ACO 3508 - Agravo - Censo - IBGE - Orçamento

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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

Excelentíssimo Senhor Ministro MARCO AURÉLIO, Relator da Ação Cível


Originária nº 3.508

A UNIÃO, neste ato representada pelos seus Advogados infra-


assinados1, vem, respeitosamente, com fundamento no artigo 1.021 do Código de
Processo Civil, interpor

AGRAVO

em face da decisão monocrática que deferiu a liminar, pelos fatos e fundamentos


a seguir expostos.

1
Art. 4º, III, da Lei Complementar nº 73/1993; e Portarias de Delegação nº 476, de 16 de maio de 2007 (DOU de
17 de maio de 2007), e nº 1, de 22 de janeiro de 2019 (DOU de 23 de janeiro de 2019).
I – DO CASO DOS AUTOS

Trata-se de ação cível originária, com pedido de tutela provisória de


urgência, proposta pelo Estado do Maranhão em face da União e do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, por meio da qual o autor formula,
em síntese, os seguintes pedidos (peça nº 1, e-STF):

a) Inaudita altera pars, seja determinada aos Réus a imediata adoção de


todas as medidas (orçamentárias, administrativas e materiais)
necessárias à realização do Censo, de acordo com os parâmetros
adotados no âmbito da discricionariedade técnica pelo IBGE, inclusive
com a abertura de créditos em valores suficientes.
b) Ao final, seja confirmada a tutela provisória, julgando-se procedente
a ação nos termos elencados no item “a”.

Segundo o autor, o ajuizamento da ação decorre da “não


implementação dos atos administrativos e da alocação de recursos destinados à
realização do censo demográfico no ano de 2021”.

Informa que, no curso do processo legislativo orçamentário, embora


a previsão inicial alcançasse R$ 2 bilhões, “o Congresso Nacional reduziu
drasticamente o orçamento da pesquisa para R$ 71 milhões”. Cita que, após a
aposição de vetos ao texto final da Lei Orçamentária Anual pelo Chefe do Poder
Executivo federal, os recursos resultaram “em apenas R$ 53 milhões, o que
inviabilizou a execução do Censo”.

A fim de demonstrar sua legitimidade ativa para a causa, menciona a


importância do Censo demográfico a cargo do IBGE para o planejamento e para a
execução das políticas públicas estaduais, bem como o impacto de seus resultados
na dinâmica de transferências federais de recursos a Estados e Municípios. Reputa-
se “guardião e gestor da coletividade”, entendo competir-lhe “de tudo fazer no
sentido de realizar os direitos fundamentais”.

Argumenta que a conduta federal violaria os princípios da legalidade


e da eficiência (art. 37, caput, da CRFB/1988), aludindo às previsões contidas no

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art. 1º da Lei nº 8.184/1991 e no § 2º do art. 9º da LC nº 101/2000. Também
sustenta sua narrativa no direito à informação (art. 5º, XIV, da CRFB/1988) e na
suposta ausência de proporcionalidade da situação que deu causa à lide.

Vindos os autos à apreciação do Min. Relator, antes mesmo da


intimação da União para se manifestar sobre o que alegado na petição inicial,
restou deferida “a liminar, para determinar a adoção de medidas voltadas à
realização do censo, observados os parâmetros preconizados pelo IBGE, no
âmbito da própria discricionariedade técnica” (peça nº 7, e-STF).

Segundo a referida decisão, “A União e o IBGE, ao deixarem de


realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o
dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e
geografia de alcance nacional – artigo 21, inciso XV, da Constituição de 1988”.
Dessa forma, seria “imprescindível atuação conjunta dos três Poderes, tirando os
compromissos constitucionais do papel”.

Ato contínuo, a decisão foi submetida a referendo do Plenário (peça


nº 8, e-STF), tendo sido inserida na pauta da sessão virtual agendada para o período
de 07.05.2021 a 14.05.2021.

Intimada do decisum, a União, ante a indispensável concretização do


princípio constitucional do contraditório e com o intuito de contribuir para o
debate de questão de tamanha relevância social, interpõe o presente agravo
interno2.

II – DA NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO


AGRAVADA

2
Ainda que tenha sido agendado o referendo da liminar, revela-se fundamental, em um Estado Democrático de
Direito, seja oportunizado ao ente público alcançado pela decisão precária submetida a referendo colegiado trazer
os fundamentos que amparam a legitimidade de sua conduta, os quais hão de ser enfrentados pela Corte na sessão
de julgamento que venha a deliberar sobre a tutela de urgência agravada (art. 489, § 1º, IV, do Código de Processo
Civil). Essa é a utilidade principal deste agravo interno.

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Antes de serem demonstradas as razões de mérito que conduzem à
necessidade de reconsideração, reforma ou mesmo de não referendo da decisão
que deferiu a liminar, faz-se necessário suscitar questões preliminares, que
impedem seja conhecida a ação, sem prejuízo de outras que se revelem existentes
quando da apresentação futura da contestação.

Afinal, se há óbices que prejudicam a admissibilidade da demanda,


não haveria espaço jurídico-processual para que fosse analisado e concedido o
pedido de tutela provisória de urgência.

II.1 – Das questões preliminares

II.1.1 – Da inadequação da via eleita. Do controle de


constitucionalidade da Lei Orçamentária Anual por via transversa.
Da natureza subjetiva e inter partes da ação cível originária

Preliminarmente, cumpre observar que a questão invocada pelo


autor não é capaz de ser deduzida na via da ação cível originária (art. 247 e
ss. do RISTF), já que se traduz, em termos práticos, na impugnação abstrata
da Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021, a Lei Orçamentária Anual do
presente exercício (art. 165, III, da CRFB/1988).

Explica-se.

O Estado do Maranhão defende a insuficiência da autorização


orçamentária para a realização dos gastos referentes ao Censo demográfico
decenal, resultante do processo legislativo que culminou com a edição da Lei nº
14.144, a LOA de 2021.

Desse modo, advoga a inconstitucionalidade da dotação orçamentária


reservada pelos Poderes Executivo e Legislativo da União ao Censo a cargo do
IBGE. É por essa razão que pretende seja determinada à parte ré a adoção de

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medidas orçamentárias, sendo um de seus pedidos exatamente a “abertura de
créditos com valores suficientes” (peça nº 1, fl. 25, e-STF).

Ou seja, o ato federal questionado, tido como violador de preceitos


legais e constitucionais pelo autor, é justamente a Lei nº 14.144/2021.

Essa constatação tem como efeito principal a inadequação da via


eleita pelo Estado do Maranhão, pois a ação cível originária, processo de natureza
eminentemente subjetiva, possui contornos que não admitem a impugnação em
tese de atos legislativos.

Para situações desse tipo, a Constituição da República estabelece


modalidades próprias de ações de controle concentrado de constitucionalidade,
com requisitos e procedimentos próprios, inclusive no que toca à legitimação
ativa.

E nem se diga, por outro lado, que a lei orçamentária anual seria ato
legislativo de efeitos concretos ou específicos, insuscetível, portanto, de ser objeto
do controle abstrato de normas.

Como se sabe, a lei que fixa o orçamento anual do ente público é, na


linha da jurisprudência consolidada dessa Suprema Corte, passível de impugnação
na via abstrata do controle de constitucionalidade (ADI 4048 MC, Rel. Min.
GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2008, DJE nº 157/2008; e
ADI 5287, Rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 18/05/2016, DJE nº
194/2016).

Contudo, a via escolhida não foi nenhuma das opções inerentes ao


controle concentrado de normas, não sendo a ACO medida judicial adequada para
veicular pleito de invalidação de ato normativo emanado do Poder Legislativo.

