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PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO


3a VARA DO TRABALHO DE CUIABÁ - MT

Aos quatro dias do mês de fevereiro, do ano 2.005, às 17:54 horas, na 3 a VARA
FEDERAL DO TRABALHO DE CUIABÁ - MT, por determinação do Juiz JOÃO HUMBERTO
CESÁRIO, foi aberta a sessão de julgamento relativa ao processo No 01508.2004.003.23.00-0,
onde contendem LUIZ CARLOS DE ALVARENGA (RECLAMANTE), SOCIEDADE DE
PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA DE CUIABÁ (1a RECLAMADA) e UNIC –
UNIVERSIDADE DE CUIABÁ (2a RECLAMADA). Observada a praxe, o processo foi
submetido a julgamento, sendo prolatada a seguinte sentença.

I – RELATÓRIO

LUIZ CARLOS DE ALVARENGA (RECLAMANTE), ajuizou a presente reclamatória


em face de SOCIEDADE DE PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA DE CUIABÁ
(1a RECLAMADA) e UNIC – UNIVERSIDADE DE CUIABÁ (2 a RECLAMADA), em
20.08.04. Formulou, face aos fatos e fundamentos expendidos, os pedidos elencados no libelo.
Colacionou documentos. Deu à causa o valor de R$138.208,36.

Regularmente citadas, as reclamadas compareceram à sessão inaugural da audiência,


apresentando resposta na forma de contestação aos itens postulados, com documentos.

Réplicas do reclamante às fls. 456/464 (em relação à 2 a reclamada) e 465/472 (em relação
a
à 1 reclamada)

Realizada a sessão instrutória da audiência, conforme ata de fls. 487/490.

Este, no que importa, o relatório. Cuidadosamente vistos e examinados, decido.

II – FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINARES PROCESSUAIS

PRESSUPOSTO PROCESSUAL: INÉPCIA DA INICIAL

Rejeito a preliminar de inépcia eriçada pelos reclamados, haja vista que a inicial atende
aos requisitos traçados pelo artigo 840 da CLT, dela se extraindo com clareza a pretensão do
vindicante, fato que propiciou às reclamadas, pelo menos no terreno da abstração, o regular
exercício do direito de defesa.

CARÊNCIA DE AÇÃO: ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM

Eriçada pela 2a reclamada preliminar de carência de ação, fundada na sua suposta


ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, eis que jamais teria sido empregadora do
reclamante.

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Entrementes, sem razão. Ocorre que, o epicentro da questão debatida no presente
processo funda-se na existência ou não do fenômeno trabalhista da sucessão de empregadores,
sendo tal discussão imprescindível ao deslinde meritório da demanda, onde será prolatado
provimento de absolvição ou condenação da suscitante. Rejeito.

CARÊNCIA DE AÇÃO: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

Ventilada enfim, pela primeira reclamada, preliminar de carência de ação, em face de


suposta impossibilidade jurídica dos pedidos formulados pelo obreiro.

Mais uma vez sem razão. Para obter êxito em sua preliminar, a vindicada deveria
demonstrar a existência de normas no ordenamento jurídico que tornassem abstratamente
inviáveis os pedidos do autor (todos expressamente consagrados no âmbito da ciência juslaboral),
o que nem de longe conseguiu, principalmente se levarmos em conta que o escopo primordial da
primígena em relação à suscitante, centra-se na obtenção de provimento responsabilizatório.

Se a tese jurídica veiculada pela segunda reclamada for acolhida, o pedido obreiro a ela
dirigido será rejeitado, não havendo que se falar, com efeito, na sua extinção sem julgamento do
mérito. Prossigo.

NULIDADE: PROTESTOS DAS PARTES

Inconformadas com algumas das interlocutórias proferidas no curso da instrução


processual, as partes lançaram as partes seus respectivos protestos em ata, pugnando pela
nulidade do processado.

Sem razão, na medida em que as decisões guerreadas sustentaram-se na dicção dos artigos
765 da CLT e 130 do CPC, que garantem ao magistrado ampla liberdade na direção do processo,
outorgando-lhe o poder/dever de indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias, bem
como a possibilidade de tomar quaisquer diligências necessárias ao esclarecimento das causas.

Como é curial, a inversão da ordem de tomada dos depoimentos pessoais e testemunhais


se deu em consonância com a mais pacífica jurisprudência a respeito do tema. Por outra via, a
limitação da prova testemunhal ao elemento fático-jurídico da pessoalidade se lastreou no
princípio da economia dos atos processuais, na medida em que o imbróglio relativo aos demais
itens caracterizadores da relação de emprego estava dissolvido pelo incontroverso da situação ou
pelas respectivas oitivas pessoais. Nada a prover.

PREJUDICIAIS DE MÉRITO

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Embora reconhecendo a prestação de trabalho, as reclamadas negaram-lhe a natureza


jurídica empregatícia típica, aduzindo que no caso não restariam presentes os elementos fático-
jurídicos hábeis a respaldá-la.

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Ao agirem assim, abriram ensanchas à inversão da ordem de tomada de depoimentos,
procedimento efetivamente adotado pelo juízo, em consonância com a jurisprudência processual
trabalhista solidificada há décadas.

Prestando depoimento pessoal, o preposto da segunda reclamada asseverou não saber se o


reclamante recebia ordens na execução de sua labuta, tornando desnecessárias, a partir de então,
maiores incursões sobre o tema, haja vista que a OJ84 da SDI-1/TST estatui que somente a prova
pré-constituída nos autos é que deve ser levada em conta para confronto com a confissão ficta,
não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores.

