Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SUMÁRIO
Extradição e Identidade de Designação Formal
Desembargador e Sistema de Substituição
Política Estadual de Qualidade Ambiental Ocupacional
ICMS e Prestação de Serviço de Transporte
Inatividade e Acumulação de Proventos
Município: Alteração de Limites Territoriais
Meio Ambiente e Poluição: Competência Municipal
Concurso Público e Limite de Idade
Teto Remuneratório e Reserva de Iniciativa - 2
Exacerbação da Pena e Quantidade de Entorpecente
Direito de Recorrer em Liberdade
Serviços Funerários: Competência Municipal (Transcrições)
Associação e Legitimidade Ativa (Transcrições)
PLENÁRIO
Extradição e Identidade de Designação Formal
Deferido o pedido de extradição formulado pelo Governo dos Estados Unidos da América para entrega de
nacional jordaniano que responde por crime de conspiração para distribuição de substância química, previsto no
Código dos Estados Unidos, consistente na introdução no território norte-americano da substância
pseudoefedrina, matéria-prima utilizada na fabricação de metanfetamina, psicotrópico de uso controlado. O
Tribunal, embora reconhecendo que a pseudoefedrina não se inclui no rol das substâncias de uso proscrito no
Brasil, de acordo com a Portaria 344/98, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, atualizada pela
Resolução 254/93, entendeu que sua entrada no território brasileiro, sem documentação legal, caracterizaria o
crime de descaminho, previsto no art. 334, §1º, d, do CP, o qual encontra correspondência com o crime de
contrabando, previsto no Tratado de Extradição entre Brasil e Estados Unidos (Decreto 55.750/65), e que
consiste no tráfico de mercadoria sujeita ao pagamento de direito. Concluiu-se que a dupla tipicidade, em pedido
de extradição, prescinde da identidade de designação formal, sendo necessário apenas que a conduta seja
tipificada como crime tanto no país requerente como no país requerido. Precedente citado: Ext 669/EUA (DJU
de 29.3.96).
Ext 908/EUA, rel. Min. Ellen Gracie, 12.5.2004. (Ext-908)
PRIMEIRA TURMA
Exacerbação da Pena e Quantidade de Entorpecente
A Turma deu parcial provimento a recurso ordinário em habeas corpus para anular a parte do acórdão do
tribunal de justiça local que dera provimento à apelação do Ministério Público e, em conseqüência, triplicara a
pena-base, com fundamento apenas na grande quantidade de droga apreendida. A Turma, tendo em conta tratar-
se de crime de mera conduta — consistente na guarda de substância entorpecente —, considerou que o acórdão
recorrido, no ponto, carece de coerência lógico-jurídica, haja vista a desproporcionalidade entre a majoração da
pena e a única circunstância judicial considerada. Ressaltou-se, ainda, que a ausência de menção expressa do
nome do paciente na motivação do acórdão recorrido não importou na falta de exame da alegada tese de negativa
de autoria. RHC parcialmente provido para cassar o acórdão a fim de que outro seja proferido em observância da
natureza formal do delito e do conjunto das circunstâncias de individualização da pena, conforme dispõe o art.
59 do CP.
RHC 84082/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11.5.2004. (RHC-84082)
SEGUNDA TURMA
Direito de Recorrer em Liberdade
A Turma indeferiu habeas corpus, impetrado em favor de condenado pela prática de crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492/86), no qual se pretendia a revogação de prisão preventiva, decretada em
sede de recurso de apelação. Alegava-se, na espécie, que o paciente teria o direito de recorrer em liberdade pelo
fato de ser primário, de ter bons antecedentes e de ter permanecido solto durante todo o curso da instrução penal.
Considerando que as circunstâncias judiciais do crime e a personalidade do agente podem ser levadas em conta
na caracterização dos maus antecedentes do réu, para os fins do disposto no art. 594, do CPP, a Turma entendeu
fundamentado o decreto de prisão preventiva, expedido contra o paciente, na necessidade de garantir a ordem
pública, haja vista a periculosidade do paciente, caracterizada por sua conduta anti-social, a habitualidade, a
sofisticação e a ousadia na prática dos delitos. Afastou-se, ademais, a alegação de que o paciente teria direito de
apelar em liberdade por ter permanecido solto no curso da instrução processual, tendo em vista que esse fato se
originara de decisão concessiva de liberdade provisória, em razão de excesso de prazo. (CPP, art. 594: “o réu
não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes,
assim reconhecido na sentença condenatória, ...”). Precedentes citados: RHC 67116/RJ (RTJ 129/732), HC
72865/SP (RTJ 96/115) e HC 74500/PB (DJU de 7.3.97).