Consequentemente, falece ao autor o indispensável interesse de agir,


em especial sob a vertente da adequação. Sobre o tema, são precisas as palavras
de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, para quem o que caracteriza o interesse

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processual ou interesse de agir é, em síntese, o “binômio necessidade-adequação;
'necessidade concreta da atividade jurisdicional e adequação de provimento e
procedimento desejados”3.

A par disso, a pessoa jurídica de direito público, no caso Estado-


membro, não possui legitimidade para a propositura das ações próprias do controle
abstrato de constitucionalidade, como se depreende da análise do rol estatuído no
art. 103 da Constituição Republicana de 1988 c/c os arts. 12-A da Lei nº
9.868/1999 e 2º, I, da Lei nº 9.882/1999.

Sabe-se que, no rol de legitimados previsto na Lei Fundamental,


constam a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal (art. 103, IV, da CRFB/88) e o Governador de Estado ou do Distrito
Federal (art. 103, V, da CRFB/88). Não há qualquer menção à pessoa jurídica de
direito público interno (Estado-membro ou Distrito Federal), motivo pelo qual,
ainda que se tratasse de uma ação direta de inconstitucionalidade, mereceria a
rejeição, por manifesta ilegitimidade ativa ad causam.

Quanto ao ponto, recorde-se, como bem destacado pelo Ministro


ROBERTO BARROSO no julgamento de agravo interno no ARE nº 883.638, que “O
ente federado, portanto, não se confunde com a pessoa do Governador para fins
de atuação nos processos de controle abstrato de constitucionalidade”4.

Portanto, a presente ação veicula pretensão incompatível com a sua


natureza. Somente através do controle concentrado de constitucionalidade de
normas seria possível contestar judicialmente, em abstrato, a Lei Orçamentária
Anual de 2021 e a correlata previsão de despesa para o Censo decenal do IBGE.

Por conseguinte, a presente ação merece ser extinta sem resolução de


mérito, diante da manifesta inadequação da via eleita, ante a formulação de pedido

3
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 406. (grifou-se)
4
ARE 883638 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/02/2018,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-073 DIVULG 16-04-2018 PUBLIC 17-04-2018.

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de afastamento abstrato de lei federal, nos termos dos incisos IV e VI do art. 485
do CPC.

II.1.2 – Da ilegitimidade ativa ad causam

Por outro lado, ainda que se considere a pretensão autoral compatível


com processo de feição subjetiva, cumpre observar a ilegitimidade ativa ad
causam do Estado do Maranhão, óbice processual que impede o conhecimento
da ação e, consequentemente, a análise do pedido de tutela provisória de urgência
(art. 17 c/c art. 485, VI, do CPC).

Conforme assinala HUMBERTO THEODORO JR., os “legitimados ao


processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A
legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a
passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão”5.

Assim, tendo em vista se tratar de um processo de natureza subjetiva


(art. 102, I, “f”, da CRFB/1988 c/c art. 247 e ss. do RISTF), apenas seria admitida
a legitimação ordinária do autor caso fosse ele, em tese, o possível titular do direito
pretendido.

Ocorre que a demanda, em verdade, busca compelir a União e o IBGE


a adotar “providências” que apenas indiretamente afetam o Estado do Maranhão.

Embora não se ignore o impacto do Censo demográfico decenal para


o planejamento e para a execução das políticas públicas a cargo de todos os entes
federativos, esse fato, por si só, não legitima o Estado autor a perseguir em juízo,
singularmente, a pretensão posta nestes autos, haja vista inexistir correlação
direta e particularizada entre a realização do Censo e as atividades
desempenhadas pelo Poder Público estadual.

5
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol 1. 59 ed. rev., atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Forense, 2018. p. 192. e-book. (grifou-se)

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Considerados todos os reflexos diretos e indiretos do Censo, caso se
entendesse pela legitimidade autoral, abrir-se-ia flanco para todo e qualquer ente
federativo postular em juízo pretensão similar, inclusive os Municípios.

É possível fazer-se um paralelo com as hipóteses em que a


jurisprudência dessa Corte exige a pertinência temática para o ajuizamento de ação
direta de inconstitucionalidade. Em casos assim, esse Tribunal entende que o liame
mediato, indireto, não satisfaz o requisito da pertinência temática (v.g. ADI 4302
AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/2018,
DJE nº 063/2018).

Ora, com muito mais razão, em ações de cunho subjetivo, em que a


legitimidade para propor a demanda se extrai da identidade entre a parte autora e
o sujeito ativo da relação jurídica de direito material subjacente, não é possível
admitir-se o mero interesse mediato ou indireto como elemento justificador da
legitimação. Afinal, o que é vedado “ao menos” é necessariamente proibido “ao
mais” (a minori ad maius).

E nem se diga, ainda que por hipótese, que haveria de se falar em


legitimação extraordinária ou substituição processual, já que ausente qualquer
autorização legal para tanto, nos termos em que exige o art. 18 do CPC6.

Nessa mesma ordem de ideias, também há de se rejeitar o argumento


posto na inicial, no sentido de que, por ser “guardião e gestor da coletividade”, e
por lhe caber “de tudo fazer no sentido de realizar os direitos fundamentais”, seria
o Estado do Maranhão legitimado para propor a presente ação.

O papel concretizador dos direitos fundamentais, função exigida pela


ordem constitucional aos entes políticos, não confere legitimação ampla e
universal à Fazenda Pública, sob pena de se desvirtuarem por completo as regras

6
CPC: “Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo
ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.”.

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processuais, as quais, em última ratio, também encontram fundamento de validade
no texto constitucional, já que são expressão do devido processo legal e da noção
de processo enquanto garantia.

Em verdade, o argumento autoral confunde-se com o próprio papel


constitucional reservado ao Ministério Público, função essencial à justiça e a quem
compete, por força do art. 127 da Constituição, “a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Dessa forma, ainda que reconhecido seu dever constitucional de


efetivar, em máxima medida, os direitos fundamentais a nível local, descabe ao
Estado do Maranhão propor a presente ação, já que estranho à relação jurídica de
direito material que permeia a causa de pedir, restando patente a ilegitimidade
ativa ad causam.

II.2 – Das razões de mérito

II.2.1 – Da Lei Orçamentária Anual e do processo legislativo


orçamentário. Da violação aos princípios democrático e da
separação de Poderes. Da tese fixada na ADI nº 5.468. Do art. 166
da Constituição

A matéria controvertida gira em torno da redução operada na proposta


inicial de dotação orçamentária para o Censo demográfico do IBGE, estabelecida
no Projeto de Lei Orçamentária para 2021 enviado pelo Poder Executivo (PLN nº
28/2020 do Congresso Nacional), em comparação com o valor final constante da
LOA deste ano (Lei nº 14.144/2021)7.

Segundo informações da Secretaria de Orçamento Federal do


Ministério da Economia, o Poder Executivo federal encaminhou o Projeto de

7
Para mais informações sobre a tramitação e aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2021, ver: <
https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-orcamentarias#2021>. Acesso em: 05 mai. 2021.

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Lei Orçamentária Anual fazendo constar recursos da ordem de R$ 2,0 bilhões
para a elaboração do Censo 2021. “Entretanto, na tramitação do Projeto de Lei
nº 28 no Congresso Nacional - CN, diversas reduções em dotações foram
efetuadas para permitir o processo de emendamento, que é característico e
legítimo do processo legislativo na apreciação do orçamento”8 (Nota Técnica SEI
nº 20816/2021/ME, doc. anexo, grifou-se).

