/rjudiciario/docs/refjudsf-integra.doc). A sugestão
apenas foi rejeitada porque retirado o requerimento (DVS).

Assim, se considerarmos que, a idéia do Senado Federal era, como,


aliás, fica bem claro durante o processo legislativo de votação do projeto de
emenda, referendar o trabalho do relator, verifica-se que a intenção era prever,
inclusive, expressamente, a competência criminal da Justiça do Trabalho, por
sua pertinência temática às competências em razão da matéria que lhe foram
atribuídas, o que só não foi feito pela retirada do requerimento.

Quanto à inserção, no art. 109, do inciso V-A, pela EC 45/04, dispondo


competir aos juízes federais processar e julgar as causas relativas a direitos
humanos, é o próprio §5º do mesmo dispositivo que resolve a questão:
somente nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, em que o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento
de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos
quais o Brasil seja parte, haja suscitado, perante o Superior Tribunal de Justiça,
em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de
competência para a Justiça Federal, é que esta ocorrerá. Nestes termos,
também não haverá conflito com a competência originária criminal da Justiça
do Trabalho.

VI

A alegação de que o processo penal é incapaz de solver, de forma


satisfatória, os conflitos penais, nada acrescenta ao debate, já que é de mão
dupla, pois vale seja para a competência da Justiça Comum ou Federal, seja
da Justiça do Trabalho. No entanto, em se tratando da competência da Justiça
do Trabalho, a existência de mais um instrumento de atuação do Ministério
Público junto à esta Justiça deve ser vista com bons olhos, e não de forma
restritiva antes mesmo de consolidada a sua prática, pois, como mostraremos
num dos tópicos abaixo, os tipos penais decorrentes da relação de trabalho
estão em franco desuso, disseminando o sentimento de impunidade, que faz
com que os valores sociais do trabalho não sejam sistematicamente
concretizados, portanto, não se pode prejulgar o resultado do exercício da ação
penal em relação a eles com base em experiência de outras Justiças para
outros crimes.

VII

Se tudo isso não for argumento suficiente para justificar a competência


criminal da Justiça do Trabalho, basta lembrar que o nosso mundo, o nosso
cotidiano, tudo que consumimos, do lápis ao carro que dirigimos, passando
pelo computador usado nas Sessões das Cortes, são fruto das relações de
trabalho.

Mesmo assim, vamos continuar sustentando a desnecessidade de


jurisdição criminal especializada para os delitos advindos das relações de
trabalho?

Continuar os inúmeros questionamentos do gênero é permanecer no


círculo vicioso rompido com a EC 45/04 – a emenda traduziu uma inovação
sem precedentes no sistema judiciário brasileiro, ainda não absorvida em toda
a sua extensão pelos atores deste sistema, que rompe barreiras – como a da
competência criminal da Justiça do Trabalho, e dota o povo de um Poder
Judiciário moderno, célere, racional e eficaz, desafogando setores
congestionados e prestigiando outros subaproveitados.

As transformações do mundo, a globalização, o livre mercado, a


concorrência com os gigantes asiáticos mostram que não é o momento para
resistências: não sejamos contra nada, mas a favor de um instrumento que
possibilita ao Estado brasileiro entrar no rol seleto de países do primeiro mundo
com redução das desigualdades sociais e com uma legislação social hígida e
eficaz. Este instrumento nada mais é do que a jurisdição criminal trabalhista.

3.6. Legitimidade do MPT em matéria criminal


A matéria é incidental, mas vale digressão, para que não passe in albis,
pois, como se passará a demonstrar, não é dotada de seriedade qualquer
alegação que se faça acerca de falta de legitimidade/atribuição em matéria
penal do MPT.

Para começar, a promoção da ação penal pública é imanente ao


Ministério Público, desde os primórdios da Instituição, quando surgiu no antigo
Egito, e, inexistindo regra excepcionadora desta atribuição ao MPT na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que incorporou
definitivamente o Parquet laboral à Instituição una e indivisível do art. 127,
resta, portanto, pacífica a legitimidade do MP especializado.

Como visto, no histórico institucional da Justiça do Trabalho e do


Ministério Público do Trabalho, a regulação das atividades do Parquet
especializado vinha prevista no Título IX da CLT.

A LOMPU, disciplinando largamente a atividade de todos os ramos do


MPU, especialmente o MPT, revogou, no particular, se não todos, a grande
maioria dos dispositivos celetários concernentes ao Ministério Público do
Trabalho – aliás, grande parte deles já não havia sido recepcionada pela
Constituição Federal de 1988.

Lembremos as palavras do ex-Procurador Geral da República,


ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA, proferidas na Apresentação da Lei
Complementar n. 75/93 [05]:

"Eis a nossa tão sonhada Lei Orgânica do Ministério Público da União !

Passados os longos anos de discussão a respeito de seu conteúdo, o


sonho se tornou realidade, em 20 de maio de 1993, com a sanção da Lei
Complementar nº 75, substância desta publicação.

Espera-se que sua efetiva aplicação pelos quatro ramos do Ministério


Público da união seja fator de aprimoramento institucional, não só no âmbito de
sua organização administrativa, mas também, e principalmente, no campo da
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, finalidade da própria instituição.

Que esta Lei Complementar nº 75, em suma, seja eficaz instrumento de


nosso trabalho, que há de ser voltado, sempre, para a defesa da sociedade
brasileira.

Brasília, julho de 1993." (Grifou-se e sublinhou-se)

Diferentemente do que ocorreu com a Justiça do Trabalho, desde o


advento da Lei Orgânica do Ministério Público da União, em 20.05.1993, possui
o Ministério Público do Trabalho legitimidade em matéria criminal, sem
divagações.
Rezam os arts. 127 e 128 da Carta Republicana que o Ministério
Público, instituição una e indivisível, é composto pelo Ministério Público da
União e pelo Ministério Público dos Estados, sendo o MPU subdividido em
quatro ramos, a saber, Ministério Público Federal, Ministério Público do
Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios.

O art. 129 da Constituição da República, ao especificar as atribuições


do Ministério Público, prevê, em seu inciso I, o exercício da ação penal pública.
Não há nenhuma restrição quanto ao comando a um ou outro ramo do
Ministério Público.

A primeira questão que vem à baila é: se o ramo do Poder Judiciário


não possuir competência para a apreciação de determinada demanda ou para
ela se declarar incompetente, o ramo correspondente do Ministério Público
perde o direito à demanda, por força de consectária falta de legitimidade? Ou,
por outras palavras, a incompetência do ramo do Poder Judiciário induz falta de
legitimidade ou atribuição do Ministério Público que junto a ele atua?

A resposta vem expressa no art. 37, II, da LOMPU [06]: "O Ministério
Público Federal exercerá as suas funções nas causas de competência de
quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e
das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio
nacional". Pois bem, admitida legalmente a hipótese de ramo do Ministério
Público atuar perante qualquer juízo ou tribunal, resta cabalmente esclarecido
que as atribuições/legitimidade do Parquet, são distintas da competência dos
juízos e tribunais, e a falta desta não induz à ausência daquelas.

Aliás, nem poderia ser diferente, em face dos princípios da unidade e


indivisibilidade do Ministério Público.

Nesse sentido, as lições do professor NELSON NERY:

"O MP é instituição uma e indivisível (CF 127 § 1º), de sorte que


quando a CF e a lei falam na legitimação do parquet, estão se referindo à
instituição una do MP. Portanto, qualquer que seja o órgão do MP (da União ou
dos Estados), a legitimidade é da Instituição, de sorte que qualquer um desses
órgãos pode promover ação coletiva, em qualquer juízo, para a defesa dos
direitos metaindividuais.

Não se pode questionar se o MP estadual teria ou não atribuição para


promover ação na Justiça Federal ou na Justiça do Trabalho. Essa questão é
administrativa e não compete ao Poder Judiciário discutir questões interna
corporis do Ministério Público. Quando houver lei federal restringindo a atuação
do MP em determinado órgão jurisdicional, aí sim o juiz poderá examinar a
regularidade da representação da Instituição do MP, legitimada à propositura
da ação (legitimidade ativa de parte), porque o MP é sempre parte legítima
quando a lei assim o determina. A questão é pressuposto processual
(representação da parte). Caso o MP esteja representado irregularmente, o juiz
deverá indeferir a petição inicial (ou extinguir o processo sem julgamento do
mérito), com base no CPC 267 IV." [07] (Grifou-se e sublinhou-se)

E acerca dos princípios da unidade e indivisibilidade do Ministério


Público, já julgaram STF e STJ:

"EMENTA: AÇÃO PENAL. Denúncia. Ratificação. Desnecessidade.


Oferecimento pelo representante do Ministério Público Federal no juízo do foro
em que morreu uma das vítimas. Declinação da competência para o juízo em
cujo foro se deu o fato. Foros da Justiça Federal. Atuação, sem reparo, do
outro representante do MP. Atos praticados em nome da instituição, que é una
e indivisível. Nulidade inexistente. HC indeferido. Aplicação do art. 127, § 1º, da
CF. Inteligência do art. 108, § 1º, do CPP. O ato processual de oferecimento da
denúncia, praticado, em foro incompetente, por um representante, prescinde,
para ser válido e eficaz, de ratificação por outro do mesmo grau funcional e do
mesmo Ministério Público, apenas lotado em foro diverso e competente, porque
o foi em nome da instituição, que é una e indivisível." (STF, HC n. 85.137-MG,
Relator: Min. CEZAR PELUSO, Fonte: Informativo n. 407, de 09.11.2005)

"CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. SUSCITAÇÃO PELO


ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL QUE ATUA NA PRIMEIRA
INSTÂNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. DANO AMBIENTAL. RIOS FEDERAIS.
CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. O Ministério Público Federal tem atribuição para suscitar conflito de


competência entre Juízos que atuam em ações civis públicas decorrentes do
mesmo fato ilícito gerador. Com efeito, consoante os Princípios da Unidade e
Indivisibilidade do Ministério Público, as manifestações de seus representantes
constituem pronunciamento do próprio órgão e não de seus agentes, muito
embora haja divisão de atribuições entre os Procuradores e os
Subprocuradores Gerais da República (art. 66 da Lei Complementar n.º 75/93).