HC 83791/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 12.5.2004. (HC-83791)
C L I P P I N G D O D J
14 de maio de 2004
ADI N. 404-RJ
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA: TEMPO FICTO. Lei 1.713, de
11.7.90, do Estado do Rio de Janeiro, arts. 3º e 4º. C.F., art. 40, § 4º e § 10.
I. - A Constituição Federal estabelece tempo mínimo para a aposentadoria, não podendo norma infraconstitucional reduzi-lo mediante a
fixação de tempo ficto. C.F., art. 40, § 4º e § 10.
II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 609/DF, M. Corrêa p/ acórdão, “D.J.” de 03.5.2002; RE 227.158/GO, Jobim p/ acórdão,
Plenário, 22.11.2000.
III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.
* noticiado no Informativo 342
ADI N. 762-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL Nº 1.951/RJ, DE 26.01.1992. PENSÃO POR MORTE DE
SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. FALTA DE CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU DEPENDENTE. BENEFICIÁRIO. TERCEIRO
LEGATÁRIO EM TESTAMENTO OU INDICADO AO INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA ESTADUAL (IPERJ).
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. PRECEDENTE: ADIN Nº 240, REL. MIN. OCTAVIO GALLOTTI
1. Afronta ao art. 61, § 1º, II, c, por preterir a exigência de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo para a elaboração de normas que
disponham sobre servidores públicos e seu regime jurídico.
2. É inconstitucional a norma que permite a extensão da pensão por morte a pessoa não inserida no rol estabelecido ao art. 201, V da CF
(cônjuge, companheiro ou dependente).
3. Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 1.951, de 26.01.1992.
* noticiado no Informativo 342
MED. CAUT. EM ADI N. 2.984-DF
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
MEDIDA PROVISÓRIA. REVOGAÇÃO. POSSIBILIDADE. EFEITOS. SUSPENSÃO DA TRAMITAÇÃO PERANTE A CASA
LEGISLATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE RETIRADA DE MP DA APRECIAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 32. IMPOSSIBILIDADE DE REEDIÇÃO DE MP REVOGADA.
1. Porque possui força de lei e eficácia imediata a partir de sua publicação, a Medida Provisória não pode ser “retirada” pelo Presidente da
República à apreciação do Congresso Nacional. Precedentes.
2. Como qualquer outro ato legislativo, a Medida Provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia.
Precedentes.
3. A revogação da MP por outra MP apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para
apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a MP ab-rogante.
4. Conseqüentemente, o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na MP revogada.
5. O sistema instituído pela EC nº 32 leva à impossibilidade - sob pena de fraude à Constituição - de reedição da MP revogada, cuja matéria
somente poderá voltar a ser tratada por meio de projeto de lei.
6. Medida cautelar indeferida.
* noticiado no Informativo 319
RE N. 325.822-SP
REL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o
patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição. 3.
Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CF,
deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “ relacionados com as
finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b”
e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário
provido.
* noticiado no Informativo 295
RE N. 366.168-SC
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: Competência: Justiça comum: ação popular contra o SEBRAE: L. 4717/65 (LAP), art. 20, f; CF, art. 109, IV; Súmula 516.
1.O SEBRAE não corresponde à noção constitucional de autarquia, que, para começar, há de ser criada por lei específica (CF, art. 37, XIX) e
não na forma de sociedade civil, com personalidade de direito privado, como é o caso do recorrido.
Por isso, o disposto no art. 20, -f-, da L. 4717/65 (LAP), para não se chocar com a Constituição, há de ter o seu alcance reduzido: não
transforma em autarquia as entidades de direito privado que recebam e apliquem contribuições parafiscais, mas, simplesmente, as inclui no
rol daquelas - como todas as enumeradas no art. 1º da LAP - à proteção de cujo patrimônio se predispõe a ação popular.
2. Dada a patente similitude da natureza jurídica do SESI e congêneres à do SEBRAE, seja no tocante à arrecadação e aplicação de
contribuições parafiscais, seja, em conseqüência, quanto à sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas, aplica-se ao caso a fundamentação
subjacente à Súmula 516/STF: “O Serviço Social da Indústria - SESI - está sujeito à jurisdição da Justiça estadual”.
* noticiado no Informativo 335
RE N. 378.932-PE
RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO
EMENTA: ADMINISTRATIVO. TRANSFORMAÇÕES DE FUNÇÕES COMISSIONADAS. REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DOS
SERVIDORES. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL.