Nesse sentido, a SOF/ME informa que “Especificamente com


relação a ação orçamentária do 20U7 - Censo Demográfico, Agropecuário e
Geográfico, os cortes propostos pelo Congresso Nacional atingiram os recursos
alocados pelo Poder Executivo”9. Foram realizadas, no Parlamento brasileiro,
reduções da ordem de R$ 1,9 bilhão na rubrica do Censo.

Observa-se, desse modo, que o Congresso Nacional, no exercício de


sua competência constitucional relativa à apresentação de emendas ao projeto de
lei orçamentária encaminhado pelo Poder Executivo (art. 166, §§ 2º e 3º da
Constituição de 1988), deliberou por efetivar redução significativa nos valores
inicialmente destinados ao Censo de 2021.

Quando da apreciação, pelo Executivo, da lei enviada pelo


Legislativo, houve a necessidade da oposição de vetos, reduzindo-se diversas
dotações. No caso específico da ação do Censo, a redução foi de apenas R$ 17,8
milhões.

Justificando, de um modo geral, as reduções que se fizeram


necessárias, vejam-se as razões do veto político10 expostas na Mensagem
Presidencial nº 156, de 22 de abril de 2021 (doc. anexo):

8
As regras para a elaboração das emendas por parte do Congresso Nacional podem ser encontradas no Parecer
Preliminar sobre o Projeto de Lei nº 28/2020, do Congresso Nacional, que “estima a receita e fixa a despesa da
União para o exercício financeiro de 2021” (disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8936008&ts=1619180976768&disposition=inline>; acesso em: 05 mai. 2021), entre as
páginas 42 e 55 (doc. anexo).
9
Grifou-se.
10
Art. 66, § 1º, da Constituição da República.

ACO nº 3.508 10
A propositura legislativa constante dos Volumes IV e V trata das
dotações orçamentárias de ações e programas do Governo Federal, nos
termos propostos pelo Poder Executivo e aprovados pelo Congresso
Nacional.
Entretanto, verifica-se que o texto foi parcialmente modificado no curso
da tramitação legislativa. Além disso, a alteração de parâmetros
macroeconômicos ocorrida entre o envio da proposta e a sua efetiva
aprovação levaram à necessidade de reavaliação do total das
despesas obrigatórias. Em que pese a boa intenção do legislador e o
mérito das dotações acrescidas, a sanção integral das referidas dotações
contraria o interesse público. Isso porque, ao se levar em conta a real
necessidade das despesas obrigatórias projetadas para o exercício
em curso, os estudos técnicos indicam uma insuficiência de espaço
no Teto de Gastos para o pleno atendimento das despesas
obrigatórias e do orçamento impositivo.
Assim, para viabilizar a recomposição das dotações necessárias à
cobertura das despesas obrigatórias, impõe-se o veto parcial das
dotações orçamentárias constantes do projeto no montante necessário a
esse remanejamento. O veto dessas dotações permitirá a posterior
abertura de crédito suplementar em igual valor, conforme art. 166, § 8º
da Constituição da República.
Conforme a manifestação da Casa Civil da Presidência da República,
para a cobertura do valor de R$ 29,1 bilhões indicados pelo Ministério
da Economia, será necessário o veto de R$ 19,8 bi em despesas
classificadas como RP2, RP8 e RP9, e o bloqueio adicional de R$ 9
bilhões em despesas discricionárias. Quanto ao bloqueio, o mesmo será
feito por ato do Poder Executivo, conforme autorização contida no § 3º
do artigo 62 da Lei nº 14.116, de 2020 (LDO/2021), recentemente
modificada.
(destacou-se)

A tabela a seguir, constante da já citada Nota Técnica SEI nº


20816/2021/ME (doc. anexo, fl. 2), ilustra as reduções que foram operadas:

ACO nº 3.508 11
Ou seja, a insuficiência orçamentária questionada pelo Estado do
Maranhão decorre das naturais escolhas políticas de alocação de recursos feitas no
âmbito do processo legislativo, sobretudo a partir da atuação dos membros do
Congresso Nacional.

Acerca da elaboração e aprovação do orçamento, segundo se extrai


dos arts. 165, III, e 166 da Constituição de 1988, recorda-se que é de iniciativa do
Poder Executivo a lei que estabelece o orçamento anual, ao passo que cabe ao
Congresso Nacional, por meio de suas duas Casas, apreciar o respectivo projeto
de lei orçamentária.

É por meio da LOA que se estima a receita e se fixa a despesa do ente


público para determinado exercício financeiro, valendo-se dizer que, por força do
art. 167, I e II, da Lei Fundamental, são vedados “o início de programas ou
projetos não incluídos na lei orçamentária anual” e “a realização de despesas ou
a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou
adicionais”.

Sobre o assunto, MARCUS ABRAHAM esclarece que o orçamento


público

(...) desempenha o papel de um dos mais relevantes instrumentos de


planejamento e controle financeiro, contemplando, hodiernamente, a
participação conjunta do Poder Executivo e do Legislativo, tanto na
sua elaboração e aprovação, como também no controle da sua execução,
configurando um instituto fundamental no Estado Democrático de
Direito contemporâneo. É mais do que um documento meramente
técnico, uma vez que revela as políticas públicas adotadas pelo Estado
ao procurar atender às necessidades e interesses da sociedade,
conjugando-as com as pretensões e possibilidades de realização dos
cofres públicos11.
(destacou-se)

Trata-se, dessa forma, de ato constituído mediante a participação


conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo, onde restarão resguardadas as

11
ABRAHAM, Marcus. Reflexões sobre Finanças Públicas e Direito Financeiro. Salvador: Editora Juspodivm,
2019. p. 26.

ACO nº 3.508 12
condições materiais das políticas públicas a serem desenvolvidas ao longo do ano.
Detém, portanto, conteúdo essencialmente ligado ao princípio democrático, eis
que tende a refletir os programas políticos objeto do sufrágio popular.

Nesse contexto, são acertadas as palavras do Min. AYRES BRITTO,


para quem “A lei orçamentária é a lei materialmente mais importante do
ordenamento jurídico logo abaixo da Constituição”12.

Desse modo, pretensões como a da presente ação devem ser


apreciadas pelo Poder Judiciário com a devida cautela, a fim de evitar que se retire
a legitimidade da escolha democrática feita pelos Poderes eleitos e designados pela
Constituição como participantes do processo legislativo orçamentário. De fato, é
preciso ter em conta que o controle judicial do orçamento, ainda que não seja
excluído ab initio, tangencia aspectos fundamentais do princípio da separação
dos Poderes (art. 2º da CRFB/1988).

Aliás, a jurisprudência desse STF não ignora a importância da atuação


parlamentar quando da apresentação de emendas a projetos de lei orçamentária.
Bem por isso, quando decidiu o mérito da ADI nº 5.468, esse STF fixou a seguinte
tese:

Salvo em situações graves e excepcionais, não cabe ao Poder


Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação de
poderes, interferir na função do Poder Legislativo de definir
receitas e despesas da administração pública, emendando projetos
de leis orçamentárias, quando atendidas as condições previstas no
art. 166, § 3º e § 4º, da Constituição Federal.
(destacou-se)

Por seu caráter emblemático, note-se a ementa do mencionado


julgamento:

DIREITO CONSTITUCIONAL FINANCEIRO. FISCALIZAÇÃO


ABSTRATA DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. ANEXO DE LEI
ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA – LEI 13.255/2016). CONTROLE
FORMAL E MATERIAL. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA

12
ADI 4048 MC, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2008, DJe-157 DIVULG 21-
08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT VOL-02329-01 PP-00055 RTJ VOL-00206-01 PP-00232.