2. Deveras, informado que é o sistema processual pelo princípio da


instrumentalidade das formas, somente a nulidade que sacrifica os fins de
justiça do processo deve ser declarada (pas des nullité sans grief).

3. Consectariamente, à luz dos Princípios da Unidade e Indivisibilidade


do Ministério Público, e do Princípio do Prejuízo (pas des nullité sans grief), e,
uma vez suscitado o conflito de competência pelo Procurador da República,
afasta-se a alegada ilegitimidade ativa do mesmo para atuar perante este
Tribunal, uma vez que é o autor de uma das ações civis públicas objeto do
conflito.

4. Tutelas antecipatórias deferidas, proferidas por Juízos Estadual e


Federal, em ações civis públicas. Notória conexão informada pela necessidade
de se evitar a sobrevivência de decisões inconciliáveis.

5. A regra mater em termos de dano ambiental é a do local do ilícito em


prol da efetividade jurisdicional. Deveras, proposta a ação civil pública pelo
Ministério Público Federal e caracterizando-se o dano como interestadual,
impõe-se a competência da Justiça Federal (Súmula 183 do STJ), que
coincidentemente tem sede no local do dano. Destarte, a competência da
Justiça Federal impor-se-ia até pela regra do art. 219 do CPC.

6. Não obstante, é assente nesta Corte que dano ambiental causado


em rios da União indica o interesse desta nas demandas em curso, a arrastar a
competência para o julgamento das ações para a Justiça Federal. Precedentes
da Primeira Seção: CC 33.061/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 08/04/2002; CC
16.863/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 19/08/1996.

7. Ainda que assim não fosse, a ratio essendi da competência para a


ação civil pública ambiental, calca-se no princípio da efetividade, por isso que,
o juízo federal do local do dano habilita-se, funcionalmente, na percepção da
degradação ao meio ambiente posto em condições ideais para a obtenção dos
elementos de convicção conducentes ao desate da lide.

8. O teor da Súmula 183 do E. STJ, ainda que revogado, a contrario


sensu determinava que em sendo sede da Justiça Federal o local do dano,
neste deveria ser aforada a ação civil pública, máxime quando o ilícito
transcendesse a área atingida, para alcançar o mar territorial e rios que
banham mais de um Estado, o que está consoante o art. 93 do CDC.

9. Nesse sentido, é a jurisprudência do E. STF ao assentar que:

"Ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal.


Competência da Justiça Federal. Art. 109, I e § 3º, da Constituição. Art. 2º da
Lei 7.347/85. O dispositivo contido na parte final do § 3º do art. 109 da
Constituição é dirigido ao legislador ordinário, autorizando-o a atribuir
competência (rectius, jurisdição) ao Juízo Estadual do foto do domicílio da
outra parte ou do lugar do ato ou fato que deu origem à demanda, desde que
não seja sede de Vara da Justiça Federal, para causas específicas dentre as
previstas no inciso I do referido artigo 109. No caso em tela, a permissão não
foi utilizada pelo legislador que, ao revés, se limitou, no art. 2º da Lei 7.347/85,
a estabelecer que as ações nele previstas ´´serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e
julgar a causa´´. Considerando que o juiz federal também tem competência
territorial e funcional sobre o local de qualquer dano, impõe-se a conclusão de
que o afastamento da jurisdição federal, no caso, somente poderia dar-se por
meio de referência expressa à Justiça Estadual, como a que fez o constituinte
na primeira parte do mencionado § 3º em relação às causas de natureza
previdenciária, o que no caso não ocorreu. (...)

...no caso dos autos, a permissão constitucional (do § 3º do art. 109 da


CF) não foi utilizada pelo legislador, que se limitou, no art. 2º da Lei 7.347/85, a
estabelecer que as ações nele estabelecidas ´´serão propostas no foro do local
onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e
julgar a causa´´. Na verdade, o juiz federal também tem competência territorial
e funcional, razão pela qual não pode ela, no caso de ações civis públicas
intentadas pela União ou contra ela, ser considerada excluída pela norma
questionada por efeito exclusivo da expressão ´´foro do local onde ocorrer o
dano´´ contida no texto do dispositivo, pelo singelo motivo de que o Município
de São Leopoldo, onde, no caso, ocorreu o dano, não integra apenas o foro
estadual da comarca local, mas também o das Varas Federais de Porto Alegre.
Consequentemente, para autorizar o entendimento manifestado pelo acórdão,
seria de mister que o legislador houvesse fixado, de modo expresso - como fez
o constituinte, no próprio § 3º do art. 109, sob apreciação, relativamente às
causas alusivas à previdência social – a competência (rectius, jurisdição) da
Justiça Estadual para as ações da espécie, nas circunstâncias apontadas, o
que não ocorreu." (RE 228.955-9/RS, Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ
24/03/2000)

10. Deveras, a Súmula 150 do E. STJ dispõe que "compete à Justiça


Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a
presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas."

11. Mister, ainda, destacar que a Seção, em causa semelhante


assentou que:

"Compete à Justiça Federal processar e julgar a ação civil pública


movida com a finalidade de reparar os danos causados ao meio ambiente
ocasionados pelo vazamento de óleo no mar territorial, bem de propriedade da
União." (CC 16.863/SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ 19/08/1996)

12. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara


Federal de Campos dos Goytacazes - SJ/RJ." (STJ, Ac. 1ª Seção, CC
39111/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, julg. Em 13.12.2004, public. no DJ de
28.02.2005, p. 178)

Logo, não é correto falar em simetria entre as atividades do ramo do


Ministério Público com o correspondente ramo do Judiciário, mas sim em mera
preponderância de atividades, não competindo ao Judiciário decidir quanto a
atribuições do Parquet, pois uno e indivisível.

A segunda questão pertinente ao tema é: e como ficam as


interpretações restritivas de legitimidade/atribuições do Ministério Público do
Trabalho, quanto ao tema, como as expressas na ADI em questão?

Não há dúvida em responder que elas esbarram no princípio da


legalidade, estabelecido no §2º do art. 5º, da LOMPU: "somente a lei poderá
especificar as funções atribuídas pela Constituição federal e por esta Lei
Complementar ao Ministério Público da União, observados os princípios e
normas nelas estabelecidos".

Valendo lembrar, ainda, o comando expresso no §1º do referido


dispositivo legal, de que "os órgãos do Ministério Público da União devem zelar
pela observância dos princípios e competências da Instituição, bem como pelo
livre exercício de suas funções".

Inexistindo qualquer vedação ou restrição, como visto anteriormente, na


Constituição e na LOMPU, ou em qualquer outro diploma legal, acerca do
exercício da ação penal pública pelo Ministério Público do Trabalho, é ilegal e
incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, seja do ponto de vista histórico
das instituições, seja sob a sua perspectiva evolutiva, a interpretação quanto à
ilegitimidade/falta de atribuição penal ao MPT [08].

As hipóteses de atuação penal do MPT ficam na conformidade do art.


84, caput, da LOMPU: "no âmbito das suas atribuições", ou seja, dentro das
atividades promovidas na seara trabalhista (órgão agente e órgão
interveniente), quando tiver ciência de fato criminoso decorrente das relações
de trabalho.

4. DAS DECISÕES DA JUSTIÇA ESTADUAL E FEDERAL, E TERMOS


CIRCUNSTANCIADOS DA POLÍCIA FEDERAL: EXEMPLOS DE CASOS
CRIMINAIS SUBMETIDOS À JURISDIÇÃO TRABALHISTA PÓS EC 45/04.

Após o advento da Emenda Constitucional n. 45/04, a própria Justiça


Comum, mesmo a Federal, rendeu-se ao novo Texto Constitucional. Citamos
como exemplo as seguintes decisões:

Vara Federal Criminal de Blumenau/SC:

"Processo nº 2004.72.05.004394-8

Vistos, etc.

Trata-se de notícia crime onde o Ministério Público Federal requereu a


remessa dos presentes autos à Justiça do Trabalho, entendendo ser esse o
juízo competente para processar e julgar as irregularidades, em tese, na
fundação do Sindicato dos Empregados do Comércio Varejista de Gêneros
Alimentícios, Tecidos e Vestuário de Brusque.

Como aduziu o Parquet Federal, a Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 8º, inciso I, garantiu a liberdade
para a formação de associações sindicais, sendo vedada a intervenção estatal
em sua organização, litteram:

‘Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o


seguinte:

I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de


sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder
Público a interferência e a intervenção na organização sindical; (...)’

Entretanto, o inciso II deste dispositivo legal veda a criação de mais de


uma organização sindical representativa de categoria profissional ou
econômica na mesma base territorial, conforme teria ocorrido, em tese, no caso
dos autos.

Todavia, tal irregularidade apontada pelo Parquet Federal não se


constitui crime cujo processamento caiba à Justiça Federal, mas sim à Justiça
do Trabalho, nos termos do art. 114, III, da CF/88 (Inciso incluído pela Emenda
Constitucional nº 45/2004).

Assim, acolho as razões do Ministério Público Federal, e determino a


remessa dos autos à Justiça do Trabalho de Brusque/SC, competente para
processar e julgar o feito.

Intimem-se.

Blumenau(SC), 1 de fevereiro de 20005.

RAFAEL SELAU CARMONA

Juiz Federal Substituto"

Juizado Especial Criminal e da Família Central – JECRIMFAM/SP


(05.11.2005):

"Autos nº

Meritíssimo(a) Juiz(a),

O presente procedimento foi instaurado para apurar eventual crime de


frustração de direito trabalhista.

Tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 alterou a


redação do art. 114 da Constituição Federal e determinou a competência
criminal da Justiça do Trabalho, falece competência ao Juizado Especial
Criminal Estadual para a aplicação das medidas cabíveis.

Com efeito, como explica José Eduardo de Resende Chaves Júnior,


‘após a Emenda Constitucional n. 45/04... a ação penal oriunda da relação de
trabalho, que processualmente se efetiva entre o Ministério Público e o réu,
passou a ser da competência da Justiça do Trabalho, em decorrência da
referida mutação do critério de atribuição’.

