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Reclamação constitucional: conjugando Constituição Federal, Código de Processo

Civil, Regimento Interno do STF e Lei Ordinária

O Código de Processo Civil de 2015 traz, no seu artigo 988, hipóteses de cabimento do
instituto chamado Reclamação. O artigo está dentro do Livro III, sobre processos nos
Tribunais e meios de impugnação das decisões judiciais; e do Título I, que rege a
ordem dos processos e os processos de competência originária dos Tribunais.

Por conseguinte, não faz parte do Título II, de forma que não se trata de Recurso. Para
o Ministro Gilmar Mendes, e conforme posição majoritária da literatura especializada,
a natureza jurídica da Reclamação é de ação propriamente dita.

De acordo com o CPC/15, cabe Reclamação pela parte interessada ou pelo Ministério
Público nos seguintes casos:

 preservar a competência do Tribunal;


 garantir a autoridade das decisões do Tribunal;
 garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do
Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; e
 garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de
resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de
competência.

Há também duas hipóteses de inadmissibilidade:

 se proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; e


 se proposta para garantir a observância de acórdão de Recurso Extraordinário
com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de
Recursos Extraordinário ou Especial repetitivos, quando não esgotadas as
instâncias ordinárias.

O contexto da Reclamação perante o STF encontra regulamentação mais precisa


na Constituição Federal de 1988. O artigo 102, I, l, prevê que compete ao Supremo
processar e julgar, originariamente, a Reclamação para a preservação de sua
competência e garantia da autoridade de suas decisões.

O artigo 103-A, § 3º, dispõe que cabe Reclamação ao Supremo Tribunal Federal para
atacar ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula vinculante aplicável
ou que for aplicada indevidamente.

Nesse caso, se julgada procedente a Reclamação, o STF deve anular o ato


administrativo ou cassar a decisão judicial reclamada, e determinar que outra seja
proferida com ou sem a aplicação da súmula vinculante, conforme o caso concreto.

Os procedimentos específicos da Reclamação constitucional constam no Regimento


Interno do Supremo Tribunal Federal, artigos 156 a 162, e na Lei nº 8.038/90, que
institui normas procedimentais para processos perante o STJ e STF, nos artigos 13 a 18.
Portanto, a Reclamação constitucional tem por finalidade última preservar a posição
institucional do Supremo, fortalecer a estrutura hierárquica do Judiciário, uniformizar a
jurisprudência e garantir segurança jurídica.

Reclamação, recursos repetitivos e repercussão geral: é possível conciliar?

É cabível a Reclamação para preservar precedente firmado pela Corte Superior? Seria
possível o manejo da Reclamação para garantir a observância de acórdão de Recurso
Extraordinário com repercussão geral ou de Recurso Especial repetitivo?

O Superior Tribunal de Justiça entende não ser cabível Reclamação para preservar o
precedente firmado em Recurso Especial repetitivo. Não pode ser entendida como
uma espécie de sucedâneo recursal, que devolve à Corte o debate quanto à aplicação
concreta da tese (STJ, AgInt na Rcl 39.760/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze,
Segunda Seção, DJe de 04/06/2020).

Conforme julgado:

“tal ação é destinada a preservar a competência do STJ ou garantir a autoridade de


suas decisões, não sendo adequada à preservação de sua jurisprudência, mas sim à
autoridade de decisão tomada em caso concreto e envolvendo as partes postas no
litígio do qual ela é originada” (AgInt na Rcl n. 41.776/RO, relator Ministro Francisco
Falcão, Primeira Seção, julgado em 9/11/2021, DJe de 11/11/2021).

Já o Supremo Tribunal Federal mantém uma postura diferente. Apesar de já ter se


pronunciado no sentido de que as Reclamações não se prestam ao papel de simples
substitutas de recursos de natureza ordinária ou extraordinária, elas são aceitas com o
intuito de preservar a autoridade dos julgamentos realizados com repercussão geral.

O Supremo fixou a demonstração da teratologia da decisão reclamada como um dos


pressupostos de cabimento da Reclamação, nos casos em que se aplica o
entendimento que foi firmado por meio de repercussão geral (Rcl 33709 AgR, Rel. Rosa
Weber, Primeira Turma, julgado em 20/09/2019).

De acordo com o Ministro Gilmar Mendes (Rcl 26.093/PI, DJe de 6/2/2017), outros
pressupostos cumulativos são:

 o esgotamento das instâncias ordinárias;


 a interposição de agravo interno da decisão monocrática que sobresta o feito,
inadmite liminarmente o Recurso da competência do STF ou julga-o
prejudicado; e
 a plausibilidade na tese de erronia na aplicação do entendimento do Supremo
firmado na repercussão geral pelo Juízo a quo.

Julgado recente do STF estabeleceu que:

“1. Em que pese o esgotamento da jurisdição na instância a quo, o acórdão reclamado


decidiu o caso de fundo atento aos aludidos precedentes. 2. Desse modo, cotejando a
decisão reclamada com os paradigmas de confronto apontados, e respeitando o
âmbito cognitivo deste instrumental, não se constata teratologia no ato judicial que se
alega afrontar os precedentes deste TRIBUNAL” (Rcl 56927 AgR, Rel. Alexandre de
Moraes, Primeira Turma, julgado em 13/02/2023).

As duas Cortes Superiores se posicionam de forma distinta quanto ao cabimento da


Reclamação em situações semelhantes.

É primordial que operador ou operador do Direito, tenha conhecimentos específicos e


profundos ao manejar recursos e ações no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo
Tribunal Federal, para que obtenha o merecido sucesso.