ACO nº 3.508 13
FIXADA A PARTIR DO JULGAMENTO DA ADI 4.048/DF.
PROCESSO LEGISLATIVO. LEGITIMIDADE ATIVA DA
ENTIDADE POSTULANTE, DIANTE DA HOMOGENEIDADE DE
SEUS MEMBROS, A REPRESENTATIVIDADE NACIONAL E A
PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE A IMPUGNAÇÃO E OS FINS
INSTITUCIONAIS DA ASSOCIAÇÃO REQUERENTE (Anamatra).
ALEGAÇÃO DE OFENSA À CLÁUSULA PÉTREA DA
SEPARAÇÃO DE PODERES (CRFB/1988, ART. 2º C/C ART. 60, §
4º). AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO PAUTADA EM DOIS
FUNDAMENTOS: A) O CASO É DE TÍPICA ATUAÇÃO DO
PODER LEGISLATIVO; E B) ATENDIMENTO AO DEVIDO
PROCESSO LEGISLATIVO, COM RESPEITO À INICIATIVA DE
PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA, DESEMPENHADA EM
CONSONÂNCIA COM A AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E
FINANCEIRA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (CRFB/1988, ART.
99). LEGÍTIMO CONTROLE ORÇAMENTÁRIO PELO PODER
LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DO ABUSO DO PODER DE
EMENDA. INOCORRÊNCIA DE DESVIO DE FINALIDADE OU
DE DESPROPORCIONALIDADE. CONFIGURAÇÃO DE
CENÁRIO DE CRISE ECONÔMICA E FISCAL. CORTES
ORÇAMENTÁRIOS EM DIVERSOS PODERES E POLÍTICAS
PÚBLICAS. AUSÊNCIA, NO CASO SUB EXAMINE, DE
CAPACIDADE INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO
PARA PROMOVER, EM SEDE DE CONTROLE ABSTRATO, A
COORDENAÇÃO DA LEI ORÇAMENTÁRIA COM O PLANO
PLURIANUAL (PPA) E AS RESPECTIVAS LEIS DE
DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO’S). O RELATÓRIO DA
COMISSÃO MISTA DE PLANOS, ORÇAMENTOS PÚBLICOS E
FISCALIZAÇÃO (CMO) DO CONGRESSO NACIONAL NÃO
VINCULA, POR SI SÓ, A APRECIAÇÃO DAS CASAS
LEGISLATIVAS DO PARLAMENTO FEDERAL. POSTURA DE
DEFERÊNCIA JUDICIAL EM RELAÇÃO AO MÉRITO DA
DELIBERAÇÃO PARLAMENTAR. APELO AO LEGISLADOR
QUANTO A EVENTUAL ABERTURA DE CRÉDITOS
SUPLEMENTARES OU ESPECIAIS DURANTE A EXECUÇÃO
ORÇAMENTÁRIA DO EXERCÍCIO (CRFB/1988, ART. 99, § 5º).
PEDIDO DE AÇÃO DIRETA DE INSCONSTITUCIONALIDADE
(ADI) CONHECIDO E, NO MÉRITO, JULGADO IMPROCEDENTE.
1) A separação dos poderes, sob o enfoque da pré-compreensão das
funções institucionais e constitucionais proporciona a interpretação
de que a atividade de "fixar" – isto é, de "deliberar acerca" e
"definir" – o orçamento corresponde a uma das típicas atribuições
do Poder Legislativo na seara do Estado Democrático de Direito
(CRFB/1988, art. 1º).
2) O Poder Judiciário, não obstante ostente iniciativa de
encaminhamento da proposta orçamentária que lhe é própria, não
interdita, do ponto de vista formal, que o controle sobre essa iniciativa
constitucionalmente consagrada seja realizado, de modo autônomo, em
sede parlamentar.

ACO nº 3.508 14
3) A separação de poderes, conquanto cláusula pétrea, não sofreu
violação nesta ação direta (CRFB/1988, art. 2º c/c art. 60, § 4º).
Primeiramente, porque a hipótese normativa impugnada (o Anexo IV da
LOA/2016) constitui-se como típica manifestação do Poder Legislativo
a respeito de proposição legislativa submetida à discussão parlamentar.
Em segundo lugar, na situação legislativa ora em apreço, as normas
procedimentais do devido processo legislativo (procedural due process
of law) foram devidamente atendidas – vale dizer: houve observância da
iniciativa da proposição legislativa, em estrito respeito formal à
autonomia administrativa e financeira da Justiça do Trabalho
(CRFB/1988, art. 99).
4) O “controle material” de espécies legislativas orçamentárias
corresponde a uma tendência recentemente intensificada na jurisdição
constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF), consoante se
verifica do excerto extraído da ementa do acórdão da ADI 4.048/DF,
Rei Min Gilmar Mendes:
(...)
5) O controle orçamentário pelo legislativo funda-se num corpo de
normas que é, a um só tempo, “estatuto protetivo do cidadão -
contribuinte” e "ferramenta do administrador público e de
instrumento indispensável ao Estado Democrático Direito para
fazer frente a suas necessidades financeiras".
(...)
7) O abuso do poder de emenda, assim como do descumprimento
das premissas de proporcionalidade (ou de razoabilidade), não
podem ser acolhidos quando suscitados de forma genérica, diante
da ausência de impugnação específica e adequada dos requisitos
normativos reveladores desses excessos invocados – em quaisquer
das tradições teóricas sustentadas (seja a do desvio do poder, seja a
da proporcionalidade, ou ainda a da razoabilidade).
(...)
9) O abuso parlamentar não se configura, sob o ângulo da
principiologia dos subprincípios da proporcionalidade
(necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito),
quando imposta a redução do orçamento público destinado a órgãos
e programas orçamentários, em decorrência de crise econômica e
fiscal.
(...)
11) A Jurisdição Constitucional, em face da tessitura aberta de
conformação legislativa prevista pelo inciso I do § 3º do art. 166 da
CRFB/1988, não detém capacidade institucional automática ou
pressuposta e não pode empreender, no âmbito do controle
abstrato, a tarefa de coordenação entre o Plano Plurianual (PPA) e
as respectivas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO’s) e Leis
Orçamentárias Anuais (LOA’s).

ACO nº 3.508 15
12) Consectariamente, diante da ausência de abusividade, deve-se
declarar que a função de definir receitas e despesas do aparato estatal
é uma das mais tradicionais e relevantes do Poder Legislativo,
impondo-se ao Poder judiciário, no caso, uma postura de deferência
institucional em relação ao debate parlamentar, sob pena de
indevida e ilegítima tentativa de esvaziamento de típicas funções
institucionais do Parlamento.
(...)
15) Pedido de ação direta de inconstitucionalidade conhecido e, no
mérito, julgado improcedente.
(ADI 5468, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
30/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01-08-
2017 PUBLIC 02-08-2017, destacou-se)

Ou seja, somente haveria de se falar em interferência do


Judiciário no orçamento aprovado pelo Legislativo, sobretudo quando a
questão impugnada resulta do emendamento parlamentar, em situações
graves e excepcionais, de desrespeito manifesto às regras previstas no art. 166,
§§ 2º e 3º, da Constituição. Afinal, como assegurado por essa Corte ao julgar a
ADI nº 5.468, “o orçamento corresponde a uma das típicas atribuições do Poder
Legislativo na seara do Estado Democrático de Direito”.

Ademais, registre-se que a parte autora em nenhum momento aduz


qualquer tipo de abuso de poder parlamentar ou de ofensa ao devido processo
legislativo (procedural due process of law). Não se alega, por exemplo, vício de
iniciativa no envio do PLOA de 2021 ou mesmo incompatibilidade das emendas
parlamentares apresentadas com o plano plurianual ou com a lei de diretrizes
orçamentárias (arts. 165, III, e 166, § 3º, I, da CRFB/1988).