Tendo em vista a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, não poderá ocorrer a diminuição do quanto já percebido
conforme o regime anterior, não obstante a ausência de direito adquirido à sua preservação.
Recurso extraordinário conhecido, mas improvido.
* noticiado no Informativo 323
AG. REG. NO RE N. 394.668-SP
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. DEFICIENTE OU IDOSO: SUBSISTÊNCIA. C.F., art. 203, V. Lei 8.743/93, art.
20, § 3º.
I. - A Constituição, art. 203, V, garante à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, desde que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei, um salário-mínimo. A Lei 8.743/93, art. 20, § 3º, exige, para
que se considere incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa, a família cuja renda mensal per capita seja
inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, disposição legal que o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade (ADI
1.232/DF).
II. - No caso, a versão fática do acórdão, inalterável em sede de recurso extraordinário, é no sentido da inexistência de rendimentos ou outros
meios de subsistência.
III. - Negativa de seguimento ao RE. Agravo não provido.
HC N. 83.992-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
HABEAS CORPUS. APELAÇÃO CONVERTIDA EM DILIGÊNCIA.
1. A conversão em diligência de recurso de apelação, determinada pelo relator, quando justificada, não constitui constrangimento ilegal,
principalmente quando vício algum contém a sentença condenatória.
2. HC indeferido.
RE N. 352.258-BA
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
CONCURSO PÚBLICO. PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO APÓS O TÉRMINO DO PRIMEIRO BIÊNIO.
IMPOSSIBILIDADE. ART. 37, III DA CF/88.
1. Ato do Poder Público que, após ultrapassado o primeiro biênio de validade de concurso público, institui novo período de dois anos de
eficácia do certame ofende o art. 37, III da CF/88.
2. Nulidade das nomeações realizadas com fundamento em tal ato, que pode ser declarada pela Administração sem a necessidade de prévio
processo administrativo, em homenagem à Súmula STF nº 473.
3. Precedentes.
4.Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 345
T R A N S C R I Ç Õ E S
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais
aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham
despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
__________________________________________________________________________________
RE 387990/SP
Daí o RE, interposto pelo SERVIÇO FUNERÁRIO DO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ, fundado no art. 102, III, a, da
Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 30, I e V, da mesma Carta, sustentando, em síntese, o seguinte:
a) as leis municipais discutidas, distintamente do que entendido pelo acórdão recorrido, não atribuem exclusividade à recorrente
para a prestação dos serviços de transporte intermunicipal de cadáveres; na verdade, a legislação municipal questionada trata do transporte
fúnebre, por estradas de rodagem, do Município de Santo André para outra localidade, devendo-se entender a expressão "outra localidade"
como regiões da periferia, distritos, estações balneárias e até bairros mais distantes do centro urbano, mas ainda dentro dos limites territoriais
do mesmo município;
b) o art. 3º da Lei municipal 3.394/70 não estabeleceu monopólio acerca da prestação de serviços funerários, dado que, a despeito de
o art. 1º da Lei estadual 9.055/94 estabelecer que a comercialização de caixões e urnas funerárias e a prestação de outros serviços são livres à
iniciativa privada, deve-se considerar a competência constitucional do Município para fixar o rol dos serviços públicos que a população local
necessita, valendo salientar que, "no caso de Santo André, os serviços funerários e de cemitérios são assumidos como serviço público por
força não apenas de lei ordinária, mas da própria Lei Orgânica do Município (...)" (fl. 148);
c) os serviços funerários não são atividades exploráveis economicamente pela iniciativa privada em regime de mercado e
competição, sendo certo que tais serviços, cuja titularidade legal é dos Municípios, por intermédio da autarquia recorrente, se submetem a
regime de direito público.
Admitido o recurso, subiram os autos.
O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto, opinou pelo provimento do recurso.
Autos conclusos em 16.02.2004.
Decido.
Assim o parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto:
"(...)
Este recurso é interposto de acórdão que, em grau de apelo, entendeu caber ao Estado legislar sobre serviços funerários,
porquanto ultrapassariam os lindes da competência legislativa municipal estabelecida na Carta Política, reduzida, no caso, aos
'interesses locais' da municipalidade.
Irresignado, o recorrente invoca lesão ao art. 30, I e V da CF/88 e quer cabível a iniciativa com fulcro na alínea 'a' do
permissivo constitucional.
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, o recurso é de ser provido.