Considerada "teratológica", uma decisão de juizado especial que condenou um


banco a pagar danos sociais, sem que isso tivesse sido pedido na ação, foi anulada
pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Por se tratar de uma ação de juizado
especial, não cabe recurso ao STJ. Entretanto, a corte aplicou pela primeira vez, por
analogia, o rito dos recursos repetitivos (previsto no artigo 543-C do Código de
Processo Civil).
Ajuizada pelo Bradesco, a reclamação contra acórdão de turma recursal dos juizados
especiais traz uma controvérsia identificada em grande número de processos,
principalmente nos juizados vinculados ao Tribunal de Justiça de Goiás. Por isso, a
seção decidiu firmar sua posição conforme o artigo 543-C. Assim, as turmas recursais
que tratarem do tema devem se alinhar ao entendimento do STJ.

No caso, a 2ª Seção firmou a tese de que, por configurar julgamento extra petita
(além do pedido), é nula a decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação
individual, ao pagamento de indenização a título de danos sociais em favor de
terceiro que não faz parte do processo.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que, somente no juizado


especial contra o qual foi apresentada a reclamação, já foram proferidas cerca de
200 condenações ao pagamento de danos sociais em ações individuais nas quais
havia sido pedida apenas indenização por dano moral. Para a Febraban, isso permite
antever a multiplicação de condenações desse tipo contra os bancos.

Identificada a questão como repetitiva, a seção determinou a suspensão de todos os


processos idênticos em trâmite nos juizados especiais e nas turmas recursais
exclusivamente na parte em que fosse discutida a condenação de instituições
financeiras, sem pedido da parte, ao pagamento de danos sociais em favor de
terceiros estranhos à lide.

Caso concreto
O processo julgado trata do caso de uma cliente que ajuizou ação no juizado especial
pedindo indenização por danos morais e materiais em decorrência de débitos em sua
conta corrente realizados pelo Bradesco em 2011. O valor se referia à cobrança de
anuidade de cartão de crédito não solicitado por ela.

A sentença condenou o banco à devolução em dobro do valor cobrado


indevidamente, ao pagamento de indenização de R$ 5 mil para a cliente, como
reparação pelos danos morais. Além disso, deveria pagar R$ 10 mil para o Conselho
da Comunidade de Minaçu (GO), município de residência da cliente, a título de
reparação de danos sociais, ainda que a ação individual não trouxesse nenhum
pedido expresso quanto a isso.

O Bradesco recorreu à turma recursal, que manteve a decisão de pagamento da


indenização suplementar ao argumento de que “agressões reincidentes e
inescusáveis aos direitos dos consumidores geram danos à sociedade”, que
configuram ato ilícito por exercício abusivo do direito.

Reclamação
Apesar de não caber recurso especial ao STJ, o banco apresentou reclamação para
adequar a decisão da turma recursal à jurisprudência sobre o assunto. Alegou que
houve violação dos limites objetivos da ação proposta pela cliente. Disse que o juiz
decidiu além do que foi pedido ao dar uma indenização suplementar não requerida e
por fatos que não embasaram a petição inicial, mas “decorrentes da experiência
pessoal do magistrado em ações de natureza idêntica”.

Inicialmente, o ministro relator destacou que o caso não configura nenhuma das
duas hipóteses de cabimento de reclamação contra decisão de turma recursal:
violação a enunciado de súmula ou a tese definida em recurso repetitivo. No
entanto, trata-se de “decisão teratológica”, o que justifica a análise pelo STJ.

O ministro Raul Araújo, relator, reconheceu que a doutrina moderna tem admitido,
diante da ocorrência de ato ilícito, a possibilidade de condenação ao pagamento de
indenização por dano social. Seria uma categoria inerente ao instituto da
responsabilidade civil, uma espécie de dano reparável por conta de comportamentos
socialmente reprováveis, a ser pedido pelos legitimados para propor ações coletivas.

No entanto, o ministro constatou que a indenização por dano social não poderia ser
aplicada na hipótese. A comparação do pedido da ação com o provimento judicial
deixa claro, para o ministro do STJ, que houve julgamento extra petita – quando a
decisão proferida dá algo diferente daquilo que foi requerido pela parte. Seu voto foi
seguido por unanimidade.

“Ao concluírem pela condenação do reclamante [o banco] ao pagamento de danos


sociais à entidade que não figura como parte na lide, dissociaram-se dos pedidos
formulados pela autora da ação, exarando provimento jurisdicional não requerido e
sobre questão nem sequer levada a juízo por qualquer das partes envolvidas na
demanda”, criticou o relator ao falar da decisão da turma recursal.

Ilegitimidade
Para Raul Araújo, a decisão extrapolou claramente os limites objetivos e subjetivos
da demanda. Ele acrescentou que, mesmo que a cliente, autora da ação, falasse em
condenação em danos sociais, o pedido não poderia ser julgado procedente, porque
esbarraria em ausência de legitimidade para tanto.

“Os danos sociais são admitidos somente em demandas coletivas e, portanto,


somente os legitimados para propositura de ações coletivas têm legitimidade para
reclamar acerca de supostos danos sociais decorrentes de ato ilícito, motivo por que
não poderiam ser objeto de ação individual”, explicou.
A 2ª Seção reconheceu a nulidade da decisão na parte em que condenou o banco ao
pagamento de indenização por danos sociais à entidade que não participou do
processo, mas manteve o restante, quanto aos danos materiais e morais.

Rcl 12062.

Referências

DIMOULIS, Dimitri. Curso de processo constitucional: controle de constitucionalidade


e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017.

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