Todavia, no que diz respeito aos demais pilares fáticos da relação de emprego, os
prepostos responderam as questões a contento, sem qualquer prejuízo para as reclamadas, razão
pela qual decidi ouvir o autor, já que para a cabal caracterização da relação de emprego hão de
estar presentes, conjugadamente, todos requisitos traçados na lei (pessoa física, pessoalidade,
subordinação, onerosidade e não-eventualidade).

Pois bem.

Escutado o vindicante, já de imediato me convenci da não existência de relação


empregatícia típica no caso vertido, na medida em que ele admitiu ao juízo, sem leguleios ou
tergiversações, que seus pagamentos eram feitos através de depósitos diretamente realizados pelo
Sistema Único de Saúde em sua conta corrente.

Dessarte, rememorando a dicção do artigo 2o da CLT, a dizer em síntese que empregador


é a empresa que admite, “assalaria” e dirige a prestação pessoal de trabalhos, não posso
concluir de modo diverso, senão para entender que as vindicadas não seriam empregadoras, já
que decididamente não o remuneravam.

Aliás, ao dizer em seu depoimento pessoal que recebia pagamentos diretamente do SUS;
que no âmbito do hospital atendia ainda pelo convênio denominado UNIMED; e que recebia
pagamento variável em função do número de procedimentos clínicos realizados, o autor deixou
entrever que em realidade se tratava de profissional autônomo da medicina, não podendo ser tido
como trabalhador celetista.

Não bastassem todas essas constatações, decidi ainda, num arroubo de complacência,
passar à oitiva de testemunhas, limitando os depoimentos, entrementes, ao quesito da
pessoalidade, embora a bem da verdade sequer fosse necessário fazê-lo.

Assim, inobstante a questão esteja alhures superada, devo digredir a fim de rememorar o
quão impertinente eram os protestos eriçados pelos litigantes no curso da instrução, haja vista
que, ao revés de cerceamento de defesa, produziu-se excesso de provas. Ademais, como diriam
os gauleses: pás de nullité sans grief.

No entanto, apesar de desnecessárias, as provas testemunhais não se mostraram inúteis,


pois acabaram por referendar minha convicção da ausência de vínculo trabalhista típico no
episódio a balha.

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Ocorre que, ouvidas as duas testemunhas da primeira reclamada, ambas disseram, em
linhas gerais, que as escalas observadas pelos médicos eram elaboradas levando em conta as
conveniências pessoais dos componentes do corpo clínico, havendo a possibilidade, no caso de
necessidade, dos trabalhadores se fazerem substituir no plantão, indicando eles próprios os
substitutos.

Por outra cardeal, a contraprova do autor não foi suficientemente robusta para elidir
aludidas informações, vez que nenhuma de suas duas testemunhas descartou por completo a
observância dos interesses pessoais na confecção das escalas, ambas corroborando a
possibilidade da substituição em caso de inviabilização de cumprimento dos plantões, sem
qualquer incidência de punições, bastando a comunicação prévia a quem de direito.

De outro tanto, mas em diapasão ainda mais ritmado, há que se notar que além da prova
testemunhal ter elucidado a ausência do elemento pessoalidade na prestação de serviços, acabou
ainda que por via transversa, em contrariar a ficta confessio relativa à subordinação, evidenciando
uma boa dose de autonomia do vindicante na condução de suas atividades, já que não estava
adstrito ao cumprimento rígido de sentinelas e horários.

À vista de todo o exposto, declaro a inexistência de vínculo empregatício entre o


reclamante e as reclamadas.

Por corolário de lógica jurídica, resta embaraçada a análise das prejudiciais relativas à
sucessão de empregadores e prescrição qüinqüenal, já que seria no mínimo inusitado, talvez
exótico ou teratológico, se cogitar de suas respectivas existências no contexto de ausência de
liame laboral típico.

De toda sorte, nada obstará que o E. TRT possa enfrentar a matéria em eventual sede
recursal, já que nos termos dos §§ 1 o e 2o do artigo 515 do CPC, serão objeto de apreciação e
julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a
sentença não as tenha julgado por inteiro, sendo certo que quando o pedido ou a defesa tiver
mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o
conhecimento dos demais.

MÉRITO DE SENTIDO ESTRITO

ABSOLVIÇÃO DAS RECLAMADAS

Não havendo vínculo empregatício entre os contendores, rejeito todos os pedidos


formulados na demanda (condenatórios, mandamentais e executivos lato sensu), para deles
absolver as reclamadas.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

O reclamante exerceu seu direito constitucional de ação com parcimônia e comedimento,


não havendo que se considerá-lo litigante de má-fé.

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III – DISPOSITIVO

Assim sendo, resolvo, nos autos da Reclamação Trabalhista No 01508.2004.003.23.00-0,


onde contendem LUIZ CARLOS DE ALVARENGA (RECLAMANTE), SOCIEDADE DE
PROTEÇÃO À MATERNIDADE E À INFÂNCIA DE CUIABÁ (1a RECLAMADA) e UNIC –
UNIVERSIDADE DE CUIABÁ (2a RECLAMADA):

1 – Rejeitar as preliminares eriçadas;

2 – Declarar a inexistência de vínculo trabalhista entre os litigantes;

3 – Pronunciar a inviabilização do enfrentamento das prejudiciais relativas à sucessão de


empregadores e prescrição qüinqüenal;

4 – Rejeitar todos os pedidos formulados na demanda (condenatórios, mandamentais e


executivos lato sensu), para deles absolver as reclamadas.

Tudo nos termos da fundamentação, que passa a fazer parte do presente dispositivo, para
todos os fins que se fizerem necessários.

Custas pelo reclamante, no importe de R$2.764,16 calculadas sobre R$138.208,36, valor


por ele atribuído à reclamatória.

Cientes (E.197/TST).

Prestação jurisdicional cognitiva entregue.

Juiz JOÃO HUMBERTO CESÁRIO

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