Posto isso, requeiro a remessa dos autos à Justiça do Trabalho.

São Paulo, 29 de setembro de 2005.

MARCOS DESTEFENNI

Promotor de Justiça

Proc. 16.819/04

Vistos.

Junte-se o laudo.
Acolho a manifestação do Ministério Público a fls. retro como razões de
decidir e determino o encaminhamento dos autos ao distribuidor criminal para
redistribuição à Justiça do Trabalho.

Anote-se. Comunique-se.

São Paulo, data supra.

JOSÉ ZOEGA COELHO

Juiz de Direito"

Despacho de recebimento dos autos supra (16.819/04) pela Justiça do


Trabalho:

"Vistos, etc.

Trata-se de Inquérito Policial iniciado por relatório de fiscalização da


Delegacia Regional do Trabalho encaminhado ao Ministério Público do Estado
de São Paulo.

Colhidos depoimentos no âmbito policial, retornaram os autos ao


Ministério Público, que opinoupor sua distribuição ao Juizado Especial Criminal.

Em 29 de setembro de 2005, conforme parecer de fls. 179 dos autos, o


Exmo. Sr. Promotor de Justiça atuante no feito discorreu sobre a modificação
da competência para conhecer do presente feito a partir da Emenda
Constitucional nº 45, requerendo sua remessa á justiça do Trabalho.

A manifestação do Ministério Público foi acolhida pelo r. despacho de


fls. 180, tendo os autos sido encaminhados ao Distribuidor dos Feitos da
Justiça do Trabalho de São Paulo.

A Emenda Constitucional nº 45 alterou a redação do artigo 114 da


Constituição Federal, restando inequívoca a competência desta Justiça
Especializada para processar e julgar todas as controvérsias decorrentes das
relações de trabalho, o que inclui as ações penais para apuração de crimes
contra a organização do trabalho. Diante do reconhecimento constitucional da
competência da Justiça do Trabalho para tais ações, compete ao Ministério
Público do Trabalho sua promoção, nos termos da lei.

Frente ao exposto, aceito a competência desta Justiça Especializada


para processar e julgar o presente feito e determino a remessa dos autos ao
Ministério Público do Trabalho para as finalidades previstas pela lei.

São Paulo, 26 de janeiro de 2006.

Wilson Ricardo Buquetti Pirotta

Juiz do Trabalho"
Decisão do Juízo da Vara Única da Comarca de Mondai/SC,
determinando a remessa de cópias ao MPT para as providências penais
cabíveis:

"Autos n° 043.05.000350-2

Ação: Sustação De Protesto/ Cautelar

Requerente: Posto Santo Antonio Ltda

Requerido: Sidinei Beltrame

Vistos, etc...

Trata-se de Medida Cautelar de Sustação de Protesto c/c pedido de


medida liminar proposta por POSTO SANTO ANTONIO LTDA contra SIDINEI
BELTRAME, já qualificados.

Alega o requerente que, aos 04/04/05, foi intimado pelo Cartório de


Protestos para o pagamento, em 03 (três) dias úteis, do título nº 01/12, no valor
de R$ 6.666,00 (seis mil, seiscentos e sessenta e seis reais), com vencimento
para 30/03/05 e não pago. A assinatura constante da NP é falsa. Requer,
liminarmente, a sustação do protesto, mediante o oferecimento de caução, a
citação do requerido, julgamento pela procedência do pedido para determinar a
sustação, a produção de provas, a condenação nas cominações legais,
inclusive em litigância de má-fé. Valora a causa e junta documentos (fls. 02/25).

Por despacho a liminar foi indeferida (fls. 28/29).

Citado, o requerido apresentou CONTESTAÇÃO, na qual alegou que o


valor protestado é originário de ação trabalhista travada entre as partes, na
qual firmaram acordo, ficando o autor obrigado a pagar 12 (doze) parcelas de
R$ 6.666,00 (seis mil, seiscentos e sessenta e seis reais), uma delas
representada pela NP protestada. Desconhece o motivo da alegação de
falsidade, inclusive porque a assinatura em todos os títulos é semelhante.
Postulou a improcedência da ação, a condenação em litigância de má-fé, vista
ao MINISTÉRIO PÚBLICO para fins da apuração do crime de denunciação
caluniosa e a produção de provas. Juntou documentos (fls. 37/56).

Em RÉPLICA o autor ratificou os termos da inicial (fls. 61/62).

Por despacho foi saneado o feito e intimadas as partes acerca da


produção de provas, tendo o réu postulado o depoimento pessoal do
representante legal da autora (fls. 64/68).

Vieram os autos conclusos.

É RELATÓRIO. Passo a FUNDAMENTAR.


1.Cabível o julgamento antecipado da lide, ante a desnecessidade de
dilação probatória e a não justificação da necessidade da produção de outras
provas (fls. 64/68).

2.Na EXORDIAL de fls. 02/07 a postulante suscitou a falsidade da


assinatura aposta na NP protestada (fls. 19/20), a qual seria inexigível,
porquanto:

"(...) desde o ano de 2002, após o Requerido ter proposto uma ação
Trabalhista (autos nº 00489/2002), contra a empresa Requerente, a qual
religiosamente pagou as verbas trabalhistas para Requerido, conforme
homologação pelo Juízo do trabalho de São Miguel do Oeste, não há mais
relação negocial alguma entre as partes (...)" (fl. 04).

3.Ocorre que a demandante não se desincumbiu do mister de


comprovar, como se impunha (CPC, artigo 333, inciso I), nenhuma das
alegações – tanto em relação à ocorrência de falsidade quanto à inexistência
de relação negocial, uma vez que, além de não postular expressamente a
realização de prova pericial após instada em sede de saneador (fls. 64/68), não
acostou cópia de eventual decisão proferida na Justiça do Trabalho de São
Miguel do Oeste/SC nem os ´´supostos´´ recibos de pagamento e/ou prova da
quitação em relação às quantias estabelecidas em sede de acordo.

Neste sentido, imperioso julgamento pela IMPROCEDÊNCIA do pedido.

A jurisprudência não destoa:

"AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CAMBIAL.


CAUTELAR INOMINADA DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. COMPRA E
VENDA DE PESCADO. PROVA DANDO CONTA DA EXISTÊNCIA DA
AVENÇA. SENTENÇA QUE ACOLHE A AMBOS OS PLEITOS. APELO
PROVIDO.

Desde que a prova capeada empreste razoável certeza acerca da


realização de negócio autorizador da emissão de duplicata mercantil, há que se
julgar improcedente a ação colimando a declaração de inexistência de relação
cambial, e, bem assim, a medida cautelar inominada que liminarmente sustou o
protesto do título por falta de pagamento". (TJSC, antiga Câmara Cível
Especial, AC n° 88.072945-7, de Itajaí, Rel. Des. ELÁDIO TORRET ROCHA, j.
06.11.1996). – grifo nosso.

4.Face a existência de referências expressas à ocorrência de infrações


penais, oficiem-se ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO de SÃO
MIGUEL D´´OESTE e à DP (neste caso fazendo-se menção ao ofício de fl. 31),
com cópia integral, para providências.

5.Uma vez não ocorrentes quaisquer das hipóteses do artigo 18 do


CPC, descabida a postulada condenação em litigância de má-fé.

POSTO ISTO,
JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na Medida Cautelar de
Sustação de Protesto c/c pedido de medida liminar proposta por POSTO
SANTO ANTONIO LTDA contra SIDINEI BELTRAME, com fundamento no
artigo 269, inciso I, do CPC.

CONDENO a requerente nos ônus de sucumbência – despesas


processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 800,00
(oitocentos reais), consoante os parâmetros do artigo 20, §§3º a 5º, do CPC.

Registre-se. Publique-se. Intimem-se.

Cumpra-se o item 4, supra.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Mondaí (SC), 27 de setembro de 2005.

Rafael Fleck Arnt

Juiz de Direito" (grifamos)

Despacho de instauração de procedimento no MPT pelo recebimento


do ofício concernente aos autos supra:

"Autos da REP n.4956-2005

Classe: Representação

Origem: Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Mondaí

Representados: 1. Flavio Henn

2. Sidinei Beltrame

Objeto: fraude; ilícitos penais (art. 203, caput, 299 e 337-A, III, do CP)

Despacho

R. H.

Vistos, etc.

1.Cuida-se de Representação instaurada a partir de ofício expedido


pelo Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de Mondaí, Dr. RAFAEL FLECK
ARNT, comunicando a este Ministério Público especializado a ocorrência de
infrações penais referidas nos autos da Ação Cautelar de Sustação de Protesto
n. 043.05.000350-2 ajuizada por Posto Santo Antônio Ltda. em face de Sidinei
Beltrame.
O expediente foi encaminhado à Vara do Trabalho de São Miguel
d’Oeste que, por sua vez, reenviou-o a este Parquet.

2.Com efeito, da análise dos documentos carreados ao ofício, verifica-


se que o Posto Santo Antônio ingressou com cautelar de sustação de protesto
de nota promissória contra si emitida, cobrada por SIDINEI BELTRAME,
embasando a postulação na alegação de falsidade de assinatura de seu
representante legal, FLAVIO HENN.

Na impugnação à contestação, SIDINEI BELTRAME disse que o título


se referia a negócio jurídico havido "por fora" em "ação trabalhista de caso
pensado", com objetivo de reduzir encargos previdenciários (fls. 38/39).

O autor da medida, ato contínuo (fl. 61), asseverou que "em momento
algum foi dito que o requerido havia falsificado a assinatura".

Assim, o Juízo julgou improcedente o pedido, considerando a


inexistência de prova quanto à falsidade e à relação negocial havida.

Pois bem. Infere-se de tal situação a possibilidade de FLAVIO HENN,


representante legal do Posto Santo Antônio e, nesta qualidade, subscritor das
notas promissórias carreadas aos autos, de forma premeditada, ter convencido
o trabalhador e cunhado SIDINEI BELTRAME a reduzir o valor de seu crédito
trabalhista em Juízo, de R$100.000,00 para R$20.000,00 – fl. 38 (autos da AT
n. 00489-2002-015-12-00-3 da Vara do Trabalho de São Miguel d’Oeste),
propondo-se a pagar o saldo mediante doze notas promissórias de R$6.666,00,
o que totaliza R$99.992,00, cifra próxima do montante apontado, burlando
fisco, previdência e o próprio direito do obreiro, ante a tentativa de anulação
dos títulos.