Aliás, é preciso observar que o art. 166, § 3º, II, da Constituição,


quando estabelece as condições em que se tornam possíveis a apresentação de
emendas ao projeto de lei do orçamento anual, em nenhum momento
ressalva, quanto às despesas passíveis de anulação, as verbas destinadas ao
Censo ou a pesquisas demográficas em geral. Veja-se o dispositivo:

Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes


orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão

ACO nº 3.508 16
apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do
regimento comum.
(...)
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos
que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes
orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam
sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para Estados,
Municípios e Distrito Federal; ou
III - sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.
(destacou-se)

Logo, não há como sustentar que a ação do Censo de 2021 se


enquadraria em qualquer das exceções listadas nas alíneas do inciso II do §
3º do art. 166 da Constituição. Apenas as despesas com “dotações para pessoal
e seus encargos”, “serviço da dívida” e “transferências tributárias constitucionais
para Estados, Municípios e Distrito Federal” não podem ser objeto da anulação
de despesa que vise a compensar os gastos previstos nas emendas parlamentares.

E, como se depreende de lição fundamental da hermenêutica, onde a


norma não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Por outro lado, nem se argumente que o art. 1º da Lei nº 8.184/199113


teria acrescentado uma nova exceção às despesas passíveis de anulação quando da
compensação necessária para custear as emendas parlamentares. Qualquer
interpretação nesse sentido seria subjugar a Constituição à disciplina da legislação

13
Lei nº 8.184/1991: “Art. 1° A periodicidade dos Censos Demográficos e dos Censos Econômicos, realizados
pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), será fixada por ato do Poder Executivo, não
podendo exceder a dez anos a dos Censos Demográficos e a cinco anos a dos Censos Econômicos.”.

ACO nº 3.508 17
ordinária. Até porque, na ordem jurídica posta, em que vigora a supremacia do
texto constitucional, não se submetem decisões políticas fundamentais (art. 166, §
3º, II, da CRFB/1988) às maiorias de ocasião (art. 1º da Lei nº 8.184/1991).

Dessa forma, a decisão agravada, ainda que externalize


preocupação legítima, invade esfera privativa dos Poderes Legislativo e
Executivo, violando os princípios democrático e da separação de Poderes.

Ademais, revela-se incompatível com a própria jurisprudência desse


Supremo Tribunal Federal, em especial diante da ratio decidendi constante da ADI
nº 5.468, o que afeta, por certo, a necessário dever de estabilidade, integridade e
coerência das decisões judiciais (art. 926, caput, do CPC)14.

A esse respeito, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, por meio


da Nota SEI nº 117/2021/CGAO/PGACFFS/PGFN-ME (doc. anexo), ressalta o
risco que decisões judiciais isoladas podem provocar às decisões alocativas de
recursos adotadas na seara política, enfatizando o papel programático do
orçamento:

5. Em primeiro lugar, os pedidos formulados pelo autor da ação


consistem em intervenção judicial direta no processo de formulação
e execução do orçamento público, em clara invasão das
competências constitucionais dos Poderes Executivo e Legislativo, o
que implica em violação frontal do próprio princípio fundamental
da separação dos poderes (art. 2 da Constituição Federal). Por
refletir decisões alocativas sobre a utilização de recursos escassos,
decisões essas que impactam em praticamente todos os setores da
economia nacional, o orçamento público, não obstante seja traduzido
em forma jurídica, possui um aspecto eminentemente
programático, sendo a sua elaboração e aprovação competência
precípua dos Poderes Executivo e Legislativo, não obstante o papel
essencial de fiscalização exercido pelo Poder Judiciário e demais órgãos
de controle.
6. Sem sombra de dúvidas, constitui função precípua do poder judiciário
garantir que as normas sobre o planejamento e execução do orçamento
público, assim como as vinculações finalísticas impostas pela legislação
à aplicação de determinadas receitas, sejam devidamente cumpridas
pelos demais poderes. O que não cabe ao poder judiciário é substituir
as decisões legítimas adotadas pelos demais poderes pelas suas

14
CPC: “Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”.

ACO nº 3.508 18
próprias decisões. Políticas públicas complexas jamais serão
consistentemente implementadas por meio de decisões judiciais
isoladas.
(grifou-se)

Aqui, não se ignora a inafastabilidade da jurisdição. Apenas se


destaca, nas palavras de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO, o fato de que “o Poder
Judiciário não pode se imiscuir onde a Administração tenha agido razoavelmente,
dentro da legalidade e dos princípios”15.

Por sua vez, o caráter fundamental do direito à informação, referido


pelo decisum agravado, não é capaz de impor aos Poderes políticos constituídos,
em meio a uma grave crise econômica e sanitária, a realização do Censo
demográfico, em prejuízo às escolhas alocativas realizadas no curso do processo
legislativo orçamentário.

A competência material da União de “organizar e manter os serviços


oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional”,
prevista no art. 21, XV, da Constituição, expressamente utilizada como
fundamento pela decisão que concedeu a liminar, não pode ser lida, isoladamente,
como ensejadora da elaboração obrigatória do Censo demográfico em um período
que, como é de conhecimento público, demanda esforços e custos adicionais de
todo o Poder Público.

Isso porque as normas constitucionais carecem de serem interpretadas


de modo sistemático, tendo em conta o princípio da unidade da Constituição 16, o
que implica seja considerada tanto a estrutura constitucional do processo
legislativo orçamentário – aqui incluídas as normas que regem o emendamento

15
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 616.
16
Segundo Gilberto Bercovici, “O objetivo primordial do princípio da unidade da Constituição é o de evitar ou
equilibrar discrepâncias ou contradições que possam surgir da aplicação das normas constitucionais. A
interpretação constitucional, ao ser balizada pelo princípio da unidade da Constituição, tem por fundamento a
consideração de que todas as antinomias eventualmente determinadas serão sempre aparentes e solucionáveis,
tendo em vista a busca do equilíbrio entre as diversas normas constitucionais. (...) A Constituição deve sempre ser
entendida e interpretada em sua unidade, tendo em vista que todas as suas normas estão em mútua interação e
dependência.” (BERCOVICI, Gilberto. O princípio da unidade da Constituição. Revista de Informação
Legislativa. Brasília a. 37 n. 145 jan./mar. 2000. p. 97-98).

ACO nº 3.508 19
parlamentar ao projeto de lei orçamentária anual (art. 166, §§ 2º e 3º, da
CRFB/1988) – como os princípios democrático, da separação dos Poderes, da
proporcionalidade e da razoabilidade.

Por fim, registra-se que as informações aqui lançadas demonstram


que, ao contrário do que consta da decisão agravada, não houve propriamente
“corte de verbas”, porque a Lei nº 14.144/2021 (LOA) já entrou em vigor com a
dotação orçamentária que o autor reputa insatisfatória. Essa compreensão talvez
tenha sido influenciada pelo uso frequente do termo “contingenciamento” pelo
Estado do Maranhão em sua petição inicial, o que, no mínimo, é uma imprecisão
técnica, além de não corresponder com a verdade dos fatos.