Com efeito, a matéria não é desconhecida dessa Corte Suprema, que, em outra oportunidade, assim manifestou-se:
'Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em vista o disposto no art. 30, V, da
Constituição: aos Municípios compete 'organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os
serviços de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial'. Interesse local diz respeito a interesse
que diz de perto com as necessidades imediatas do Município. E não há dúvida que o serviço funerário diz respeito com
necessidades imediatas do Município. Leciona Hely Lopes Meirelles que 'o serviço funerário é da competência municipal, por
dizer respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o
transporte de cadáveres e a administração de cemitérios.' (Hely Lopes Meirelles, 'Direito Municipal Brasileiro', 10ª ed., 1998,
atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores, pág. 339). Esse entendimento é
tradicional no STF, conforme se vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes Lima, cujo acórdão está assim
ementado:
Ementa: Organização de serviços públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios podem,
por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos serviços funerários do comércio comum.' (RTJ 30/155)
....' (STF, ADIn 1.221/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso)
Assim, não cabendo maiores dilações sobre o tema, opina o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.
(...)." (Fls. 291-293)
Preliminarmente, registre-se que não há falar, no caso, em inconstitucionalidade. É que as leis municipais objeto da causa, Lei
1.800/62 e Lei 3.394/70, são anteriores à Constituição. Não há falar, tem decidido o Supremo Tribunal Federal, em inconstitucionalidade
superveniente. Teríamos, no caso, a teoria kelseniana do não-recebimento da norma anterior à Constituição e com esta conflitante. Noutras
palavras, as normas anteriores à Constituição, com esta incompatíveis, são revogadas pela Constituição nova.
Feito o registro, examinemos o recurso.
Realmente, os serviços funerários constituem serviços municipais, tendo em vista o disposto no art. 30, V, da Constituição. Assim
decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo seu Plenário, no julgamento da ADI 1.221/RJ, por mim relatada, portando o acórdão a seguinte
ementa:
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. MUNICÍPIO. SERVIÇO FUNERÁRIO. C.F., art. 30, V.
I. - Os serviços funerários constituem serviços municipais, dado que dizem respeito com necessidades imediatas do Município.
C.F., art. 30, V.
II. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." ("DJ" de 31.10.2003)
Destaco do voto que proferi por ocasião do citado julgamento:
"(...)
Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em vista o disposto no art. 30, V, da Constituição:
aos Municípios compete 'organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial'. Interesse local diz respeito a interesse que diz de perto com as
necessidades imediatas do Município. E não há dúvida que o serviço funerário diz respeito com necessidades imediatas do
Município. Leciona Hely Lopes Meirelles que 'o serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de
precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a
administração de cemitérios'. (Hely Lopes Meirelles, 'Direito Municipal Brasileiro', 10ª ed., 1998, atualizada por Izabel Camargo
Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores, pág. 339). Esse entendimento é tradicional no Supremo Tribunal
Federal, conforme se vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes Lima, cujo acórdão está assim ementado:
'EMENTA: Organização de serviços públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios podem,
por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos serviços funerários do comércio comum.' (RTJ 30/155).
(...)."
Assim posta a questão, conheço do recurso e lhe dou provimento. Não há verba honorária (Súmula 512-STF).
Publique-se.
Brasília, 13 de maio de 2004.
Ministro CARLOS VELLOSO
Relator
__________________________________________________________________________________
Associação e Legitimidade Ativa (Transcrições)
AI 382298 AgR/RS*
Voto-vista: Cuida-se de hipótese de ação rescisória com o objetivo de desconstituir acórdão proferido em ação civil pública apresentada por
associação na defesa de direitos individuais homogêneos.
Para tanto, a agravante, entre outros argumentos de sua ação rescisória, alegou a falta de legitimidade ativa da associação, nos
seguintes termos (fl. 14):
“c.1 - não reconheceu a ilegitimidade da APADECO, como já havia acontecido com o já citado Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor no E. STJ, onde, considerando os interesses dos associados deste último como individuais homogêneos,
deu-se pela ilegitimidade ativa da autoria e pela impropriedade da tutela face, também, à diferença entre contribuinte e
consumidor. De tal forma, a ação civil pública deveria ter sido extinta, ex-vi” do art. 267, VI, do CPC;
c.2 - violou o art. 5, XXI, da Constituição Federal de 1988 e, novamente, pela presença da ilegitimidade ativa, o art. 267,
VI, do CPC – porque entendeu desnecessária a expressa autorização dos interessados individuais para a representação em
juízo, só dispensável, à luz do Código de Defesa do Consumidor (arts. 81 e 82) e Lei nº 7.347/85 (arts. 1º e 5º, II), quando se
trate de ação onde se hajam de preservar interesses difusos, inclusive de consumidores, o que não era o caso;
c.3 - não fez a devida diferenciação das relações obrigacionais entre “contribuintes” e “consumidores”, de tal forma que,
aceitando umas pelas outras, violou os arts. 2º, 3º, 81 e 82, IV, do Código do Consumidor e arts. 3º e 121, do CTN, além dos
arts. 5º, XXXII, e 150, II e 170, V, da CF/88 definidores de quem é consumidor e de quem é contribuinte (sujeito passivo de
obrigação tributária);” (...).