Esta conduta pode ser enquadrada, em tese, no art. 337-A, III, bem
assim no art. 203, caput, c/c art. 70 (concurso material), todos do Código Penal.

3.Isto posto, considerando a gravidade dos fatos noticiados, forte no art.


127, caput, e 129, I e III, da Constituição da República, acolho e determino a
conversão desta Representação em Procedimento Investigatório (PI), para
completa apuração fático-probatória e adoção das providências cabíveis,
determinando ainda, as seguintes diligências:

I – Oficie-se à Delegacia da Polícia Civil da Comarca de Mondaí, em


referência aos autos da autos da Ação Cautelar de Sustação de Protesto n.
043.05.000350-2, solicitando informações acerca do andamento do Inquérito
Policial requerido pelo Juízo de Direito, e que, quando concluído, seja remetido
diretamente a este Ministério Público especializado, com base no art. 7º, II, e
8º, II, da LOMPU.

II – Inclua-se em pauta para audiência.


III – Intimem-se FLAVIO HENN e SIDINEI BELTRAME para oitiva
acerca dos fatos objeto da presente, sob as penas da lei, inclusive condução
coercitiva (art. 8º, I, da LOMPU, c/c art. 26, I, a, da LONMP).

IV – Requisite-se fiscalização da DRT, Receita Federal e INSS, nos


termos do art. 8º, II e III, da LOMPU, a fim de apurar o completo quadro fático-
trabalhista existente no Posto Santo Antônio.

V – Oficie-se à Procuradoria do INSS com cópia desta decisão, para as


medidas de direito em face ao supra declinado.

VI – Registre-se e reautue-se, fazendo constar da capa do


Procedimento os dados do cabeçalho supra.

VII – Oficie-se ao Juízo da Vara do Trabalho de São Miguel d’Oeste


com cópia desta decisão, solicitando, nos termos do art. 83, II e XII, da
LOMPU, a remessa dos autos da AT n. 00489-2002-015-12-00-3, para análise.

VIII – Oficie-se ao Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de


Mondai, em resposta ao ofício de fl. 05, com cópia desta decisão, para ciência
e juntada aos autos do processo n. 043.05.000350-2.

IX – Numere-se e anote-se a tramitação no verso do rosto dos autos.

Florianópolis, em 07 de novembro de 2005.

MARCELO J. FERLIN D’AMBROSO

Procurador do Trabalho"

Termos Circunstanciados da Polícia Federal:

"TERMO CIRCUNSTANCIADO N° 001-B/2005-SR/DPF/SC

(Lei nº 9.099 de 26/09/95 e Lei nº 10.259 de 21/07/01)

Aos 29 dia(s) do mês de agosto de 2005, no Município de Campos


Novos/SC, na localidade de Corredeira, onde se encontrava o(a) Delegado(a)
de Polícia Federal ANNIBAL WUST DO NASCIMENTO GAYA, compareceu
o(a) CONDUTOR(A) RAUL PEREIRA SACKIS, Agente de Polícia Federal,
Matrícula n° 149, lotado(a) e em exercício na DPF/IJI/SC, expondo os
seguintes fatos:

1 - ORIGEM: operação de fiscalização conjunta realizada pela Justiça


do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Polícia
Federal

2 - EXECUÇÃO:

2.1 - Data/Hora do início da ocorrência: 29.08.2005, às 10:00 horas


2.2 - Data/Hora do término da ocorrência: 29.08.2005

3 - LOCAL DA INFRAÇÃO: Fazenda de propriedade da empresa


IMARIBO S/A INDUSTRIA E COMÉRCIO, situada no Município de Campos
Novos, na localidade de Corredeira.

4 - DESCRIÇÃO DO FATO: em face de denúncia proveniente do


MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, relatando trabalho em condições
degradantes e outras irregularidades, em fazendas situadas na parte rural do
Município de Campos Novos, foram deslocados Policiais Federais e
representantes da Justiça do Trabalho, da Procuradoria Regional do Trabalho,
da Delegacia Regional do Trabalho e do Ministério do Trabalho, objetivando a
realização de fiscalização no local. Foi constatada a presença de diversos
trabalhadores, laborando em condições precárias, para o empregador
IMARIBO SA INDUSTRIA E COMERCIO, cujo representante legal é JOÃO
MENDES NETO, enquadrando-se nas penas do artigo 19, parágrafo 2, da Lei
8213/91. Em análise da situação encontrada, percebeu-se que os
trabalhadores almoçavam sem as mínimas condições de conforto e higiene
para realizarem as refeições, sem a garantia de água potável, inclusive com a
utilização de recipientes de uso coletivo, o que é proibido pela legislação. As
instalações sanitárias e de moradia de igual forma não atendiam as condições
de higiene e conforto, sendo que o empregador mantinha os trabalhadores
laborando a céu aberto, sem que houvesse abrigo para protegê-los contra as
intempéries. Foram constatadas também irregularidades na área de saúde e
segurança no trabalho, tais como instalações sanitárias, local de alimentação e
cozinha inadequados, ausência de CIPA (Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes), ausência de laudo técnico de condições ambientais de trabalho e
PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), além de irregularidades
no depósito de alimentos, ao lado de produtos químicos. Parte dos
empregados tinham suas Carteiras de Trabalho retidas pelo empreiteiro
ANTONIO IVO MENDES DOS SANTOS por prazo superior ao permitido pela
legislação. Após busca realizada nas sedes das empresas de propriedade de
ANTÖNIO IVO MENDES DOS SANTOS e ELI ÄNGELO DEBASTIANI, foi
constatada a existência de documentos relativos ao vínculo empregatício,
assinados em branco pelos empregados, com aposição de dados e
informações futuras, tais como pedidos de demissão, recibos da entrega das
CTPS´´s e de salários, advertências, recebimento de verbas, entrega de EPI´´s
(Equipamentos de Proteção Individual), autorizações de descontos nos
vencimentos, entre outros, fatos que se enquadram no crime tipificado no artigo
203, caput, do Código Penal Brasileiro.

5 - INFRATORES:

5.1 - JOÃO MENDES NETO, nacionalidade brasileira, casado(a),


filho(a) de José de Almeida Mendes e Maria Leite Mendes, nascido(a) aos
26/06/1952, natural de Lages/SC, instrução terceiro grau completo, profissão
Engenheiro Florestal, documento de identidade n° 82050/SSP-PR, CPF
183.591.599-04, residente na(o) Av. Carlos Pisani, bairro Centro, Monte
Carlo/SC, fone (49)35460122, celular (49)99174292, endereço comercial na(o)
IMARIBO SA IND. E COMERCIO, estabelecida no mesmo endereço, bairro
Centro, Monte Carlo/SC

5.2 - ANTONIO IVO MENDES DOS SANTOS, nacionalidade brasileira,


casado(a), filho(a) de Delfino Daut dos Santos e Francisca Mendes dos Santos,
nascido(a) aos 18/05/1967, natural de Contenda/PR, instrução segundo grau
completo, profissão Empresário(a), documento de identidade n°
45053083/SSP-PR, CPF 633.635.009-63, residente na(o) Rua Domingos Rigo,
n.269, bairro Centro, Monte Carlo/SC, fone (49)35460186, celular
(49)99170621, endereço comercial na(o) ANTONIO IVO MENDES ME.,
localizada no mesmo endereço, bairro Centro, Monte Carlo/SC

5.3 - LUIZ CLAUDIO FLESCH, nacionalidade brasileira, casado(a),


filho(a) de Claudio Otto Flesch e Leontina Silveira Flesch, nascido(a) aos
11/08/1959, natural de Campos Novos/SC, instrução primeiro grau completo,
profissão Empreiteiro, documento de identidade n° 939.631-4/SSP-SC, CPF
430.255.799-00, residente na(o) Rua Coronel Lucidoro, n.222, bairro Santo
Antônio, Campos Novos/SC, fone (49)35441972, endereço comercial na(o)
EMPREITEIRA DE MÃO-DE-OBRA FLESCH, estabelecida no mesmo,
endereço, bairro Santo Antônio, Campos Novos/SC

5.4 - ELI ANGELO DEBASTIANI, nacionalidade brasileira, casado(a),


filho(a) de Salvador Presilio Denastiani e Sustene Zanchett, nascido(a) aos
13/05/1949, natural de Campos Novos/SC, instrução segundo grau completo,
profissão Empreiteiro, documento de identidade n° 253134/SSP-SC, CPF
141.346.409-20, residente na(o) Rua Coronel Farrapo, n.1042, bairro Centro,
Campos Novos/SC, endereço comercial na(o) ACED Veículos e Máquinas,
estabelecida no mesmo endereço, fone (49)35412244

6 - TIPIFICAÇÃO DO FATO: ANTONIO IVO MENDES DOS SANTOS,


incurso no artigo 203, caput, do Código Penal Brasileiro; LUIZ CLÁUDIO
FLESCH, incurso no artigo 19, parágrafo 2 da Lei n.8.213/91; JOÃO MENDES
NETO, incurso no artigo 19, parágrafo 2 da Lei n.8.213/91 e ELI ÄNGELO
DEBASTIANI, incurso no artigo 203, caput, do Código Penal Brasileiro.

7 - PROVIDÊNCIAS ADOTADAS: apreensão das Carteiras de Trabalho


retidas e demais documentos que comprovam os ilícitos praticados.

8 - VÍTIMA/OFENDIDO: União Federal

9 - TESTEMUNHA(S):

9.1 - ROBERTO CARLOS DE ALMEIDA, Analista Judiciário, matrícula


2248, lotado e em exercício no Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região.

9.2 - VANDERLEI HINCKEN, Analista Judiciário, lotado e em exercício


no Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região.