Isso porque, o “contingenciamento” nada mais é do que a limitação


de empenho a que se refere o art. 9º da LC nº 101/2000 (LRF) 17, que pressupõe o
início da execução orçamentária e a vigência do orçamento, não se confundindo
com alterações promovidas pelo Congresso Nacional ainda no curso do processo
legislativo orçamentário18. É exatamente por isso que a invocação da vedação

17
LC nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal): “Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a
realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal
estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos
montantes necessários, nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo
os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias. (...)
§ 2º Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente,
inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, as relativas à inovação e ao desenvolvimento
científico e tecnológico custeadas por fundo criado para tal finalidade e as ressalvadas pela lei de diretrizes
orçamentárias.
(...)”.
18
A limitação de empenho é mecanismo por meio do qual se ajustam as expectativas do orçamento aos fatos
verificados ao longo do exercício financeiro. É que, conforme leciona José Maurício Conti, “Sendo o orçamento
anual, a previsão das receitas e despesas no orçamento contém valores que representam a atividade financeira
durante todo o ano. Assim, as receitas nele previstas não correspondem a dinheiro existente e disponível, mas sim
a uma estimativa da arrecadação que se concretizará ao longo de todo o exercício financeiro. O mesmo ocorre
com as despesas, cuja previsão orçamentária, ato necessário para que sejam autorizados os gastos, por força do
princípio da legalidade orçamentária, representa valores a serem despendidos durante o exercício financeiro.
Essa autorização anual, para que se concretize, depende da arrecadação, com a qual deve guardar
compatibilidade, razão pela qual a dotação orçamentária não autoriza, por si só, a realização da despesa”.
(CONTI, José Maurício. Hora é de “apertar o cinto” e contingenciar gastos. p. 153 -156. In: Levando o direito
financeiro a sério. São Paulo: Blucher, 2016.
ISBN: 978-85-8039-144-2. Disponível em: < https://openaccess.blucher.com.br/article-details/e-hora-de-apertar-
o-cinto-e-contingenciar-gastos-19851>. Acesso em: 05 mai. 2021.

ACO nº 3.508 20
contida no § 2º do art. 9º da LRF, feita pelo autor em sua exordial, não se ajusta à
hipótese dos autos.

II.2.2 – Do argumento consequencial. Do art. 20 da LINDB. Dos


impactos da decisão recorrida. Da responsabilidade na gestão fiscal
(LC nº 101/2000) e das normas que restringem o crescimento dos
gastos públicos

Segundo o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito


Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/1942), “Nas esferas administrativa, controladora
e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam
consideradas as consequências práticas da decisão”.

O dispositivo, embora não altere a incidência e a repercussão jurídica


das leis e demais atos normativos sobre os fatos que visam regular, permite sejam
demonstrados os impactos da decisão agravada, ainda que com o intuito de auxiliar
essa Corte no melhor entendimento e resolução do tema, em especial diante do
princípio da cooperação processual (art. 6º do CPC) 19.

A esse respeito, vejam-se as considerações de MARÇAL JUSTEN


FILHO, para quem a previsão dos efeitos de uma decisão correlaciona-se à sua
própria compatibilidade com o princípio da proporcionalidade:

A previsão dos efeitos práticos da decisão a ser adotada, para fins de


ponderar os valores escolhidos, consiste num processo mental de
natureza lógica, fundado no conhecimento técnico e na experiência.
O dispositivo exige que a autoridade competente formule uma projeção
quanto aos possíveis cenários resultantes da decisão adotada. Essa
projeção é uma atividade fundada no raciocínio lógico, refletindo um
processo de causa e efeito. A decisão é considerada como um evento
apto a produzir efeitos. Esses efeitos são identificados segundo juízos
mentais que projetam relações de causalidade. Esses juízos fundam-se
no conhecimento técnico-científico e na experiência da vida social.
(...)

19
CPC: “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável,
decisão de mérito justa e efetiva.”.

ACO nº 3.508 21
É indispensável assinalar que a observância da proporcionalidade
exige, de modo inafastável, uma avaliação prévia quanto aos efeitos
práticos da decisão20.
(grifou-se)

Assim, convém trazer considerações acerca dos riscos fiscais


proporcionados pela decisão que deferiu a liminar.

Com esse objetivo, a Secretaria do Tesouro Nacional, por meio do


Ofício SEI nº 115021/2021/ME (doc. anexo), informa que, “face à dinâmica de
crescimento estrutural das despesas obrigatórias, em particular os benefícios
previdenciários, encontra-se cada vez mais comprimido o espaço fiscal para
realização de despesas discricionárias no âmbito do Poder Executivo”21:

20
JUSTEN FILHO, Marçal. Art. 20 da LINDB: dever de transparência, concretude e proporcionalidade nas
decisões públicas. Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução
às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), nov. 2018. p. 29-30. Disponível em: <
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/77648>. Acesso em: 05 mai. 2021.
21
Grifou-se.

ACO nº 3.508 22
O gráfico anterior expõe “as séries de despesas primárias
obrigatórias e de despesas discricionárias do Poder Executivo, acumuladas em
12 meses, a preços constantes de março de 2021”. O Tesouro Nacional observa
“forte declínio na trajetória da despesa discricionária nos últimos anos,
passando de R$ 213,3 bilhões no período acumulado em 12 meses encerrado em
outubro de 2014, para R$ 113,7 bilhões em 2020”22.

Também alerta que “Essa redução do espaço para realização de


despesas discricionárias compromete a realização de investimentos e outros
gastos com a manutenção de serviços públicos essenciais ao cidadão”23.

O referido órgão do Ministério da Economia aponta, no que toca à


programação para 2021, que o cenário é ainda mais “desafiador”. Indica que
“Considerando os ajustes necessários ao cumprimento do ‘teto de gastos’, a
despesa discricionária do Poder Executivo decorrente da Lei Orçamentária Anual
(LOA 2021) situa-se próximo a R$ 110 bilhões, já incluídos R$ 35,5 bilhões
relativos a emendas parlamentares. Deste modo, não obstante o mérito da
despesa, a realocação de recursos para a realização do censo demográfico –
estimado em cerca de R$ 2 bilhões – pode dificultar ainda mais o funcionamento
da máquina pública”24.

Afinal, como destaca a Secretaria de Orçamento Federal na já


referenciada Nota Técnica SEI nº 20816/2021/ME, uma vez mantida a decisão
agravada, o provimento liminar não isenta o Poder Executivo federal de “cumprir
todas as regras orçamentárias e fiscais para atingir esse objetivo”.

Isso significa que “os recursos necessários para recompor a dotação


do Censo ao nível do que foi encaminhado no PLOA-2021, isto é, crédito
adicional no valor de R$ 1.946.750.000,00, indubitavelmente deverá conter
recursos compensatórios, para que seja possível dar cumprimento ao teto dos

22
Grifou-se.
23
Grifou-se.
24
Destacou-se.

ACO nº 3.508 23
gastos, e a meta de resultado fiscal”. Assim, é preciso ter em mente que a decisão
recorrida, da forma como posta, repercutirá na redução de outras despesas a título
de compensação, podendo corresponder a ações governamentais tão relevantes
quanto o Censo.

Todo esse cenário dialoga com a arquitetura normativa que rege, em


nosso ordenamento jurídico, a responsabilidade na gestão fiscal25 e a criação e a
expansão de despesas públicas (art. 167, I e II, da Constituição; arts. 15 a 17 da
LC nº 101/2000; e arts. 125 e 126 da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 –
Lei nº 14.116/2020).

O contexto de restrição fiscal, acentuado pela atual quadra histórica,


caracterizada pelo combate à Covid-19, impõe limites rígidos ao crescimento das
despesas públicas. Há a necessidade de cumprimento de normas que condicionam
a expansão dos gastos correntes, em especial: (i) o teto de gastos acrescido pelo
“Novo Regime fiscal” (arts. 106 a 114 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias); (ii) a meta de resultado fiscal fixada para o presente exercício (art.
2 da LDO-2021); e (iii) a chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que
veda a realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas
de capital (art. 167, III, da Constituição de 1988).