O acórdão recorrido extraordinariamente definiu os limites da discussão da seguinte forma (fl. 73):
“Todos os argumentos apresentados pela União, como ressaltou o ilustre membro do Ministério Público Federal,
constituem decorrências lógicas de uma única questão jurídica: a saber se é possível a proteção de contribuintes em sede de
ação civil pública (fls. 118)”.
Verifica-se, que o cerne da questão está na qualificação dada aos assim chamados substituídos pela associação na defesa de seus
interesses individuais homogêneos: se consumidores ou contribuintes, tendo a agravante suscitado tal questionamento inclusive sob
argumento constitucional, conforme se depreende do trecho de sua ação rescisória acima transcrito.
O acórdão recorrido extraordinariamente entendeu que (fl. 73):
“... se a lei autoriza a propositura de ação civil pública por associações que incluam entre suas finalidades institucionais,
entre outras, a proteção ao consumidor ou a qualquer interesse difuso ou coletivo e a APADECO, expressamente, tem por
finalidade essencial promover a defesa do consumidor, de acordo com as normas do Código de Defesa do Consumidor
(CODECOM) e legislação correlata, como também dos contribuintes e quaisquer outras pessoas, relativamente aos danos
causados ao meio ambiente e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, na forma da Lei de Ação Civil Pública e legislação
vigente, não há falar em ilegitimidade ativa.
Creio que seria quase desnecessário ressaltar, porquanto a doutrina posterior à edição do Código de Defesa do
Consumidor é unânime nesse aspecto, que a ação civil pública não se presta somente para a tutela de interesses difusos e
coletivos, serve também para a proteção dos interesses individuais homogêneos, como o dos consumidores de gasolina e álcool
no período de vigência do Decreto-Lei nº 2.288, de 1986, que foram compulsoriamente contribuintes da exação lá prevista e
posteriormente considerada inconstitucional” (...).
Percebe-se, portanto, que o Tribunal de origem legitimamente decidiu as argüições trazidas pela agravante, principalmente quando
explicitou, conforme a passagem acima transcrita, que a agravada agiu na defesa dos interesses individuais homogêneos dos contribuintes da
exação prevista pelo Decreto-lei nº 2.288, de 23 de julho de 1986.
Dúvida não subsiste de que a legitimidade da autora para propor ação civil pública na matéria foi apreciada. E é esta, pois, a questão
jurídico-constitucional submetida à apreciação do Tribunal.
Entendo presente, assim, o requisito do prequestionamento, principalmente quando, conforme destacado anteriormente, “todos os
argumentos apresentados pela União (...) constituem decorrências lógicas de uma única questão jurídica: a de saber se é possível a proteção
de contribuintes em sede de ação civil pública” (fl. 73). Ao afirmar a legitimidade ativa da agravada, o Tribunal a quo manifestou-se clara e
inequivocamente pela legitimidade da ação civil pública na espécie, em flagrante contradição com a interpretação – igualmente de índole
constitucional – perfilhada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Este Tribunal já pacificou o entendimento segundo o qual as questões relativas às condições da ação, para serem apreciadas em sede
extraordinária, deverão ter sido objeto de debate no órgão jurisdicional de origem, não havendo cogitar conhecimento de ofício desta matéria
nesta instância. Nesse sentido, v.g., o AgRAI 145.493, 2ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 07.05.93; e o AgRAI 230.596, 1ª T., Rel. Min.
Moreira Alves, DJ de 01.02.02, este assim ementado:
“EMENTA: Agravo regimental.
- Em se tratando de recurso extraordinário, também as questões relativas às condições da ação não podem ser conhecidas
de ofício, uma vez que para o cabimento de recurso dessa natureza é mister que se observe o requisito constitucional dele que é
o prequestionamento de questão constitucional porventura a ele referente. E, no caso, não houve tal prequestionamento.