10 - DESPACHO ORDENATÓRIO DA AUTORIDADE POLICIAL:


10.1 - Apreendam-se, por termo próprio, as Carteiras de Trabalho e
demais documentos arrecadados;

10.2 - Formalizem-se Termos de Compromisso para imediato


comparecimento dos infratores acima qualificados perante o Juízo da Vara do
Trabalho de Joaçaba/SC, consoante entendimento mantido com os
Procuradores do Trabalho e de acordo com a Emenda Constitucional
n.45/2004;

10.3 - Em face de entendimento mantido, proceda-se à entrega do


material apreendido ao Juízo da Vara do Trabalho de Joaçaba, presente na
lavratura deste ato, mediante recibo no Termo de Apreensão.

Os infratores foram advertidos da obrigatoriedade de comunicação de


eventuais mudanças de endereços, em face das prescrições do Art. 224 do
CPP. Determinou a Autoridade o encerramento do presente que, lido e achado
conforme, assina com o(a) condutor(a), o(a, s ) infrator(a, ras, res), as
testemunhas e comigo, Marina Parracho Leal Rosa, Escrivão(ã) de Polícia
Federal, que o lavrei." (Grifamos)

"TERMO CIRCUNSTANCIADO N° 0016/2005 - SR/DPF/SC

(Lei nº 9.099 de 26/09/95 e Lei nº 10.259 de 21/07/01)

Aos 09/09/2005, no Fórum da Comarca da Justiça Estadual em Santa


Cecília/SC, onde se encontrava o(a) Delegado(a) de Polícia Federal RAFAEL
MEDEIROS RATAICHESKI, compareceu o(a) CONDUTOR(A) NELSON DE
FREITAS BARBOSA FILHO, Agente de Polícia Federal, Matrícula n° 2431354,
lotado(a) e em exercício nesta SR/DPF/SC, expondo os seguintes fatos:

1 - ORIGEM: Operação de fiscalização conjunta realizada pela Justiça


do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Polícia
Federal.

2 - EXECUÇÃO:

2.1 - Data/Hora do início da ocorrência: 09/0972005, às 09h 30min

2.2 - Data/Hora do término da ocorrência:09/09/2005

3 - LOCAL DA INFRAÇÃO: Fazenda Pecã Antiga Fazenda do Schenke


Santa Cecília/SC

4 - DESCRIÇÃO DO FATO: Visando apurar denúncia versando sobre a


presença de diversos trabalhadores vivendo e trabalhando em condições
degradantes na Fazenda Pecã, sita na periferia do município de Santa
Cecília\SC, administrada por ETZUKO NAKAYAMA, procedeu-se à fiscalização
do local por parte de membros da Justiça do Trabalho, Ministério Público
Federal do Trabalho, Delegacia Regional do Trabalho e da Polícia Federal.
Com efeito, no local foram encontrados ao todo dezessete trabalhadores, entre
eles três menores de idade, um deles com treze anos de idade, vivendo em
condições precárias, em alojamentos improvisados, construídos sobre o barro,
constituídos basicamente de gravetos e outros pedaços de madeira
sustentando precariamente pedaços de lona, em meio a insuportável mau
cheiro e completa insalubridade. Testemunhou-se a infringência das mais
diversas medidas previstas na legislação trabalhista e sanitária, inclusive
mediante a utilização de recipientes de uso coletivo repletos de água salobra e
impura, não havendo qualquer indicação de presença de instalações sanitárias.
Tal fazenda é de propriedade de ZENSUKE NAKAYAMA, japonês naturalizado
brasileiro, sogro de ETZUKO NAKAYAMA, japonesa com visto de permanência,
cujo esposo, TAMON NAKAYAMA, encontra-se atualmente no município de
Goiás, sendo ETZUKO NAKAYAMA a efetiva administradora da referida
propriedade. A extração de madeira na Fazenda Pecã é realizada pelos
próprios compradores da mesma, mediante contrato com os administradores
da fazenda, sendo os responsáveis pela extração da madeira as empresas
TOFISA DO BRASIL SA e MADEIREIRA AJB-JOSÉ ALDORI DE BARROS ME,
sendo funcionário da primeira, responsável pelos seus contratos nesta região,
MARCOS ROBERTO GRANEMANN, sendo proprietário e gerente da segunda,
respectivamente JOSÉ ALDORI DE BARROS e PAULO MENEGOSSI. Ambas
empresas subcontratam outras empresas a fim de que forneçam a mão de obra
necessária. A empresa TAFISA BRASIL SA conta com a mão-de-obra fornecida
pela empresa JF SERVIÇOS FLORESTAIS, sendo proprietário da mesma
NELSON SILVA DE SOUZA, o qual conta como sócio de fato VALDOMIRO
GRANEMAN FILHO. A MADEIREIRA AJB conta com a mão-de-obra fornecida
por JOÃO EMÍLIO PADILHA, proprietário, juntamente com sua esposa
REJANE, da empresa PADILHA E FRANCO LTDA. Ressalte-se que vários dos
trabalhadores alegam ter adquirido gêneros alimentícios e outros no mercado
Glória, de propriedade de PAULO MENEGOSSI, como parte de pagamento de
seus salários, gerando inclusive descontos salariais indevidos. Resta
evidenciada, em função do sistema de terceirização e até mesmo de
quarteirização, com subempreitada de subempreitada para empresas sem
idoneidade financeira, a frustração dos mais diversos direitos assegurados pela
legislação trabalhista em prol dos trabalhadores, razão pela qual subsume-se a
conduta no tipo penal previsto no art. 203 do Código Penal Pátrio, bem como
vislumbra-se a prática da contravenção penal prevista no art. 19, par. 2o., da
Lei do Plano de Benefícios da Previdência Social.

5 - INFRATORES:

5.1 - ETSUKO NAKAYAMA, nacionalidade japonesa, casado(a), filho(a)


de Midori Tsuchiya e Mamoru Tsuchiya, nascido(a) aos 04/01/1951, natural de
Inawashiro/KE, instrução primeiro grau incompleto, profissão Empresário(a),
documento de identidade n° RNE W113243-N/CIMCRE/CGPMAF, residente
na(o) Rua Papa João XXIII nº 53, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone
(49)32442066, endereço comercial na(o) Rua Papa João XXII nº 65, bairro
Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)32442245

5.2 - MARCOS ROBERTO GRANEMANN, nacionalidade brasileira,


casado(a), filho(a) de Pedro Granemann Andrade e Maria Sirley Granemann
Andrade, nascido(a) aos 07/02/1973, natural de Caçador/SC, instrução
segundo grau completo, profissão Técnico Agrícola, documento de identidade
n° 2.976.019/SSP/SC, CPF 777.681.329-04, residente na(o) Rua Guilherme
Rauen nº 450, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)32440209, celular
(41)99461350, endereço comercial na(o) Loteamento Pôr do Sol, Às margens
da BR 116, ao lado da balança, bairro Área Industrial, Santa Cecília/SC, fone
(49)32442575

5.3 - VALDOMIRO GRANEMANN FILHO, nacionalidade brasileira,


casado(a), filho(a) de Valdomiro Granemann e Etelvina de Medeiros
Granemann, nascido(a) aos 05/05/1954, natural de Santa Cecília/SC, instrução
primeiro grau incompleto, profissão Motorista, documento de identidade n°
245.873/SSP/SC, CPF 249.333.509-06, residente na(o) Rua Papa Pio XII nº
163, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)32442762

5.4 - NELSON SILVA DE SOUZA, nacionalidade brasileira, casado(a),


filho(a) de João Maria de Souza e Ana Silva de Souza, nascido(a) aos
04/06/1964, natural de Curitibanos/SC, instrução primeiro grau incompleto,
profissão Motorista, documento de identidade n° 1.963.426/SSP/SC, CPF
701.983.149-49, residente na(o) Rua Leandro Granemann nº 448, bairro
Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)32443047

5.5 - PAULO MENEGUSSI, nacionalidade brasileira, casado(a), filho(a)


de Antenor Menegussi e Maria Menegussi Boeira, nascido(a) aos 03/01/1965,
natural de Bom Jesus/RS, instrução segundo grau completo, profissão
Administrador(a), documento de identidade n° 1.332015-7/SSP/SC, CPF
518.427.429-49, residente na(o) Av. Nakayama s/nº, Em cima do
SUPERMERCADO GLÓRIA, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone
(49)32440385, celular (49)88059228, endereço comercial na(o) Rua Geral nº
65, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)32442531

5.6 - JOSÉ ALDORI DE BARROS, nacionalidade brasileira, casado(a),


filho(a) de Manoel José da Silva Barros e Nilda de Lourdes Pereira Barros,
nascido(a) aos 15/05/1965, natural de Campo Belo do Sul/SC, instrução
segundo grau completo, profissão Industrial, documento de identidade n°
1.822.426/SSP/SC, CPF 540.913.909-78, residente na(o) Av. XV de Novembro
nº~734, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)32442159, celular
(49)88059231, endereço comercial na(o) Rua Geral nº 65, bairro Industrial,
Santa Cecília/SC, fone (49)32442531

5.7 - JOÃO EMÍLIO PADILHA, nacionalidade brasileira, casado(a),


filho(a) de Sebastião Padilha e Esmenia Mello Padilha, nascido(a) aos
09/09/1954, natural de Curitibanos/SC, instrução primeiro grau incompleto,
profissão Motorista, documento de identidade n° 807.631/SSP/SC, CPF
310.152.399-00, residente na(o) Rua Dercilio Granemann nº 87, bairro São
Cristóvão, Santa Cecília/SC, fone (49)32440242

6 - TIPIFICAÇÃO DO FATO: ETSUKO NAKAYAMA, Art. 19, § 2º, da Lei


nº 8213/91 e Art. 203 do Código Penal Brasileiro, MARCOS ROBERTO
GRANEMANN, Art. 19, § 2º, da Lei nº 8213/91 e Art. 203 do Código Penal
Brasileiro, VALDOMIRO GRANEMANN FILHO, Art. 19, § 2º, da Lei nº 8213/91
e Art. 203 do Código Penal Brasileiro, NELSON SILVA DE SOUZA, Art. 19, § 2º,
da Lei nº 8213/91 e Art. 203 do Código Penal Brasileiro, PAULO MENEGUSSI,
Art. 19, § 2º, da Lei nº 8213/91 e Art. 203 do Código Penal Brasileiro, JOSÉ
ALDORI DE BARROS, Art. 19, § 2º, da Lei nº 8213/91 e Art. 203 do Código
Penal Brasileiro e JOÃO EMÍLIO PADILHA, Art. 19, § 2º, da Lei nº 8213/91 e
Art. 203 do Código Penal Brasileiro.