Ao tempo em que a obediência a essas normas se revela pressuposto


basilar de uma gestão fiscal responsável, a decisão que deferiu a liminar é capaz
de representar um obstáculo ao cumprimento dessas regras, na contramão do
princípio da responsabilidade na gestão fiscal.

25
LC nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal): “Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças
públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da
Constituição.
§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos
e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de
resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita,
geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de
crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
(...)” (grifou-se).

ACO nº 3.508 24
Não é demais ressaltar que, como o cumprimento da decisão recorrida
impõe necessariamente a alteração da Lei Orçamentária Anual, tem-se como
requisito indispensável para tanto o regular envio de projeto de lei prevendo a
respectiva modificação do orçamento de 2021, o qual deverá ser devidamente
analisado e votado pelo Congresso Nacional. Assim, somente após a promulgação
dessa nova lei será possível a efetiva execução de eventual novo orçamento
destinado à realização do censo.

O cenário aqui retratado, por certo, inspira seja considerada a situação


fiscal da União, em especial tendo em vista a substância do mérito da tese federal,
exposta ao longo destas razões recursais.

Como bem ressaltado pelo Min. EDSON FACHIN, ao proferir o voto


vencedor do julgamento da AC nº 3637 ED-AgR/RO, a efetividade jurisdicional
“deve levar necessariamente em conta a noção de consequencialismo jurídico
positivada no art. 20 do Decreto-Lei 4.657/1942, com o intuito de resguardar a
segurança jurídica e o interesse social no exercício da Administração da
Justiça”26.

Ressalte-se, ademais, que, ainda que seja possível uma célere


alocação orçamentária para a concretização do censo, a qual, repita-se, depende
de envio de projeto de lei para a alteração da Lei Orçamentária Anual e da
consequente aprovação do mesmo pelo Congresso Nacional, de acordo com
informações prestadas pelo IBGE, a operacionalização de todas as etapas
necessárias para a realização do Censo ainda no ano de 2021 apresenta outros
óbices, que não mais se restringem à simples disponibilização de recursos.

Em nota técnica (doc. anexo), o Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística-IBGE expõe as seguintes dificuldades para a concretização do censo,
mesmo no cenário de imediata readequação orçamentária, verbis:

26
AC 3637 ED-AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2019, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 04-10-2019 PUBLIC 07-10-2019.

ACO nº 3.508 25
Caso o STF decida pela recomposição do orçamento solicitado pelo
IBGE, a viabilidade da execução da operação ainda em 2021 terá
obrigatoriamente que ser avaliada à luz de aspectos técnicos e
operacionais que são fundamentais para assegurar a execução de todas
as etapas preparatórias que precedem o início dos trabalhos de campo e
também aquelas que envolvem a coleta de dados propriamente dita, vez
que os atrasos no Cronograma Geral de Atividades já não permitem mais
que o início da coleta de dados ocorra em 1º de agosto, conforme estava
previsto no projeto original.
Os principais aspectos a serem avaliados são:
• análise das implicações nas questões técnicas como a mudança na data
de referência (a original era 31/07 para 01/08) e no período da coleta
(original era agosto a outubro, com revisão e fechamento em novembro),
entre outras.
• revisão do Cronograma Geral de Atividades considerando:
- a retomada dos processos seletivos para recrutamento de mais de 200
mil temporários que atuarão na coleta de dados (supervisores e
recenseadores), distribuídos em todos os municípios. Essa revisão
envolve a empresa operadora dos processos seletivos (Cebraspe);
- realização do Teste de Homologação de Equipamentos e Sistemas para
identificação de ajustes ainda necessários;
- reprogramação da cadeia de capacitação das cinco etapas de
treinamento do pessoal da Casa e dos contratados. Os cursos na
modalidade a distância exigem maior prazo de execução;
- retomada de diversos processos de aquisição de bens e serviços,
inclusive de empresa de publicidade, que foram suspensos quando o
orçamento foi cortado;
- retomada das ações para instalação dos Postos de Coleta (unidades de
trabalho das equipes de campo em todos os municípios). Esta atividade
depende das condições da pandemia, vez que é essencialmente
presencial; o retomada das atividades de recebimento e preparo dos
equipamentos de coleta nas 27 Unidades Estaduais;
- datas de início e fim da coleta de dados, revisões e fechamento.
• revisão dos custos da operação tomando em conta que a coleta de
dados em domicílios nos meses de dezembro e janeiro é de difícil
realização em tempos normais devido à intensificação das viagens das
famílias nesse período. Após dois anos de represamento de viagens em
razão da pandemia, é de se esperar que as viagens sejam ainda mais
numerosas, o que resultará em alto índice de domicílios fechados
(ocupados sem entrevista), os quais terão de ser revisitados para
realização das entrevistas, acarretando, assim, a extensão do período da
coleta para além dos três meses planejados, o que exigirá a prorrogação
dos contratos dos supervisores que têm um custo mensal de R$ 74
milhões, além das despesas com deslocamentos de pessoal e outros itens
correlatos.

ACO nº 3.508 26
• implicações da coleta de dados em dezembro e janeiro quando serão
grandes as chances de desistência dos recenseadores para gozo de férias
- a maioria é estudante, na faixa etária de 18 a 25 anos.
• possíveis dificuldades nos pagamentos do mês de dezembro após o
fechamento do exercício orçamentário, vez que os pagamentos da
produção dos recenseadores devem ser feitos de imediato, sob pena de
desistência, além das inúmeras outras despesas que não podem deixar
de ser pagas para não prejudicar os trabalhos de campo (coleta e
supervisão) no último mês da coleta e no período de revisão e
encerramento dos trabalhos em cada município.
• a necessidade de haver disponibilidade orçamentária e financeira de
grande monta para as despesas da finalização da coleta, revisões,
supervisão, coleta da pesquisa pós-enumeração nos meses de janeiro a
março.
Além dos aspectos acima registrados, há que ser considerada também a
evolução da pandemia, vez que a permanência em níveis altos nos meses
de junho e julho impedirá a realização da aplicação das provas dos
processos seletivos, como já ocorreu no mês de abril, e também a
necessidade de imunização das equipes de campo com pelo menos dois
a três meses e meio de antecedência da data de início da coleta,
dependendo da vacina.
Dados os aspectos negativos apontados no cenário de realização do
Censo ainda em 2021, alternativas de realização da operação
censitária em 2022 devem ser consideradas. A mais plausível é a
realização nos mesmos períodos do plano original - com a coleta de
dados nos meses de agosto a outubro, mantendo-se, assim, os
mesmos prazos planejados para a operação de 2020, com ajustes na
cadeia de treinamento. Outra alternativa é a de realização ainda no
primeiro semestre ao ano. Entretanto, esta opção não poderá contar
como o início da coleta antes do mês de maio, para evitar as intensas
atividades preparatórias - contratação e treinamento de pessoal, entre
outras - no mês de dezembro e no primeiro trimestre do ano, quando o
período de viagens e as questões orçamentárias são prejudiciais à
execução dessas atividades, conforme já citado neste documento.

Nesse sentido, vejam-se os cenários traçados na mencionada Nota


Técnica e cada um de seus riscos:

Cenários:
1 - Coleta de Dados a partir de 12/10/2021
Requisitos
• considera que a decisão do STF seja tomada no dia 14/05/2021 e
os recursos orçamentários sejam disponibilizados para o IBGE de
imediato;
• conta com a disponibilidade do Cebraspe para reabrir inscrições
de candidatos em 24/05/2021;

ACO nº 3.508 27
• que a situação da pandemia permita a realização do Teste de
Homologação de Equipamentos e Sistemas em junho e das provas em
11 e 18 de julho.