Agravo a que se nega provimento.”
Conforme demonstrado anteriormente, a agravante vem argüindo a ilegitimidade da agravada desde a sua petição de ação rescisória,
inclusive sob fundamento constitucional. Tendo a Corte de origem decidido expressamente pela legitimidade ativa da associação e a
recorrente atacado esta decisão em seu recurso extraordinário, não estaria o Supremo Tribunal Federal a atuar de ofício na apreciação das
condições da ação.
Ressalte-se, pois, que, no caso sob exame, busca-se rescindir “acórdão que confirmou sentença proferida em ação civil pública,
permitindo a devolução dos valores recolhidos, por todos os contribuintes no Estado do Paraná, a título do empréstimo compulsório sobre
aquisição de combustíveis instituído pelo Decreto-Lei nº 2.288/86” (fl. 70). Percebe-se que não há relação de consumo na espécie, pois
cuida-se, tão-somente, de uma imposição legal do poder público na cobrança de um tributo feita ao contribuinte, e não de um ato do
fornecedor a caracterizar uma relação de consumo (consumidor-fornecedor).
Esta Corte, quando do julgamento do RE 195.056, Plenário, Relator Ministro Carlos Velloso, já firmou o entendimento segundo o
qual o Ministério Público não possui legitimidade para apresentar ação civil pública com o objetivo de impugnar cobrança de tributos,
exatamente por não existir relação de consumo entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte). Esta posição foi
reafirmada recentemente pela Segunda Turma deste Tribunal, conforme se depreende do julgamento do AgRE 248.191, por unanimidade,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 25.10.02, assim ementado:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA: MINISTÉRIO PÚBLICO: TRIBUTOS: LEGITIMIDADE. Lei
7.347/85, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078/90 (Código do Consumidor); Lei 8.625/93, art. 25. C.F.,
artigos 127 e 129, III.
I. - O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança de
tributos ou para pleitear a sua restituição. É que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o
sujeito passivo (contribuinte) relação de consumo, nem seria possível identificar o direito do contribuinte com “interesses
sociais e individuais indisponíveis”. (C.F., art. 127).
II - Precedentes do STF: RE 195.056-PR, Ministro Carlos Velloso, Plenário, 09.12.99; RE 213.631-MG, Ministro Ilmar
Galvão, Plenário, 09.12.99, RTJ 173/288.
III. - RE conhecido e provido. Agravo não provido.”
Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a sua interpretação do
texto constitucional deve ser acompanhada pelos demais Tribunais, em decorrência do efeito definitivo absoluto outorgado à sua decisão.
Não se pode, com a manutenção de decisões divergentes, diminuir a eficácia das decisões do Supremo Tribunal Federal.
Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes sobre o mesmo tema, em instâncias inferiores, provocaria, além da
desconsideração do próprio conteúdo da decisão desta Corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da
Constituição.
A propósito, transcrevo, aqui, trecho da doutrina de Konrad Hesse, in A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre, Sergio
Antonio Fabris Editor, 1991, p. 34, por mim traduzido, referente à interpretação constitucional:
“(...) O Direito Constitucional deve explicitar as condições sob as quais as normas constitucionais podem adquirir a maior
eficácia possível, propiciando, assim, o desenvolvimento da dogmática e da interpretação constitucional. Portanto, compete ao
Direito Constitucional realçar, despertar e preservar a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung), que, indubitavelmente,
constitui a maior garantia de sua força normativa. Essa orientação torna imperiosa a assunção de uma visão crítica pelo
Direito Constitucional, pois nada seria mais perigoso do que permitir o surgimento de ilusões sobre questões fundamentais
para a vida do Estado.”
O entendimento de que há relação de consumo entre poder público e contribuintes revela-se afrontoso não só à força normativa da
Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. Admitir a adoção deste entendimento significa
fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal. Tal prática afigura-se tanto mais
grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle de constitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de
tramitação das questões em duas instâncias.
Portanto, em face do entendimento firmado por este Tribunal no sentido de que não há relação de consumo entre o contribuinte de
um tributo e o poder público, também mostra-se inviável a legitimação de associação, que tem como finalidade estatutariamente prevista
promover a defesa do consumidor (fl. 43), para apresentar ação civil pública na defesa de contribuintes.
Ante o exposto, com a devida vênia do Relator, conheço e dou provimento ao agravo regimental para, desde logo, dar provimento ao
recurso extraordinário e julgar procedente a ação rescisória, invertendo-se os ônus da sucumbência.