7 - PROVIDÊNCIAS ADOTADAS: Tendo-se em vista o cumprimento de


Mandado de Busca e Apreensão levado a termo no escritório da empresa
TAFISA DO BRASIL SA em PIÊN\PR, por determinação do MM Juiz do
Trabalho, deixa-se de proceder à apreensão dos mesmos no âmbito deste
Termo Circunstanciado, sendo que tais documentos, por determinação da
autoridade judicial, deverão ser remetidos á Justiça do Trabalho a fim de
instruírem processo criminal.

8 - VÍTIMA/OFENDIDO: União Federal.

9 - TESTEMUNHA(S):

9.1 - CARLOS AUGUSTO CHALUPE KARKOW, Agente de Polícia


Federal, Matrícula n° 3497, lotado(a) e em exercício nesta SR/DPF/SC.

10. Despacho ordenatório da autoridade policial

- Formalizem-se os competentes Termos de Compromisso para fins de


imediato comparecimento dos infratores acima qualificados perante o Juízo da
Vara do Trabalho da Comarca de Curitibanos/SC, consoante entendimento
mantido com o ilustre representante do Ministério Público Federal do Trabalho
e da Justiça do Trabalho, e de acordo com a Emenda Constitucional n.
45/2004.

- Proceda-se ao preenchimento dos respectivos Boletins de


Antecedentes e Conduta Social, anexando-os ao presente termo, extraindo-se
cópia da carteira de identidade dos infratores

Elaborado o Termo de Compromisso para comparecimento à Justiça do


Trabalho, bem como o Boletim de Antecedentes e Conduta Social, encaminhe-
se o presente ao MM. Juiz do Trabalho da Circunscrição Judiciária de
Curitibanos/SC, conforme entendimento mantido com os Procuradores do
Trabalho e de acordo com a emenda constitucional nº 45/2004. O(A, s)
infrator(a, res, ras) foi(am) advertido(a, s) da obrigatoriedade de comunicação
de eventuais mudanças de endereços, em face das prescrições do Art. 224 do
CPP. Determinou a Autoridade o encerramento do presente que, lido e achado
conforme, assina com o(a) condutor(a), o(a, s ) infrator(a, ras, res), as
testemunhas, na presença de seu(sua, s) advogado(a, s) EMERSON
WELLINGTON GOETTEN, inscrito na OAB/SC sob n° 9756, com escritório na
Rua Tânia Ceolla Gaudêncio nº 45,, bairro Centro, Santa Cecília/SC, fone
(49)32442420 e MARCO TÚLIO GRANEMANN DE SOUZA, inscrito na
OAB/SC sob n° 3240, com escritório na Av. Getúlio Vargas nº 227,, bairro
Centro, Santa Cecília/SC, fone (49)2442080, e comigo, Rogério Daniel
Schacht, Escrivão(ã) de Polícia Federal, que o lavrei." (Grifamos)

Termo de transação penal da Justiça do Trabalho (Vara do Trabalho de


Indaial/SC):

"TERMO DE AUDIÊNCIA

TERMO CIRCUNSTANCIADO

Aos vinte e nove dias do mês de julho do ano dois mil e cinco, às 16:45
horas, na sede da Fazenda de propriedade da Karsten S/A, situada na
localidade de Ribeirão Espinho, Bairro Encano Alto, neste Município de Indaial,
por ocasião de diligência efetuada nos autos do processo 00965-2005-033-12-
00-0, presente o Sr. Juiz do Trabalho, Dr. REINALDO BRANCO DE MORAES,
o Procurador do Ministério Público do Trabalho, DR. MARCELO J. FERLIN
D’AMBROSO, o Delegado de Polícia Federal, DR. ANNIBAL WUST DO
NASCIMENTO GAYA e o Diretor de Secretaria desta Unidade Judiciária, SR.
EDWIN KRAUTLER.

Trata-se de Termo Circunstanciado n. 001-A/2005 – DPF.B/IJI/SC.

Presente o indiciado, Sr. FRANCISCO GONÇALVES DOS SANTOS,


que nomeia no ato como seu procurador, o Dr. Nilberto Loos, OAB/SC 1879,
nos termos do art. 266 do CPP.

Aberta a audiência preliminar, nos termos do art. 72 da Lei 9099/95, e


esclarecidos ao indiciado os fatos objeto deste Termo Circunstanciado, foi
preliminarmente proposta a conciliação, nos termos do art. 76 da lei 9099/95,
pelo Ministério Público do Trabalho, sendo aceita nos seguintes termos:

1. O indiciado efetuará a entrega até 31/08/2005, às 14:00 horas, na


Secretaria da Vara do Trabalho de Indaial de 15 (quinze) cobertores de solteiro
para destinação a Asilo ou entidade similar em Indaial ou Blumenau, a critério
do Juízo, inclusive entregando Nota Fiscal quando da entrega.

2. O indiciado deverá comparecer na sala de audiências da VT de


Indaial, na última sexta-feira de cada mês, às 14:00 horas, no período de
agosto a novembro/2005, apresentando em cada ocasião o original da guia
GFIP relativa ao próprio mês e ao anterior de seus empregados.

ACOLHO A PROPOSTA ACEITA PELO INDICIADO, APLICO A PENA


RESTRITIVA DE DIREITOS E MULTA AO INDICIADO, NAS BASES
INDICADAS NOS ITENS 1 E 2 ACIMA, DEVENDO SER OBSERVADO O
CONSTANTE NO PARÁGRAFO 6O DO ARTIGO 76 DA LEI 9099/95,
CONSIDERANDO ESTE JUÍZO SER DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO O EXAME DA MATÉRIA POR FORÇA DA EC 45/04 E POR
APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 2O, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI
10259/01.
No caso de não cumprimento das condições acima expostas,
comunique-se o Ministério Público do Trabalho para as providências cabíveis.

Foi entregue cópia da presente ata ao indiciado e ao Ministério Público


do Trabalho, bem como ao Delegado da Polícia Federal (encerramento às
17:15 horas).

Cientes os presentes.

Nada mais.

DR. REINALDO BRANCO DE MORAES

Juiz do Trabalho

DR. MARCELO J. FERLIN D’AMBROSO

Procurador do Trabalho"

Por estes exemplos, trazidos à baila para mera ilustração, pode-se ver
que vários feitos criminais já foram submetidos à jurisdição trabalhista que a
eles respondeu satisfatoriamente e nos termos da lei processual penal em
vigor, como faria qualquer outro órgão do Judiciário, fosse ele estadual ou
federal.

A prática demonstra, desta maneira, a absoluta propriedade da atração


das ações penais oriundas e decorrentes da relação de trabalho pela Justiça
do Trabalho, e desmistifica o injustificável preconceito existente em relação à
atuação criminal dessa especializada que está bem se desincumbindo de seu
novo mister constitucional (competência criminal).

Ressalte-se, ainda, que a pretensão do Procurador Geral da República,


em aplicar efeito ex tunc na "interpretação conforme" implicará na nulidade de
diversas transações penais que já ocorreram na Justiça do Trabalho, muitas
das quais, inclusive, integralmente cumpridas! Este pleito é que traz
insegurança ao jurisdicionado, que fica na expectativa de atos perfeitos e
acabados serem trazidos por terra por força de uma ação precipitada.

5. VIABILIDADE DO FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO PELO


ACRÉSCIMO DE SUA COMPETÊNCIA: RAZÕES QUE ESCLARECEM
PORQUE A JUSTIÇA DO TRABALHO NÃO SE CONGESTIONARIA A PARTIR
DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA CRIMINAL

A preocupação atinente à possibilidade de congestionamento da Justiça


do Trabalho quanto à competência criminal, embora pertinente, quando
estudada mais acuradamente revela exatamente o efeito contrário: a jurisdição
penal trabalhista tem o condão de diminuir a litigiosidade nas relações capital x
trabalho.
Com efeito, atualmente, embora existente um Título do Código Penal
dedicado aos crimes contra a organização do trabalho, a prática revela a
inexistência de um efetivo Direito Penal do Trabalho.

Na verdade, a falta de jurisdição especializada para o trato da matéria


levou, ao longo do tempo, quase que ao desuso dos tipos penais contidos nos
arts. 197/207 e, também, com relação aos demais identicamente aplicáveis às
relações de trabalho (art. 132 do CP – periclitação da vida ou saúde do
trabalhador; 121, §3º - homicídio culposo em acidente do trabalho; 129, §6º -
lesão corporal culposa em acidente do trabalho; art. 297, §§3º e 4º - omissão
de anotação em CTPS; art. 299, caput – falsidade ideológica, especialmente
por documentos em branco ou nos falsos "cooperativismos"; art. 19, §2º, da Lei
8213/91 – descumprimento de normas de higiene, saúde e medicina do
trabalho; art. 3º, da Lei 5553/68 – retenção de CTPS, etc.).

Importante destacar que, em matéria de acidentes do trabalho, os


inquéritos policiais, em todo o território nacional, são arquivados
sistematicamente, em sua grande maioria, em face de conclusão por "culpa
exclusiva da vítima", e.g.: "levou choque porque não viu o fio desencapado";
"foi vitimado porque não colocou o cinto"; etc. Logo, muito embora o volume de
ações trabalhistas acidentárias, as correspondentes ações penais acidentárias
são ínfimas, justamente porque a falta de conhecimento especializado do ramo
comum do Judiciário a que afeta a competência anterior à EC 45/04 não
permitia a correta visualização dos ilícitos dos empregadores em condutas tais
como: falta de fornecimento de EPI’s, não adoção de EPC’s, entrega de EPI’s
inadequados; falta de fiscalização do uso de EPI’s, não implemento ou
descumprimento do PPRA e PCMSO, etc.