Riscos
• Coleta de dados último trimestre do ano, com revisão em janeiro
e fevereiro, o que gera grandes chances de prejuízos na cobertura, com
prolongamento da operação de campo e aumento de custo.
• População ainda não plenamente vacinada levando a possíveis
resistências para receber o recenseador;
• Prováveis dificuldades de ordem orçamentária e financeira em
dezembro e nos primeiros meses de 2022.
• Alta probabilidade de desistências dos recenseadores durante o
período de coleta;
• Alguma chance da situação da pandemia impedir a realização das
provas em julho.

2 - Coleta de Dados no início de 2022.


Requisitos
• Início da coleta de dados em maio;
• necessidade de recursos orçamentários em 2021 para ações
preparatórias, como a contratação da empresa de publicidade.

Riscos
• mudança da data de referência - a ser avaliada pelo Comitê
Técnico, pela Comissão de Planejamento e Organização dos Censos e
pela Comissão Consultiva.

3 - Coleta de dados a partir de agosto de 2022


Requisitos
• inclusão do orçamento na LOA 2022 (ainda a ser dimensionado)

Riscos
• Não há riscos neste cenário, além da postergação da divulgação de
resultados apenas no final de 2022 / início de 2023.

Diante de tal nota técnica, a Presidência do IBGE expediu o Ofício nº


159/2021/PR/IBGE (doc. anexo), esclarecendo que:

Sob o ponto de vista técnico e de vontade, o IBGE sempre esteve pronto


para realizar o Censo Demográfico. Estávamos prontos em 2020, o
mesmo em 2021, a pandemia em 2020 e as intercorrências temporais do

ACO nº 3.508 28
processo em 2021 sugerem razões técnicas para que o mesmo se
realize em 2022.
(destacou-se)

Assim, mostra-se indispensável a revisão da decisão que concedeu a


liminar.

Por fim, com o intuito de colaborar com a prestação jurisdicional


dessa Suprema Corte e de garantir a escorreita efetivação do Censo, tão relevante
para a estruturação das diversas políticas públicas, como pedido subsidiário,
sugere-se a adoção da técnica de decisão adotada recentemente por esse Supremo
Tribunal Federal no Mandado de Injunção nº 7300, cujo pedido restou deferido
nos seguintes termos do voto vencedor do Ministro GILMAR MENDES:

Ante o exposto, peço vênia ao relator e voto pela concessão parcial da


ordem injuncional, para:
i) determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da
Lei 13.300/2016, implemente, “no exercício fiscal seguinte ao da
conclusão do julgamento do mérito (2022)”, a fixação do valor
disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 para o estrato da população
brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema
pobreza e pobreza - renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00,
respectivamente – Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as
medidas legais cabíveis, inclusive alterando o PPA, além de previsão
na LDO e na LOA de 2022; e
ii) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem
as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização
dos valores dos benefícios básico e variáveis do programa Bolsa Família
(Lei 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que
aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente
em vigor, mormente a Lei 10.835/2004, unificando-os, se possível.
(grifou-se)
(MI 7300, Relator: Ministro Marco Aurélio; Redator para o acórdão:
Ministro Gilmar Mendes, Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Sessão
virtual ocorrida entre 16 e 26 de abril de 2021, acórdão pendente de
publicação – grifou-se)

Ressalte-se que a preocupação da Suprema Corte tanto com a


ausência de rubrica orçamentária no curso do ano em que proferida a decisão como
com a necessidade de planejamento orçamentário também foi manifestada quando

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do julgamento da repercussão geral no RE nº 553.710, no qual restou fixada a
seguinte tese:

6. Fixada a seguinte tese de repercussão geral, dividida em três pontos:


i) Reconhecido o direito à anistia política, a falta de cumprimento de
requisição ou determinação de providências por parte da União, por
intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e
18, caput e parágrafo único, da Lei nº 10.599/02, caracteriza ilegalidade
e violação de direito líquido e certo.
ii) Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das
indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a
ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o
pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias.
iii) Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade orçamentária
no exercício em curso, cumpre à União promover sua previsão no
projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte. (grifou-se)
(RE 553.710 RG, Relator: Ministro Dias Toffoli; Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 23/11/2016)

Sucessivamente, tomando por base manifestação técnica do


Ministério da Economia, um segundo pedido subsidiário apto a permitir o
cumprimento da decisão agravada seria sua modificação para que restasse
expressamente autorizado que o Poder Executivo, quando do envio de projeto de
lei que viesse a propor a alteração orçamentária decorrente da ordem judicial, “a
utilizar como cancelamento os recursos discricionários das emendas não
impositivas à LOA 2021”, nos termos em que cogita o item “16” da Nota Técnica
SEI nº 20816/2021/ME (doc. anexo, fl. 3)27.

III – DOS PEDIDOS

Pelas razões expostas, a União requer seja reconsiderada a decisão


agravada, para que seja indeferido o pedido de tutela provisória de urgência.

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Conforme expõe a citada Nota Técnica, a medida “teria o condão de compensar nas despesas primárias o crédito
para o Censo”, o que permitiria “a manutenção do teto dos gastos e da meta fiscal” assim como preservaria “o
restante da programação de recursos sob gestão do Poder Executivo”. O documento ressalta, inclusive, que “a
resolutividade nestes termos seria novamente submetida ao escrutínio do processo legislativo no Congresso
Nacional, que poderia decidir ou não pelo restabelecimento do orçamento na rubrica em análise” (sublinhou-se).

ACO nº 3.508 30
Subsidiariamente, na remota hipótese de ser mantida a liminar, requer
seja permitida a realização do Censo no ano de 2022, devendo o Poder Executivo
tomar as medidas administrativas e orçamentárias pertinentes para a destinação de
recursos necessários ao IBGE, inclusive mediante a previsão dos valores
respectivos no projeto de lei orçamentária do ano vindouro.

Caso assim não se entenda, pede seja expressamente autorizado o


Poder Executivo, no cumprimento da decisão, quando do envio de projeto de lei
que proponha a alteração do orçamento vigente por força da ordem judicial, “a
utilizar como cancelamento os recursos discricionários das emendas não
impositivas à LOA 2021”, nos termos em que cogita o Ministério da Economia no
item “16” da Nota Técnica SEI nº 20816/2021 (doc. anexo, fl. 3).

Na ausência de juízo de reconsideração, requer que o órgão colegiado


dessa Suprema Corte julgue o presente recurso nos termos acima propostos.

Nesses termos, pede deferimento.

Brasília, 06 de maio de 2021.


FABRICIO DA Assinado de forma digital por
FABRICIO DA
SOLLER:9122239790 SOLLER:91222397900
0 Dados: 2021.05.06 19:43:46 -03'00'

FABRÍCIO DA SOLLER
Advogado-Geral da União Substituto
Dados: 2021.05.06 19:49:13 -03'00'
IZABEL VINCHON NOGUEIRA DE ANDRADE
Secretária-Geral de Contencioso

ANDREA DE QUADROS DANTAS ECHEVERRIA


Diretora do Departamento de Controle Difuso
DEOLINDO CRIVELARO Assinado de forma digital por DEOLINDO CRIVELARO NETO:34778043847

NETO:34778043847
Dados: 2021.05.06 20:03:31 -03'00'

DEOLINDO CRIVELARO NETO


Coordenador-Geral de Assuntos Federativos
LEANDRO PEIXOTO Assinado de forma digital por LEANDRO
PEIXOTO MEDEIROS:01982917369
MEDEIROS:01982917369 Dados: 2021.05.06 19:55:53 -03'00'

LEANDRO PEIXOTO MEDEIROS


Advogado da União

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