Tocante aos demais ilícitos, tão comuns nas relações de trabalho, como
coleta de assinatura em branco em TRCT’s, folhas de pagamento, recibos de
entrega de EPI’s, contratos de trabalho, etc., controles paralelos de jornada,
anotações falsas no cartão-ponto, salário extra-folha, trabalho sem registro,
saque fraudulento do FGTS, percepção fraudulenta do seguro-desemprego,
etc., etc., ficam sempre relegados a segundo plano nos demais ramos do
Judiciário, cujo enfoque de atuação é completamente distinto da Justiça do
Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.

Mutatis mutandi, para se traduzir o que isso representava antes da EC


45/04, seria o mesmo que colocar na jurisdição trabalhista a apreciação de
questões atinentes à evasão de divisas, sonegação fiscal, v.g., que certamente
ficariam preteridas em meio às costumeiras lides laborais. Ou, por outra forma,
levar os delitos militares ao trato pela Justiça Eleitoral, numa incongruência
sem par.

Daí se vê a absoluta incoerência do sistema judiciário brasileiro anterior


à EC 45/04 em manter ações penais oriundas da relação de trabalho com
processo e julgamento perante órgãos estranhos à matéria.

Sustenta-se, pois, a necessidade de conhecimento especializado para o


trato dos delitos cometidos nas relações de trabalho, sem o qual as normas
penais trabalhistas não tem eficácia prática e, per viam consequentiae,
persistem as violações criminosas à legislação social, multiplicando as ações
trabalhistas que sobrecarregam a Justiça do Trabalho hodiernamente.

E não se trata de trazer para a jurisdição trabalhista um sem número de


delitos que pudesse comprometer a eficiência no processamento e resolução
dos litígios afetos à sua normal competência, mas de delitos específicos, como
por exemplo:

- Código Penal: art. 132, caput; art. 171, caput; arts. 197 a 297 (na
forma da Súmula 115 do TFR); art. 288, caput (quando relacionado ao
cometimento de crimes trabalhistas); art. 297, §§3º e 4º; art. 299, caput; art.
355 (tergiversação e patrocínio infiel nas lides trabalhistas) e outros crimes
relativos à administração da Justiça do Trabalho;

- Legislação Penal esparsa: art. 19, §º2, da Lei 8213/91; art. 3º da Lei
5553/68; art. 1º, XIII, do Dec. Lei 201/67 (burla ao concurso público); art. 20 da
Lei 7716/89 (discriminações nas relações de trabalho).

Veja-se, i.e., que a prática processual trabalhista no Estado de Santa


Catarina, iniciada em meados de 2005, embora nos seus primórdios, traz uma
realidade em números, e, invariavelmente, comprovam repetição dos mesmos
ilícitos supracitados afetos às relações de trabalho (dados aproximados,
coletados a partir de julho/2005):

- 16 denúncias-crimes ajuizadas;

- 6 Termos Circunstanciados lavrados pela Polícia Federal e


encaminhados à JT;

- 12 transações penais lavradas, incluindo 01 sursis processual e três já


integralmente cumpridas;

- 25 a 30 audiências criminais realizadas;

- 1 processo com instrução encerrada e concluso para sentença.

A prática catarinense está sendo acompanhada pelo Judiciário


Trabalhista paulista, ou pelo Ministério Público que nela atua na região, que,
apesar de iniciada mais tardiamente, no início do ano de 2006, já possui 02
denúncias-crimes ajuizadas, acumulando outras quase 400 (ligadas à um único
tema: fraude de direitos trabalhista mediante a utilização de cooperativas),
além de outras, que aguardam a apreciação, seja em função do declínio da
competência pelos Juízes Estaduais (e até mesmo federais), seja pela
constatação de tipicidade penal das condutas pelo próprio "Parquet" Laboral ou
pelos Juízes do Trabalho que acabam por a ele remeter.

Os números, mesmo considerando São Paulo – de acordo com a


abrangência daquela Regional – como o Estado que tem o maior número de
demandas, em função da concentração de empresas e indústrias - não são
capazes de inviabilizar a Justiça do Trabalho, mas muito pelo contrário, os
efeitos dessa pequena prática processual penal trabalhista são
surpreendentes, pois, ad exemplum, na Vara do Trabalho de Indaial (Santa
Catarina), nas pautas que participa o Ministério Público do Trabalho todas as
lides são conciliadas, tendo o empresariado local solicitado a realização de um
seminário para esclarecimento das condutas que caracterizam ilícito penal
trabalhista a fim de proceder sua adequação à nova realidade.

Ou seja, a jurisdição penal trabalhista é limitada a algumas condutas


capituladas no ordenamento como delituosas, e o seu exercício, ainda que em
pequena escala, estimula a solução amigável das lides laborais e contribui para
a erradicação de comportamentos graves e nocivos ao trabalhador e à própria
sociedade, como trabalho e salário sem registro (informalidade e sonegação de
direitos sociais), falsas anotações de jornada, etc., diminuindo, por
conseguinte, o grau de litigiosidade nas relações entre capital x trabalho.

6. DA QUESTÃO DA COMPETÊNCIA E A CORRUPÇÃO NO BRASIL, E SEUS


EFEITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO-LABORAL – NECESSIDADE DE
DEFINIÇÃO IMEDIATA, MESMO QUE EM CARÁTER LIMINAR (NEGATIVO
DA PRETENSÃO) DA COMPETÊNCIA

A experiência demonstra que nos casos mais graves de violação do


ordenamento jurídico a serem enfrentados pelo Estado, a primeira defesa dos
acusados é própria daqueles que não tem defesa: questionar a
atribuição/competência do órgão acusador e do órgão julgador.

E, ao se considerar o tempo que pode ser dispensado para apreciação


desse tipo de matéria, conclui-se rapidamente que ela não favorece a aplicação
efetiva de justiça. Citamos como exemplos os processos de n.
2003.41.00.005924-8/RO, 2003.41.005294-4/RO, 2003.41.00.003994-5/RO,
2003.41.00.003992-8/RO, 2003.41.00.004263-1/RO, 2003.41.00.004261-4/RO,
e 2003.41.00.005929-6/RO, que correm no eg. TRF da 1ª Região. Tratam-se
de denúncias-crimes e prisões preventivas propostas conjuntamente pelo
MPT/MPF em casos envolvendo, em tese, exploração de trabalho em
condições análogas à escravidão. As peças foram ajuizadas no ano de 2003, e,
por força de decisão do juízo, que reconheceu a incompetência da Justiça
Federal para processar e julgar a demanda, os processos estão sendo levados
ao STF, aguardando, pois, até hoje, uma decisão preliminar que fixará apenas
qual é o juízo competente. Eventualmente definida a competência em favor da
Justiça declinante, será aproveitado o processamento desenvolvido na Justiça
Estadual ou isto apenas estimulará exceções dilatórias de nulidades
processuais, a suscitar novos atrasos na efetiva apreciação meritória?

Outra situação demonstrativa vem da própria Justiça do Trabalho. Uma


das primeiras ações civis públicas ajuizadas na Justiça Especializada, no início
da década de 1990, somente neste segundo semestre de 2005 obteve decisão
do TST que reconheceu a legitimidade do MPT e a competência laboral para o
pleito. O Parquet trabalhista obrigou-se a pedir a perda do objeto, pois,
passados doze anos decorridos da propositura, o provimento jurisdicional
postulado deixou de ser útil à sociedade.
O elo de conexão entre a divisão de competência/atribuições e a
corrupção fica claro quando se visualiza, na população, o incômodo efeito da
mora estatal na apreciação de questões que demandam sua atuação: há uma
desconfortável sensação de impunidade gerada pelo sistema.

Ora, se houver uma rápida resposta do Judiciário que diga da violação


ou não do ordenamento jurídico no caso concreto, a dúvida se desvanece e os
infratores saberão quais as conseqüências da repetição da conduta, se lícita ou
ilícita. No entanto, se, do contrário, protela-se a decisão meritória da quaestio,
é inevitável interpretar-se por uma complacência com o ilícito noticiado, pois o
Estado, sabedor de uma possível violação aos preceitos legais, permanece por
um bom tempo inerte diante da situação.

Sabe-se que impunidade e corrupção têm entre si laços indissolúveis


de proximidade em relação causa-conseqüência. Mora e complacência, na
resolução de problemas, não estimulam outra coisa senão o descrédito do
Poder constituído, e, na medida em que isto ocorre, a própria corrupção do
sistema, favorecendo as violações da lei.

No âmbito trabalhista, a situação é trágica: o título do Código Penal


dedicado aos crimes contra a organização do trabalho é quase letra morta ante
o desuso dos operadores do direito quanto aos tipos penais que decorrem da
relação de trabalho. A pouca jurisprudência existente sobre os delitos em
questão costuma ser negativa (quando não ocorrentes a prescrição, fato
comum nos delitos deste tipo, por serem de menor potencial ofensivo), e raras
as condenações, mesmo quando a Justiça Obreira constatam, em definitivo, as
fraudes para frustrar os direitos previstos na legislação trabalhistas, nos casos
individuais ou coletivos (em função da ação civil pública) postos.

As conseqüências desastrosas dessa dura realidade são sentidas no


quotidiano forense da Justiça do Trabalho – o trabalho informal, a sonegação
de direitos mediante diversas fraudes (recibos em branco, truck-system,
falsificação de assinaturas dos empregados, controle paralelo de jornada,
salário "extra-folha", falso cooperativismo, constituição irregular de pessoas
jurídicas, discriminações, e, pior, isto ocorrendo no âmbito da própria
Administração Pública), ou, ainda, a simulação de ações trabalhistas para
constituição de crédito privilegiado e burla a credores, etc., são todas condutas
gravíssimas, mas de repúdio social diminuído ante a tolerância criminal
estabelecida ao longo do tempo pela falta de competência penal da Justiça
especializada. A ponto de se chegar ao cúmulo da existência de seminários
propagando formas de evitar a atuação do Ministério Público do Trabalho, e
postergar a incidência das sanções civis na renda da empresa, pasme-se!
Fosse isto ocorrer em relação à atividade de outros ramos do Parquet, não se
entenderia por apologia ao crime?

A que ponto se chegou no Estado brasileiro para que o crime


organizado trabalhista se institucionalize dessa forma? Mas não é necessário ir
além: alguma vez, no Brasil, se tratou da questão referente ao combate de
crime organizado trabalhista?
Outro exemplo: a odiosa exploração de trabalhadores em condição
análoga à escravidão, embora atualmente enfrentada de forma incisiva pelo
Estado brasileiro, notoriamente através das forças-tarefas entre MPT, Polícia
Federal e DRT, permanece no silêncio jurisdicional quanto ao tipo do art. 149
do Código Penal. Prisão preventiva nesses casos é algo raro. E onde está a
pretensão punitiva alardeada pelo Procurador Geral da República, nesses
casos? Se aguardando prescrição, certamente não é nos escaninhos da
Justiça do Trabalho que, repise-se, não tem atuado nas hipóteses do art. 149
do Código Penal por se entender, que, embora de forma anacrônica, tal delito
mesmo quando decorrente da relação de trabalho ainda permanece na seara
da Justiça Federal, por força do disposto no art. 109, IV, V-A e VI, da CF.

A atuação cível do MPT, na área trabalhista, tem sido suficiente para


debelar o problema? Como resposta, se vê o constante agigantamento do
número de ações trabalhistas, a multiplicação e o desdobramento das fraudes,
cada vez mais engenhosas no que concerne à precarização das relações de
trabalho e frustração de direitos da massa trabalhadora. Administradores
públicos criando formas tergiversas e esdrúxulas de contratação, mesmo
mediante terceirização e quarteirização, visando a evitar o vínculo com o órgão
e, por conseguinte, o concurso público. Ainda, o encerramento de atividades de
pessoas jurídicas constituídas com o fito de burla de direitos sociais e o
desaparecimento dos sócios geram a impunidade na área trabalhista e a
insuficiência das condenações pecuniárias: sentenças fadadas à
inexeqüibilidade.

O que resta desse resultado é o sentimento de impunidade, pela


ausência (não por previsão legal, mas factual, diante da inexistência de
conhecimentos específicos dos demais ramos de direito sobre as fraudes na
relação de trabalho) de uma forma repressiva (criminal) que atinjam os
infratores exatamente naquilo que eles tiram dos seus empregados: a liberdade
- mesmo quando a conduta jurisdicional (Judiciário Trabalhista) reconhece a
ocorrência do fato jurídico.

Daí a premência de se definir de uma vez por todas, com base na


Emenda Constitucional nº 45/05, e em respeito ao princípio da unidade de
convicção, a competência criminal (na negativa de liminar da ADI, pelos
motivos expostos) da Justiça do Trabalho, a fim de expugnar da realidade fática
o sentimento de impunidade e fazer prevalecer, como deve ser todas as
decisões calcadas na competência absoluta, a soberania das decisões judiciais
trabalhistas proferidas pela Justiça do Trabalho.

Se vale a lembrança, a LOMPU prevê mais de vinte instrumentos de


atuação do Ministério Público da União. Por força de restrição da competência
da Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho tinha apenas dois: a
ação civil pública e a ação civil coletiva. Não é preciso muita digressão para se
concluir pela absoluta insuficiência destes dois instrumentos para debelar as
múltiplas lesões ao ordenamento jurídico social. Urge, pois, consagrar a
competência criminal da Justiça do Trabalho para que ela possa acolher o
INSTRUMENTO DE ATUAÇÃO POR EXCELÊNCIA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO, que é a AÇÃO PENAL.

7. CONCLUSÃO

Considerando o exposto, conclui-se que a ADI 3.684 atendeu,


meramente, ao pedido da ANPR, como bem menciona a peça de ingresso,
desconsiderando completamente a lógica de mudanças e racionalização do
Poder Judiciário contida na EC 45/04, que explicita as competências da Justiça
do Trabalho (art. 114, incisos e parágrafos), e a da Justiça Federal (art. 109, V-
A e §3º), no particular.

De qualquer forma, é importante que a matéria venha a ser apreciada já


em sede liminar, porém não nos termos postulados na ADI, mas mediante seu
indeferimento, com a definição em sede de liminar negativa, do órgão
competente para apreciar as questões penais oriundas da relação de trabalho
(Justiça do Trabalho, pelos motivos exaustivamente abordados). Tal medida
debelaria, mesmo que precariamente, as controvérsias e as resistências
existentes sobre o tema, sejam elas endógenas ou exógenas, e evitaria
prejuízos à atividade persecutória do Estado via Ministério Público do Trabalho
e Justiça do Trabalho nas infrações ilícitas criminalmente tipificadas, cuja
configuração formal depende da noção jurídica da relação de trabalho - a qual,
repise-se, somente pode ser dada pela Justiça especializada, quando mais,
considerando que a continuidade das dúvidas acerca da competência,
desprestigia a Justiça e o Parquet laborais e favorece os infratores.

Em remota hipótese de acolhimento das alegações constantes da ADI


em apreço, jamais deveria ser concedida liminar nos moldes em que requerida
pelo Procurador Geral da República, já que a eficácia ex tunc postulada
quebraria o princípio da segurança jurídica, deitando por terra toda a atividade
penal judiciária trabalhista já efetivada. Assim, até em respeito às transações
penais já cumpridas, os efeitos deveriam ser limitados de forma ex nunc,
preservando-se, pois, os atos já praticados nos feitos criminais encerrados ou
em trâmite na Justiça do Trabalho.

E, para qualquer caso, mesmo se eventualmente vier a ser reconhecida


a incompetência da Justiça do Trabalho, deveria haver definição em favor do
Ministério Público do Trabalho para a promoção das ações penais cabíveis no
órgão jurisdicional que se declinar como competente para conhecer das
questões criminais oriundas e ou decorrentes das relações de trabalho. De
modo que, se entendida como inexistente na EC 45/04 a especialização
judiciária para o trato das questões criminais trabalhistas, pelo menos restaria
preservada a especialização do órgão denunciante ao formular as acusações e
trazer ao Judiciário as condutas que encontram tipificação na legislação sócio-
penal.

NOTAS

01 Passa-se a citar trechos do livro História do Trabalho, do Direito do


Trabalho e da Justiça do Trabalho, de autoria conjunta de IRANY FERRARI,
AMAURI MASCARO NASCIMENTO e IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
FILHO, nos estudos em homenagem a CASIMIRO COSTA (São Paulo: LTr,
1998), por especiais, no que concerne à história da Justiça do Trabalho e sua
relação com o tema desta dissertação.

02 Cfr. BAYLOS, A. y TERRADILLOS, J. Derecho Penal del Trabajo – 2


ed. Rev. – Madrid: Editorial Trotta, 1997

03 Para efeito da competência distribuída com base no princípio da


unidade de convicção, "é irrelevante a província taxionômica das normas
aplicáveis ao caso, se direito trabalhista, civil ou penal, e, pois, também a
natureza mesma da responsabilidade..." (CC 7.204-1, extraído do voto Ministro
Cezar Peluso).

04 Em recente decisão do STF, de 28.06.2005, no julgamento do HC


85096, o Ministro Relator SEPÚLVEDA PERTENCE deixou assentado que:
"sendo o habeas corpus de natureza penal, a competência para o seu
julgamento será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material
subjacente seja de natureza civil, como no caso de infidelidade de depositário
em execução de sentença".

05 Lei orgânica do Ministério Público da União: lei complementar nº 75,


de 20 de maio de 1993. Brasília: Ministério Público Federal, 1993, p. 09.

06 Neste diapasão: "Logo, por interpretação extensiva-analógica, e pelo


sistema jurídico pátrio não comportar distinção de qualquer espécie entre os
ramos do Ministério Público, todos de igual relevo e importância,
independentes e harmônicos entre si, desde a edição da LOMPU em 1993, é
possível o entendimento de que o Ministério Público do Trabalho exercerá as
suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para
defesa de direitos e interesses coletivos quando desrespeitados os direitos
sociais constitucionalmente garantidos, de direitos e interesses de menores,
incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho, do meio ambiente do
trabalho, de bens e direitos de valor social." In Revista LTr. 69-07/814, vol. 69,
n. 07, julho de 2005.

07 In REVISTA LTr. 64-02/157 (O Processo do Trabalho e os Direitos


Individuais Homogêneos – Um Estudo sobre a Ação Civil Pública Trabalhista),
fev./2000.

08 No particular, o então Presidente da AJUFE, Juiz PAULO SÉRGIO


DOMINGUES, em palestra proferida no Curso de Extensão em Trabalho
Escravo da Faculdade de Tecnologia e Ciências da Bahia, no Museu Eugênio
Teixeira Leal, em Salvador (de 17 a 22 de março de 2003), sustentou que
dificilmente um juiz federal rejeitaria denúncia-crime pelo simples fato de ser
ajuizada pelo MPT.

Autores
Viviann Rodriguez Mattos
procuradora do Trabalho na PRT 2ª Região (São Paulo), mestre em Direitos
Econômicos Especiais pela Universidade Ibirapuera (UNIB), especialista em
Interesses Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do
Estado de São Paulo, mestranda em Direito Administrativo pela PUC/SP.
José Eduardo de Resende Chaves Júnior
doutor em Direitos Fundamentais pela Universidad Carlos III de Madrid, juiz do
Trabalho em Belo Horizonte (MG), vice-presidente da Rede Latino-americana
de Juízes
http://www.redlaj.org
João Humberto Cesário
Juiz titular da Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia (MT), doutorando em
Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino,
mestrando em Direito Ambiental, professor de Teoria Geral do Processo e
Direito Processual do Trabalho
http://www.ambiencialaboral.blogspot.com/
Marcelo José Ferlin D’Ambroso
Procurador do Trabalho na Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região
(SC), pós-graduado em Trabalho Escravo pela Faculdade de Ciência e
Tecnologia da Bahia.
Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT


MATTOS, Viviann Rodriguez; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende et
al. Comentários à ADI nº 3684: em defesa da competência criminal da Justiça
do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1020, 17 abr. 2006. Disponível
em: <http://jus.com.br/revista/texto/8238>. Acesso em: 29 fev. 2012.

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